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O conceito de reabsorções dentárias ou As reabsorções dentárias não são multifatoriais, nem complexas, controvertidas ou polêmicas!

Resumos

Os mecanismos das reabsorções dentárias são conhecidos e suas causas bem definidas. Clinicamente são assintomáticas e não induzem alterações pulpares, periapicais e periodontais, sendo geralmente consequências delas. As reabsorções dentárias são alterações locais e adquiridas e não representam manifestações dentárias de doenças sistêmicas. As reabsorções dentárias ocorrem quando as estruturas de proteção dos dentes em relação à remodelação óssea são eliminados, especialmente os cementoblastos e restos epiteliais de Malassez.

Reabsorção radicular; Reabsorção dentária; Reabsorções; Ortodontia


The mechanisms of root resorptions are known, and their causes are well defined. They are clinically asymptomatic and do not induce pulp, periapical or periodontal changes; rather, they are usually consequences of these phenomena. Root resorptions are local and acquired defects, and not dental signs of systemic diseases. Root resorptions occur when structures that protect teeth from bone remodeling, particularly cementoblasts and epithelial rests of Malassez, are eliminated.

Root resorption; Tooth resorption; Resorption; Orthodontics


INSIGHT ORTODÔNTICO

O conceito de reabsorções dentárias ou As reabsorções dentárias não são multifatoriais, nem complexas, controvertidas ou polêmicas!

Alberto Consolaro

Professor Titular da Faculdade de Odontologia de Bauru e da Pós-graduação da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Alberto Consolaro E-mail: consolaro@uol.com.br

RESUMO

Os mecanismos das reabsorções dentárias são conhecidos e suas causas bem definidas. Clinicamente são assintomáticas e não induzem alterações pulpares, periapicais e periodontais, sendo geralmente consequências delas. As reabsorções dentárias são alterações locais e adquiridas e não representam manifestações dentárias de doenças sistêmicas. As reabsorções dentárias ocorrem quando as estruturas de proteção dos dentes em relação à remodelação óssea são eliminados, especialmente os cementoblastos e restos epiteliais de Malassez.

Palavras-chave: Reabsorção radicular. Reabsorção dentária. Reabsorções. Ortodontia.

Um conceito significa a representação mental nas reabsorções dentárias. Os conceitos devem ser de um objeto ou fenômeno descrito pelo pensa-gerais, pois, quando restritivos, limitam a compreenmento, utilizando-se de suas características gerais. são do fenômeno como um todo. Em função disso, Um conceito também pode representar a formu-propusemo-nos a discorrer sobre o conceito das relação de uma ideia por meio de palavras. Conceito absorções dentárias, para colaborar singelamente na pode ser, ainda, sinônimo de concepção, definição elaboração de futuros trabalhos sobre o tema. e caracterização. Enfim: conceituar significa identificar, descrever e classificar os diferentes elementos e aspectos da realidade.

Em trabalhos sobre reabsorções dentárias, quase sempre o primeiro parágrafo ou frase é reservado para conceituá-las. Em muitos casos, o conceito limita-se a um determinado tipo de reabsorção ou restringe-se ao contexto de um caso clínico, não levando em consideração todos os aspectos envolvidos nas reabsorções dentárias. Os conceitos devem ser gerais, pois, quando restritivos, limitam a compreensão do fenômeno como um todo. Em função disso, propusemo-nos a discorrer sobre o conceito das reabsorções dentárias, para colaborar singelamente na elaboração de futuros trabalhos sobre o tema.

REABSORÇÃO DENTÁRIA NÃO É COMPLEXA, NEM POLÊMICA OU CONTROVERTIDA

As reabsorções radiculares têm dois mecanismos básicos de ocorrência, muito bem compreendidos: inflamatório ou por substituição.

Figura 1


Mecanismo da Reabsorção Inflamatória: os cementoblastos “revestem” ou “escondem” a superfície radicular, e entre eles se inserem as fibras colágenas de Sharpey. Os dentes estão muito próximos do osso, e separados pelo ligamento periodontal, com espessura média de 0,25mm, variando entre 0,2 e 0,4mm.

O osso está em constante remodelação graças a estímulos de fatores locais e sistêmicos. Esse dinamismo do osso colabora com os níveis estáveis de sais minerais no sangue e lhe dá uma grande capacidade adaptativa a demandas funcionais do dia a dia. A remodelação óssea depende de receptores, que os osteoblastos e macrófagos têm em sua membrana, para os mediadores locais e sistêmicos gerenciarem a atividade dos clastos. Os clastos não têm receptores para os mediadores da remodelação óssea e são funcionalmente dependentes dos osteoblastos e dos clastos.

