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Morfologia alveolar sob a perspectiva da tomografia computadorizada: definindo os limites biológicos para a movimentação dentária

Resumos

INTRODUÇÃO: a tomografia computadorizada (TC) permite a visualização do osso alveolar que recobre os dentes por vestibular e lingual. OBJETIVO: o propósito deste estudo foi expor e discutir as implicações da morfologia do osso alveolar, visualizado por meio da TC, sobre o diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico. MÉTODOS: foram descritas as evidências sobre a inter-relação entre características dentofaciais e a morfologia das tábuas ósseas vestibular e lingual, assim como evidências sobre a repercussão da movimentação ortodôntica sobre o nível e espessura dessas estruturas periodontais. RESULTADOS: pacientes adultos podem apresentar deiscências ósseas previamente ao tratamento ortodôntico, principalmente na região dos incisivos inferiores. Os pacientes com padrão de crescimento vertical parecem apresentar menor espessura das tábuas ósseas vestibular e lingual no nível do ápice dos dentes permanentes, comparados a pacientes com padrão de crescimento horizontal. O movimento dentário vestibulolingual descentraliza os dentes do rebordo alveolar e ocasiona deiscências ósseas. CONCLUSÃO: a morfologia do rebordo alveolar constitui um fator limitante para a movimentação dentária e deve ser considerada, de forma individual, na realização do plano de tratamento ortodôntico.

Tomografia computadorizada; Osso alveolar; Deiscência; Ortodontia


INTRODUCTION: Computed tomography (CT) permits the visualization of the labial/buccal and lingual alveolar bone. OBJECTIVES: This study aimed at reporting and discussing the implications of alveolar bone morphology, visualized by means of CT, on the diagnosis and orthodontic treatment plan. METHODS: Evidences of the interrelationship between dentofacial features and labial/buccal and lingual alveolar bone morphology, as well as the evidences of the effects of the orthodontic movement on the thickness and level of these periodontal structures were described. RESULTS: Adult patients may present bone dehiscences previously to orthodontic treatment, mainly at the region of the mandibular incisors. Hyperdivergent patients seems to present a thinner thickness of the labial/buccal and lingual bone plates at the level of the root apex of permanent teeth, compared to hypodivergent patients. Buccolingual tooth movement might decentralize teeth from the alveolar bone causing bone dehiscences. CONCLUSION: The alveolar bone morphology constitutes a limiting factor for the orthodontic movement and should be individually considered in the orthodontic treatment planning.

Computed tomography; Alveolar bone; Dehiscence; Orthodontics


TÓPICO ESPECIAL

Morfologia alveolar sob a perspectiva da tomografia computadorizada: definindo os limites biológicos para a movimentação dentária

Daniela Gamba GaribI; Marília Sayako YatabeII; Terumi Okada OzawaIII; Omar Gabriel da Silva FilhoIV

IProfessora Doutora de Ortodontia pela Faculdade de Odontologia de Bauru e Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, USP

IIAluna de pós-graduação lato sensu em Ortodontia, Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, Universidade de São Paulo (USP)

IIIOrtodontista e Chefe do Setor Odontológico do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, USP

IVOrtodontista do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, USP. Coordenador do Curso de Ortodontia Preventiva e Interceptiva da PROFIS, Bauru/SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Daniela Gamba Garib Al. Octávio de Pinheiro Brisola 9-75 CEP: 17.012-901 - Bauru/SP E-mail: dgarib@uol.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: a tomografia computadorizada (TC) permite a visualização do osso alveolar que recobre os dentes por vestibular e lingual.

OBJETIVO: o propósito deste estudo foi expor e discutir as implicações da morfologia do osso alveolar, visualizado por meio da TC, sobre o diagnóstico e plano de tratamento ortodôntico.

MÉTODOS: foram descritas as evidências sobre a inter-relação entre características dentofaciais e a morfologia das tábuas ósseas vestibular e lingual, assim como evidências sobre a repercussão da movimentação ortodôntica sobre o nível e espessura dessas estruturas periodontais.

RESULTADOS: pacientes adultos podem apresentar deiscências ósseas previamente ao tratamento ortodôntico, principalmente na região dos incisivos inferiores. Os pacientes com padrão de crescimento vertical parecem apresentar menor espessura das tábuas ósseas vestibular e lingual no nível do ápice dos dentes permanentes, comparados a pacientes com padrão de crescimento horizontal. O movimento dentário vestibulolingual descentraliza os dentes do rebordo alveolar e ocasiona deiscências ósseas.

