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Prevalência de oclusopatias e comparação entre a Classificação de Angle e o Índice de Estética Dentária em escolares do interior do estado de São Paulo - Brasil

Resumos

INTRODUÇÃO: as oclusopatias estão entre os principais problemas de saúde bucal em todo o mundo, juntamente com a cárie dentária e a doença periodontal, e vários índices têm sido utilizados para registrá-las. OBJETIVOS: verificar a prevalência de oclusopatias utilizando a Classificação de Angle e o Índice de Estética Dentária (DAI), sua severidade e a necessidade de tratamento ortodôntico registradas pelo DAI, e comparar os resultados de ambos os índices, visando correlacionar o padrão dos dados coletados e a viabilidade de utilizá-los de forma conjunta. MÉTODOS: a amostra consistiu de 734 escolares com idade de 12 anos, de ambos os sexos, da rede pública do município de Lins/SP. Foram realizados exames nos pátios das escolas com utilização de sondas IPC a olho nu. RESULTADOS: pela Classificação de Angle, encontrou-se 33,24% das crianças com oclusão normal e 66,76% com má oclusão. Pelo DAI, observou-se que 65,26% das crianças apresentavam-se sem anormalidades ou com más oclusões leves. A má oclusão definida esteve presente em 12,81%, a má oclusão severa foi observada em 10,90% e a muito severa ou incapacitante em 11,03%. A maioria das crianças (70,57%) apresentou relação molar normal, e o overjet maxilar anterior foi a alteração mais frequentemente observada. No cruzamento dos índices houve semelhanças e divergências. CONCLUSÃO: o DAI não foi sensível a alguns problemas de oclusão detectados pela Classificação de Angle, e a recíproca foi verdadeira, demonstrando que ambos os índices possuem pontos distintos na detecção das oclusopatias, podendo ser utilizados de forma reciprocamente complementar.

Prevalência; Má oclusão; Estudo comparativo


INTRODUCTION: The malocclusions are among the main buccal health problems all over the world, together with dental cavity and periodontal disease. Several indexes are being used for malocclusion registration. The present study verified the prevalence of this condition, using the Angle classification and the Dental Aesthetic Index (DAI), the severity and the necessity of orthodontic treatment registered with the DAI and the results of both indexes were compared, seeking to correlate collected data pattern and the viability of using them together. METHODS: The sample consisted of 734 schoolchildren with 12 years of age, both male and female from the public municipal schools in Lins-SP, Brazil. The exams were performed at the school's playgrounds with the use of IPC probes with a naked eye. RESULTS: For the Angle classification, it was found that 33.24% of the children presented normal occlusion and 66.76% presented malocclusions. It was observed, with the DAI, that 65.26% of the children had no abnormalities or had slight malocclusions. The defined malocclusion was present in 12.81%, severe malocclusion was observed in 10.90% and very severe or disabling malocclusion in 11.03%. Most of the children (70.57%) presented normal molar relationship and the anterior maxillary overjet was the most frequently observed alteration. When the indexes were compared there were similarities and divergences. CONCLUSION: DAI was not sensitive for some occlusion problems detected by the Angle classification, and vice-versa, demonstrating that both indexes have different points in malocclusions detection, so they could be used mutually in a complementary way.

Malocclusion; Angle classification; Dental Aesthetic Index; Prevalence; Index


ARTIGO INÉDITO

Prevalência de oclusopatias e comparação entre a Classificação de Angle e o Índice de Estética Dentária em escolares do interior do estado de São Paulo - Brasil

Artênio José Ísper GarbinI; Paulo César Pereira PerinII; Cléa Adas Saliba GarbinIII; Luiz Fernando LolliIV

IDoutor em Ortodontia pela UNICAMP. Professor Assistente do Departamento de Odontologia Infantil e Social da FOA-UNESP

IIDoutor em Odontologia Preventiva e Social pela Faculdade de Odontologia de Araçatuba, UNESP

IIIDoutora em Odontologia Legal e Deontologia pela UNICAMP. Professora Adjunta do Departamento de Odontologia Infantil e Social da FOA-UNESP

IVMestre e Doutorando do Programa de Pós-graduação em Odontologia Preventiva e Social da FOA-UNESP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Luiz Fernando Lolli Rua Benjamin Constant, nº 914, Centro CEP: 87.770-000 - São Carlos do Ivaí/PR E-mail: luphernan@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: as oclusopatias estão entre os principais problemas de saúde bucal em todo o mundo, juntamente com a cárie dentária e a doença periodontal, e vários índices têm sido utilizados para registrá-las.

