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Diagnóstico cefalométrico eletrônico: contextualização de variáveis cefalométricas

Resumos

INTRODUÇÃO: avaliações paramétricas clássicas e variáveis cefalométricas isoladas podem não prover a melhor informação em morfologia craniofacial. Por outro lado, uma cefalometria contextualizada pode ser bem mais promissora, uma vez que permite a integração de variáveis cefalométricas ponderadas. OBJETIVO: a proposta principal desse artigo é apresentar a aplicação de um modelo matemático não-trivial em cefalometria, permitindo a mineração de dados através da filtragem de certeza e contradição em cada "nó" da rede. MÉTODOS: nessa "rede neural" proposta, cada "célula" é conectada a outras "células" através de "sinapses". Tal sistema de tomada de decisão é uma ferramenta de inteligência artificial ajustada para potencialmente aumentar o significado dos dados coletados. RESULTADOS: a comparação entre o diagnóstico final fornecido pela rede neural paraconsistente e as opiniões de três examinadores foi heterogênea. O índice de concordância Kappa foi regular para discrepâncias anteroposteriores; substancial ou regular para discrepâncias verticais; e moderado para discrepâncias dentárias. Para a protrusão bimaxilar dentária, a concordância foi quase perfeita. Similarmente, a concordância entre as opiniões dos três examinadores sem a ajuda de nenhuma ferramenta de diagnóstico foi apenas moderada para discrepâncias esqueletais e dentárias. Como exceção, a concordância para protrusão dentária foi quase perfeita. CONCLUSÕES: a avaliação de desempenho do sistema tecnológico desenvolvido suporta que a ferramenta eletrônica apresentada pode se igualar às decisões humanas na maioria das situações. Como uma limitação esperada, tal ferramenta matemática-computacional se apresentou menos efetiva para discrepâncias esqueletais do que para discrepâncias dentárias.

Diagnóstico cefalométrico; Lógica não-trivial; Inteligência artificial


INTRODUCTION: Classical parametric assessments and isolated cephalometric variables may not provide the best information in craniofacial morphology. Rather, contextualized cephalometrics can be more promising, since it allows integration among balanced cephalometric variables. OBJECTIVE: The main purpose of this manuscript is to present the application of a non-trivial mathematical model in cephalometrics, providing data mining by filtering certainty and contradiction in each network "node". METHODS: In the proposed "neural network", each "cell" is connected to others "cells" by "synapses". Such decision-making system is an artificial intelligence tool tailored to potentially increase the meaning of assessed data. RESULTS: The comparison between the final diagnose provided by the paraconsistent neural network with the opinions of three examiners was heterogeneous. Kappa agreement was fair for antero-posterior discrepancies, substantial or fair for vertical discrepancies and moderate for dental discrepancies. For the bimaxillary dental protrusion, the agreement was almost perfect. Similarly, the agreement among the three examiners, without any software aid, was just moderate for skeletal and dental discrepancies. An exception was dental protrusion, which agreement was almost perfect. CONCLUSION: In conclusion, the analysis of performance of the developed technology supports that the presented electronic tool might match human decisions in the most of the events. As an expected limitation, such mathematical-computational tool was less effective for skeletal discrepancies than for dental discrepancies.

Cephalometric diagnosis; Non-trivial logics; Artificial intelligence


ARTIGO INÉDITO

Diagnóstico cefalométrico eletrônico: contextualização de variáveis cefalométricas

Marinho Del Santo JrI; Luciano Del SantoII

IMestre em Ortodontia pelo Baylor College of Dentistry. Doutor em Anatomia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP-SP

IIEspecialista em Cirurgia Bucomaxilofacial pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia Bucomaxilofacial. Mestre em Cirurgia Bucomaxilofacial pelo Hospital Heliópolis

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marinho Del Santo Jr. Rua Pedroso Alvarenga 162, Cj. 52 - Itaim Bibi CEP: 04.531-000 - São Paulo / SP E-mail: marinho@delsanto.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: avaliações paramétricas clássicas e variáveis cefalométricas isoladas podem não prover a melhor informação em morfologia craniofacial. Por outro lado, uma cefalometria contextualizada pode ser bem mais promissora, uma vez que permite a integração de variáveis cefalométricas ponderadas.