CONCLUSÃO: a morfologia do rebordo alveolar constitui um fator limitante para a movimentação dentária e deve ser considerada, de forma individual, na realização do plano de tratamento ortodôntico.

Palavras-chave: Tomografia computadorizada. Osso alveolar. Deiscência. Ortodontia.

INTRODUÇÃO

A tomografia computadorizada (TC) permite à Odontologia vislumbrar o que as radiografias convencionais nunca mostraram: a espessura e o nível das tábuas ósseas que recobrem os dentes por vestibular e lingual. Previamente à introdução da tomografia computadorizada, não se visualizavam as tábuas ósseas vestibular e lingual, ocultadas nas radiografias convencionais devido às sobreposições de imagens e maquiadas clinicamente pelo recobrimento gengival.

A espessura do rebordo alveolar define os limites da movimentação ortodôntica, e desafiar essas fronteiras pode redundar em efeitos colaterais iatrogênicos para o periodonto de sustentação e proteção. Os movimentos ortodônticos mais críticos incluem a expansão das arcadas dentárias e os movimentos de retração anterior7. Tais mecânicas podem descentralizar os dentes do envelope de tecido ósseo de suporte, redundando em deiscências, fenestrações ósseas e recessão gengival, a depender da morfologia inicial do periodonto, assim como da quantidade da movimentação.

Devido à sua elevada definição e sensibilidade, as imagens provenientes da tomografia computadorizada helicoidal e Cone-Beam podem denunciar os locais com deiscências e fenestrações ósseas periodontais8,9,17,18. As deiscências ósseas podem ser conceituadas pelo aumento da distância entre a junção cemento-esmalte e a crista óssea alveolar vestibular ou lingual (Fig. 1). As fenestrações ósseas equivalem a uma interrupção na continuidade do osso alveolar vestibular e lingual, que expõe uma pequena região radicular (Fig. 2). Anteriormente ao advento da tomografia computadorizada, esforços para definir a repercussão da movimentação dentária sobre as tábuas ósseas vestibular e lingual concentraram-se em estudos em animais24,29 e estudos com radiografias convencionais21. Atualmente, avolumam-se os estudos com TC sobre a morfologia das tábuas ósseas vestibular e lingual previamente ao tratamento ortodôntico12,25,30; assim como as avaliações das repercussões da movimentação dentária sobre o osso alveolar11,16,22,23. Essas constatações podem alterar planejamentos usuais, apontando os limites das possibilidades terapêuticas em Ortodontia.



A Ortodontia clássica considerava o apinhamento, a posição dos incisivos inferiores e o padrão de crescimento como o tripé que regia o diagnóstico e o plano de tratamento. A Ortodontia contemporânea incluiu nessa lista a estética da face e do sorriso. A Ortodontia do futuro vai somar a esses quatro fatores a morfologia periodontal inicial do paciente. Com o passar do tempo, a Tomografia Computadorizada Cone-Beam (TCCB), também chamada de Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico, poderá responder se é seguro movimentar um dente para uma região desdentada de osso atrésico. Elucidará a amplitude aceita para a compensação ou descompensação dentária em cada paciente individualmente. Adicionalmente, a morfologia da tábua óssea vestibular auxiliará o ortodontista a discernir entre os pacientes que poderiam e os que não deveriam ser submetidos a mecânicas expansionistas. Conhecer amplamente os detalhes anatômicos dos pacientes e compreender os efeitos colaterais da movimentação dentária significa reconhecer nossos limites e praticar a Ortodontia com mais segurança.

MORFOLOGIA DAS TÁBUAS ÓSSEAS VESTIBULAR E LINGUAL

Os cortes axiais de tomografia computadorizada providenciam um panorama geral da espessura das tábuas ósseas vestibular e lingual (Fig. 3, 4).



Ao se analisar um corte axial da maxila, no nível do terço médio radicular, percebe-se que a tábua óssea vestibular mostra-se bastante delgada, tanto na região anterior quanto na posterior (Fig. 3). Os caninos, devido ao seu volume, e a raiz mesiovestibular dos primeiros molares apresentam tábua óssea vestibular ainda mais delgada que os demais dentes. A tábua óssea lingual apresenta-se mais espessa que a tábua óssea vestibular e, geralmente, os incisivos centrais superiores detêm o recobrimento lingual mais consistente (Fig. 3).