OBJETIVOS: verificar a prevalência de oclusopatias utilizando a Classificação de Angle e o Índice de Estética Dentária (DAI), sua severidade e a necessidade de tratamento ortodôntico registradas pelo DAI, e comparar os resultados de ambos os índices, visando correlacionar o padrão dos dados coletados e a viabilidade de utilizá-los de forma conjunta.

MÉTODOS: a amostra consistiu de 734 escolares com idade de 12 anos, de ambos os sexos, da rede pública do município de Lins/SP. Foram realizados exames nos pátios das escolas com utilização de sondas IPC a olho nu.

RESULTADOS: pela Classificação de Angle, encontrou-se 33,24% das crianças com oclusão normal e 66,76% com má oclusão. Pelo DAI, observou-se que 65,26% das crianças apresentavam-se sem anormalidades ou com más oclusões leves. A má oclusão definida esteve presente em 12,81%, a má oclusão severa foi observada em 10,90% e a muito severa ou incapacitante em 11,03%. A maioria das crianças (70,57%) apresentou relação molar normal, e o overjet maxilar anterior foi a alteração mais frequentemente observada. No cruzamento dos índices houve semelhanças e divergências.

CONCLUSÃO: o DAI não foi sensível a alguns problemas de oclusão detectados pela Classificação de Angle, e a recíproca foi verdadeira, demonstrando que ambos os índices possuem pontos distintos na detecção das oclusopatias, podendo ser utilizados de forma reciprocamente complementar.

Palavras-chave: Prevalência. Má oclusão. Estudo comparativo.

INTRODUÇÃO

O conhecimento epidemiológico possibilita avaliar a distribuição e a gravidade de condições mórbidas que ocorrem numa população. Permite, também, verificar a interferência de fatores etiológicos sobre a ocorrência das doenças, fornecendo dados para o planejamento de ações preventivas e curativas. Atualmente, as oclusopatias encontram-se em terceiro lugar na escala de prioridades entre os problemas odontológicos de saúde pública mundial, superadas apenas pela cárie e pelas doenças periodontais11. Porém, com a redução da doença cárie em crianças e adolescentes nas últimas décadas, tal condição tem recebido maior atenção25. De fato, as oclusopatias representam um dos problemas estudados, ao longo dos tempos, por meio de diversas classificações e em diferentes populações, geralmente para o conhecimento de sua prevalência, etiologia e estabelecimento de medidas de tratamento. Não obstante, os problemas oclusais mantêm relação direta com os outros dois mais prevalentes em Odontologia, ou seja, a cárie dentária e o surgimento de inflamação gengival com possível manifestação dolorosa7.

A publicação da Classificação de Angle, em 1899, foi um marco importante no desenvolvimento da Ortodontia, não apenas por classificar as oclusopatias mas também por incluir a primeira definição clara e simples de oclusão normal da dentição natural27. Esse método provavelmente tem sido o instrumento mais utilizado para registrar oclusopatias até o momento27.

A Organização Mundial da Saúde (OMS), preocupada em conhecer a real condição quanto à má oclusão nos diferentes países, preconizou o Índice de Estética Dentária (DAI, Dental Aesthetic Index) na 4ª edição do manual de Levantamentos Básicos em Saúde Bucal22, para que houvesse um instrumento apto a colher informações em caráter epidemiológico. Os dados do levantamento SB Brasil 20038, assim como de diversos trabalhos na literatura2,4,7,10,19, utilizaram-se do DAI para análise das más oclusões.

Pelo fato de tanto a Classificação de Angle quanto o DAI representarem índices altamente empregados na avaliação das oclusopatias, torna-se pertinente a verificação das similaridades e diferenças nas informações coletadas por ambos, em termos comparativos, bem como a viabilidade de seu emprego de forma conjunta. Assim, o objetivo do presente trabalho foi verificar a prevalência de oclusopatias utilizando a Classificação de Angle e o DAI, a severidade e necessidade de tratamento ortodôntico com o DAI, e comparar os dados coletados em ambos os índices.

