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Angulação dos caninos em indivíduos portadores de má oclusão de Classe I e de Classe III: análise comparativa através de um novo método utilizando imagens digitalizadas

Resumos

OBJETIVO: determinar as angulações mesiodistais das coroas dos caninos em indivíduos portadores de má oclusão de Classe III, comparando-os a indivíduos Classe I. MÉTODOS: foram empregadas medidas tomadas em fotografias digitalizadas de modelos de gesso e transportadas para um programa gráfico para leitura das medidas (Image Tool). Tais procedimentos foram repetidos para avaliação do erro do método casual (fórmula de Dahlberg) e para a análise da reprodutibilidade através da Correlação intraclasse. A amostra constituiu-se de 57 pacientes com dentição permanente completa e não tratados ortodonticamente, dividida em dois grupos, de acordo com a má oclusão apresentada: o grupo I foi constituído por 33 pacientes portadores de má oclusão de Classe I, sendo 16 do sexo masculino e 17 do feminino, com média de idades de 27 anos; o grupo II era representado por 24 pacientes portadores de má oclusão de Classe III, 20 do sexo masculino e 4 do feminino, com média de idades de 22 anos. RESULTADOS: o erro casual mostrou-se com uma variação de 1,54 a 1,96 graus para a angulação dos caninos. A análise estatística revelou que o método apresenta uma excelente reprodutibilidade (p<0,01). Os resultados obtidos na angulação da coroa dos caninos não mostraram diferença estatisticamente significativa entre os caninos superiores nos grupos Classe I e Classe III, embora esse dente mostrasse, em média, uma angulação 2 graus maior nos indivíduos Classe III. Entretanto, para os caninos inferiores, foi observada uma diferença estatisticamente significativa em ambos os lados (p=0,0009 e p=0,0074) entre os grupos Classe I e Classe III. Os pacientes Classe III apresentaram uma menor angulação nos caninos inferiores em comparação aos pacientes Classe I, tendendo a acompanhar a compensação natural dos incisivos, descrita rotineiramente na literatura. CONCLUSÃO: os resultados permitem concluir que as compensações dentárias, frequentemente observadas na literatura para a região de incisivos, se estendem também à angulação dos caninos, principalmente no que se refere à arcada inferior.

Angulação mesiodistal; Canino; Má oclusão de Classe III; Má oclusão de Classe I


OBJECTIVES: This study aimed to determine the mesiodistal angulation of canine crowns in individuals with Class III malocclusion in comparison with Class I individuals. METHODS: Measurements were taken from digital photographs of plaster models and imported into an imaging program (Image Tool). These procedures were repeated to assess random method error (Dahlberg's formula), and analyze reproducibility by intraclass correlation. The sample consisted of 57 patients with complete permanent dentition, untreated orthodontically and divided into two groups according to their malocclusion: Group I consisted of 33 patients with Class I malocclusion, 16 males and 17 females, mean age 27 years; Group II comprised 24 patients with Class III malocclusion, 20 males and 4 females, mean age 22 years. RESULTS: Random error for canine angulation ranged from 1.54 to 1.96 degrees. Statistical analysis showed that the method presented an excellent reproducibility (p<0.01). Results for canine crown angulation showed no statistically significant difference between maxillary canines in the Class I and Class III groups, although canine angulation exhibited, on average, 2 degrees greater angulation in Class III individuals. Mandibular canines, however, displayed a statistically significant difference on both sides between Class I and Class III groups (p = 0.0009 and p = 0.0074). Compared with Class I patients, angulation in Class III patients was lower in mandibular canines and tended to follow the natural course of dentoalveolar compensation, routinely described in the literature. CONCLUSION: The results suggest that dental compensation often found in literature involving the incisors region, also affects canine angulation, especially in the lower arch.

Mesiodistal angulation; Canine; Class III malocclusion; Class I malocclusion


ARTIGO INÉDITO

Angulação dos caninos em indivíduos portadores de má oclusão de Classe I e de Classe III: análise comparativa através de um novo método utilizando imagens digitalizadas* * Trabalho vencedor da categoria painel científico, durante o 4º Encontro Abzil de Ortodontia Individualizada Capelozza.

