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Análises microbiológicas de alicates ortodônticos

Resumos

OBJETIVO: avaliar a contaminação bacteriana presente na ponta ativa de alicates ortodônticos utilizados no meio acadêmico. MÉTODOS: selecionou-se 34 alicates, 17 do modelo 347 e 17 do modelo 139. O grupo controle foi composto por 3 alicates de cada modelo, previamente autoclavados. Os alicates do grupo experimental, após o uso, foram imersos em 10ml do meio de cultura líquido Brain-Heart Infusion (BHI) por 2 minutos, seguido de cultivo a 37°C (24 a 48h) e semeadura (duplicata) em diferentes meios de cultura sólidos à base de ágar, para detecção e identificação de agentes microbianos. RESULTADOS: as análises microbiológicas revelaram contaminação em ambos os tipos de alicates ortodônticos. Observaram-se variadas formas bacterianas, predominando estafilococos e cocos isolados gram-positivos. Os alicates removedores de anéis apresentaram maiores índices de contaminação, com médias entre 2,83 x 10(9) e 6,25 x 10(9) UFC/ml, variando de acordo com o tipo de meio de cultura. Os alicates 139 também continham bactérias da microbiota bucal, com variações entre 1,33 x 10(8) e 6,93 x 10(9) UFC/ml, sendo que a maior média obtida refere-se ao meio de cultura próprio para desenvolvimento de estafilococos, indicando, em certos casos, presença da espécie Staphylococcus aureus, microrganismos que não fazem parte da microbiota bucal normal, sendo comumente encontrados na cavidade nasal e superfícies epiteliais das mãos. CONCLUSÃO: constatou-se que os alicates ortodônticos apresentam-se contaminados, como qualquer outro instrumental odontológico, após serem empregados em atendimentos clínicos. Em razão disso, há necessidade de submetê-los previamente aos procedimentos de esterilização após cada utilização em pacientes.

Instrumentos odontológicos; Ortodontia; Controle de infecção; Contaminação; Microbiologia


OBJECTIVE: To evaluate bacterial contamination in the active tip of orthodontic pliers used in an academic setting. METHODS: Thirty-four pliers were selected: 17 debonding pliers and 17 model 139 pliers. The control group was composed of 3 previously autoclaved pliers of each model. After use, the pliers in the experimental group were immersed in 10 ml of brain-heart infusion (BHI) culture medium for 2 minutes, incubated at 37º C for 24 to 48 h and seeded in duplicates in different agar-based solid culture media to detect and identify microbial agents. RESULTS: Microbiological analyses revealed that there was contamination in both types of orthodontic pliers. Several bacteria were detected, predominantly staphylococcus and isolated Gram-positive (G+) cocci. The debonding pliers had a greater contamination rate and mean values of 2.83 x 10(9) and 6.25 x 10(9) CFU/ml, with variations according to the type of culture medium. The 139 pliers also had all types of bacteria from the oral microbiota at values that ranged from 1.33 x 10(8) to 6.93 x 10(9) CFU/ml. The highest mean value was found in the medium to grow staphylococci, which confirmed, in certain cases, the presence of Staphylococcus aureus, which are not part of the normal oral microbiota but are usually found in the nasal cavity and on the skin of the hands. CONCLUSION: Orthodontic pliers were contaminated as any other dental instrument after use in clinical situations. Therefore, they should undergo sterilization after each use in patients.

Dental instruments; Orthodontics; Infection control; Contamination; Microbiology


ARTIGO INÉDITO

Análises microbiológicas de alicates ortodônticos

Fabiane AzeredoI; Luciane Macedo de MenezesII; Renata Medina da SilvaIII; Susana Maria Deon RizzattoIV; Gisela Gressler GarciaV; Karen ReversVI

IAluna do curso de Extensão em Ortodontia da Faculdade de Odontologia da PUCRS

IIMestre em Ortodontia pela UFRJ. Doutora em Ortodontia pela UFRJ. Professora da Disciplina de Ortodontia da PUCRS

IIIMestre em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS. Doutora em Microbiologia pela USP. Professora de Microbiologia da Faculdade de Biociências da PUCRS

IVMestre em Ortodontia pela PUCRS. Professora da Disciplina de Ortodontia da PUCRS

VAluna do curso de graduação em Ciências Biológicas da PUCRS

VIGraduada em Ciências Biológicas pela Universidade Unoesc / São Miguel do Oeste. Especialista em Microbiologia Aplicada pela Unoesc

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Fabiane Azeredo Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Faculdade de Odontologia – Departamento de Ortodontia Av. Ipiranga, 6681 CEP: 90.619-900 – Porto Alegre / RS E-mail: fabianeazeredo@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: avaliar a contaminação bacteriana presente na ponta ativa de alicates ortodônticos utilizados no meio acadêmico.