OBJETIVO: a proposta principal desse artigo é apresentar a aplicação de um modelo matemático não-trivial em cefalometria, permitindo a mineração de dados através da filtragem de certeza e contradição em cada "nó" da rede.

MÉTODOS: nessa "rede neural" proposta, cada "célula" é conectada a outras "células" através de "sinapses". Tal sistema de tomada de decisão é uma ferramenta de inteligência artificial ajustada para potencialmente aumentar o significado dos dados coletados.

RESULTADOS: a comparação entre o diagnóstico final fornecido pela rede neural paraconsistente e as opiniões de três examinadores foi heterogênea. O índice de concordância Kappa foi regular para discrepâncias anteroposteriores; substancial ou regular para discrepâncias verticais; e moderado para discrepâncias dentárias. Para a protrusão bimaxilar dentária, a concordância foi quase perfeita. Similarmente, a concordância entre as opiniões dos três examinadores sem a ajuda de nenhuma ferramenta de diagnóstico foi apenas moderada para discrepâncias esqueletais e dentárias. Como exceção, a concordância para protrusão dentária foi quase perfeita.

CONCLUSÕES: a avaliação de desempenho do sistema tecnológico desenvolvido suporta que a ferramenta eletrônica apresentada pode se igualar às decisões humanas na maioria das situações. Como uma limitação esperada, tal ferramenta matemática-computacional se apresentou menos efetiva para discrepâncias esqueletais do que para discrepâncias dentárias.

Palavras-chave: Diagnóstico cefalométrico. Lógica não-trivial. Inteligência artificial.

INTRODUÇÃO

Em Ortodontia, como em qualquer outra especialidade médica ou odontológica, pode-se aplicar parâmetros matemáticos a sistemas biológicos. Antes que premissas sejam estabelecidas, as evidências podem ser consideradas como coincidências ou como "verdade", embora muitas vezes a "verdade" contenha significativa incerteza ou contradição.

Rotineiramente, dados cefalométricos longitudinais têm sido extensivamente descritos na literatura ortodôntica. Sem dúvida, a maior parte desses dados é expressa por médias e seus desvios-padrão. Medidas de tendência central são frequentemente criticadas porque apresentam apenas uma ideia geral sobre um determinado fenômeno, muito menos do que as desejáveis informações individualizadas.

Assim, com evidente limitação, médias e desvios-padrão obrigam o profissional a alocar cada variável em classes predeterminadas, algumas vezes academicamente bem aceitas, porém nem sempre biologicamente comprovadas. Os valores podem ser interpretados com uma alocação "flexível", isto é, permitindo-se que o dado pertença simultaneamente a classes vizinhas, com um grau de pertinência a cada uma das classes. Nesse caso, a aplicação de valores matemáticos para o entendimento dos fenômenos naturais é provavelmente mais proveitosa.

Nesse sentido, a teoria da lógica difusa1,2 foi proposta. De acordo com essa teoria, valores são pertinentes a mais de uma classe predefinida, isto é, um determinado valor pode pertencer simultaneamente a duas classes, com certo grau de pertinência a cada uma. A lógica difusa já fora aplicada em Ortodontia para selecionar tipos de aparelhos extrabucais3, para avaliar o julgamento visual subjetivo da relação anteroposterior entre maxila e mandíbula4,5 e para estabelecer planos de tratamento não cirúrgicos6. Entretanto, uma modelagem matemática que envolva lógica difusa e lógica paraconsistente para contextualizar dados cefalométricos nunca fora antes apresentada.

De modo geral, a cefalometria é limitada porque variáveis cefalométricas detêm importantes graus de imprecisão quando individualmente avaliadas. Sem se considerar o "cenário completo", não há um claro "gestalt" sobre a arquitetura craniofacial de cada indivíduo, isto é, não há uma clara leitura da ocorrência de uma possível discrepância e seu grau de severidade. Tais limitações tornam a aplicação clínica da cefalometria menos efetiva do que o esperado pelos ortodontistas.

Um melhor cenário seria se programar um sistema que pudesse quantificar quanto "ruído" é carregado por cada variável cefalométrica, ponderando-se sua relativa contribuição para um índice de discrepância contextual. Essa abordagem ofereceria um significativo avanço em relação às comparações cefalométricas atualmente disponíveis, ou seja, simples medidas de tendência central, como médias e desvios-padrão.