METODOLOGIA

O presente estudo epidemiológico transversal avaliou 734 crianças na faixa etária de 12 anos de idade, de ambos os sexos, provenientes de escolas públicas estaduais do município de Lins/SP. Elaborou-se um instrumento de análise baseado na tradicional Classificação de Angle13 e no Índice de Estética Dentária (DAI)22, com o objetivo de avaliar a prevalência de oclusopatias, bem como sua severidade e a necessidade de tratamento, além de comparar ambas as classificações. Após o parecer do Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com seres humanos da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-FOA/Unesp (processo 01649/2002), foi realizada uma calibração inicial onde 20 crianças, não participantes da população de estudo, foram examinadas, objetivando-se encontrar possíveis dificuldades para a realização do experimento.

Na fase experimental, os exames foram realizados por somente um profissional cirurgião-dentista, especialista em Ortodontia, e ocorreram nos pátios das escolas, com boas condições de iluminação, utilizando-se espátulas de madeira, máscara, gorro e sondas IPC (projetadas pela OMS), a olho nu. Foram examinadas somente as crianças cujos pais consentiram por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Critérios usados para a Classificação de Angle

Classe I (neutroclusão)

Alteração de posicionamento dentário na qual existe uma relação anteroposterior normal entre a maxila e a mandíbula. A crista triangular da cúspide mesiovestibular do primeiro molar permanente superior oclui no sulco mesiovestibular do primeiro molar permanente inferior. Assim, foi considerado como sendo Classe I o indivíduo que, tendo a relação molar descrita, apresentasse uma ou mais das seguintes características: giroversão, diastema, mordida cruzada, mordida aberta, mordida profunda e/ou atresia de arcada dentária.

Classe II (distoclusão)

Oclusopatia na qual se observa uma "relação distal" da mandíbula relativamente à maxila. O sulco mesiovestibular do primeiro molar permanente inferior oclui posteriormente à cúspide mesiovestibular do primeiro molar permanente superior, sendo:

• Divisão 1: distoclusão na qual os incisivos superiores estão tipicamente em labioversão.

• Divisão 2: distoclusão na qual os incisivos centrais superiores estão quase em sua posição normal anteroposteriormente ou apresentam uma leve linguoversão, enquanto os incisivos laterais superiores apresentam uma inclinação labial e mesial.

Classe III (mesioclusão)

Oclusopatia em que há relação "mesial" da mandíbula com a maxila. O sulco mesiovestibular do primeiro molar permanente inferior oclui anteriormente à cúspide mesiovestibular do primeiro molar permanente superior.

Critérios utilizados para o DAI22

Ausência de incisivo, canino e pré-molar

Foram considerados os números de incisivos, caninos e pré-molares permanentes ausentes, nas arcadas superior e inferior. Nesse índice, devem estar presentes 10 dentes em cada arcada, portanto, se houver menos de 10, a diferença é o número de ausentes. Foi verificada a história da ausência de todos os dentes anteriores, com a finalidade de saber se as extrações foram realmente feitas com finalidade estética. Os dentes não foram registrados como ausentes se: os espaços estivessem fechados; um dente decíduo estivesse na posição de seu sucessor que ainda não havia irrompido; ou um incisivo, canino ou pré-molar ausente estivesse substituído por prótese fixa.

Apinhamento na Região de Incisivos

A região dos incisivos das arcadas superior e inferior foi examinada para verificação de apinhamentos. O apinhamento na região dos incisivos é a condição na qual o espaço disponível entre os caninos direito e esquerdo é insuficiente para acomodar todos os quatro incisivos em um alinhamento normal. O apinhamento na região dos incisivos foi registrado como se segue:

0 = sem apinhamento,

1 = apenas uma região com apinhamento,

2 = ambas as regiões com apinhamento.

Espaçamento na Região de Incisivos

Para essa condição, foram consideradas as arcadas superior e inferior. Conforme preconizado, quando medido na região de incisivos, o espaçamento representou a condição na qual o total de espaço disponível entre os caninos direito e esquerdo excede o requerido para acomodar todos os quatro incisivos em um alinhamento normal. Se um ou mais incisivos tivesse uma superfície interproximal sem nenhum contato interdentário, a região era registrada como apresentando espaçamento. O espaço oriundo de um dente decíduo recentemente esfoliado não foi considerado quando estivesse claro que a substituição pelo dente permanente ocorreria em breve. O registro considerou:

0 = sem espaçamento,

1 = uma região com espaçamento,

2 = ambas as regiões com espaçamento.

Diastema

Foi considerado o espaço em milímetros entre os pontos de contato das superfícies mesiais dos incisivos centrais maxilares.