MÉTODOS: selecionou-se 34 alicates, 17 do modelo 347 e 17 do modelo 139. O grupo controle foi composto por 3 alicates de cada modelo, previamente autoclavados. Os alicates do grupo experimental, após o uso, foram imersos em 10ml do meio de cultura líquido Brain-Heart Infusion (BHI) por 2 minutos, seguido de cultivo a 37°C (24 a 48h) e semeadura (duplicata) em diferentes meios de cultura sólidos à base de ágar, para detecção e identificação de agentes microbianos.

RESULTADOS: as análises microbiológicas revelaram contaminação em ambos os tipos de alicates ortodônticos. Observaram-se variadas formas bacterianas, predominando estafilococos e cocos isolados gram-positivos. Os alicates removedores de anéis apresentaram maiores índices de contaminação, com médias entre 2,83 x 109 e 6,25 x 109 UFC/ml, variando de acordo com o tipo de meio de cultura. Os alicates 139 também continham bactérias da microbiota bucal, com variações entre 1,33 x 108 e 6,93 x 109 UFC/ml, sendo que a maior média obtida refere-se ao meio de cultura próprio para desenvolvimento de estafilococos, indicando, em certos casos, presença da espécie Staphylococcus aureus, microrganismos que não fazem parte da microbiota bucal normal, sendo comumente encontrados na cavidade nasal e superfícies epiteliais das mãos.

CONCLUSÃO: constatou-se que os alicates ortodônticos apresentam-se contaminados, como qualquer outro instrumental odontológico, após serem empregados em atendimentos clínicos. Em razão disso, há necessidade de submetê-los previamente aos procedimentos de esterilização após cada utilização em pacientes.

Palavras-chave: Instrumentos odontológicos. Ortodontia. Controle de infecção. Contaminação. Microbiologia.

INTRODUÇÃO

A cavidade bucal abriga uma grande variedade de microrganismos, formando um complexo ambiente composto por uma numerosa e, muitas vezes, patogênica microbiota28. A isso se deve a preocupação com o controle de infecção e biossegurança em Odontologia, envolvendo uma série de procedimentos designados para prevenir ou reduzir significativamente as chances de infecção cruzada entre pacientes, bem como entre paciente e profissional14.

As infecções podem ser transmitidas por contato direto com sangue e fluidos bucais ou de forma indireta, através do contato com instrumental ou superfícies contaminadas. Dentre os patógenos potencialmente transmissíveis, incluem-se os vírus das hepatites B e C, do Herpes Simples e da Imunodeficiência Humana, Mycobacterium tuberculosis, diferentes espécies de Staphylococcus e Streptococcus, além de microrganismos responsáveis pelas infecções do trato respiratório superior2. Em virtude de nem todos os pacientes portadores de patologias importantes poderem ser identificados previamente à realização de um procedimento, é recomendado que todos, indiscriminadamente, sejam considerados potencialmente contaminados e que, consequentemente, precauções padronizadas sejam utilizadas em todos os procedimentos, com todos os pacientes11.

A distinção entre os termos esterilização e desinfecção é importante, pois não raramente são empregados erroneamente. A destruição de todas as formas de vida microbiana, incluindo os vírus, é obtida através do processo de esterilização. Já a desinfecção se refere à destruição de microrganismos patogênicos, sendo incapaz de eliminar formas bacterianas esporuladas e microrganismos resistentes, como os agentes etiológicos da tuberculose e da hepatite3,10,16.

Os instrumentais utilizados na prática médica e odontológica são classificados em três categorias, separados de acordo com o risco de transmissão de infecção e a necessidade de esterilização entre os usos, levando em consideração o grau de contaminação dos mesmos20,29:

» Críticos: devem ser descartáveis ou sofrer esterilização, pois são usados em tecidos cruentos.