Lucyana Ramos AzevedoI; Tatiane Barbosa TorresI; David NormandoII

IEspecialista em Ortodontia pela Associação Brasileira de Odontologia-Pará (ABO-PA)

IIProfessor da disciplina de Ortodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal do Pará. Coordenador do Curso de Especialização em Ortodontia da ABO-PA. Doutorando em Ortodontia pela UERJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: David Normando Rua Boaventura da Silva, 567, ap. 1201 CEP: 66.055-090 - Belém / PA E-mail: davidnor@amazon.com.br

RESUMO

OBJETIVO: determinar as angulações mesiodistais das coroas dos caninos em indivíduos portadores de má oclusão de Classe III, comparando-os a indivíduos Classe I.

MÉTODOS: foram empregadas medidas tomadas em fotografias digitalizadas de modelos de gesso e transportadas para um programa gráfico para leitura das medidas (Image Tool). Tais procedimentos foram repetidos para avaliação do erro do método casual (fórmula de Dahlberg) e para a análise da reprodutibilidade através da Correlação intraclasse. A amostra constituiu-se de 57 pacientes com dentição permanente completa e não tratados ortodonticamente, dividida em dois grupos, de acordo com a má oclusão apresentada: o grupo I foi constituído por 33 pacientes portadores de má oclusão de Classe I, sendo 16 do sexo masculino e 17 do feminino, com média de idades de 27 anos; o grupo II era representado por 24 pacientes portadores de má oclusão de Classe III, 20 do sexo masculino e 4 do feminino, com média de idades de 22 anos.

RESULTADOS: o erro casual mostrou-se com uma variação de 1,54 a 1,96 graus para a angulação dos caninos. A análise estatística revelou que o método apresenta uma excelente reprodutibilidade (p<0,01). Os resultados obtidos na angulação da coroa dos caninos não mostraram diferença estatisticamente significativa entre os caninos superiores nos grupos Classe I e Classe III, embora esse dente mostrasse, em média, uma angulação 2 graus maior nos indivíduos Classe III. Entretanto, para os caninos inferiores, foi observada uma diferença estatisticamente significativa em ambos os lados (p=0,0009 e p=0,0074) entre os grupos Classe I e Classe III. Os pacientes Classe III apresentaram uma menor angulação nos caninos inferiores em comparação aos pacientes Classe I, tendendo a acompanhar a compensação natural dos incisivos, descrita rotineiramente na literatura.

CONCLUSÃO: os resultados permitem concluir que as compensações dentárias, frequentemente observadas na literatura para a região de incisivos, se estendem também à angulação dos caninos, principalmente no que se refere à arcada inferior.

Palavras-chave: Angulação mesiodistal. Canino. Má oclusão de Classe III. Má oclusão de Classe I.

REVISÃO DE LITERATURA

As inclinações e angulações dentárias são objetos de estudo desde a época em que Angle4 sistematizou o tratamento ortodôntico, desenvolvendo o aparelho Edgewise (arco de canto), cujas inclinações e angulações dentárias são modificadas pelos arcos, conforme inseridos nas canaletas dos braquetes.

Há algum tempo, os ortodontistas percebem as vantagens de se angular os braquetes10; porém não existia um consenso sobre a quantidade de angulação apropriada para cada dente. Com isso, começou-se a considerar a possibilidade de desenhar braquetes individuais para cada tipo de dente, para trabalhar com fios sem dobras ou, ainda, a confecção de braquetes feitos sob medida para cada paciente.