Na mandíbula, a tábua óssea vestibular também mostra uma espessura muito delgada, com exceção dos segundos e terceiros molares, recobertos por uma grossa camada de osso alveolar (Fig. 4). Como na maxila, a tábua óssea lingual também é mais espessa em comparação à tábua óssea vestibular, com exceção da região dos incisivos inferiores, delineada por um delgado recobrimento ósseo tanto por vestibular quanto por lingual. Na mandíbula, a espessura do rebordo alveolar decresce significativamente de posterior para anterior25. Na região da sínfise mandibular, não é raro visualizar deiscências ósseas previamente ao tratamento ortodôntico, principalmente em pacientes adultos7 (Fig. 5). A explicação centra-se na desproporção entre o diâmetro vestibuloligual dos incisivos inferiores e do rebordo alveolar, que muitas vezes não apresenta amplitude suficiente para envolver todo o volume radicular7 (Fig. 6).



Um recente estudo mensurou a espessura das tábuas ósseas vestibular e lingual dos dentes superiores e inferiores previamente ao tratamento ortodôntico5. Para a maxila, foram utilizados cortes axiais de TCCB passando a 3 e 6mm apicalmente à junção cemento-esmalte dos dentes superiores (Fig. 7). Para a mandíbula, as mensurações foram tomadas em cortes axiais passando a 4 e 8mm apicalmente à junção cemento-esmalte dos dentes inferiores (Fig. 8). Os valores de referência da espessura das tábuas ósseas vestibular e lingual para adolescentes e adultos jovens5 podem ser observados nas Figuras 7 e 8. Lee et al.15 mostraram resultados semelhantes para a espessura da tábua óssea vestibular em adultos coreanos com oclusão normal.



Dentes em posição excêntrica no rebordo alveolar, como incisivos apinhados e caninos em vestibuloversão, constituem características de risco para deiscências ósseas e fenestrações7 (Fig. 9, 10).



O padrão de crescimento facial exerce alguma influência nas características das tábuas ósseas vestibular e lingual. Os braquifaciais apresentam um rebordo alveolar mais largo no sentido vestibulolingual, comparado aos mesofaciais e dolicofaciais12,26. Os dolicofaciais apresentam a sínfise mandibular e o rebordo alveolar anteroinferior mais estreito que os demais padrões faciais4,13 (Fig. 11). Concernente à espessura das tábuas ósseas vestibular e lingual, a diferença entre braquifacias e dolicofaciais parece restringir-se à região dos ápices dentários. A espessura da tábua óssea nos terços cervical e médio da raiz é muito semelhante nos distintos padrões faciais5. No entanto, a distância do ápice até a superfície externa da cortical vestibular e lingual apresenta-se maior no braquifacial, comparado ao dolicofacial26 (Fig. 12). Sob essa perspectiva, nos pacientes com padrão de crescimento horizontal, o planejamento ortodôntico apresenta menos limitações morfológicas para a movimentação vestibulolingual dos incisivos inferiores. Contrariamente, os pacientes dolicofaciais apresentam as maiores restrições nas possibilidades de movimentação sagital dos incisivos inferiores, principalmente no nível do ápice dos incisivos inferiores. Dessa maneira, diante da necessidade de movimentação dos incisivos inferiores no sentido vestibulolingual, o movimento dentário de inclinação deveria ser preferido em vez do movimento dentário de corpo. O movimento dentário de corpo movimentaria, além da coroa, também o ápice, podendo transgredir os limites de sua inserção óssea. Por outro lado, o movimento de inclinação (com o centro de rotação próximo ao ápice) poderia alterar a posição coronal dos incisivos inferiores, enquanto manteria o ápice na região com disponibilidade óssea. Fios de nivelamento redondos, ou mesmo fios retangulares de dimensão bastante reduzida em comparação com a dimensão do slot dos braquetes, poderiam ser utilizados com o propósito de obter movimento de inclinação. Ademais, quando se deseja preservar a posição do ápice radicular no centro da base óssea, o consagrado procedimento de torque resistente não deveria ser realizado durante a movimentação vestibulolingual.



