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Estudo do impacto da enxaqueca na severidade da dor miofascial da musculatura mastigatória

Resumos

OBJETIVO: comparar a severidade da dor subjetiva e objetiva, além de outras características associadas entre pacientes com dor miofascial com e sem o diagnóstico adicional de enxaqueca. MÉTODOS: foram selecionados 203 pacientes, com idade média de 40,3 anos (89,2% do sexo feminino), que se apresentaram à Clínica de Dor Orofacial da Universidade da Califórnia, Los Angeles, EUA - todos com diagnóstico primário de dor miofascial. Pacientes com diagnóstico secundário de enxaqueca foram incluídos (n=83) e formaram o grupo 2. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar o grupo 1 (dor miofascial) com o 2 (dor miofascial + enxaqueca) quanto à intensidade de dor à palpação e subjetiva, através de Escalas Analógicas Visuais (EAV). Também com o auxílio de EAV, foram comparados estado de humor, problemas com a função, qualidade do sono e incapacidade. Em todos os testes foi adotado um nível de significância de 5%. RESULTADOS: o grupo 2 apresentou níveis de dor à palpação muscular estatisticamente maiores que o grupo 1 (p<0,05). Ao se analisar a intensidade de dor subjetiva obtida através da EAV, o grupo 2 apresentou níveis maiores de dor subjetiva (EAV) em todas as medições, com significância estatística para "dor no momento" e "dor máxima" (p<0,05). Da mesma maneira, o grupo 2 mostrou níveis maiores, obtidos através da EAV, de problemas com humor, incapacidade, problemas com a função mandibular e problemas com sono/descanso, sendo que apenas o último apresentou significância estatística (p<0,05). CONCLUSÕES: a comorbidade enxaqueca exerce forte impacto na severidade da dor e na qualidade de vida de pacientes que apresentam diagnóstico primário de dor miofascial.

Disfunção temporomandibular; Dor orofacial; Enxaqueca


OBJECTIVES: To compare subjective and objective pain intensity and associated characteristics in myofascial pain (MFP) patients with and without migraine. METHODS: The sample was comprised by 203 consecutive patients, mean age of 40.3 (89.2% of females), primarily diagnosed with MFP, who presented to the UCLA Orofacial Pain Clinic. Patients with secondary diagnosis of migraine (n=83) were included and comprised group 2. In order to compare group 1 (MFP) with group 2 (MFP + migraine) regarding objective pain (palpation scores) and subjective by means of visual analog scales (VAS) pain levels. Also, comparisons of mood problems, jaw function problems, sleep quality and disability levels using VAS were performed using the Mann-Whitney test. A significance level of 5% was adopted. RESULTS: Mann-Whitney test revealed that group 2 presented significantly higher pain levels on palpation of masticatory and cervical muscles in comparison to group 1 (p<0.05). Group 2 also presented higher levels of subjective pain, with statistical significance for "pain at the moment" and "highest pain" (p<0.05). Additionally, group 2 showed higher levels of mood problems, disability, jaw function impairment and sleep problems than group 1 with statistical significance for the later (p<0.05). CONCLUSIONS: Migraine comorbidity demonstrated a significant impact on pain intensity and life quality of patients with MFP. Clinicians should approach both conditions in order to achieve better treatment outcomes.

Temporomandibular disorders; Orofacial pain; Migraine


ARTIGO INÉDITO

Estudo do impacto da enxaqueca na severidade da dor miofascial da musculatura mastigatória

Rafael dos Santos SilvaI; Paulo Cesar Rodrigues ContiII; Somsak MitrirattanakulIII; Robert MerrillIV

IProfessor Adjunto do Departamento de Odontologia da Universidade Estadual de Maringá

IIProfessor Associado do Departamento de Prótese da Faculdade de Odontologia de Bauru – USP

IIIProfessor Associado do Departamento de Oclusão da Faculdade de Odontologia da Universidade de Mahidol, Bangkok, Tailândia

IVProfessor Adjunto do Departamento de Dor Orofacial da Faculdade de Odontologia da Universidade da Califórnia – Los Angeles (UCLA)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rafael dos Santos Silva Av. Mandacaru 1550, Zona 2 CEP: 87.080-000 – Maringá / PR E-mail: rafsasi@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: comparar a severidade da dor subjetiva e objetiva, além de outras características associadas entre pacientes com dor miofascial com e sem o diagnóstico adicional de enxaqueca.