Um passo fundamental foi o estudo sobre "As seis chaves para uma oclusão ótima", descrevendo seis características comuns em 120 modelos de oclusão ótima natural, que deveriam ser os objetivos do tratamento ortodôntico2. Nesse estudo, a segunda chave diz respeito à angulação das coroas dos elementos dentários. A análise desse ângulo, formado pela intersecção do eixo vestibular da coroa clínica com uma linha perpendicular ao plano oclusal, passando no centro da coroa clínica, demonstrou que as coroas clínicas estão normalmente anguladas para mesial em graus variados, dependendo do grupo de dentes examinado. A determinação da angulação das coroas dentárias, nesse estudo, foi realizada mensurando-se o ângulo formado entre a coroa clínica e o plano oclusal, nos modelos previamente recortados no centro da coroa clínica, fazendo o uso de um transferidor plástico. Estudo recente, examinando 61 modelos de estudo com oclusão normal natural de brasileiros12; mostrou que a grande maioria dos indivíduos apresentava somente de uma a três chaves de oclusão. As características observadas com maior frequência foram a presença da curva de Spee suave (100%), contatos interproximais justos (42,6%) e inclinações corretas das coroas dentárias (34,4%). A angulação mesial das coras dentárias foi encontrada em 27,9% da amostra examinada.

A técnica Straight-Wire faz uso de braquetes programados, ou construídos individualmente para cada dente, com o objetivo de posicioná-los idealmente ao final do tratamento. Desde a sua introdução, a proposta original2 previa, além dos braquetes-padrão - que se aplicam a um grande número de pacientes -, a necessidade do uso de diferentes prescrições que considerassem o tipo de má oclusão, o tratamento a ser adotado e o posicionamento desejado ou possível para os dentes ao final do tratamento. Em outras palavras, a individualização do aparelho de acordo com a má oclusão original.

As compensações idealizadas originalmente3 estavam relacionadas à inclinação dos braquetes (torque) dos incisivos, para compensar as discrepâncias esqueletais que não eram corrigidas na sua totalidade durante o tratamento ortodôntico. No caso da má oclusão de Classe III, os torques dos incisivos seriam para vestibular, nos superiores; e para lingual, nos inferiores. As modificações induzidas nas arcadas têm origem na compensação dentária nos casos de má oclusão esqueletal, observadas através da inclinação vestibulolingual dos dentes contrária ao erro esquelético. Assim, muitos casos de má oclusão de Classe III esqueletal suave, que não necessitem de tratamento cirúrgico, poderiam ser resolvidos apenas com a compensação dentária ao final do tratamento e, para que isso ocorra, seria necessária uma individualização do caso, já que cada paciente possui características esqueletais e dentárias únicas5. Assim, a manipulação da angulação dos caninos seria uma peça importante na compensação ortodôntica do erro esqueletal.

Entre as várias mudanças ao sistema inicialmente desenvolvido, está a que preconiza a modificação da angulação dos caninos nos casos de compensação. As angulações de 8º e 5° para caninos superiores e inferiores, respectivamente, para tratamento das más oclusões de Classe I foram modificadas para 11° para os caninos superiores e 0º para os inferiores em tratamentos compensatórios das más oclusões de Classe III5. O objetivo dessas mudanças seria aumentar ou preservar o perímetro da arcada superior e reduzir ou preservar o perímetro da arcada inferior, favorecendo a criação de um trespasse positivo anterior, introduzindo maior compensação e aumentando a capacidade de correção da má oclusão, apesar do erro esqueletal.

Apesar do crescente interesse na modificação das angulações e inclinações dentárias a partir das medidas descritas pelo estudo2 das seis chaves para a oclusão ideal, poucos estudos têm buscado avaliar a confiabilidade de tais medidas quando se emprega um determinado método. Embora vários métodos tenham sido descritos para a mensuração da inclinação dentária (torque)2,6,9,13,14; poucos estudos avaliaram o erro inerente ao método utilizado para a análise da angulação dentária14.