» Semicríticos: entram em contato com os tecidos bucais, sem penetrar em tecidos duros ou moles, devendo ser esterilizados após cada uso; caso a esterilização não seja possível devido ao tipo de material ser sensível ao calor, o instrumento deve ser submetido, no mínimo, a um alto nível de desinfecção.

» Não críticos: contatam a pele íntegra, devendo apenas ser desinfetados ou limpos.

Na prática ortodôntica, a preocupação com o controle de infecção tem se intensificado após o aumento da incidência da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Porém, convive-se há longo tempo com infecções pelos vírus das hepatites B e C, que apresentam alto risco de contaminação14. Os ortodontistas têm a segunda incidência mais alta de hepatite B entre os profissionais da Odontologia10,13,27, atrás apenas dos especialistas em Cirurgia Bucal7, sendo a saliva um meio tão infeccioso quanto o sangue13.

A Ortodontia clínica, com seu maior volume diário de pacientes do que em outras especialidades odontológicas, requer planejamento e organização dos procedimentos de esterilização e desinfecção, garantindo maior proteção aos pacientes e ao próprio profissional18,30. Deve-se ressaltar que a desinfecção não substitui a esterilização e, por isso, todo o material que puder ser esterilizado jamais deverá sofrer somente desinfecção9,10. No entanto, um erro frequente entre os ortodontistas é enxergar a desinfecção como uma alternativa de esterilização10 .

Dentro dessa perspectiva, o objetivo do presente trabalho foi avaliar a contaminação bacteriana presente na ponta ativa de alicates ortodônticos, utilizados no atendimento de pacientes por acadêmicos de pós-graduação em Ortodontia, através de métodos microbiológicos de cultivo e identificação de agentes bacterianos.

MATERIAL E MÉTODOS

Seleção da amostra

Para análise da potencial contaminação microbiana de alicates ortodônticos, foram selecionados instrumentais que estavam preparados para uso clínico. A escolha das amostras foi aleatória, surpreendendo os alunos durante os períodos de prática clínica. Dessa forma, não houve tempo hábil para realização de procedimentos capazes de alterar os dados estatísticos e achados microscópicos. Selecionou-se um total de 17 amostras de alicates do modelo 139 e 17 utilizados para remoção de anéis, do tipo 347. O grupo controle foi composto por 3 amostras do alicate modelo 139 e 3 do modelo 347, totalizando 6 amostras previamente esterilizadas em autoclave e não utilizadas em nenhum procedimento clínico. Esses instrumentais foram escolhidos pela ampla utilização no dia a dia da Ortodontia: o 139 por ser inteiramente metálico; e os removedores de anéis por apresentarem um dispositivo plástico na sua estrutura que, ao serem empregados, contata diretamente os tecidos bucais.

Meios de cultura utilizados

O meio Brain-Heart Infusion (BHI), utilizado para imersão dos alicates analisados, é um meio líquido para enriquecimento e proliferação de células microbianas, com o objetivo de aumentar o número de bactérias presentes nas amostras.

Após diluídas, as culturas foram semeadas em duplicata nos seguintes meios de cultura sólidos (com 2% de ágar): meio Ágar Sangue (AS) e meio Ágar Nutriente (AN), para contagem total de colônias crescidas; meio Ágar Eosina-Azul de Metileno (EMB), para seleção de bactérias gram-negativas; meio Ágar Mitis-Salivarius (MS), para seleção de bactérias do gênero Streptococcus; meio Ágar Sal-Manitol ("Chapman"), para a seleção de bactérias do gênero Staphylococcus.

Os meios de cultura utilizados no presente trabalho foram fabricados pela empresa Vetec Química Fina Ltda. (Duque de Caxias, Rio de Janeiro).

Análises microbiológicas

Os alicates ortodônticos analisados, bem como os instrumentais do grupo controle, tiveram a sua ponta ativa imersa durante 2 minutos em 10ml do meio Brain-Heart Infusion (BHI), com imediata incubação por 24 a 48 horas, a 37ºC. Das amostras contendo meio BHI inoculado pelos alicates, realizaram-se sucessivas diluições em solução salina inerte (NaCl 0,9%) para obtenção de diferentes concentrações de cada amostra, chegando até a diluição de 10-5. O objetivo foi a redução da concentração de células bacterianas no meio líquido para posterior análise quantitativa.