MÉTODOS: foram selecionados 203 pacientes, com idade média de 40,3 anos (89,2% do sexo feminino), que se apresentaram à Clínica de Dor Orofacial da Universidade da Califórnia, Los Angeles, EUA — todos com diagnóstico primário de dor miofascial. Pacientes com diagnóstico secundário de enxaqueca foram incluídos (n=83) e formaram o grupo 2. O teste de Mann-Whitney foi utilizado para comparar o grupo 1 (dor miofascial) com o 2 (dor miofascial + enxaqueca) quanto à intensidade de dor à palpação e subjetiva, através de Escalas Analógicas Visuais (EAV). Também com o auxílio de EAV, foram comparados estado de humor, problemas com a função, qualidade do sono e incapacidade. Em todos os testes foi adotado um nível de significância de 5%.

RESULTADOS: o grupo 2 apresentou níveis de dor à palpação muscular estatisticamente maiores que o grupo 1 (p<0,05). Ao se analisar a intensidade de dor subjetiva obtida através da EAV, o grupo 2 apresentou níveis maiores de dor subjetiva (EAV) em todas as medições, com significância estatística para "dor no momento" e "dor máxima" (p<0,05). Da mesma maneira, o grupo 2 mostrou níveis maiores, obtidos através da EAV, de problemas com humor, incapacidade, problemas com a função mandibular e problemas com sono/descanso, sendo que apenas o último apresentou significância estatística (p<0,05).

CONCLUSÕES: a comorbidade enxaqueca exerce forte impacto na severidade da dor e na qualidade de vida de pacientes que apresentam diagnóstico primário de dor miofascial.

Palavras-chave: Disfunção temporomandibular. Dor orofacial. Enxaqueca.

INTRODUÇÃO

As cefaleias, as dores faciais e as disfunções temporomandibulares (DTM) representam um sério problema contemporâneo, especialmente quando presentes concomitantemente. Queixacomum em pacientes com DTM, as cefaleias, incluindo as enxaquecas, apresentam prevalência de 48 a 77%7,9,13,15,19.

No entanto, o real impacto dos diversos tipos de cefaleia nos pacientes com DTM ainda é motivo de muita discussão e controvérsia; porém, passa, necessariamente, pelo entendimento da patofisiologia de cada problema. Há relatos, na literatura, de melhora no quadro de cefaleia após tratamento dos sinais e sintomas de DTM, fato que reforça a possível inter-relação entre as duas entidades10,16,19.

Apesar do mecanismo desencadeador da enxaqueca não ser completamente compreendido, sabe-se que sua patofisiologia não passa pela participação da musculatura mastigatória. Por outro lado, considerando que a ATM e os músculos da mastigação recebem inervação sensorial trigeminal — que, por sua vez, também é responsável pela condução de impulsos nociceptivos oriundos dos vasos sanguíneos crania-nos envolvidos na gênese da enxaqueca —, tor-na-se explícita uma possível sobreposição de estímulos nociceptivos em casos de comorbidade. Sendo assim, a presença de sintomas de DTM parece causar um impacto excitatório na enxaqueca e vice-versa, especialmente em pacientes com dores severas e frequentes, mais suscetíveis ao fenômeno da sensibilização central18,19.

Considerando o exposto, este estudo tem como objetivo comparar pacientes com dor miofascial (DMF) da musculatura mastigatória, com e sem o diagnóstico adicional de enxaqueca, em relação à intensidade de dor e às características associadas ao quadro doloroso.

