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Movimentação dentária mais rápida, melhor e indolor: será possível?

O QUE HÁ DE NOVO NA ODONTOLOGIA

Movimentação dentária mais rápida, melhor e indolor: será possível?

Jose A. BosioI; Dawei LiuII

IProfessor Assistente e Diretor da Clínica de Pós-Graduação do Departamento de Ciências do Desenvolvimento/Ortodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade Marquette, Milwaukee, WI, EUA

IIProfessor Assistente, Diretor do Curso de Graduação e Diretor de Pesquisa do Departamento de Ciências do Desenvolvimento/Ortodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade Marquette, Milwaukee, WI, EUA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Jose A. Bosio ( jose.bosio@marquette.edu) Dawei Liu ( dawei.liu@marquette.edu)

As tentativas de correção de dentes apinhados ou projetados remontam a 3000 anos de história. Foram encontradas múmias egípcias com anéis metálicos rudimentares envoltos em alguns dentes. Aparelhos ortodônticos toscos, mas surpreendentemente bem elaborados, também foram encontrados entre artefatos gregos e etruscos1.

Começando com Pierre Fauchard, passando por Ben Kingsley, Calvin Case e, finalmente, Edward H. Angle, somos testemunhas de uma imensa evolução tecnológica. A era moderna da Ortodontia iniciou sua trajetória histórica em torno do ano 1900, evoluindo desde as bandas de metal ajustadas aos dentes até aparelhos colados nas superfícies vestibular e lingual, além dos aparelhos invisíveis, mini-implantes e miniplacas, braquetes autoligados, modelos digitais, laser etc. Portanto, a busca contínua pelo aperfeiçoamento dos materiais e técnicas suscita em nós o desejo de tratar os pacientes mais rapidamente, com melhores técnicas e de forma totalmente indolor.

Hoje em dia, muitas pessoas submetem-se ao tratamento ortodôntico, o que lhes proporciona uma melhor oclusão, com efeitos benéficos nas funções orais e uma aparência facial mais harmoniosa. No entanto, dois desconcertantes desafios ainda não foram resolvidos pela Ortodontia clínica, ou seja: o tempo de tratamento prolongado (2-3 anos, em média) e a reabsorção radicular iatrogênica. A superação desses desafios certamente irá melhorar drasticamente a qualidade do tratamento ortodôntico.

Por natureza, o movimento dentário ortodôntico (MDO) é um processo de modelação óssea induzida mecanicamente, onde o osso formado no lado da tensão é reabsorvido no lado da compressão do ligamento periodontal (LP). Historicamente, verificou-se que, quando forças são aplicadas, as seguintes três fases distintas da movimentação dentária podem ser observadas: a primeira fase, de tensão, em que o LP é comprimido (menos de 5 segundos); a segunda fase, de latência, durante a qual o movimento dentário sofre uma pausa devido à hialinização que ocorre no LP (7-14 dias); e a terceira fase, de movimento, em que o dente se move com facilidade, provocando um processo de reabsorção que debilita intensamente o osso alveolar adjacente2. Portanto, é lógico supor que, se a 2ª fase (hialinização no LP) puder ser evitada ou minimizada, o dente poderá mover-se com maior suavidade e rapidez.

Do ponto de vista clínico, a aplicação de forças possui características de magnitude, frequência e duração. Há anos que os estudos vêm privilegiando a magnitude e a duração das forças, o que resultou na maioria dos incontestáveis achados científicos descritos na literatura atual. Em resumo, sempre que são aplicadas forças leves, parece que a segunda fase não está presente e o dente se move com muito menos trauma (sem hialinização) através do osso alveolar - o que seria, sem dúvida, a situação ideal. O problema da aplicação de forças pesadas reside no fato de que, embora o dente se mova, em última análise, através do osso alveolar, a superfície da raiz do dente sofre reabsorção devido à longa duração do contato com a parede do alvéolo3. Clinicamente, forças mais leves são consideradas adequadas. Entretanto, mesmo assim, a hialinização em si não pode ser totalmente evitada, devido às superfícies irregulares da raiz e da parede do alvéolo4.

No que tange à frequência de aplicação das forças, raramente estudada, todos os aparelhos ortodônticos disponíveis atualmente aplicam apenas forças estáticas. Portanto, pode-se supor que, caso uma força leve e alternada seja aplicada aos dentes, o movimento desse se fará mais rápido e os riscos de reabsorção radicular serão reduzidos, devido à possível ausência de retardo na hialinização.