Em recente estudo6; foi descrita uma nova metodologia para a mensuração das angulações e inclinações dentárias utilizando a tomografia computadorizada volumétrica. Para tal, foram realizados cortes tomográficos dos dentes anteriores de dois indivíduos, com padrões faciais II e III, respectivamente. Após a avaliação, concluiu-se que a tomografia computadorizada (TC) pode ser um meio útil para avaliação de inclinações e angulações dentárias, possibilitando grande contribuição para as pesquisas envolvendo o posicionamento dentário e, também, para a individualização do tratamento ortodôntico, uma vez que permite a verificação individual do posicionamento dentário, e por ser um exame que não apresenta distorção. Contudo, essas mensurações das angulações dentárias, medidas feitas em modelos e em TC, devem ser feitas com ressalvas, porque esses são métodos relativamente novos e que ainda necessitam de mais estudos que comprovem sua eficácia e, principalmente, confiabilidade. Ressalta-se, ainda, o alto custo financeiro dos exames tomográficos, além dos riscos inerentes à radiação.

Um dispositivo especialmente projetado para mensurar as angulações e inclinações das coroas dentárias foi apresentado recentemente14. A partir do desenvolvimento desse dispositivo, foi possível estabelecer valores médios das angulações e inclinações das coroas dentárias para indivíduos brasileiros portadores de oclusão normal. Os resultados revelaram uma angulação média de 7,13° para os caninos superiores e 2,43° para os caninos inferiores.

O tratamento ortodôntico compensatório das más oclusões de Classe III exige a identificação das compensações iniciais presentes no pré-tratamento e a busca por mantê-las ou exacerbá-las, quando possível. Assim, parece razoável acreditar que a angulação da coroa do canino possa favorecer o posicionamento dos incisivos, promovendo a compensação dentária natural nos casos de má oclusão de Classe III. Isso ocorre quando o canino superior está mais angulado para mesial, permitindo a vestibularização dos incisivos superiores, enquanto o canino inferior deverá estar verticalizado, propiciando a lingualização dos incisivos inferiores e impedindo ou minimizando o cruzamento da mordida anterior5. Entretanto, o que parece uma evidência clínica, prevista na prescrição de braquetes utilizados nos casos onde se faz a opção pela manutenção ou aumento da compensação naturalmente observada nos indivíduos Classe III, necessita de avaliações científicas que sustentem ou não as modificações inseridas nos aparelhos ortodônticos utilizados com essa finalidade. Métodos de simples aplicação, que permitam ao ortodontista identificar ou não a existência dessas compensações naturais, ou até mesmo quantificá-las de maneira confiável, possibilitariam ao clínico a ampliação do emprego desse conceito da forma cientificamente adequada.

MATERIAL E MÉTODOS

A amostra do presente estudo foi selecionada a partir de consultórios particulares de ortodontistas e foi composta por 57 pacientes no estágio de dentição permanente.

Com o objetivo de se obter uma análise comparativa da angulação dos caninos permanentes entre indivíduos portadores de má oclusão de Classe I e de Classe III, a amostra foi dividida em dois grupos. O primeiro grupo (Classe I) foi composto por 33 indivíduos portadores de má oclusão de Classe I com problemas ortodônticos incipientes, ou seja, casos onde o tratamento ortodôntico estaria limitado a pequenos movimentos (fechamento de diastemas, suaves apinhamentos, mordida cruzada posterior de molares, entre outros), sem tratamento ortodôntico prévio (Fig. 1). O segundo grupo foi composto por 24 indivíduos com má oclusão de Classe III (Fig. 2). Pacientes com perdas dentárias, agenesias, biprotrusão, síndromes e apinhamento severo ou moderado foram excluídos da amostra, em razão desses fatores poderem modificar a angulação dos caninos.



A angulação dos caninos foi obtida a partir de fotografias digitalizadas e padronizadas de cada hemiarcada dos modelos de gesso iniciais dos pacientes selecionados, tomadas através de uma máquina digital (Canon Rebel 6.0 megapixels) com lente 18-55mm (Fig. 3). Esses modelos eram posicionados sobre uma placa de vidro (A), a uma distância de 20 centímetros da máquina fotográfica (B). Ao fundo de cada modelo foi colocado um dispositivo de cor preta com uma marcação ao centro (C), usado como referência para centralizar o canino. A lente da câmera foi apoiada em uma placa de cera utilidade com a finalidade de otimizar a direção da lente (D).


