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A influência de imagens tridimensionais no plano de tratamento ortodôntico

Resumos

INTRODUÇÃO: a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) foi introduzida no final da década de 90 e estudos têm aprimorado o seu emprego na Odontologia. OBJETIVO: o objetivo desse artigo foi verificar a influência de imagens tridimensionais (3D) no plano de tratamento ortodôntico. MÉTODOS: duas situações clínicas (reabsorção cervical e deiscência óssea) foram descritas por meio de imagens 3D. RESULTADOS: a conduta ortodôntica foi redirecionada para a simplificação da mecânica e o controle das lesões durante o tratamento ortodôntico. CONCLUSÃO: imagens 3D são capazes de aumentar a acurácia do diagnóstico e redirecionar o plano de tratamento ortodôntico.

Plano de tratamento ortodôntico; Tomografia computadorizada de feixe cônico; Reabsorção cervical; Deiscência óssea


INTRODUCTION: Cone-Beam Computed Tomography (CBCT) was introduced in the 90's and studies have improved its use in dentistry. OBJECTIVE: The aim of this article was to investigate the influence of three-dimensional (3D) images in orthodontic treatment planning. METHOD: Two clinical situations (bone dehiscence and cervical resorption) were described by 3D images. RESULTS: The orthodontic treatment plan was redirected to a simplified mechanics and control of the lesions during orthodontic treatment. CONCLUSION: 3D images are able to increase diagnostic accuracy and redirect orthodontic treatment plan.

Orthodontic treatment plan; Cone-Beam computed tomography; Cervical resorption; Bone dehiscence


ARTIGO INÉDITO

A influência de imagens tridimensionais no plano de tratamento ortodôntico

Iury Oliveira CastroI; Carlos EstrelaII; José Valladares-NetoIII

IMestrando em Clínica Odontológica, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Goiás

IIProfessor Titular da Disciplina de Endodontia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Goiás

IIIProfessor Assistente da Disciplina de Ortodontia, Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Goiás

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Iury Oliveira Castro Al. Cel. Eugênio Jardim, n. 312 - Setor Marista CEP: 74.175-100 - Goiânia / GO E-mail: iurygo@hotmail.com

RESUMO

INTRODUÇÃO: a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) foi introduzida no final da década de 90 e estudos têm aprimorado o seu emprego na Odontologia.

OBJETIVO: o objetivo desse artigo foi verificar a influência de imagens tridimensionais (3D) no plano de tratamento ortodôntico.

MÉTODOS: duas situações clínicas (reabsorção cervical e deiscência óssea) foram descritas por meio de imagens 3D.

RESULTADOS: a conduta ortodôntica foi redirecionada para a simplificação da mecânica e o controle das lesões durante o tratamento ortodôntico.

CONCLUSÃO: imagens 3D são capazes de aumentar a acurácia do diagnóstico e redirecionar o plano de tratamento ortodôntico.

Palavras-chave: Plano de tratamento ortodôntico. Tomografia computadorizada de feixe cônico. Reabsorção cervical. Deiscência óssea.

INTRODUÇÃO

A tomografia computadorizada (TC) convencional (ou médica) foi desenvolvida, em 1972, pelo engenheiro inglês Hounsfield e pelo físico norte-americano Comark2. Representou grande evolução e, por essa razão, seus idealizadores foram consagrados com o prêmio Nobel de Medicina em 1979. Apesar do avanço, a TC convencional foi aplicada na Odontologia com restrições, em decorrência da elevada dosagem de radiação, excessiva dimensão da aparelhagem, necessidade de posição supina do paciente durante a tomada, além do custo financeiro2,10,19. Ao final da década de 90, o avanço tecnológico conduziu a uma nova versão que atendeu as necessidades da região dos dentes e maxilofacial, e se tornou conhecida como tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) ou, no idioma inglês, cone-beam2,4,6,10.