Entretanto, como conseguir uma força ortodôntica leve e alternada (pulsante, cíclica)? Um dos meios possíveis seria a aplicação de vibrações mecânicas às forças ortodônticas estáticas convencionais. Será que existe alguma evidência científica para corroborar essa nossa hipótese? Sim, existe. Nos últimos anos, demonstrou-se que os ossos que sustentam o corpo são sensíveis a vibrações mecânicas de baixo nível5,6. Com menos de 50µm de deslocamento e apenas 5 minutos por dia, os sinais da vibração mecânica promovem a formação óssea, melhoram a morfologia óssea, aumentam a resistência óssea e atenuam os efeitos negativos associados aos estímulos catabólicos6. Na Odontologia, Kusano et al.7 constataram que tanto os mecanismos ultrassônicos (1,6MHz) quanto os vibratórios (141Hz) da escova de dentes aumentam a proliferação e síntese de colágeno dos fibroblastos gengivais de cães. Mais importante ainda foi o relato, de Nishimura et al.8, de que a vibração ressonante aumenta a taxa de movimento dentário em ratos. Na clínica ortodôntica, Marie et al.9 descobriram que a vibração reduz a dor em pacientes ortodônticos, mas não avaliaram os efeitos da estimulação vibratória na MDO. Esses resultados servem para incentivar os pesquisadores a investigar a possibilidade do uso de vibrações mecânicas para promover a movimentação ortodôntica e reduzir a reabsorção radicular.

Como um dos primeiros a pesquisar esse tema, Liu10 relatou que, quando a vibração mecânica (4Hz, 20µm de deslocamento, 5min/dia) é aplicada para ajudar a mover ortodonticamente os dentes de ratos durante 4 semanas, em comparação com o grupo que não foi submetido à vibração, ocorre um aumento na taxa de movimentação dentária próximo a 50%. Contudo, deve-se ter cautela ao extrapolar para o ser humano os achados experimentais e conclusões de estudos realizados em animais.

Com o avanço das pesquisas, uma nova empresa ortodôntica, a OrthoAccel Technologies (Houston, Texas, EUA), foi fundada em 2007 e, já em 2009, introduziu no mercado uma marca própria de vibrador dentário denominado AcceleDent (Fig. 1B). Com o intuito de explorar os efeitos clínicos desse dispositivo, Kau et al.11 realizaram um ensaio clínico em que 14 pacientes ortodônticos foram recrutados e instruídos a usar o aparelho durante 20 minutos por dia, por um período de 6 meses consecutivos. Os resultados permitiram constatar que a taxa total de movimento do apinhamento inferior foi de 2,1mm por mês e, na arcada superior, 3,0mm por mês, o que aparentemente é mais rápido do que a movimentação comumente aceita como normal, que é de cerca de 1,0mm por mês12. A adesão ao tratamento foi de 67%, com boa percepção por parte dos pacientes. Concluiu-se, assim, que o dispositivo AcceleDent é um complemento útil para o tratamento ortodôntico. Sempre que utilizado de forma adequada, o AcceleDent pode acelerar a movimentação dentária ortodôntica tradicional11. Atualmente, o dispositivo é comercializado na União Europeia e Austrália. O lançamento no mercado dos EUA só poderá ocorrer depois que os resultados de um ensaio clínico - atualmente sendo realizado no Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Texas, em San Antonio - sejam aprovados pela US Food and Drug Administration (FDA, EUA).


Segundo o fabricante, o AcceleDent é um dispositivo dentário simples e removível que os pacientes devem usar entre os dentes durante 20 minutos diários. O produto deixa as mãos livres, proporcionando ao usuário liberdade de ação para realizar a maioria das tarefas rotineiras durante a sua utilização, tais como fazer o dever de casa, assistir televisão e ler. O dispositivo pode ser utilizado juntamente com qualquer tipo de aparelho, tais como aparelhos fixos e/ou alinhadores invisíveis. Caso sua eficácia seja comprovada, podemos estar diante de uma verdadeira revolução na área da Ortodontia.

Outro "novo" sistema ortodôntico, presente na literatura desde 2002,é o SureSmile® (OraMetrix Inc., Richardson, TX, EUA). Nele, o ortodontista precisa digitalizar tridimensionalmente os dentes e estruturas associadas, e enviar os registros para a empresa através da internet, juntamente com a prescrição do ortodontista e suas preferências relativas aos braquetes, para o plano do tratamento e confecção do aparelho. Tudo o que o ortodontista tem a fazer é obedecer as orientações da empresa para concluir o caso e, possivelmente, conduzir a fase de contenção também13 .

Uma visão retrospectiva de nossa profissão nos faz perceber que, tradicionalmente, os ortodontistas dependem de uma prescrição padrão, embutida no braquete, durante a primeira metade do ciclo de tratamento. Na segunda metade, o profissional concentra-se em corrigir os erros resultantes do diagnóstico inadequado, as limitações da prescrição padrão do braquete e sua instalação. Essa etapa do tratamento é considerada uma fase altamente reativa. A frequência das sessões com os pacientes aumenta consideravelmente, consumindo muito mais tempo do ortodontista14. O SureSmile foi projetado para dar suporte a um modelo pró-ativo de atendimento. Ele permite que o ortodontista ofereça terapias personalizadas e direcionadas, utilizando arcos pré-ajustados fabricados por processo automatizado (robôs). Simplificando, as moldagens deixam de ser necessárias, uma vez que os dentes são digitalizados com um scanner intrabucal especial, produzindo um modelo digital que permite ao profissional: visualizar um dente mal posicionado, alterar sua posição no computador e realizar os ajustes necessários através da alteração dos números (giroversão, inclinação, torque, etc.) incluídos no programa de computador instalado em seu consultório, e transmiti-los pela internet para a empresa fabricante dos arcos - que, após recebê-los, aciona o robô que confecciona/dobra os arcos pré-ajustados de NiTi e, posteriormente, os envia ao profissional.