MATERIAL E MÉTODOS

Inicialmente, foram examinados, de modo consecutivo, 424 pacientes que se apresentaram à clínica de Dor Orofacial da Faculdade de Odontologia da Universidade da Califórnia, Los Angeles, EUA, todos com queixa de dor na região facial. Desses, 203 foram incluídos na amostra final deste estudo, sendo 181 mulheres (89,2%) e 22 homens (10,8%), com idade média de 40,3 anos (±15,44).

Para ser incluído na amostra final, o paciente deveria apresentar o diagnóstico primário de dor miofascial, com presença de um ou mais pontos-gatilho na musculatura mastigatória e/ou cervical. Considerando a dificuldade em se obter diagnósticos únicos de dor miofascial pelo próprio caráter multifatorial das DTM, foram incluídos na amostra final pacientes que apresentaram diagnósticos adicionais de osteoartrite, capsulite, cefaleia tipo tensional (CTT) e enxaqueca, desde que essas patologias não apresentassem caráter primário no quadro geral do paciente.

Os critérios de diagnóstico de dor miofascial, capsulite e osteoartrite seguiram as recomendações da Academia Americana de Dor Orofacial21, enquanto a CTT e a enxaqueca foram diagnosticadas segundo os critérios estabelecidos pela Sociedade Internacional de Cefaleias29.

Pacientes com patologias de origem neuropática foram excluídos. Outras cefaleias primárias, como a cefaleia em salva ou a paroxística crônica, assim como eventuais cefaleias secundárias, não fizeram parte do diagnóstico dos pacientes da amostra desse trabalho. Por fim, pacientes com condições sistêmicas como artrite reumatoide ou fibromialgia, entre outras, assim como aqueles com problemas mentais ou neurológicos, também foram excluídos.

Os 203 pacientes da amostra foram divididos em dois grupos: o grupo 1 foi formado pelos pacientes com dor miofascial; e o grupo 2, pelos pacientes com dor miofascial e o diagnóstico adicional de enxaqueca. A avaliação dos pacientes foi realizada por quatro examinadores, alunos do programa de residência em Dor Orofacial na Faculdade de Odontologia da Universidade da Califórnia, Los Angeles, EUA, previamente submetidos a calibração e treinamento em relação ao exame dos pacientes e aos critérios de diagnóstico, sob a supervisão de um profissional experiente.

A intensidade de dor objetiva foi obtida através da palpação muscular convencional com o dedo. Para cada paciente, ao final do exame de palpação muscular, foi obtido um escore que representava a intensidade de dor média encontrada durante o exame. Os músculos incluídos no exame foram: temporal (anterior, médio e posterior), masseter (superficial e profundo), esternocleidomastoideo, trapézio e esplênio da cabeça.

Sendo assim, foram incluídos 5 pares de músculos faciais e 3 pares de cervicais, totalizando 16 pontos de palpação, que foi realizada segundo as recomendações da Academia Americana de Dor Orofacial21, com pressão de palpação segundo os achados de Silva et al.25

A resposta à palpação foi feita, em cada ponto, seguindo-se uma escala de 0 a 4, conforme segue:

  • 0 = ausência de dor;

  • 1 = dor leve ou apenas um incômodo;

  • 2 = dor moderada;

  • 3 = dor severa, com reflexo palpebral e/ou movimento de retirada do rosto;

  • 4 = dor severa, com relato de dor referida.

O número final que representava a intensidade de dor objetiva (palpação) sentida por cada paciente foi obtido através da média aritmética de todos os pontos de palpação muscular.

A intensidade da dor subjetiva, o estado de humor, o nível de incapacidade por causa da dor, os problemas com a função mandibular e a qualidade do sono/descanso foram obtidos através de escalas analógicas visuais (EAV). Esse tipo de escala tem se mostrado eficiente em comparação a outras, como verificado por Conti et al.4, em 2001. Quanto à dor subjetiva, foram medidos quatro parâmetros de dor, através de quatro EAV. Foram medidos os níveis de dor no momento do atendimento ("dor no momento") e dor máxima, mínima e média sentida no último mês ("dor máxima", "dor mínima" e "dor média"). A EAV consiste em uma reta de 10cm onde, na extremidade esquerda, lê-se "ausência" e, na direita, lê-se "máxima presença". Nela, o paciente deve marcar um traço vertical, quantificando o quesito que lhe está sendo perguntado4,23,28.