Como o nome sugere, a TCFC produz um feixe de radiação em forma de cone que gira em torno do paciente para adquirir dados volumétricos. Uma quantidade específica de raios X absorvida corresponde a uma estrutura cuboide tridimensional chamada de voxel, correspondente ao pixel das imagens bidimensionais. A reconstrução volumétrica computadorizada é obtida por softwares utilizando algoritmos para reproduzir a imagem tridimensional (3D) em alta resolução18. A dosagem de radiação emitida pela TCFC depende do campo de visão desejado, tempo de exposição, miliamperagem e quilovoltagem, mas tem sido relatado que corresponde a aproximadamente 20% da TC convencional e é equivalente à exposição completa de radiografias periapicais17. O diferencial da TCFC também está na possibilidade de captação de imagens em tamanho real nos três planos do espaço, diferentemente dos exames radiográficos bidimensionais, que projetam a imagem das estruturas em um só plano, muitas vezes distorcidas e sobrepostas4.

A literatura é repleta de aplicações clínicas da TCFC13. Na Ortodontia, favorece a visualização de dentes impactados10,13,18,19; a detecção de reabsorção dentária, anquilose e fratura alveolodentária7,10; avaliação da altura e volume ósseo10,13; investigação da articulação temporomandibular e vias aéreas4,13,19; determinação precisa da discrepância osseodentária em dentes ainda não irrompidos10 e identificação de patologias13,18.

O objetivo do presente artigo foi avaliar a influência de exames 3D no redirecionamento do plano de tratamento ortodôntico. Para isso, duas situações clínicas foram descritas, nas quais os exames clínico e/ou radiográfico convencional sugeriram a complementação com imagens tomográficas. Em ambas, as imagens foram obtidas pelo tomógrafo i-CAT® (Imaging Sciences International, Hatfield, EUA) cujos dados foram exportados para o sofware Xoran versão 3.1.62 (Xoran Technologies, Ann Arbor, EUA) para a reconstrução em 3D.

CASO CLÍNICO 1

O paciente procurou tratamento ortodôntico aos 40 anos e 6 meses de idade. Apresentava como queixa principal a má distribuição dos diastemas inferiores para a adequada reabilitação com implantes dentários. Sua história médica não possuía registros significativos, e a odontológica apresentou o antecedente das perdas dentárias (dentes 12, 36 e 37), do tratamento endodôntico (dentes 11, 22 e 46) e da instalação do implante (região do dente 12). Em relação ao padrão dentário, apresentava Classe II, divisão 2, subdivisão esquerda, de Angle, com desvio da linha mediana inferior para o lado esquerdo, migração distal dos dentes 33, 34 e 35, além de apinhamento suave nas arcadas superior e inferior (Fig. 1, 2).



O plano de tratamento ortodôntico inicial objetivou a obtenção da oclusão ideal. Todavia, pode-se constatar uma depressão subgengival na superfície vestibular do dente 22 durante a sondagem periodontal, sugestiva de perfuração ou reabsorção radicular. Como a lesão não fora detectada radiograficamente e a extensão não fora delimitada clinicamente, o exame de TCFC foi solicitado. As imagens tomográficas comprovaram a presença de defeito ósseo (ausência de cortical óssea vestibular) e reabsorção radicular por vestibular no dente 22 (Fig. 1, 2). Baseado no risco de perda do incisivo durante a movimentação ortodôntica e na queixa principal do paciente, a decisão foi compartilhada com o paciente e redirecionada para a simplificação do tratamento ortodôntico. O aparelho fixo foi instalado apenas na arcada inferior, visando preservar a integridade do dente afetado pela reabsorção e promover a adequada redistribuição dos espaços para a instalação dos implantes dentários com as devidas guias funcionais.

CASO CLÍNICO 2

O paciente procurou retratamento ortodôntico aos 41 anos e 8 meses de idade, após dois anos de tratamento ortodôntico com extração dos dentes 14 e 24. Alegou não ter concluído o tratamento como deveria. Apresentava como queixa principal "espaços entre os dentes da frente" (Fig. 3). Sua história médica não possuía registros significativos. Em relação ao padrão dentário, apresentava má oclusão de Classe II de Angle com diastema superior e apinhamento inferior. Radiograficamente, observou-se perda óssea horizontal na região anterossuperior e reabsorção radicular nos dentes 11, 12, 13, 15, 21, 22, 23 e 25 (Fig. 3).