No outro lado periodontal, na superfície radicular, os cementoblastos não têm receptores para os mediadores da remodelação óssea, mesmo estando muito próximos do osso. Eles não respondem ou "escutam" as mensagens bioquímicas para reabsorver ou neoformar tecido mineralizado na superfície radicular: eles são "surdos" para os mediadores da remodelação óssea, muito embora tenham receptores para outros mediadores essenciais à vida celular, como o hormônio do crescimento e a insulina, por exemplo.

Qualquer causa que atue no local onde estão os cementoblastos, e remova-os da superfície, irá expor a superfície radicular mineralizada; as células ósseas, muito próximas, promoverão a reabsorção radicular, ainda que temporariamente. As reabsorções dentárias têm causas locais que eliminam os cementoblastos da superfície radicular, e não se conhece nenhuma causa sistêmica que promova esse tipo de efeito sobre os dentes.

Mecanismo da Reabsorção por Substituição: a remodelação óssea implica na reabsorção constante das estruturas mineralizadas, mas também tem-se a formação contínua de osso, inclusive na superfície periodontal do alvéolo dentário. Naturalmente, a cada nova camada de osso depositada na superfície periodontal do alvéolo, maior seria a proximidade com o dente e, com uma espessura média de 0,25mm, brevemente teríamos a anquilose alveolodentária. Os cementoblastos e osteoblastos se imiscuiriam e formariam áreas fusionadas de cemento e osso, alternando-se com áreas aleatoriamente distribuídas de reabsorção e neoformação. Mas isso não ocorre normalmente em função da presença dos restos epiteliais de Malassez, uma rede de cordões com 20 células de comprimento por 4 a 8 de largura, que formam um verdadeiro cesto de basquetebol no ligamento periodontal, em torno da raiz dentária.

Os restos epiteliais de Malassez liberam constantemente o Fator de Crescimento Epidérmico ou EGF — como todos os demais epitélios do organismo —, para se autoestimularem a proliferar e manter sua estrutura. Mas, ao mesmo tempo, esse mediador no ligamento estimula a reabsorção óssea na superfície periodontal do alvéolo. Dessa forma, o espaço periodontal fica preservado e evita-se a anquilose alveolodentária.

A anquilose alveolodentária ocorre, quase exclusivamente, quando os restos epiteliais de Malassez são eliminados — geralmente pelo traumatismo dentário, desde os mais leves, como a concussão, até os mais severos, como a avulsão. Com a anquilose alveolodentária, a remodelação óssea envolve também os tecidos mineralizados dentários, que serão gradualmente e inevitavelmente reabsorvidos e substituídos por osso (daí o termo reabsorção dentária por substituição). Em dentes não irrompidos por longo tempo, a atrofia severa do ligamento periodontal pelo desuso pode facilitar o estabelecimento da anquilose alveolodentária.

A partir dessa descrição dos dois mecanismos em que as reabsorções dentárias podem ocorrer, destaca-se que não parece lúcido afirmar que elas são complexas ou tenham mecanismos desconhecidos. Também não parece lúcido afirmar que, por isso, são polêmicas ou controvertidas em suas causas.

REABSORÇÃO DENTÁRIA NÃO TEM "ETIOLOGIA MULTIFATORIAL"

O termo etiologia multifatorial sugere que uma determinada doença ou fenômeno necessita de várias causas atuando ao mesmo tempo para ocorrer, muito embora estritamente no significado da palavra multifatorial essa conotação não necessariamente exista explicitamente nos dicionários.

A cárie dentária representa um exemplo clássico de doença com etiologia multifatorial. Para a cárie dentária se estabelecer, requer-se a presença da placa dentobacteriana decorrente da falta de higiene bucal, a alimentação com base em carboidratos, a presença de dentes com esmalte predisposto e tempo para que esses fatores interajam e gerem a doença. Em outras palavras, uma causa depende da outra para que a doença ocorra.

O diabetes melito também é multifatorial, pois requer a hereditariedade do gene responsável pela autoimunidade contra as células produtoras de insulina no pâncreas e a interação com fatores ambientais — como a obesidade, nutrição inadequada, sedentarismo, estresse e muitos outros — para que ocorra a doença.

As reabsorções dentárias têm várias causas, que atuam independentemente umas das outras. Em alguns casos especiais, as causas podem até se associar nas reabsorções dentárias, mas isso não é usual. Do ponto de vista conceitual, devemos evitar afirmar que as reabsorções dentárias são multifatoriais; podemos, sim, afirmar com maior precisão que se têm múltiplas ou muitas causas. O termo multifatorial pode dar a equivocada conotação de simultaneidade de causas para que as reabsorções dentárias ocorram.