No total, foram realizadas 228 fotografias, que foram transportadas para um programa de computador (Adobe Photoshop 7.0) com a finalidade de se desenhar o plano oclusal (Fig. 4) e, posteriormente, essa imagem era transportada para um programa gráfico de computador (Image Tool - www.imagetool.com), para que fossem medidos os ângulos dos caninos permanentes. O plano oclusal foi traçado do ponto médio entre os incisivos centrais até a cúspide mesiovestibular do primeiro molar permanente. Posteriormente, através do programa Image Tool, traçou-se o longo eixo da coroa clínica do canino e, a partir da intersecção dessas duas linhas (plano oclusal e longo eixo), era obtido o valor da angulação da coroa clínica do modelo de gesso (Fig. 4). Para a análise do erro do método, as hemiarcadas dos modelos de gesso iniciais de todos os pacientes, após 30 dias, foram novamente fotografadas e repetiram-se todos os passos já descritos anteriormente, até a obtenção de novas medidas da angulação dos caninos.


O erro casual foi calculado de acordo com a fórmula de Dahlberg (S²=Σd²/2n) e a análise da reprodutibilidade das medidas foi realizada pelo teste de correlação intraclasse, ambos com um nível de confiança de 95%. Um outlier correspondente a um valor muito abaixo das outras medidas tomadas para o dente 43, no grupo Classe III, foi excluído da avaliação.

Médias, desvio-padrão, diferenças das médias, análise da distribuição normal (Shapiro-Wilk) e o teste "t" independente foram utilizados para observar as diferenças entre as angulações dos caninos nos grupos Classe I e Classe III.

RESULTADOS

Inicialmente, observou-se que as angulações dos caninos nos grupos examinados apresentaram uma distribuição normal (p>0,05) (Tab. 1).

O erro casual mostrou uma variação de 1,54 a 1,96 de diferença entre as medidas executadas (Tab. 1). Em relação à análise da reprodutibilidade (correlação intraclasse), a análise estatística revelou uma excelente reprodutibilidade do método.

As angulações obtidas dos caninos, em ambos os grupos, foram analisadas comparando-se as medidas de cada canino no grupo Classe I com seu análogo do grupo Classe III.

Os resultados revelaram que a média das angulações dos caninos superiores direitos do grupo Classe I (x=7,92°) não foi estatisticamente diferente (p=0,22) quando comparada com a média do mesmo dente no grupo Classe III (x=9,97°) (Tab. 2). A média das angulações dos caninos superiores do lado esquerdo do grupo Classe I (x=8,13°) também não foi estatisticamente diferente (p=0,26) da média do mesmo dente no grupo Classe III (x=10,1°) (Tab. 2). Por outro lado, a média das angulações dos caninos inferiores do lado direito do grupo Classe I (x=3,78°) foi estatisticamente diferente (p=0,007) quando comparada com a média do mesmo dente no grupo Classe III (x= -1,67°) (Tab. 2). A média das angulações dos caninos inferiores esquerdos do grupo Classe I (x=3,27°) também foi estatisticamente diferente (p=0,0009) quando comparada com a média do mesmo dente no grupo Classe III (x=-2,78°) (Tab. 2).

Em síntese, os caninos superiores apresentaram suas coroas clínicas voltadas para mesial em ambos os grupos, de forma semelhante; embora suavemente mais acentuada nos indivíduos Classe III. Já os caninos inferiores do grupo Classe I apresentaram suas coroas clínicas voltadas para mesial, enquanto os do grupo Classe III mostraram-se verticalizados ou com suas coroas clínicas voltadas para distal (Gráf. 1, 2).



DISCUSSÃO

O objetivo básico deste trabalho foi analisar se havia diferença na angulação dos caninos permanentes entre indivíduos portadores de má oclusão de Classe I e de Classe III, utilizando um método simplificado que fez uso de fotos digitalizadas de modelos de gesso, que foram exportadas para um programa gráfico de leitura de ângulos (Image Tool).