Com o intuito de se detectar possíveis diferenças entre os grupos 1 (DMF) e 2 (DMF + enxaqueca), em relação à intensidade de dor subjetiva e objetiva, estado de humor, incapacidade, problemas com a função mandibular e qualidade do sono, utilizou-se o teste não paramétrico Mann-Whitney. Adotou-se um nível de significância de 5%.

Esse trabalho foi submetido à avaliação do Comitê de Ética da Universidade da Califórnia, Los Angeles, EUA, recebendo aprovação em 27/07/2005.

RESULTADOS

O teste estatístico Mann-Whitney demonstrou que o grupo 2 apresentou nível de dor à palpação muscular estatisticamente maior que o grupo 1, conforme demonstra a Tabela 1.


Através das análises das EAV, verificou-se que o grupo 2 apresentou níveis maiores de dor para todas as variáveis, conforme ilustra a Figura 1. Foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos no que diz respeito à percepção de dor máxima e no momento da mensuração (p<0,05) (Tab. 2).

Foram comparados os grupos de características associadas ao quadro doloroso, tais como estado de humor, incapacidade, problemas com a função mandibular e problemas com o sono/descanso. Para todas as variáveis, o grupo 2 apresentou valores maiores (Fig. 2), e apenas a variável "problemas com o sono/descanso" apresentou diferença estatisticamente significativa (p<0,05) (Tab. 3).


DISCUSSÃO

A possível inter-relação entre as cefaleias, especialmente a enxaqueca e a CTT, e as DTM tem sido tema de inúmeros estudos na literatura. De um lado, patofisiologias diferentes contradiriam essa hipótese. De outro, estudos de prevalência em populações com vários tipos de cefaleia, com enxaqueca, DTM e assintomáticas têm detectado e confirmado a sobreposição dos sintomas dessas doenças9,10,14,30. Numa população de pacientes com cefaleia crônica (enxaqueca e CTT), Glaros et al.9 encontraram mais dor muscular e capsulite, em relação a indivíduos controle assintomáticos, confirmando a possível inter-relação entre as doenças. Em outro estudo, Mitrirattanakul e Merrill19 encontraram prevalência de cefaleia significativamente maior no grupo com DTM (72,7%) em comparação ao controle assintomático (31,9%).

Apesar de apresentarem diferentes mecanismos, sintomas de cefaleia são frequentemente encontrados em pacientes com DTM, com prevalência de 48 a 77%5,9,10,19,30. As dores reportadas pelos pacientes com DTM, normalmente, estão localizadas nos músculos da mastigação, na região pré-auricular ou na articulação temporomandibular (ATM). De acordo com Glaros et al.9, os sintomas de cefaleia descritos pelos pacientes com DTM são similares aos reportados pelos pacientes diagnosticados com CTT ou enxaqueca.

Em geral, o sexo feminino é até três vezes mais prevalente que o masculino, quando se trata do assunto dor13,19,22,26,27. Vazquez-Delgado et al.30, em 2004, em estudo numa população com cefaleia crônica diária e outra com DMF, verificaram prevalência de 81% de mulheres, valor próximo dos 81,3% encontrados por Mitrirattanakule e Merrill19, e dos 81,2% encontrados por Kim e Kim13— todos semelhantes ao valor encontrado no presente estudo. Dos 203 pacientes que fizeram parte da amostra, 89,2% eram do sexo feminino.

Mas como entidades com patofisiologias diferentes em relação às DTM, como a enxaqueca e a CTT, podem causar impacto significativo na dor miofascial, medida através da palpação muscular mastigatória e cervical?