AS CAUSAS DAS REABSORÇÕES DENTÁRIAS SÃO CONHECIDAS

Nas reabsorções dentárias inflamatórias, as causas removem os cementoblastos da superfície, como em:

» Lesões periapicais crônicas: os produtos bacterianos tóxicos, como os lipopolissacarídeos, assim como outros agentes microbianos tóxicos resultantes do seu metabolismo, são liberados no meio periapical ou chegam à superfície radicular apical via túbulos dentinários.

» Forças, aplicadas ortodonticamente, que podem fechar totalmente a luz dos vasos sanguíneos, faltando-lhes nutrição. Muito eventualmente, o contato dente-osso promovido pela força excessiva pode, fisicamente, eliminar cementoblastos da superfície radicular por compressão.

» Dentes não irrompidos, que podem comprimir os vasos sanguíneos dos dentes vizinhos, quando se aproximam em função das forças eruptivas, como ocorre eventualmente com caninos superiores e terceiros molares.

» Traumatismos dentários acidentais, que podem romper vasos, assim como podem colocar em contato o dente com a superfície óssea alveolar. Os traumatismos dentários podem ser cirúrgicos, operatórios e anestésicos.

» Longos períodos de tempo de trauma oclusal, o que pode levar à morte de cementoblastos e, nos casos mais severos, induzir reabsorções radiculares inflamatórias.

Nas reabsorções dentárias por substituição, as causas eliminam os restos epiteliais de Malassez do ligamento periodontal. A principal e quase exclusiva causa que elimina esse componente ligamentar é o traumatismo dentário, que varia desde a concussão, em sua forma mais leve, até a avulsão e reimplantação, em sua forma mais grave. O traumatismo dentário pode ser:

» Acidental, em atividades de lazer, batidas automotivas, violência e outros incidentes.

» Cirúrgico, como nos casos de luxação inadequada de caninos não irrompidos e nas manobras de remoção de terceiros molares não irrompidos, sobre os segundos molares.

» Pela ação de laringoscópios sobre os dentes durante os processos de intubação em procedimentos anestésicos gerais.

Em dentes não irrompidos por longo período, a atrofia excessiva do ligamento periodontal pode propiciar condições para que ocorra a anquilose alveolodentária e a consequente reabsorção por substituição.

AS REABSORÇÕES DENTÁRIAS NÃO SÃO SISTÊMICAS OU HEREDITÁRIAS

Na espécie humana, os eventos celulares e teciduais são feitos a partir de informações contidas na forma de genes e tendem a ser geneticamente comandados, mas isso não dá uma conotação hereditária a todos esses eventos. As reabsorções radiculares, como fenômenos biológicos, têm eventos celulares e teciduais geneticamente gerenciados, mas sem qualquer conotação de hereditariedade em sua instalação ou no desenvolvimento de predisposição individual ou familiar.

Na espécie humana não há doenças, estados ou suscetibilidades transmitidas de pai para filhos em que haja maior ou menor facilidade ou prevalência de reabsorções dentárias. As causas das reabsorções dentárias são locais e precisam afetar os cementoblastos e/ou os restos epiteliais de Malassez. Nas endocrinopatias, assim como em outras doenças sistêmicas, as reabsorções dentárias não fazem parte de suas manifestações clínicas ou imaginológicas.

A morfologia apical e radicular, a proporção coroa-raiz, assim como a forma da crista óssea alveolar, influenciam na previsibilidade de reabsorções dentárias no tratamento ortodôntico. Se assim se fizer necessário, pode-se até afirmar que os pacientes com raízes dentárias triangulares, ápices em forma de pipeta ou dilacerados e cristas ósseas retangulares são mais predispostos ou suscetíveis à reabsorção radicular durante o tratamento ortodôntico, mas sem qualquer natureza genética ou hereditária, e sim morfológica.

SOBRE O TRATAMENTO E PROGNÓSTICO DAS REABSORÇÕES DENTÁRIAS

As reabsorções dentárias inflamatórias têm como princípio terapêutico a eliminação da causa. Quando o processo inflamatório e o estresse celular cessam na área em reabsorção, as unidades osteorremodeladoras e seus clastos sofrem uma desmobilização e saem da superfície radicular: os mediadores desaparecem. O pH da região volta ao estado de neutralidade e novos cementoblastos são formados, recolonizando a superfície radicular em alguns dias. Forma-se, em seguida, novo cemento, com reinserção das fibras colágenas no meio da nova camada cementoblástica. A superfície radicular volta a ser biologicamente normal.