Imediatamente após diluídas, as amostras foram semeadas nos diferentes meios de cultura sólidos descritos, sendo posteriormente incubadas por 24 a 48 horas, a 37ºC. Após esse período, foi realizada a contagem das unidades formadoras de colônias (UFC) crescidas nas placas de Petri, para efeitos comparativos e estatísticos. Nas placas onde o crescimento bacteriano foi muito elevado, impossibilitando a contagem, convencionou-se classificá-las como "incontáveis" (>1010 UFC/ml). As poucas culturas onde não houve o aparecimento de colônias foram denominadas "nulas". Das duas contagens de cada diluição, calculouse a média individual de células bacterianas por mililitro de BHI, desde que não houvesse disparidade numérica significativa entre as duplicatas. Foram eliminadas as contagens, da mesma diluição e meio, que apresentaram grande discrepância na quantidade de colônias. Assim, foram mantidas apenas aquelas cujos escores de ambas as contagens mostravam-se em equivalência, garantindo a confiabilidade dos resultados. A partir das médias individuais de UFC/ml de cada diluição, efetuouse o cálculo da média geral para cada meio de cultura, considerando-se os modelos de alicates.

As colônias de cada meio de cultura foram analisadas quanto à morfologia e coloração. Além disso, bactérias dessas colônias foram visualizadas em microscopia óptica e classificadas através do método de Gram.

Análise dos resultados

Os resultados respectivos ao número total de colônias crescidas, de cada instrumental analisado, foram registrados e comparados aos resultados obtidos entre os modelos de alicates avaliados, e entre os meios de cultura utilizados no experimento. Para tal, a análise estatística foi realizada através do teste t (Student) e da Análise de Variância (ANOVA), respectivamente. O nível de significância utilizado foi de 5%. Os dados foram computados no Programa SPSS versão 15.0.

RESULTADOS

Crescimento em meio de enriquecimento e semeadura

Após imersão dos alicates em 10ml de BHI (meio para enriquecimento), seguido do armazenamento e incubação a 37ºC por 24 a 48 horas, observou-se, em 32 das 34 amostras, a turvação do meio líquido e a presença de células microbianas depositadas no fundo dos tubos de ensaio. Esse fato sinalizou que houve proliferação dos microrganismos coletados das superfícies dos instrumentais, expondo que neles existia contaminação microbiana. As duas amostras onde o BHI permaneceu translúcido e límpido (uma amostra do alicate 139 e uma do alicate 347), situação idêntica à do grupo controle, indicaram a prévia esterilização dos instrumentais. As amostras de BHI, após as diluições, foram semeadas em duplicata nas placas de Petri contendo ágar. Após o período de incubação de 24 a 48 horas a 37°C, verificou-se o aparecimento de colônias na maioria das culturas.

Número de UFC / ml

Para análise quantitativa, com objetivos estatísticos e de comparação, efetuou-se a contagem das unidades formadoras de colônias (UFC) quando havia condições para realização do referido procedimento.

A Tabela 1 mostra que nas culturas de Ágar Nutriente (AN), um meio não seletivo e não indicativo, residiu a maior discrepância nos valores médios de UFC/ml entre os instrumentais. Os alicates para remoção de anéis mostraram média de contaminação 10 vezes maior do que os do modelo 139, mostrando diferença estatisticamente significativa (p=0,008) entre os dois tipos de alicates.

Nos meios Ágar Mitis-Salivarius (MS) e Sal-Manitol (Chapman) também foram constatadas diferenças nos valores médios entre os modelos de instrumentais, permitindo que se fizessem correlações com as atividades práticas. A média significativamente maior (p=0,009) de colônias presentes nas culturas de Chapman, um meio seletivo para Staphylococcus sp. e indicativo para S. aureus, obtidas a partir dos alicates 139, sugere o maior contato do referido alicate com a epiderme. Bactérias dessa espécie colonizam a superfície da pele humana e membranas mucosas da cavidade nasal15. Tal achado pode ser reflexo do manuseio desse alicate na confecção de aparelhos, ou seja, em trabalhos ortodônticos de cunho laboratorial. Além disso, nos 139, por meio da análise de variância, o meio Chapman foi o único que demonstrou diferença significativa em relação ao meio Ágar Nutriente, que apresentou menor número de unidades formadoras de colônias/ml.