As teorias que explicam o fenômeno das cefaleias, especialmente das enxaquecas, baseiam-se no fenômeno da depressão cortical alastrante, falhas no sistema modulatório descendente (serotonérgico e noradrenérgico), e na sensibilização dos neurônios de segunda ordem, a chamada sensibilização central13. O fenômeno da sensibilização central leva à alodinia periférica e hiperalgesia secundária, percebida no couro cabeludo em pacientes com enxaqueca, ou como sensibilidade muscular mastigatória e cervical, tanto durante como após a crise11,19. Alguns estudos têm mostrado aumento da dor muscular sob palpação durante a crise de enxaqueca10,12,14,28.

Somada a esse fato, a nocicepção provocada pela dor muscular — encontrada comumente em pacientes com DMF, como nos pacientes que fazem parte da amostra desse trabalho — pode induzir ou aumentar o fenômeno da sensibilização central em pacientes com cefaleia, resultando na indução ou exacerbação da cefaleia numa região previamente sensitizada (subnúcleo caudal do trato espinhal)19.

Essa sobreposição de estímulos se daria pelo fato de as estruturas envolvidas na DTM compartilharem a inervação sensorial do nervo trigêmeo com os vasos sanguíneos cranianos, importantes na gênese da enxaqueca. Possíveis estímulos nociceptivos partiriam por caminhos diferentes até a região do núcleo trigeminal, onde acontece a sinapse dos neurônios aferentes primários com os secundários. Nesse ponto, eles, invariavelmente, se encontram num fenômeno conhecido como teoria da convergência17,26.

Esse fato descrito talvez explique o achado desse trabalho, no qual o grupo 2 apresentou média de dor à palpação significativamente maior, em comparação ao grupo 1 (p<0,05). A comparação dos níveis de dor pelo aspecto subjetivo através da EAV também mostrou o grupo 2 com níveis de dor mais elevados. Contudo, essa diferença se mostrou significativa apenas para "dor no momento" e para "dor máxima" (p<0,05). O mesmo resultado foi encontrado por Mitrirattanakul e Merrill19, em 2006, que mostraram níveis de dor e incapacidade significativamente maiores em pacientes com desordens musculoesqueléticas associadas a cefaleias primárias, em comparação a indivíduos somente com desordens musculoesqueléticas. Al-guns trabalhos relatam a presença de sensibilidade muscular à palpação durante a crise de enxaqueca e, dependendo da severidade e/ou da frequência da crise, essa sensibilidade muscular pode persistir14,20,28, fato que talvez explique os achados dessa pesquisa. Porém, os estudos da área médica, principalmente, consideram essa sensibilidade secundária ao processo de enxaqueca.

Se a dor muscular for apenas um resultado da sensibilização central provocada pela cefaleia, essa deveria ser solucionada após tratamento da cefaleia. Há relatos da veracidade desse fato na literatura. Dao et al.6, em 1995, analisando uma amostra composta por pacientes com enxaqueca, relataram melhora dos sintomas de dor muscular após administração de dihidroergotamina-45 ou um triptano, ambas as medicações para tratamento abortivo de enxaquecas. Entretanto, em populações com dor orofacial, especialmente com DMF, há relatos do contrário7. Nesses casos, a frequência e intensidade da cefaleia tendem a melhorar após redução dos impulsos nociceptivos dos músculos da mastigação e da ATM através de exercícios de fisioterapia9,19 ou após agulhamento dos pontos-gatilho (PG) miofasciais7.

Considerando que a dor muscular causada pela DMF não melhora após tratamento com medicações abortivas específicas de enxaqueca (triptanos, por exemplo)19, pode-se inferir que não apenas a atividade nociceptiva das paredes dos vasos sanguíneos cranianos é capaz de induzir inflamação neurogênica, processo que culmina com a crise de enxaqueca. Contudo, outros estímulos nociceptivos vindos de outras ramificações do nervo trigêmeo, como dos músculos da mastigação ou da própria ATM, podem exacerbar a dor da cefaleia ou até mesmo desencadeá-la. Segundo Davidoff7, a dor proveniente dos PG pode ser severa o suficiente para desencadear uma crise de enxaqueca. Além disso, esse mesmo autor verificou que a palpação dos PG, durante a crise de enxaqueca, aumenta a dor significativamente.