Além disso, a aplicação de lógica paraconsistente7-10 permite a modelagem matemática de dados imprecisos e inconsistentes. Assim, detectam-se e controlam-se contradições, visando prover respostas novas e melhores para antigos problemas. Neste estudo, a lógica paraconsistente foi aplicada para se contextualizar variáveis cefalométricas selecionadas, através da criação de uma rede "neural" que considerou o grau de certeza e o grau de contradição em cada uma de suas "células".

PROPOSIÇÃO

Os objetivos do presente projeto são:

1) Apresentar um modelo matemático-computacional para processar interações entre valores cefalométricos.

2) Validar o desempenho dessa ferramenta de inteligência artificial, por comparação com a opinião de especialistas em Ortodontia, mesmo não havendo um padrão-ouro para essa abordagem.

3) Classificar em ranking o grau de concordância entre as opiniões dos examinadores e o diagnóstico cefalométrico eletrônico, em específicas partes ou dimensões do complexo craniofacial.

MATERIAL E MÉTODOS

As seguintes variáveis cefalométricas (Fig. 1) foram selecionadas:

1. Básio (Ba): ponto mais posteroinferior da porção anterior do forame magno.

2. Sela (S): centro da fossa pituitária do osso esfenoide.

3. Násio (N): junção dos ossos nasal e frontal, na sutura frontonasal.

4. Pterigomaxilar Inferior (PtgI): o ponto mais inferior da fissura pterigomaxilar.

5. Espinha Nasal Posterior (ENP): o ponto mais posterior do palato duro.

6. Espinha Nasal Anterior (ENA): o ponto mais anterior do palato duro.

7. Molar Superior: ponto mais inferior da cúspide mesiovestibular do primeiro molar superior, a referência posterior do plano oclusal.

8. Referência Anterior do Plano Oclusal: distância média entre as bordas incisais dos incisivos superiores e inferiores.

9. Gônio (Go): ponto mais posteroinferior do contorno do ângulo goníaco.

10. Mento (Me): ponto mais inferior do contorno da sínfise mentoniana.

11. Gnátio (Gn): ponto mais anteroinferior do contorno do mento ósseo. Determinado pela bissetriz do ângulo formado pelo plano mandibular (Go-Me) e pela linha Násio-Pogônio.

12. Ponto A: ponto mais posterior da curvatura anterior da maxila.

13. Ponto B: ponto mais posterior da curvatura anterior da sínfise mandibular.

14. Pogônio (Pg): ponto mais proeminente do contorno do mento duro.

15. Borda do incisivo superior: borda incisal do incisivo central superior.

16. Ápice do incisivo superior: ponto mais apical da raiz do incisivo central superior.

17. Borda do incisivo inferior: borda incisal do incisivo central inferior.

18. Ápice do incisivo inferior: ponto mais apical da raiz do incisivo central inferior.


As normas e os desvios-padrão para as mensurações cefalométricas descritas (Fig. 2) foram extraídos de um atlas cefalométrico brasileiro11. Os valores foram alocados por idade e sexo, e as médias e desvios-padrão foram transformados em z-scores antes de serem matematicamente modelados.


As variáveis cefalométricas selecionadas foram distribuídas em três unidades:

» Unidade I: relativa à discrepância esqueletal anteroposterior. As variáveis foram divididas em dois níveis de informação (nível 1 prioritário ao nível 2). O nível 1 incluiu as variáveis ANB e Wits. No nível 2 houve uma combinação dos resultados do nível 1 com as variáveis SNA e SNB.

» Unidade II: relativa à discrepância esqueletal vertical12. Variáveis: 1) Proporção S-Go/N-Me;

2) Ângulo do Eixo Y; e 3) Ângulos SN/PP, SN/PO e SN/PM.

» Unidade III: relativa às discrepâncias dentárias. As variáveis foram divididas em três diferentes níveis (sem prioridade): 1) Incisivos Superiores: ângulos U1.PP e U1.SN, e medida linear U1-NA, levando-se em conta o ângulo SNA (da Unidade I); 2) Incisivos Inferiores: ângulos L1.APg, L1.NB e L1.GoMe, e medidas lineares L1-APg e L1-NB, levando-se em conta o ângulo SNB (da Unidade I); 3) Relação entre os incisivos superiores e inferiores: ângulo U1.L1.