A retração anteroinferior nos casos de biprotrusão ou em tratamentos compensatórios da má oclusão de Classe III, a compensação dentária no Padrão II e a descompensação cirúrgica no Padrão III deveriam ser minuciosamente calculadas em pacientes com padrão de crescimento vertical. Em indivíduos Face Longa, com padrão de crescimento vertical extremo, a posição ideal dos incisivos inferiores deveria equivaler à sua posição original, ditada pela própria natureza.

Ao comparar pacientes verticais com distintos padrões esqueléticos sagitais, verificou-se que os pacientes com Padrão III apresentam a sínfise mandibular ainda mais estreita que pacientes com padrão esquelético de Classe I e II14,30. Diante dessa evidência, a Ortodontia deveria ser muito parcimoniosa ao planejar movimentos vestibulolinguais dos incisivos inferiores, tanto em tratamentos compensatórios quanto em tratamentos ortodôntico-cirúrgicos. Novamente, o movimento de corpo deveria ser preterido em favor do movimento de inclinação.

Além da sínfise mandibular, uma área muito crítica quanto à espessura das tábuas ósseas livres consiste na região anterossuperior em pacientes com fissuras labiopalatinas com acometimento do rebordo alveolar (Fig. 13). Em crianças com fissuras labiopalatinas bilaterais, apesar da pouca espessura das tábuas ósseas alveolares que circundam os dentes vizinhos à fissura (Tab. 1), a crista óssea alveolar apresenta um nível normal, sem a presença de deiscências ósseas. O osso periodontal pouco espesso que envolve os dentes próximos à fissura limita as possibilidades de movimentação dentária previamente ao procedimento de enxerto ósseo alveolar nesses pacientes.


REPERCUSSÕES PERIODONTAIS DO MOVIMENTO DENTÁRIO VESTIBULOLINGUAL

Movimentos dentários que tendem a descentralizar os dentes do rebordo alveolar representam os movimentos mais críticos para o desenvolvimento de deiscências ósseas7. Portanto, o movimento na direção vestibulolingual apresenta maior risco de transpor os limites do rebordo alveolar, redundando em reabsorção das tábuas ósseas livres.

Existe uma correlação patente entre o movimento dentário vestibulolingual e o desenvolvimento de deiscências ósseas. Estudos em animais comprovaram que o deslocamento dentário em direção vestibular, mediante forças leves, aumenta a distância entre a junção cemento-esmalte e a crista óssea vestibular24,29. Interessantes estudos conduzidos em maxilares humanos extraídos em uma autópsia apresentaram conclusões semelhantes27,28 (Fig. 14). As alterações redutivas na espessura e nível da tábua óssea vestibular sinalizam a ausência de equivalente aposição óssea compensatória sob o periósteo vestibular quando os dentes são movimentados nessa direção. O desenvolvimento de deiscências ósseas consequentes ao movimento sagital dos incisivos também já havia sido sugerido por estudos que utilizaram radiografias convencionais e laminografias21 e por estudos clínicos que constataram o desenvolvimento de recessões gengivais em dentes movimentados natural ou ortodonticamente para vestibular1,2,3.


As deiscências ósseas determinadas pela movimentação dentária não podem ser percebidas clinicamente. O aspecto clínico gengival não denuncia as alterações do nível da crista óssea alveolar, pelo menos em curto prazo. Não se observam recessões gengivais imediatamente após o desenvolvimento das deiscências. A migração do epitélio juncional e a perda de inserção conjuntiva não acompanham o deslocamento apical da crista óssea vestibular24,29; principalmente na ausência de inflamação29. Na realidade, o desenvolvimento de deiscências é seguido pelo estabelecimento de uma inserção conjuntiva longa e, dessa maneira, o sulco gengival não se aprofunda29.