Desalinhamento Maxilar Anterior

Foram considerados os posicionamentos e as rotações em relação ao alinhamento normal dos dentes nos quatro incisivos da arcada superior. O local dos desalinhamentos entre dentes adjacentes foi medido através da sonda periodontal IPC. A ponta da sonda foi colocada em contato com a superfície vestibular do dente que estava posicionado mais lingualmente ou rotacionado, enquanto a sonda era mantida no sentido paralelo ao plano oclusal e em ângulo reto com a linha normal da arcada. O desalinhamento em milímetros foi estimado pelas marcas da sonda.

Desalinhamento Mandibular Anterior

Considerou-se a medição conforme anteriormente descrito para a arcada superior.

Overjet Maxilar Anterior

Foi tido como a medida da relação horizontal entre os incisivos superior e inferior com os dentes em oclusão cêntrica. A distância entre a borda incisal-vestibular do incisivo superior mais proeminente e a superfície vestibular do incisivo correspondente foi medida com a sonda periodontal paralela ao plano oclusal. Para incisivos de oclusão em topo, o escore considerado foi zero.

Overjet Mandibular Anterior

O overjet mandibular foi registrado quando algum incisivo inferior apresentava-se protruído, anteriormente ou vestibularmente, em relação ao incisivo superior oposto, ou seja, em mordida cruzada. A medida foi realizada da mesma forma que para a arcada superior.

Mordida Aberta Vertical Anterior

Foi considerada a ausência de sobreposição vertical entre qualquer um dos pares de incisivos opostos, com a medição realizada pela sonda periodontal.

Relação Molar Anteroposterior

Avaliação frequentemente baseada na relação dos primeiros molares permanentes superiores e inferiores. Quando a avaliação não podia ser feita com base nos primeiros molares, pela ausência desses ou por outro motivo (cárie, erupção incompleta, etc.), a relação entre caninos e pré-molares foi considerada. Os lados direito e esquerdo foram avaliados com os dentes em oclusão e somente o maior desvio da relação molar normal foi registrado, considerando-se os índices:

0 = normal.

1 = meia cúspide - o primeiro molar inferior deslocado meia cúspide para mesial ou para distal da relação oclusal normal.

2 = uma cúspide - o primeiro molar inferior deslocado uma cúspide inteira ou mais para a mesial ou distal da relação oclusal normal.

Equação de regressão para cálculo do DAI

(Dentes ausentes visíveis x 6) + (Apinhamento) + (Espaçamento) + (Diastema x 3) + (Desalinhamento maxilar anterior) + (Desalinhamento mandibular anterior) + (Overjet maxilar anterior x 4) + (Overjet mandibular anterior x 4) + (Mordida aberta vertical anterior x 4)

+ (Relação molar anteroposterior x 3) + 13

Para a manutenção dos critérios de diagnóstico, foram realizados exames em duplicata em 67 crianças (9,13% do total da amostra). Com relação à Classificação de Angle, os resultados foram idênticos. No DAI, das 402 medidas realizadas nessas crianças usando a sonda IPC, existiram três diferenças, onde o erro em todas foi de 1mm, resultando em percentagem de erro de 0,7462%, o que foi desconsiderado (erro menor que 1,00%).

O quadro 1 demonstra a correlação de índices, a severidade da oclusopatia e a necessidade de tratamento segundo o DAI.


Após a realização dos exames, foi criado um banco de dados através do software EPI-INFO versão 6.04 for Windows, produzido pelo Center for Disease Control and Prevention (CDC), Atlanta, Geórgia, EUA, em colaboração com a Organização Mundial de Saúde. Em seguida, foi realizada a análise estatística através do teste qui-quadrado, para comparar a sensibilidade dos índices Classificação de Angle e DAI no diagnóstico de oclusopatias (escores obtidos no DAI versus classes de Angle).

RESULTADOS

Considerando a Classificação de Angle, das 734 crianças examinadas, 244 (33,24%) apresentaram oclusão normal (139 do sexo feminino e 105 sexo masculino) e 490 (66,76%) apresentaram oclusopatia (288 do sexo feminino e 202 sexo masculino) segundo as classes demonstradas na tabela 1.

Dentre as 210 crianças que apresentaram oclusopatia de Classe II, 193 (91,9%) foram registradas como divisão 1 e 17 (8,1%) como divisão 2.