O Dr. Sachdeva afirma que o software para plano de tratamento possui muitos componentes funcionais: visualização em 3D, medição, comunicação, tomada de decisão com simulação, instalação do aparelho ortodôntico, configuração e design do arco, avaliação de qualidade e resultados, e o SureSmile, para manejo do paciente. Cada um desses utilitários pode ser utilizado isoladamente ou em conjunto, permitindo que o dentista tome decisões bem informadas e projete o arco de acordo com a prescrição desejada14 . Segundo ele, um ortodontista motivado e experiente precisa de, no mínimo, dois anos e o atendimento de pelo menos 100 pacientes para desenvolver competência no uso do SureSmile. No entanto, acreditamos que a comunidade ortodôntica estaria interessada na realização de estudos imparciais e bem embasados, comprovando que os dentes podem realmente ser movimentados com maior rapidez, segurança e eficiência empregando-se a tecnologia SureSmile.

São as seguintes as dificuldades encontradas no sistema SureSmile: 1) o tempo de varredura é ainda bastante longo, levando cerca de 25 minutos para digitalizar uma boca completa, 2) o tempo de cadeira é reduzido, mas o tempo necessário ao planejamento e alteração do posicionamento dentário no programa de computador aumenta significativamente, 3) os custos iniciais com a montagem do equipamento e manutenção do programa ainda são muito elevados. Em breve, essa tecnologia arrojada deverá demonstrar sua eficácia diante da comunidade ortodôntica.

Ambos os autores contribuíram igualmente para este trabalho.

  • 1. Wahl N. Orthodontics in 3 millennia. Chapter 2: entering the modern era. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2005 Apr;127(4):510-5.
  • 2. Reitain K. Some factors determining the evaluation of forces in orthodontics. Am J Orthod. 1957;43:32-45.
  • 3. Proffit W. Contemporary Orthodontics. 4th ed. St. Louis: Mosby Year Book; 2007. cap. 9, p. 331-40.
  • 4. Cattaneo PM, Dalstra M, Melsen B. Moment-to-force ratio, center of rotation, and force level: a finite element study predicting their interdependency for simulated orthodontic loading regimens. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2008 May;133(5):681-9.
  • 5. Rubin C, Turner AS, Bain S, Mallinckrodt C, McLeod K. Anabolism. Low mechanical signals strengthen long bones. Nature. 2001 Aug 9;412(6847):603-4.
  • 6. Xie L, Rubin C, Judex S. Enhancement of the adolescent murine musculoskeletal system using low-level mechanical vibrations. J Appl Physiol. 2008 Apr;104(4):1056-62.
  • 7. Kusano H, Tomofuji T, Azuma T, Sakamoto T, Yamamoto T, Watanabe T. Proliferative response of gingival cells to ultrasonic and/or vibration toothbrushes. Am J Dent. 2006 Feb;19(1):7-10.
  • 8. Nishimura M, Chiba M, Ohashi T, Sato M, Shimizu Y, Igarashi K, et al. Periodontal tissue activation by vibration: intermittent stimulation by resonance vibration accelerates experimental tooth movement in rats. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2008 Apr;133(4):572-83.
  • 9. Marie SS, Powers M, Sheridan JJ. Vibratory stimulation as a method of reducing pain after orthodontic appliance adjustment. J Clin Orthod. 2003 Apr;37(4):205-8.
  • 10. Liu D. Acceleration of orthodontic tooth movement by mechanical vibration. Access: 2009 Jan 12. Available from: http://iadr.confex.com/iadr/2010dc/webprogram/Paper129765.html
  • 11. Kau CH, Jennifer TN, Jeryl D. The clinical evaluation of a novel cyclical-force generating device in orthodontics. Orthodontic Practice US. 2010;1(1):43-4.
  • 12. Mandall N, Lowe C, Worthington H, Sandler J, Derwent S, Abdi-Oskouei M, et al. Which orthodontic archwire sequence? A randomized clinical trial. Eur J Orthod. 2006 Dec;28(6):561-6.
  • 13. Mah J, Sachdeva R. Computer assisted orthodontic treatment: The SureSmile process. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2001 Jul;120(1):85-7.
  • 14. Scholz RP, Sachdeva RCL. Interview with an innovator: SureSmile Chief Clinical Officer Rohit C. L. Sachdeva. Am J Orthod Dentofacial Orthop. 2010 Aug;138(2):231-8.
  • Endereço para correspondência:

    Jose A. Bosio
    (
    Dawei Liu
    (
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
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