LIMITAÇÕES DA AVALIAÇÃO CEFALOMÉTRICA CONVENCIONAL

Supondo-se que a norma do ângulo ANB para um adulto jovem (sexo masculino) de 18 anos de idade seja 2 graus (Classe I esqueletal), e o ortodontista deseje avaliar a relação anteroposterior dos maxilares usando essa referência cefalométrica, mesmo assumindo que tal variável possa embutir significativa limitação, descreveremos esse processo convencional de diagnóstico cefalométrico.

É bem sabido que o uso de variáveis cefalométricas incide em possíveis erros de localização, traçado, reprodutibilidade, significado clínico e outros. Para exemplificar alguns, nesse caso em particular, o valor de ANB pode incorporar erros como a posição do Násio (devido ao comprimento e/ou à angulação da base craniana anterior), a dificuldade de identificação do ponto A e a influência de características faciais verticais do paciente avaliado. Observe que tais erros podem ser devidos às limitações do método cefalométrico ou à camuflagem geométrica. Camuflagem geométrica é, por exemplo, um ângulo ANB ser menor do que a real discrepância anteroposterior, devido a uma base craniana anterior muito longa ou muito inclinada.

Independentemente da natureza da limitação, metodológica ou geométrica, o possível uso do ângulo ANB leva à próxima questão: "Neste caso específico, qual seria o valor do ângulo ANB coerente com um cenário real de Classe II (ou Classe III) esqueletal?". Na maioria das vezes, a resposta não é clara. Outras informações cefalométricas, como Wits, SNA, SNB (e tantas outras), poderiam ser eleitas para ajudar a responder essa pergunta.

REDE NEURAL E LÓGICA PARACONSISTENTE

O modelo de "pensamento artificial" aplicado nesse projeto, formatado para potencializar o significado de dados cefalométricos convencionais, toma decisões em cada um dos "nós" da rede neural criada, filtrando graus de certeza e graus de contradição. Como resultado, em cada caso avaliado, graus de evidência de anormalidade quantificam as evidências favoráveis e desfavoráveis para cada atributo de interesse, ou seja, para cada região ou dimensão abordada.

CONTEXTUALIZAÇÃO DE VARIÁVEIS CEFALOMÉTRICAS

A questão supracitada pode ser formulada sob um diferente prisma: "Ainda nesse caso, quão alto/positivo ou baixo/negativo precisa ser o valor do ângulo ANB para termos certeza de que trata-se de uma Classe II (ou Classe III) esqueletal?". Essa quantificação é representada pelo eixo [µ] (Eixo da Certeza, Fig. 3). Um valor extremamente alto para ANB, que claramente indica uma Classe II esqueletal, poderia ser, por exemplo, 10º (Fig. 5). Diríamos então que, se ANB é igual a 10º ou mais, V = +1 e o indivíduo apresenta claramente uma Classe II esqueletal. Da mesma forma, um valor extremamente baixo para Classe III esqueletal poderia ser, por exemplo, -6º (Fig. 4). Se ANB é igual a -6º ou menor (negativo), F = -1, o que claramente significa que o indivíduo não apresenta uma Classe II esqueletal. Graus de Verdade (V) e Falsidade (F) são representados em uma "imagem espelho" (Fig. 5), para mostrar as possibilidades de a anormalidade ser uma situação de Classe II ou Classe III esqueletal.




Os valores intermediários, entre os estados extremos já mencionados, incidem dentro da zona limítrofe –0,5 < µ < 0,5 (Fig. 4); isto é, o < gráfico mostra os valores de ANB que, nesse exemplo, não podem seguramente garantir veracidade ou falsidade de ocorrência dos eventos Classe II e Classe III esqueletais.

Sobre o eixo [µ], conforme o valor de ANB se distancia da norma, o grau de contradição mostrado no eixo [λ] diminui, seja para Classe II ou III esqueletal, já que esse valor de ângulo ANB reflete com menos dúvida uma discrepância esqueletal (veja as setas na Fig. 6).