A tomografia computadorizada ampliou ainda mais nossa visão concernente às repercussões da movimentação dentária sobre o osso alveolar vestibular e lingual. Por meio da TC, constatou-se que a expansão, a protrusão e a retração com translação figuram entre os movimentos com maior risco de ocasionar deiscências ósseas7. A retração ortodôntica dos incisivos superiores e inferiores ocasiona uma redução na espessura da tábua óssea lingual nos terços médio e coronal radicular, assim como deiscências ósseas linguais23. A espessura da tábua óssea vestibular mantém-se constante diante da retração dos incisivos, com exceção da região do terço coronal dos incisivos inferiores, que pode mostrar uma redução23. O tratamento ortodôntico descompensatório pré-cirúrgico em pacientes verticais do Padrão III pode determinar extensas deiscências ósseas na região da sínfise mandibular14. Tanto a expansão maxilar rápida11,22 quanto a expansão lenta7; na dentadura permanente, podem ocasionar deiscências ósseas vestibulares nos dentes posteriores, principalmente em pacientes com tábua óssea inicialmente delgada (Fig. 15). A região dos primeiros pré-molares superiores mostra-se ainda mais crítica quando comparada à região dos primeiros molares, devido às características anatômicas da maxila11 (Fig. 16).



Os primeiros pré-molares localizam-se numa área gradativamente mais estreita superiormente (Fig. 16A). Nessa região, diante de um movimento de corpo para vestibular, a raiz pode transpor o osso alveolar muito mais facilmente11. Os primeiros molares superiores, pelo contrário, localizam-se em uma região da maxila que se torna mais larga superiormente (Fig. 16B). O expansor dentossuportado (Hyrax) ocasiona deiscências mais extensas do que o expansor dentomucossuportado (tipo Haas)11.

Essas evidências são importantes para nortear o ortodontista a tomar atitudes no intento de prevenir recessões gengivais futuras. Os fatores predisponentes e desencadeantes das recessões gengivais devem ser prevenidos nos pacientes submetidos à expansão. Inicialmente, devemos recomendar enxerto gengival em áreas com pequena faixa de mucosa ceratinizada e orientar a forma de higiene bucal para evitar escovação traumática e inflamação gengival. Ademais, as consequências periodontais da expansão maxilar enaltecem a intervenção ortodôntica precoce. A correção das atresias maxilares ainda nas dentaduras decídua e mista, além de redundar em maior efeito ortopédico, transfere a ancoragem para os molares e caninos decíduos. Embora ainda não haja evidência de que a ERM realizada nas dentaduras decídua e mista cause deiscências ósseas vestibulares mesmo em face de algum grau de iatrogenia periodontal, a futura erupção dos sucessores permanentes seria acompanhada por um novo osso alveolar, restabelecendo a integridade na região.

A tomografia computadorizada também demonstrou que, durante a fase de contenção, ocorre uma regeneração parcial das deiscências ósseas ocasionadas durante o tratamento ortodôntico corretivo7. No entanto, estamos somente começando. Com a introdução da TCCB, o futuro parece ainda muito promissor em prover evidências adicionais sobre o efeito longitudinal de distintas mecânicas ortodônticas sobre o periodonto de sustentação.

REPERCUSSÕES PERIODONTAIS DO MOVIMENTO DENTÁRIO MESIODISTAL

Outra situação clínica que denota certa preocupação com a integridade das tábuas ósseas vestibular e lingual diz respeito ao movimento mesiodistal de dentes posteriores para regiões de rebordo alveolar atrésico. Em pacientes com agenesias dentárias ou com perdas de primeiros molares permanentes, mecanicamente é possível fechar os espaços mediante a mesialização de dentes posteriores, principalmente com a introdução dos mecanismos de ancoragem esquelética. No entanto, o rebordo alveolar desdentado apresenta uma reduzida dimensão vestibulolingual. Ao se mesializar os dentes posteriores para essas regiões, o que acontece com o periodonto de sustentação dos dentes movimentados? O osso alveolar vestibular e lingual acompanha a movimentação dentária ou esse tipo de movimento redunda em deiscências ósseas?

Um estudo muito elucidativo foi conduzido nos maxilares de uma jovem de 19 anos, em tratamento ortodôntico corretivo, que veio a óbito em um acidente28. A paciente apresentava agenesia dos segundos pré-molares superiores e do incisivo lateral superior direito. O tratamento ortodôntico corretivo foi conduzido com o fechamento dos espaços das agenesias. Os cortes histológicos da maxila mostraram deiscências ósseas nos dentes movimentados para a região do rebordo alveolar atrésico28 (Fig. 17). Constatou-se, adicionalmente, que o osso alveolar pode acompanhar o movimento translatório, com neoformação óssea compensatória no periósteo vestibular e lingual, desde que a movimentação dentária seja conduzida numa velocidade muito lenta28. A TCCB mostra-se muito valiosa para monitorar esses casos e mostrar o padrão de remodelação óssea na região de osso atrésico.