Se a causa for a contaminação radicular por bactérias via canal, o tratamento endodôntico adequado elimina a causa e a reabsorção inflamatória repara-se. Se o fator causal for uma força ortodôntica, a desativação do aparelho ou a dissipação da força cessa o processo. Quando se elimina a possível causa e a reabsorção dentária inflamatória não cessa, isso implica considerarmos que a verdadeira causa não foi eliminada.

As reabsorções dentárias por substituição sempre sucedem a anquilose alveolodentária e, uma vez estabelecidas, o processo não tem como cessar. Quando se detecta a anquilose antes que tenha evoluído para a reabsorção por substituição, a luxação seguida de extrusão pode, na maioria dos casos, restabelecer o ligamento periodontal nas pontes ou focos de ligação osso-dente. Mas, caso tenha reabsorção por substituição em que parte do dente já foi reabsorvida e substituída por osso, o imbricamento físico impede uma clivagem entre ambos.

Em síntese: a reabsorção dentária inflamatória pode ser controlada, curada e tem um bom prognóstico, mas a reabsorção dentária por substituição tem um prognóstico ruim, pois cedo ou tarde ocorrerá a perda dentária.

AS REABSORÇÕES DENTÁRIAS NÃO INDUZEM A DOR, NEM A NECROSE PULPAR

Por mais próximas que estejam do tecido pulpar, as reabsorções radiculares inflamatórias ou por substituição não provocam dor. O nível de mediadores presentes necessários para a reabsorção dos tecidos mineralizados não é suficiente para induzir a dor e o desconforto no paciente. Caso haja sensibilidade dolorosa em dentes com qualquer tipo de reabsorção, deve-se procurar outra causa para explicá-la: reabsorção dentária é um processo biológico assintomático, silencioso, enfim!

Ainda que muito próximas da polpa — ou mesmo que ocorram pela estrutura da própria polpa, como na reabsorção interna —, as reabsorções dentárias não induzem necrose do tecido pulpar. O processo da reabsorção dentária não libera produtos tóxicos para as células. A reabsorção dos tecidos mineralizados serve apenas para desconstruí-los, para reciclar os seus componentes minerais e não minerais, que serão reaproveitados como íons, aminoácidos e peptídeos.

As reabsorções dentárias são clinicamente assintomáticas e, por si sós, não induzem alterações pulpares, periapicais e periodontais, sendo geralmente consequências delas, e não sua causa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: uma forma de se expressar o conceito de reabsorção, em geral, e de reabsorções dentárias, especificamente

As reabsorções no organismo como um todo são fenômenos que podem estar presentes em várias situações clínicas e representam o mecanismo pelo qual os tecidos mineralizados são desmontados estruturalmente. Na interface dos clastos com o tecido mineralizado odontogênico, há liberação de ácidos e enzimas e as moléculas resultantes são transportadas pelo seu citoplasma em vacúolos, por um processo conhecido como transcitose, e secretados para o espaço extracelular na forma de aminoácidos, peptídeos e íons. Na matriz extracelular e nos líquidos corporais, como o sangue e a linfa, esses componentes são reutilizados por outros órgãos, tecidos e células.

As reabsorções dentárias representam o processo de desmontagem dos tecidos odontogênicos mineralizados pela ação de células ósseas sobre as suas superfícies, quando as estruturas de proteção dos dentes em relação à remodelação óssea são eliminadas, especialmente os cementoblastos e restos epiteliais de Malassez. As reabsorções representam manifestação patológica nos dentes permanentes; e fisiológica, em dentes decíduos. Em algumas situações clínicas, como no tratamento ortodôntico, as reabsorções dentárias são frequentes e aceitáveis, desde que previstas e atenuadas, como parte do custo biológico para se ter dentes estética e funcionalmente adequados.

Os mecanismos das reabsorções dentárias são conhecidos e suas causas bem definidas. Clinicamente, são assintomáticas e, por si sós, não induzem alterações pulpares, periapicais e periodontais, sendo geralmente consequências dessas. As reabsorções dentárias são alterações locais e adquiridas, e não representam manifestações dentárias de doenças sistêmicas.

O autor declara não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

  • 1. Consolaro A. Reabsorções dentárias nas especialidades clínicas. 2ª ed. Maringá: Dental Press; 2005.
  • 2. Dental Press International. Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial. Coletânea eletrônica: 1996-2010. Maringá: Dental Press; 2010.
  • 3. Dental Press International. Revista Clínica de Ortodontia Dental Press. Coletânea eletrônica: 2002-2010. Maringá: Dental Press; 2010.
  • Endereço para correspondência:
    Alberto Consolaro
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011
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