Quando o ângulo ANB é quase normal (ou é normal), o cenário de uma discrepância esqueletal só ocorre se a informação "ângulo ANB" for significativamente inconsistente ou desconhecida (veja as setas na Fig. 7). Se [λ] é o extremo valor ┬ = +1, significa que é absolutamente inconsistente com um cenário de Classe II ou III esqueletal; e se [λ] é o extremo valor ┴ = -1, significa que o valor é absolutamente desconhecido para identificar tal cenário.


AMOSTRA PARA VALIDAÇÃO DO MODELO DESENVOLVIDO

A amostra para validação foi constituída por 120 traçados cefalométricos, analisados retrospectivamente, de indivíduos caucasianos que buscaram tratamento ortodôntico em consultório particular, cujas radiografias foram selecionadas consecutivamente do arquivo do autor. Tal amostra apresentou 53 indivíduos do sexo masculino e 67 indivíduos do sexo feminino, com idades entre 6 e 53 anos. Vinte e dois pacientes (18,3%) eram mais velhos do que 18 anos de idade, e foram considerados adultos. Os critérios para inclusão de casos na amostra foram: 1) ser caucasiano (visando o pareamento com os dados do atlas11) e; 2) possuir radiografia lateral executada no mesmo cefalostato (Empresa Lúmina Radiologia, São Paulo, SP). Os critérios de exclusão de casos na amostra foram: 1) apresentar qualquer deformidade craniofacial que envolvesse síndrome e; 2) a radiografia apresentar posicionamento duvidoso da cabeça ou processamento insatisfatório de revelação/fixação.

COLETA DE DADOS

As radiografias laterais foram traçadas por um operador-ortodontista e digitalizadas por outro operador. Uma lapiseira de grafite 0,03mm e papel-acetato ortodôntico foram usados para os traçados ortodônticos. Os traçados foram digitalizados em mesa digitalizadora Summasketch III (Summagraphics Corporation, EUA) e software especialmente desenvolvido com a finalidade de operacionalizar o sistema cefalométrico eletrônico (Íris Informática, São Paulo, SP).

ERRO SISTEMÁTICO E ERRO DE MÉTODO · AMOSTRA PARA VALIDAÇÃO

Para o cálculo do erro sistemático e do erro de método (fórmula de Dahlberg13), uma subamostra de 15 radiografias randomicamente selecionadas (uma a cada cinco radiografias, a partir do vigésimo caso da amostra) foi retraçada e redigitalizada, em um intervalo de quatro semanas entre os eventos. Considerando-se ambos os operadores, não houve erro sistemático estatisticamente significativo para nenhuma das variáveis cefalométricas analisadas. Considerando-se novamente ambos os operadores, o erro de método variou de 0,46mm (variável S-Go) até 0,94mm (variável N-ENA), e de 0,33º (variável Eixo Y) até 0,94º (variável SN-PO).

MODELAGEM MATEMÁTICA-COMPUTACIONAL

O sistema foi desenvolvido considerando-se as 18 variáveis cefalométricas descritas, modeladas por 223 regras de inferência booleana, que resultaram em 405 possíveis categorias. Os códigos-fonte dos softwares de processamento (mainframe) e de coleta em mesa digitalizadora (feeder) estão escritos em aproximadamente 10 mil linhas de programação em linguagem Delphi (Release 8.0; Borland Inc., EUA), compatível com plataforma Oracle (Oracle Corp., EUA), programada pela empresa Íris Informática (São Paulo, SP).

SELEÇÃO DE EXAMINADORES

Os traçados e valores cefalométricos foram submetidos a três examinadores, selecionados de acordo com a sua formação acadêmica e experiência clínica, sendo usados os seguintes critérios de inclusão: 1) possuir o título de doutor e; 2) estar atualmente envolvido em atividades de pesquisa em universidade reconhecida, e também envolvido na prática clínica de Ortodontia. Os critérios de exclusão foram: 1) ter tido qualquer contato anterior com o autor sobre o desenvolvimento conceitual do projeto e; 2) demonstrar viés de preferência ou rejeição por qualquer variável cefalométrica ou método/tipo de traçado cefalométrico.