Adicionais movimentos críticos para o desenvolvimento de fenestrações e deiscências referem-se ao movimento mesiodistal de molares superiores para áreas com extensões do seio maxilar28 e o movimento de rotação27. A correção de giroversões de dentes com raízes com o diâmetro vestibulolingual excedendo o diâmetro mesiodistal pode redundar em reabsorção das tábuas ósseas vestibular e lingual27.

REQUISITOS DA TOMADA TOMOGRÁFICA PARA VISUALIZAÇÃO DAS TÁBUAS ÓSSEAS

Em 1995, a tomografia computadorizada helicoidal foi validada para identificação do osso alveolar vestibular e lingual10. Somente tábuas ósseas com espessura inferior a 0,2mm podem não ficar aparentes no exame de tomografia computadorizada médica10. Adicionalmente, um estudo em cadáveres evidenciou que os defeitos ósseos horizontais realizados por vestibular e lingual eram identificados em tomografia computadorizada helicoidal, enquanto não puderam ser visualizados em radiografias periapicais9. Em 1996, um estudo experimental em que deiscências ósseas foram realizadas artificialmente em maxilares de cadáveres concluiu que a tomografia computadorizada era o único meio de diagnóstico por imagem que permitia a avaliação quantitativa tridimensional da espessura vestibulolingual do rebordo alveolar e das tábuas ósseas vestibular e lingual6. Em 2008, comprovou-se a elevada acurácia da TCCB para prover o diagnóstico e análise quantitativa do nível da crista óssea alveolar vestibular e lingual17,18.

A sensibilidade e a especificidade para a identificação de deiscências e fenestrações foram aferidas para tomografias computadorizadas Cone-Beam tomadas com voxel de 0,38mm e 2mA, especificamente em reconstruções tridimensionais16. Imagens 3D de crânios secos mostraram boa sensibilidade e especificidade para identificação de fenestrações ósseas (0,8)16. Por outro lado, a identificação de deiscências ósseas apresentou alta especificidade (0,95) e baixa sensibilidade (0,40)16. Isso quer dizer que a reconstrução tridimensional em TCCB mostra um baixo índice de falso-positivo e um significativo índice de falso-negativo para as deiscências ósseas. Em outras palavras, quando uma deiscência óssea está aparente na reconstrução 3D de TCCB significa que ela provavelmente existe. No entanto, nos locais onde não são identificadas deiscências na reconstrução 3D, não significa que elas inexistam.

Quando se deseja visualizar ou mensurar pequenas estruturas em imagens de TCCB, como as tábuas ósseas vestibular e lingual, o exame deve ser tomado seguindo alguns preceitos que conduzem à boa definição da imagem. A resolução espacial da imagem (menor distância para identificação de duas estruturas distintas) de TCCB não equivale exatamente à dimensão do voxel (menor unidade de imagem tomográfica)19. Algumas propriedades das imagens tomográficas - como a média de volume parcial, os artefatos e o ruído - podem interferir na resolução espacial da imagem19. Para obtenção de uma boa resolução espacial, o campo de visão da tomada radiográfica (FOV) e a dimensão do voxel devem ser ambos o menor possível19. Ainda, o paciente deve ser orientado a permanecer totalmente imóvel durante a tomada, a fim de evitar artefatos de movimentação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante a última década, a Ortodontia ampliou suas potencialidades de diagnóstico e capacidade de delinear um prognóstico mais realista com a introdução da Tomografia Computadorizada Cone-Beam. A morfologia do periodonto de sustentação, flagrada nas imagens de tomografia computadorizada, pode alterar metas ortodônticas usuais. As repercussões da movimentação dentária no osso alveolar, evidenciadas por meio da tomografia computadorizada, apontarão os limites da Ortodontia, definindo os procedimentos que poderiam, e os que não deveriam, ser implementados em cada paciente individualmente.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Dra. Bruna Condi de Moraes e ao seu orientador, Dr. Leopoldino Capelozza, pela gentil concessão da Figura 6 para ilustração desse artigo.

Enviado em: junho de 2010

Revisado e aceito: julho de 2010

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    Daniela Gamba Garib
    Al. Octávio de Pinheiro Brisola 9-75
    CEP: 17.012-901 - Bauru/SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Revisado
      Jul 2010
    • Recebido
      Jun 2010
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