Em contrapartida, no meio Mitis-Salivarius observou-se média mais elevada, porém não significativa, de UFC/ml referente aos alicates para remoção de anéis, indicando uma tendência de maior contaminação nos alicates desse tipo. Esse fato pode ser resultante do contato direto do utensílio com as superfícies dentária, gengival e mucosa, na região posterior da cavidade bucal, onde com frequência há acúmulo de placa bacteriana, tendo em vista que o seguinte meio é seletivo para Streptococcus e indicativo para S. mutans. Bactérias dessa espécie fazem parte da microbiota bucal e são consideradas expressivamente as mais cariogênicas6.

Por fim, nas culturas de Ágar Eosina-Azul de Metileno (EMB) — um meio seletivo para bactérias gram-negativas (G-) — e de Ágar Sangue (AS), que constitui um meio rico, a média de UFC/ml de BHI foi semelhante entre os alicates 139 e removedores de anéis.

Caracterização geral da morfologia das colônias e dos microrganismos crescidos em cada meio de cultura

As colônias microbianas possuíam configurações, tamanhos e colorações variadas. Para análise em microscopia óptica, foram eleitas 41 placas de Petri de todos os tipos de meios, objetivando abranger a maior diversidade de exemplares das colônias crescidas. Na coloração das lâminas utilizou-se o método de Gram.

Na Tabela 2 e na Figura 1, observam-se as configurações das colônias encontradas com maior frequência e os tipos de bactérias que as constituíam, de acordo com cada meio de cultura. Nas placas que continham Ágar Nutriente, predominaram colônias de coloração amarela, que, segundo as análises microscópicas, eram compostas geralmente por estafilococos ou bacilos gram-positivos (G+). No meio Ágar Sangue (AS), as formas bacterianas mais comumente encontradas foram as de estafilococos e estreptobacilos G+, presentes em colônias brancas e de tonalidades claras de amarelo, apresentando superfícies tanto lisas quanto rugosas. Além disso, observaram-se colônias que apresentavam microrganismos capazes de causar destruição de células sanguíneas presentes nas culturas de AS. Ou seja, foram detectadas bactérias hemolíticas, indicadas pela aparição de halos translúcidos ou esverdeados, ao redor de diversas colônias visualizadas em placas do referido meio. Estreptococos encontrados na orofaringe, em inflamações da garganta e em infecções da pele, são exemplos de microrganismos hemolíticos19. No meio EMB, visualizaram-se variados tipos de bactérias, predominando cocos isolados e estreptobacilos G+, além de bacilos isolados G+ e G–, formando colônias arroxeadas com relevo e contorno irregulares. Nas culturas de Chapman, prevaleceram estafilococos G+ em colônias amarelas e rosadas, indicando, em muitos casos, a presença da espécie Staphylococcus aureus, sinalizada pela mudança de coloração do ágar. O meio Mitis Salivarius revelou cocos G+, bacilos G+ e G– isolados, predominando colônias azuladas, circulares e de tamanhos reduzidos.


DISCUSSÃO

A microbiota bucal é constituída por mais de 300 espécies bacterianas já caracterizadas26 . Em condições de saúde, esses microrganismos coexistem em estado de equilíbrio com o hospedeiro, mas mudanças ambientais e desequilíbrios microbianos podem, como consequência, originar infecções1. Por exemplo, braquetes e bandas ortodônticas induzem alterações específicas no ambiente bucal, como: diminuição do pH e aumento do acúmulo de placa bacteriana1, elevação do nível de S. mutans1,22 e aumento das espécies de Lactobacillus1,24.

No presente estudo, foi constatado que os procedimentos de biossegurança adotados no meio acadêmico estavam sendo pouco eficientes para redução dos riscos de infecção. O termo infecção cruzada refere-se à transferência de microrganismos de uma pessoa ou objeto para outra pessoa, resultando em uma infecção. Deve ser distinguido de contaminação cruzada, que é a transferência de microrganismos de uma pessoa ou objeto para outra pessoa podendo ou não resultar em infecção15 .