Pouco se tem avaliado sobre o grau de confiabilidade das medidas tomadas em modelos, talvez por, originalmente, ser considerado um método direto. Entretanto, as modificações usadas nesse estudo mostraram que o método utilizado para medir as angulações das coroas dos caninos é reproduzível de forma excelente, apresentando um erro casual menor que 2° (Tab. 1), além de ser bastante simples.

Alguns métodos têm sido descritos para a mensuração da angulação dos dentes, alguns de simples execução, utilizando medidas tomadas diretamente nos modelos através de um transferidor plástico2; e outros que envolvem mais recursos tecnológicos, como o uso de tomografias computadorizadas6.

Com o avanço tecnológico, a Odontologia beneficiou-se com programas modernos de computação que simplificam o diagnóstico. Partindo dessa premissa, foi utilizado, para o presente estudo, um programa gráfico computadorizado capaz de ler com precisão a angulação dos caninos a partir de fotografias digitalizadas padronizadas dos modelos de gesso. Essa metodologia apresenta diferenças em relação à proposta original que gerou a criação dos braquetes pré-programados2. Uma delas é o plano oclusal, que, nesse estudo, foi representado por uma linha que ligava o ponto central entre os incisivos e a cúspide mesiovestibular do primeiro molar.

Esse plano nem sempre é paralelo ao plano de Andrews, principalmente em casos de má oclusão.

A definição da correta angulação mesiodistal dos dentes ao final do tratamento tem sido buscada de diversas maneiras. Os valores encontrados por Andrews2 e descritos como normais, 11 graus para os caninos superiores e 5 graus para os inferiores, ambos positivos, foram fatores importantíssimos para a criação do aparelho totalmente programado, denominado Straight-Wire. Esse aparelho foi desenvolvido com a finalidade de dar aos braquetes características que conferissem aos dentes o posicionamento correto ao final do tratamento ortodôntico.

Contudo, as características oclusais e esqueletais de cada paciente são únicas e individuais e, por isso, os casos não devem ser finalizados da mesma maneira para todos os indivíduos. Assim, alguns ajustes na concepção original do Straight-Wire tornaram-se necessários. A partir de então, muitos ortodontistas começaram a individualizar os braquetes de acordo com suas experiências clínicas, em razão das variações morfológicas inerentes ao complexo dentofacial, sendo a maioria dessas modificações introduzidas sem qualquer respaldo científico.

O próprio Andrews3 fez alterações na inclinação dos braquetes dos incisivos para compensar as discrepâncias esqueletais que não eram corrigidas na sua totalidade durante o tratamento ortodôntico. No caso da má oclusão de Classe III, os torques dos incisivos seriam mais para vestibular nos superiores, e mais lingual nos inferiores. A partir da ideia de Andrews3; outros autores5 preconizaram braquetes com diferentes angulações e inclinações para as más oclusões de Classe I, II e III. Esses braquetes surgiram após mudanças feitas nos braquetes-padrão de Andrews3. As principais variações do modelo original são referentes às angulações dos caninos, para facilitar a compensação da inclinação imposta aos incisivos centrais, mantendo-se as compensações de torque nos incisivos.

A má oclusão de Classe III tem um diferencial significativo dentre as más oclusões de caráter sagital, pois os pacientes com essa característica já apresentam, na maioria das vezes, uma compensação dentária natural. Assim sendo, na má oclusão de Classe III, os caninos superiores estariam mais angulados que o padrão (Classe I). Foram prescritos, portanto, braquetes para a má oclusão de Classe III quando esse problema fosse resolvido compensatoriamente apenas com recursos ortodônticos, sem necessitar de cirurgia5. Para tanto, definiram-se 11 graus de angulação para os caninos superiores (três graus a mais do que o padrão) e 0 grau para os caninos inferiores (cinco graus a menos do que o padrão). Essas mudanças tiveram por objetivo aumentar o perímetro da arcada superior e reduzir o perímetro da inferior, favorecendo a criação de um trespasse positivo anterior ou a manutenção das compensações preexistentes.