Em decorrência da dúvida sobre a quantidade de inserção dos dentes remanescentes, a TCFC foi solicitada. As imagens 3D mostraram, adicionalmente, deiscências ósseas extensas nos elementos 13, 16, 23 e 26, não detectadas previamente ao exame clínico e radiográfico convencional (Fig. 3). Ao ser informado sobre as condições dentárias e periodontais, o paciente consentiu com a realização do tratamento ortodôntico focado na resolução da queixa. Forças leves e intermitentes foram adotadas em intervalos maiores de ativação do aparelho para o controle das reabsorções apicais preexistentes; e movimentos de expansão e torque radicular vestibular foram evitados perante as deiscências ósseas.

DISCUSSÃO

Informações de diagnóstico são essenciais para a decisão válida do plano de tratamento. Imagens precisas conduzem a um melhor plano de tratamento e potencializam resultados mais previsíveis e adequados. A TCFC é uma modalidade tecnológica emergente apropriada para a região dos dentes e das estruturas maxilofaciais, e que pode oferecer ao clínico informações mais relevantes, quando comparadas com as radiografias convencionais.

Como a demanda por tratamento ortodôntico em adultos aumentou expressivamente nas últimas duas décadas, a necessidade por um diagnóstico mais detalhado se faz presente3. O paciente adulto traz um somatório de particularidades, como a maior prevalência de doença periodontal, perdas dentárias, dentes restaurados, dentes tratados endodonticamente e sequelas de traumatismos, coexistentes com a má oclusão. Aos casos com necessidade de retratamento ortodôntico, também se ergue a possibilidade de ocorrência de lesões iatrogênicas prévias, como as reabsorções radiculares externas apicais e as deiscências ósseas.

Nos casos de reabsorção dentária decorrente do tratamento ortodôntico, deduz-se, por estudo15 clínico, que a atividade clástica na superfície radicular é ativada com a movimentação ortodôntica e paralisada com a sua interrupção. Como demonstrado por Giannopoulou et al.8; a movimentação ortodôntica também é capaz de induzir a reabsorção radicular cervical. Esse pretexto justificou, para o Caso 1, a não inclusão do dente com reabsorção radicular cervical na movimentação ortodôntica; e, para o Caso 2, o controle radiográfico periódico16 e a adoção de manobras biomecânicas para o controle da reabsorção externa apical. Entre as medidas biomecânicas de proteção estão a preferência por intervalos maiores na ativação do aparelho ortodôntico15; a utilização de força leve e intermitente em detrimento da pesada e contínua1,5 e a restrição ao movimento de intrusão9.

A deiscência e fenestração óssea são potencialmente detectadas durante procedimentos cirúrgicos. Em estudo14 recente, a acurácia e a confiabilidade da TCFC no diagnóstico da deiscência e fenestração óssea foram testadas e essa se mostrou efetiva como método de diagnóstico não cirúrgico. O Caso 2 exibiu por meio de imagens 3D extensa deiscência óssea, não detectada radiograficamente. A informação de diagnóstico conduziu à cautela no movimento de expansão e torque radicular durante o tratamento ortodôntico, para se evitar o agravamento da deiscência.

A modificação no plano de tratamento nos casos relatados decorreu da informação das imagens 3D. Os exames clínico e o radiográfico convencional não foram capazes de diagnosticar ou estabelecer a extensão das lesões, mas surtiram dúvidas que justificaram a indicação do exame tomográfico.

Critérios de referência para a solicitação da TCFC ainda estão sendo estabelecidos. Diretrizes da British Orthodontic Society12 e da European Academy of Dental and Maxillofacial Radiology11 recomendam que a TCFC deva ser usada com cautela, sem repetições ou de forma rotineira, mas com o consenso em utilizá-la como ferramenta complementar aos exames convencionais.

CONCLUSÃO

A TCFC representa um avanço tecnológico na obtenção de imagens dentárias e maxilofaciais. Imagens 3D podem identificar lesões camufladas pela limitação bidimensional de exames convencionais, e são capazes de redirecionar o plano de tratamento ortodôntico. No entanto, o uso rotineiro da TCFC ainda não deve ser recomendado, mas, sim, como ferramenta complementar quando dúvidas surgirem após os exames clínico e radiográfico convencional.

Enviado em: março de 2010

Revisado e aceito: julho de 2010

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  • Endereço para correspondência:
    Iury Oliveira Castro
    Al. Cel. Eugênio Jardim, n. 312 - Setor Marista
    CEP: 74.175-100 - Goiânia / GO
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Fev 2011

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2010
    • Recebido
      Mar 2010
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