Apesar de a incapacidade ser uma das características mais importantes da enxaqueca, inclusive fazendo parte do processo diagnóstico, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos nesse estudo (p>0,05). Talvez esse fato seja explicado pela simplicidade da EAV em medir uma variável que envolve diversos aspectos da vida. Uma análise mais abrangente, utilizando-se ferramentas mais específicas para medir a incapacidade, deve ser realizada para elucidar mais claramente esse aspecto.

Apesar de relatadas como comuns em pacientes com dor24,30, nesse estudo as alterações de humor não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p>0,05), resultado que se apresenta de acordo com os do estudo de Glaros et al.9, que não encontraram diferenças entre pacientes com DTM e cefaleia em relação a um grupo controle. Porém, em trabalho publicado em 2003, Ruiz de Velasco et al.24 encontraram alterações de humor significativas em pacientes com enxaqueca, como a tristeza, agressividade, instabilidade emocional e dificuldade de concentração. Dessa maneira, parece que alterações de humor não são consistentemente encontradas em quadros dolorosos em relação a indivíduos assintomáticos. Da mesma maneira, o humor não parece ser afetado diretamente pela intensidade da dor, visto que o grupo 2 apresentou níveis de dor significativamente maiores que o grupo 1 (p<0,05). Os resultados dessa pesquisa devem, no entanto, ser analisados com certa cautela, pelo fato de as alterações de humor terem sido medidas através de uma única EAV, e não através de um teste específico.

Os problemas com a função mandibular também não apresentaram diferenças significativas entre os grupos (p>0,05), apesar de terem sido encontrados valores médios relativamente altos na EAV (62,14 no grupo 1 e 64,62 no grupo 2). Ao que parece, problemas com função mandibular são sintomas relacionados, exclusivamente, às DTM21,23 e, portanto, as cefaleias primárias, especialmente a enxaqueca, não exercem influência na severidade desses problemas.

Os distúrbios do sono são comumente relatados por pacientes com dor, especialmente crônica30. Liljestrom et al.15, em contrapartida, não encontraram associação entre qualidade do sono e DTM, em uma amostra de crianças. Nesta pesquisa, foram detectadas diferenças significativas entre os grupos em relação a problemas com o sono, medidos através de EAV (p<0,05), com o grupo 2 apresentando significativamente mais problemas (66,08) que o grupo 1 (49,21). Sendo assim, mais uma vez, a enxaqueca parece exercer impacto significativo no quadro geral dos pacientes com DMF, nesse caso piorando a qualidade do sono. Vazquez-Delgado et al.30 encontraram maiores valores de pior qualidade do sono em pacientes com DMF em relação a pacientes com capsulite e com cefaleia crônica diária, incluindo a enxaqueca crônica e a CTT crônica. Segundo Dodick et al.8, o paciente que se queixa de problemas com o sono associados a cefaleias primárias, normalmente, apresenta sintomas consistentes de depressão e ansiedade, além de história de abuso de analgésicos e fibromialgia, condições que causam problemas com o sono, individualmente.

Com base nos achados desse estudo, fica salientada a importância de se abordar cada uma das patologias envolvidas no quadro doloroso do paciente com dor orofacial, especialmente as desordens de origem musculoesquelética e as cefaleias primárias. Sendo assim, é provável que a ignorância de uma ou mais dessas desordens leve a resultados insatisfatórios em termos de resolução ou melhora do quadro doloroso.

Ainda, nenhuma conclusão definitiva pode ser obtida desse trabalho, devido à diversidade das variáveis envolvidas, fato que reforça a necessidade de pesquisas complementares que confirmem a tendência — mostrada neste estudo — de uma participação importante das enxaquecas na percepção dolorosa muscular em pacientes com dor miofascial.

Enviado em: 12/11/2007

Revisado e aceito: 17/08/2009

Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

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  • Endereço para correspondência:

    Rafael dos Santos Silva
    Av. Mandacaru 1550, Zona 2
    CEP: 87.080-000 – Maringá / PR
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      12 Nov 2007
    • Aceito
      17 Ago 2009
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