Entre os vários tipos de bactérias visualizadas nesse trabalho com o auxílio de microscopia óptica, cocos gram-positivos isolados e em arranjos de estafilococos foram os mais frequentes. Tais microrganismos podem pertencer a diferentes espécies de bactérias capazes de causar inúmeras patologias. Como acontece em várias doenças infecciosas, a baixa resistência do paciente é um fator importante na suscetibilidade do indivíduo à infecção19. Ambos os tipos de alicates analisados apresentaram contaminação bacteriana em sua ponta ativa. Os removedores de anéis foram os mais contaminados, com o predomínio de bactérias que compõem a microbiota bucal. Esse fato pode ser creditado ao contato direto desse utensílio com estruturas intrabucais, além da presença de material plástico na sua extremidade, que pode atuar de maneira favorável à retenção de microrganismos. Os alicates 139, além de estarem contaminados por microrganismos encontrados na cavidade bucal, mostraram também elevados índices de contaminação por estafilococos, que são bactérias que colonizam a mucosa nasal e a pele. Esse achado pode ser resultante da manipulação desse instrumental durante a confecção de aparelhos, já que, teoricamente, esse tipo de alicate não é levado diretamente à boca.

O gênero Staphylococcus é composto por mais de quinze espécies diferentes, destacando-se S. aureus, S. epidermidis e S. saprophyticus como as de maior importância na área da saúde25. Esses microrganismos, responsáveis por infecções em ambiente hospitalar, estão entre as bactérias patogênicas humanas mais resistentes, podendo sobreviver durante meses em superfícies secas29, a temperaturas superiores aos 60ºC. Dentre as doenças causadas por enzimas e toxinas estafilocócicas são citadas as infecções superficiais como furúnculos, carbúnculos, pústulas, abscessos, conjuntivite e queilite angular, além de enfermidades de maior gravidade como síndrome do choque tóxico, osteomielite, pneumonia25, endocardite bacteriana e septicemia25,29. Entre as patologias ocasionadas por algumas espécies de Streptococcus destacam-se as infecções do trato respiratório superior, como faringite e tonsilite, que podem ser acompanhadas de escarlatina e febre reumática25. Complicações da faringite aguda podem envolver a disseminação da infecção ao ouvido (otite média), mastoides, base da língua ou assoalho bucal25. Outras doenças causadas por estreptococos são as infecções de tecidos moles da cavidade bucal ou da pele, além das lesões cariosas, cujo principal agente bacteriano é o grupo mutans25 .

Os agentes patógenos podem ser transferidos, de paciente para paciente, por contato direto ou indireto com instrumentos reutilizados preparados de forma imprópria, superfícies e mãos contaminadas21. Inúmeros estudos demonstram presença de contaminação após desinfecção imprópria dos artigos usados em pacientes, enfatizando a necessidade de procedimentos apropriados de desinfecção14,23. Esterilização ou desinfecção de alto nível são procedimentos recomendados para os vírus HBV e HIV, no entanto, a eficácia da desinfecção é afetada por fatores como a natureza do objeto (tipo de fendas e dobradiças) e pelo tempo de exposição ao produto desinfetante14, sendo que todo material que puder ser esterilizado jamais deverá ser somente desinfetado9. Para alguns autores, os métodos de controle de infecção que têm sido adotados atualmente em alguns consultórios ortodônticos são insuficientes, muito pela crença de que essa especialidade apresenta baixo risco de contaminação8,18.