FERRAMENTAL ESTATÍSTICO

A amostra para validação (120 casos) foi submetida a quatro avaliações: análise de três examinadores (análise subjetiva e qualitativa) e análise cefalométrica eletrônica (análise objetiva e quantitativa). Todos os dados provenientes de ambos os tipos de coletas (examinadores e análise eletrônica) foram digitados e computados pelo pacote estatístico SPSS (Release 10.0; EUA).

RESULTADOS

A rede neural desenvolvida contextualizou dados cefalométricos pertinentes através de suas "sinapses", conectando os valores [µ] e [λ] das células.

O desempenho do software foi avaliado por índices de concordância Kappa14, cujos parâmetros são apresentados na Tabela 1. Testou-se as opiniões de três examinadores (E1, E2, E3) versus o desempenho do software, além da concordância entre os examinadores sem o sistema (Tab. 2).

O índice de concordância Kappa foi regular para discrepâncias anteroposteriores, substancial ou regular para discrepâncias verticais e, principalmente, moderado para discrepâncias dentárias. Para a protrusão dentária bimaxilar, a concordância foi quase perfeita. Da mesma forma, a concordância entre as opiniões dos três examinadores foi moderada para discrepâncias esqueletais e dentárias, e quase perfeita para a protrusão dentária bimaxilar.

DISCUSSÃO

Redes neurais artificiais podem ser descritas como sistemas computacionais que permitem a conexão entre "células". Como os neurônios biológicos, os "neurônios artificiais" são unidos por "sinapses", conexões que podem ser "excitatórias ou inibitórias".

A vantagem do uso de redes neurais artificiais, em relação à programação computacional convencional, é sua habilidade para resolver problemas que não têm soluções algorítmicas diretas ou cujas soluções são muito complexas, como casos de predições e reconhecimento de padrões, e, por isso, demandam elaborado processamento computacional.

O modelo de inteligência artificial aqui apresentado foi formatado para se evitarem ciclos ineficazes de processamento de dados, uma vez que ele toma decisões parciais e progressivas em cada uma de suas "sinapses", modelando simultaneamente certeza e contradição, antes de prover uma decisão final. Tal estratégia aumenta sua capacidade de mineração de dados ao longo da árvore de decisões.

Sofisticados modelos matemáticos têm sido assim desenvolvidos em várias áreas da Medicina para desenvolvimento de drogas15, para diagnóstico clínico16, e para interpretação de imagens para diagnóstico17. Em todas essas situações, as redes neurais permitem o reconhecimento de padrões ocultos e, como consequência lógica e direta, melhores predições.

Em nosso modelo de rede neural e lógica paraconsistente, no qual visamos a contextualização de variáveis cefalométricas, o "pensamento artificial" se apresentou consideravelmente semelhante ao "pensamento humano". Interessante salientar que a concordância entre os três examinadores em relação às discrepâncias esqueletais e dentárias, sem interferência de qualquer ferramenta eletrônica de diagnóstico, foi apenas moderada. Isso evidencia um importante grau de controvérsia entre opiniões subjetivas, mesmo que dadas por especialistas aferidos por formação acadêmica e experiência clínica. Por outro lado, quanto à projeção dentária bimaxilar, mensurada pelo relacionamento entre os incisivos superiores e inferiores, a concordância se mostrou quase perfeita, indicando que os examinadores podem bem reconhecer um padrão de protrusão ou retroinclinação dentária geral com maior homogeneidade do que identificar discrepâncias esqueletais ou discrepâncias dentárias individuais em cada um dos maxilares, maxila ou mandíbula.

Importante lembrar que um dos critérios de exclusão para a seleção da amostra foi o de que o indivíduo não fosse incluído se não fosse caucasiano. Se esse fosse o caso, a comparação de seus valores com o atlas11 de referência não seria possível. Os examinadores foram alertados para esse viés da amostra e, assim, deram suas opiniões: a inclinação dentária bimaxilar foi considerada caso a caso em relação a indivíduos caucasianos. Se outras raças fossem também consideradas, por exemplo afrodescendentes, provavelmente as opiniões dos examinadores sobre o posicionamento dentário bimaxilar não fossem tão homogêneas.

Na prática clínica, é comum que situações limítrofes gerem opiniões diferentes entre diversos especialistas. Por isso, em se tratando de opiniões subjetivas e controversas, esperar concordância substancial ou quase perfeita para situações limítrofes seria incoerente. Corroborando com essa expectativa, nossos resultados sugerem que as opiniões dadas e a mensuração eletrônica do sistema convergiram na grande maioria dos casos.