Os resultados observados no presente estudo revelaram que a angulação dos caninos superiores era semelhante nos dois grupos analisados, embora a angulação dos caninos tenha se apresentado suavemente maior, em cerca de 2 graus, no grupo Classe III (Tab. 2, Gráf. 1). Para os caninos inferiores, os resultados revelaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos analisados, evidenciando uma menor angulação dos caninos na amostra de indivíduos Classe III (p=0,0009 para o dente 33, e p=0,0074 para o dente 43). Portanto, os resultados demonstram que há diferenças nas angulações naturais dos caninos de indivíduos Classe I e Classe III, assim ratificando a prescrição de Capelozza Filho et al.5 e comprovando que as compensações dos incisivos observadas nos estudos cefalométricos de Classe III descritos na literatura1,7,11 parecem ser acompanhadas por mudanças nas angulações dos caninos.

Nesse estudo, foram encontradas angulações médias de 10,03° para os caninos superiores e -1,75° para os inferiores, no grupo com má oclusão de Classe III. Essas medidas estão muito próximas das medidas sugeridas nos braquetes de compensação recentemente apresentados5 para os braquetes Classe III (11 graus para os superiores e 0 grau para os inferiores). No grupo Classe I, foram encontradas angulações médias de 8,02° para os caninos superiores e 3,5° para os inferiores, enquanto, na prescrição Capelozza5; a angulação média é de 8° para os caninos superiores e 5° para os inferiores. Deve-se considerar, entretanto, que as medidas obtidas no presente estudo foram tomadas em indivíduos portadores de má oclusão, embora todo um esforço tenha sido realizado com o intuito de se evitar interferências de outros fatores de variação, tais como: apinhamento, biprotrusão e perdas dentárias, além de se buscar más oclusões de Classe I incipientes.

Mesmo indivíduos portadores de oclusão normal não apresentam todas as angulações dentárias para mesial, conforme descrito no estudo original2. Estudo recentemente publicado12 revelou que apenas 27,9% dos modelos examinados apresentavam angulações corretas das coroas dos dentes. Isso significa que o posicionamento dos dentes muda conforme a má oclusão apresentada, e que esse fator é muito importante quando o tratamento ortodôntico planejado for compensar nos dentes o erro esquelético. Nesses casos, deve-se ter especial atenção na angulação dos caninos, pois se for favorável para o tratamento, essa deveria ser mantida ou até aumentada.

As médias das angulações encontradas sustentam a ideia de inserir compensações na angulação das canaletas dos braquetes dos caninos; entretanto, a análise da dispersão dos dados obtidos revelou um desvio-padrão alto (Tab. 2) e grande amplitude total (valores máximo e mínimo) (Gráf. 1, 2), que justificaram uma individualização das angulações dos caninos antes mesmo da instalação do aparelho. A grande variabilidade observada pode ser justificada, entre outros fatores, pela heterogeneidade na morfologia da coroa do canino8. Clinicamente, pode-se definir que braquetes com prescrições compensatórias podem ser utilizados, porém o ortodontista deveria individualizar o caso clínico, aumentando-as ou mesmo reduzindo-as de acordo com a necessidade desses. Se houver necessidade de mensurar as angulações dentárias presentes originalmente, acredita-se que o método descrito apresente confiabilidade suficiente para justificar o seu uso.

CONCLUSÃO

Pelos dados obtidos, pode-se concluir que:

1. O método utilizado mostrou excelente replicabilidade, sem diferença entre as duas medidas realizadas, com erro casual relativamente pequeno (<2°).

2. Há diferença estatisticamente significativa na angulação dos caninos permanentes entre indivíduos com más oclusões de Classe I e de Classe III, principalmente para os caninos inferiores. As diferenças encontradas acompanham as compensações naturais da inclinação dos incisivos na Classe III, amplamente descritas na literatura.

Enviado em: novembro de 2007

Revisado e aceito: agosto de 2008

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Recebido
      Nov 2007
    • Aceito
      Ago 2008
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