As tabelas 2, 3 e 4 demonstram o padrão das crianças examinadas segundo o DAI. As tabelas 5 e 6 apresentam o resultado comparativo entre a Classificação de Angle e o DAI.

DISCUSSÃO

Das 734 crianças examinadas, utilizando a Classificação de Angle foram encontradas 244 crianças (33,24%) com oclusão normal e 490 crianças (66,76%) com oclusopatia. Ao proceder o estudo individual de cada uma das classes de má oclusão propostas por Angle, e através do teste de proporção, foi verificado que a prevalência da Classe I (55,92%) foi maior do que a da Classe II (42,86%), que foi maior do que a da Classe III (1,22%), com diferença estatisticamente significativa (Tab. 1). Tais resultados possuem sustentabilidade na literatura nacional e internacional5,6,26,29.

Utilizando o Índice de Estética Dentária (DAI), foram encontradas 479 crianças (65,26%) sem anormalidade ou com má oclusão leve. A má oclusão definida foi encontrada em 94 crianças (12,81%), a má oclusão severa foi observada em 80 crianças (10,90%) e a má oclusão muito severa ou incapacitante em 81 crianças (11,03%) (Tab. 2). Vários autores obtiveram resultados similares1,12,15,20,21, porém outros diferiram16,25, pois as más oclusões definidas, severas e muito severas foram maiores do que as más oclusões leves ou oclusões normais. Ainda analisando a tabela 2, mais da metade das crianças (65,26%) apresentou ausência de necessidade de tratamento ou necessidade leve, ficando o tratamento eletivo para 12,81% delas, altamente desejável para 10,9% e imprescindível para 11,03%. Outros levantamentos destacaram a necessidade de tratamento em torno dos 50%2 e um estudo realizado na cidade de Recife/PE demonstrou, também com a utilização do DAI, a necessidade de tratamento para 77% das crianças, porém na faixa etária de 13 a 15 anos17.

Em relação às anomalias da dentição, foram registrados dois casos de ausência de incisivos laterais, um caso na arcada superior e outro na inferior (Tab. 3). Essa condição foi a menor encontrada nesse estudo e corrobora com outros trabalhos20,21. Em relação às condições de espaço e oclusão, o overjet maxilar anterior foi a alteração observada com maior frequência (278 crianças = 37,87%), em segundo veio o desalinhamento mandibular (258 crianças = 35,15%), seguido pelo apinhamento na região de incisivos (245 crianças = 33,38%). O componente do DAI que teve a menor frequência (Tab. 3) dentro das anomalias de espaço e oclusão foi o overjet mandibular anterior (8 crianças = 1,09%), assim como encontrado em pesquisas anteriores16,20,21,23. Já existiam observações anteriores, com a utilização do DAI, de apinhamento dentário em 37%, overjet maxilar em 37,5%, além da ausência de dentes e do overjet mandibular com baixa frequência em crianças de 10 a 14 anos18.

Conforme evidências prévias9,23, também no presente trabalho a maioria das crianças (70,57%) apresentou relação molar anteroposterior normal e uma parcela menor (29,43%) caracterizou o desvio da relação molar normal (Tab. 4).

Realizada a análise estatística, ficou demonstrado que os índices considerados nesse estudo não tiveram a mesma sensibilidade (X2 = 150,51; p < 0,0001) de diagnóstico das oclusopatias (Tab. 5). Em termos descritivos, das 479 crianças com má oclusão leve ou sem anormalidade no DAI, 50,94% foram classificadas como oclusão normal, 40,08% como Classe I, 8,14% Classe II e 0,84% Classe III de Angle, o que sugeriu uma divergência de sensibilidade diagnóstica entre os métodos. Das 94 crianças com má oclusão definida no DAI, 46,81% foram classificadas como má oclusão Classe I de Angle, 52,13% Classe II, e 1,06% Classe III.

Considerando-se as 80 crianças com má oclusão severa no DAI, 31,25% foram classificadas como má oclusão Classe I de Angle, 67,50% Classe II, e 1,25% Classe III. Ao passo que, das 81 crianças com má oclusão muito severa ou incapacitante no DAI, 16,05% foram classificadas como má oclusão Classe I de Angle e 83,95% como Classe II, mostrando boa correlação entre os índices nas análises desses dados considerados.