Em uma pesquisa realizada com ortodontistas, constatou-se que 49% dos profissionais questionados esterilizavam seus alicates, enquanto 49% os desinfetavam. Um dos motivos do alto percentual de adeptos dos métodos de desinfecção pode ser atribuído ao custo da esterilização, pois, para esterilizar cada instrumental, seriam necessários muitos alicates. Outros motivos citados seriam a diminuição da vida útil dos materiais quando submetidos ao procedimento de esterilização, o grande volume semanal de pacientes e o menor tempo de duração dos atendimentos. Os autores comentam, ainda, que os ortodontistas talvez sejam mais flexíveis quanto ao controle de infecção, em comparação aos cirurgiões-dentistas das demais especialidades, por acreditarem que sua jovem população de pacientes tenha menor risco ao HIV ou HBV30. No entanto, estudos recentes salientam que houve um aumento nos casos de infecção por HIV na população com idade inferior a 20 anos17. Woo et al.30 relataram que, da totalidade de pacientes frequentadores das clínicas de Ortodontia, 21% eram crianças, 52% jovens e 27% adultos. Observa-se que os indivíduos na adolescência ou em idade adulta representam o maior percentual dos pacientes em tratamento ortodôntico. Além disso, todos os pacientes devem ser tratados como se fossem potencialmente infectantes. Isso porque grande parte dos portadores de HBV ou HIV são assintomáticos, e podem disseminar vírus dentro das clínicas10 .

Dentre as muitas doenças que podem ser contraídas em consultório dentário, são citadas principalmente — entre as de etiologia viral — as hepatites (B, C e D), conjuntivite herpética, herpes simples, herpes-zoster, sarampo, catapora, rubéola, caxumba e AIDS. Já entre as infecções mais importantes causadas por bactérias, a literatura menciona tuberculose, sífilis, pneumonia, infecções por estreptococos e estafilococos12.

A incidência da hepatite B após exposição acidental a materiais contaminados, ou através de lesões por instrumentos perfurocortantes utilizados em pacientes que possuem o antígeno HBsAg circulante, é de aproximadamente 20%. Nas mesmas circunstâncias, o risco de transmissão do HIV apresenta uma incidência estimada entre 0 e 0,5%19 .

Um agravante da transmissibilidade do HBV é a sua alta resistência e seu alto grau de infecciosidade, ten-do se mostrado infectante por até seis meses à temperatura ambiente, e por até sete dias quando expos-to a superfícies4,10. Em um volume de sangue menor que 0,00000001ml, o vírus da hepatite B é potencialmente infectante por 7 dias depois de seco10 .

Os resultados obtidos nesse experimento demonstraram grande contaminação presente nos alicates ortodônticos; e que, por meio da utilização de instrumentais contaminados, diversos tipos de microrganismos podem ser transmitidos entre indivíduos. Esse fato é verdadeiramente relevante, tendo em vista que imensas quantidades de bactérias, e especialmente de partículas virais, são secretadas nos fluidos bucais, considerando que pequena quantidade de saliva tem potencial para ocasionar enfermidades graves como a hepatite B. Portanto, a disseminação de vírus não pode ser descartada, embora esse trabalho tenha se direcionado à identificação de bactérias contaminantes.

Prevenir e controlar a infecção cruzada no consultório odontológico são hoje exigências e direitos do paciente. Dessa forma, é essencial que haja conscientização para que aconteçam mudanças na conduta dos profissionais, levando-os a adotar medidas corretas de biossegurança em todos os atendimentos, como forma de impedir a propagação de infecções5.

CONCLUSÃO

O presente trabalho revelou a presença de grande contaminação bacteriana em ambos os tipos de alicates ortodônticos selecionados para o experimento. Por meio dos dados obtidos, conclui-se que os alicates removedores de anéis apresentam maior contaminação, possivelmente devido ao seu contato direto com estruturas e tecidos intrabucais. Os alicates 139 também mostraram elevada contaminação por bactérias da microbiota bucal, porém a média de UFC/ml foi relativamente maior nas culturas de Ágar Chapman, um meio próprio para desenvolvimento de estafilococos, que são microrganismos que não habitam a cavidade bucal, mas, sim, as superfícies da pele humana e mucosa nasal.

Dessa forma, foi possível constatar que os procedimentos de desinfecção adotados estão sendo pouco efetivos na redução da contaminação, sugerindose a adoção de medidas mais eficazes no controle de infecção, para evitar a disseminação de microrganismos entre os pacientes e, também,entre os pacientes e os integrantes da equipe ortodôntica.

Enviado em: dezembro de 2007

Revisado e aceito: outubro de 2008

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  • Endereço para correspondência:
    Fabiane Azeredo
    Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
    Faculdade de Odontologia – Departamento de Ortodontia
    Av. Ipiranga, 6681 CEP: 90.619-900 – Porto Alegre / RS
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      Dez 2007
    • Aceito
      Out 2008
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