Convém frisar que comparações subjetivas, como é o caso das opiniões aqui dadas pelos examinadores, não detêm um padrão-ouro de resposta. Não há certo ou errado. Por isso, entende-se que o sistema não é melhor nem pior do que especialistas em Ortodontia para diagnosticar discrepâncias cefalométricas. A "máquina" diagnosticou como se fosse "mais um especialista".

Isso porque, sem padrão-ouro definido, a falta de melhor concordância pode ser interpretada de duas formas distintas, mas igualmente relevantes: 1) há certa dificuldade do sistema em contextualizar variáveis cefalométricas e diagnosticar eletronicamente um caso ortodôntico e/ou; 2) há dificuldade de ortodontistas interpretarem informações cefalométricas e resumi-las em um diagnóstico cefalométrico final. Não há como saber se as duas possibilidades ocorreram e se uma foi mais significativa do que a outra. Conceitualmente, portanto, a comparação é relativa ou, se conservadoramente interpretada, incomensurável.

Entretanto, em certos aspectos, como padronização e rapidez, há nítida vantagem em se usar um sistema especialista eletrônico. Isso porque seu processamento, que é matemático-computacional, é absolutamente constante, padronizado e expressivamente mais rápido, já que não depende de opiniões humanas, subjetivas e, até certo ponto, aleatórias.

Esse projeto teve também como proposição conhecer o ranking de dificuldade para se diagnosticar diferentes tipos de discrepâncias, esqueletais ou dentárias, chegando-se ao seguinte resultado: o sistema proposto foi menos efetivo para as relações anteroposteriores do que para as discrepâncias verticais e dentárias, assim como ocorreu entre os próprios especialistas. Nas relações bimaxilares entre os incisivos superiores e inferiores, tanto o diagnóstico eletrônico quanto as opiniões dos examinadores foram expressivamente homogêneos.

Outra particularidade que deve ser discutida é a alocação nominal. Para a discrepância anteroposterior (Unidade I), cinco classes foram estabelecidas. Para as discrepâncias vertical (Unidade II) e dentária (Unidade III), somente três classes foram estabelecidas. Em termos de probabilidade, naturalmente se espera uma melhor concordância quando menos opções de escolha são oferecidas aos examinadores ou ao sistema. Portanto, esse ranking deve ser interpretado considerando-se o seguinte viés: as probabilidades não foram igualadas no desenho do estudo, antes dos exames. Mais realisticamente, as classes nominais foram estabelecidas segundo a classificação habitual dada pelos profissionais ortodontistas em cada uma das situações descritas.

Em resumo, de modo geral as opiniões dos especialistas foram qualitativas e subjetivas, portanto, em certo grau descalibradas e vulneráveis, além de demandarem muito tempo para ser obtidas. Em contrapartida, o sistema eletrônico ofereceu respostas quantitativas e objetivas, portanto melhor calibradas e que foram obtidas muito mais rapidamente do que o consenso dos especialistas.

CONCLUSÃO

Um modelo matemático-computacional foi desenvolvido para se extraírem padrões cefalométricos ocultos de dados cefalométricos convencionais, através da quantificação de suas imprecisões e conflitos. A modelagem matemática refinou e contextualizou valores cefalométricos, permitindo um "pensamento eletrônico" coerente e comparável com opiniões de especialistas em Ortodontia.

Assim, nossos resultados suportam que, em geral, as "opiniões eletrônicas" apresentadas pelo sistema são comparáveis às opiniões humanas. Como uma limitação esperada, já que para má oclusão a percepção eletrônica não poderia ser melhor do que a humana, a sensibilidade da ferramenta eletrônica descrita foi, como a humana, menor para discrepâncias esqueletais do que para projeções dentárias anteroposteriores.

Enviado em: outubro de 2008

Revisado e aceito: fevereiro de 2009

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  • Endereço para correspondência

    Marinho Del Santo Jr.
    Rua Pedroso Alvarenga 162, Cj. 52 - Itaim Bibi
    CEP: 04.531-000 - São Paulo / SP
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2011

    Histórico

    • Recebido
      Out 2008
    • Aceito
      Fev 2009
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