Naturalmente, segundo princípios da técnica, na equação de regressão, utilizada para o cálculo dos valores do DAI padrão, soma-se uma constante de valor 13 - portanto, todos os casos considerados como sendo oclusão normal nesse índice tiveram escore igual a 13. Das 266 crianças com valor 13 no DAI, a grande maioria (244 = 91,73%) foi classificada como oclusão normal de Angle, porém 22 (8,27%) delas foram classificadas como oclusopatia de Classe I (Tab. 6). Essas crianças apresentavam mordida cruzada posterior e/ou mordida aberta posterior e/ou mordida profunda, situações não verificadas no DAI. Esses fatores podem ter um impacto considerável no diagnóstico das necessidades do tratamento ortodôntico, podendo prejudicar a validade do índice.

Das 6 crianças classificadas em oclusopatia Classe III de Angle, 4 apresentaram-se no DAI sem anormalidade ou com má oclusão leve, 1 com má oclusão definida e 1 criança com má oclusão severa. Dessas, 50% não apresentaram sobressaliência inferior anterior e, quando em oclusão cêntrica, os incisivos ocluíam topo-a-topo, havendo assim mais uma discordância nas classificações, ao passo que a maior parte dos casos encontrados na Classe III de Angle não se enquadrou, na distribuição do DAI, na real severidade da má oclusão desse problema.

Com o DAI, a OMS tentou criar um índice fácil, aceito universalmente e que pudesse ser utilizado em pesquisas epidemiológicas para estabelecer a necessidade de tratamento ortodôntico e a prioridade da atenção ortodôntica nos programas públicos. O referido índice possui a característica de ser mensurável, objetivo, simples e de fácil aplicação. Porém, através dos resultados obtidos neste estudo, ele não se mostrou sensível a alguns problemas de oclusão. Um outro fator que o limita é o fato de ter sido desenvolvido para a dentição permanente, sendo pouco adequado para as dentições decídua e mista, e não auxiliando na identificação de casos de má oclusão no seu início. Com isso, dificulta a prevenção e o tratamento precoce17,24.

A Classificação de Angle também possui limitações, pelo fato do primeiro molar superior permanente não ser estável no esqueleto craniofacial. Ela baseia-se somente no posicionamento dos dentes, deixando de elucidar os aspectos ósseos e musculares, além de considerar apenas as alterações no sentido anteroposterior (sagitais), não citando as verticais ou transversais13. A viabilidade e confiabilidade da Classificação de Angle para estudos epidemiológicos foi questionada pelo fato de se tratar de um método qualitativo e não um índice quantitativo de má oclusão27. Apesar desses fatores, ao longo dos tempos e no intuito de suprir as limitações da técnica, problemas como mordida cruzada anterior e posterior, mordida aberta anterior e posterior, apinhamento superior e inferior, diastemas, mal posicionamento dentário individual, overjet e overbite foram alvo de estudos complementares acrescidos aos critérios da própria classificação14. A exemplo disso, também o DAI poderia receber modificações no intuito de suprir suas limitações. Uma análise crítica de diversos métodos de registro de má oclusão demonstrou que ainda não foi proposta uma classificação de registro ideal, que pudesse ser adotada como padrão no estudo das oclusopatias27.

CONCLUSÕES

• As oclusopatias (66,76%) foram mais prevalentes do que a oclusão normal (33, 25%) e, dentre elas, prevaleceu a má oclusão de Classe I (55,92%).

• No DAI, o item "sem anormalidade ou oclusopatia leve" (sem necessidade ou com necessidade leve de tratamento) foi encontrado na maioria das crianças (65,26%).

• O overjet maxilar anterior foi a alteração observada com maior frequência.

• A maior parte das crianças apresentou relação molar normal (70,57%).

• Nem todas as crianças com escore de DAI 13 (sem anormalidade) na realidade apresentavam oclusão normal, pois possuíam anormalidades que o referido índice não abrange.

• A maioria dos casos encontrados com má oclusão de Classe III de Angle foram enquadrados, no DAI, em necessidades de tratamento não condizentes com a severidade do problema.

• O DAI não se mostrou sensível a alguns problemas de oclusão, quando comparado com a Classificação de Angle.

• As divergências encontradas em ambos os índices expõe a possibilidade de utilização dos mesmos de forma reciprocamente complementar.

Enviado em: novembro de 2008

Revisado e aceito: maio de 2009

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  • Endereço para correspondência:

    Luiz Fernando Lolli
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2010

    Histórico

    • Recebido
      Nov 2008
    • Aceito
      Maio 2009
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