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Uma entrevista com Lysle E. Johnston Jr.

ENTREVISTA

Uma entrevista com Lysle E. Johnston Jr.

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Lysle E. Johnston Jr. E-mail: lejjr@umich.edu

• Graduado em Odontologia pela Michigan School of Dentistry e em Ortodontia pela Michigan's Horace H. Rackham School of Graduate Studies.

• Especialista em Anatomia pela Queen's University, Belfast.

• Doutor em Anatomia pela Case Western Reserve University.

• Ex-chefe do Departament of Orthodontics and Pediatric Dentistry da University of Michigan.

• Diretor dos programas de Ortodontia da Case Western Reserve University (1971-76) e da Saint Louis University (1976-91).

• Professor da University of Michigan, Saint Louis University e Case Western Reserve University.

• Membro do American College of Dentistry, do International College of Dentistry e do Royal College of Surgeons, Inglaterra.

• Ex-diretor da Edward H. Angle Society of Orthodontists.

• Editor de vários periódicos, entre eles o American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics e o Journal of Orthodontics (britânico).

Lysle E. Johnston Jr. é Professor Emérito de Odontologia na University of Michigan e de Ortodontia na Saint Louis University. Formou-se em Odontologia pela Michigan School of Dentistry, em 1961, e em Ortodontia pela Michigan's Horace H. Rackham School of Graduate Studies, em 1964. Especializou-se em Anatomia na Queen's University de Belfast (Irlanda do Norte, 1961-62) e recebeu seu PhD também em Anatomia na Case Western Reserve University, em 1970. Antes de retornar à University of Michigan, onde foi chefe do Department of Orthodontics and Pediatric Dentistry, dirigiu os Departamentos de Ortodontia da Case Western Reserve University (1971-76) e da Saint Louis University (1976-91). Atualmente, leciona Estatística, Cefalometria, Crescimento Facial, Desenvolvimento Oclusal e História da Ortodontia nessas três escolas. Ao longo de sua carreira acadêmica, Dr. Johnston orientou mais de 100 teses de mestrado e participou da formação de mais de 500 especialistas em Ortodontia. Tem feito inúmeras palestras e recebido diversos prêmios e títulos, entre os quais o prêmio Albert H. Ketcham do American Board of Orthodontics, o prêmio Jarabak da American Association of Orthodontists Foundation, o prêmio Dewey da American Association of Orthodontics e o 5º Prêmio Internacional da Sociedade Italiana. Proferiu diversas palestras magnas: a Mershon e a Salzmann, da American Association of Orthodontics, a Angle Memorial Lecture, da E.H. Angle Society of Orthodontists (por duas vezes), a Northcroft, da British Society for the Study of Orthodontics e a Arthur Taylor Memorial, da Australian Society of Orthodontics. Membro do American e do International College of Dentistry e membro-eleito da Royal College of Surgeons (Inglaterra), Dr. Johnston foi Diretor da Edward H. Angle of Orthodontists e integrou o quadro editorial de vários periódicos, incluindo o American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics e The (British) Journal of Orthodontics. Atualmente, reside em Torch Lake, uma pequena cidade no norte do Michigan.

Cristiana (Kika) Vieira de Araújo

Na sua opinião, houve alguma mudança radical na formação do ortodontista nos últimos 50 anos? E na prática da especialidade? Em caso afirmativo, o que mudou?

Mudou a mitologia que nos sustenta. Quando eu era aluno, ensinavam-nos que a Ortodontia era uma especialidade médica embasada na Biologia. Em quase todos os departamentos de Ortodontia havia nomes de grande peso, que tínhamos como exemplo. Eles acreditavam que o lugar da Ortodontia era a universidade. Exauriam-se nos meandros da pesquisa ortodôntica, contribuindo substancialmente com a literatura. Ainda que não se tivesse bastante clareza sobre a aplicação de tudo aquilo, presumíamos que do acúmulo de informações emergiriam conceitos importantes para o avanço da prática ortodôntica, realçando sua reputação de "especialidade do homem pensante". Nessas circunstâncias, sempre houve aqueles que se sentiram atraídos pelo desafio de produzir e cultivar conhecimentos - o verdadeiro papel do acadêmico.

Em meu caso específico, fui inspirado por Robert Moyers de Michigan e James Scott da Queen's University em Belfast, Irlanda. A perspectiva de perda financeira associada à carreira acadêmica pouco significava para mim. Claro que essa minha falta de "ambição" corrobora a ideia de que acadêmicos costumam ser, na verdade, bastante egoístas. Comparado ao entusiasmo de uma carreira em pesquisa, dinheiro era uma preocupação secundária; minhas pesquisas, contudo, não foram tão empolgantes para minha família que, sem dúvida, poderia ter sido mais bem servida em termos de meus ganhos, meu tempo e atenção.

Em seu ensaio "When everything works, nothing matters", o senhor diz que "nossas maiores controvérsias são imortais". Quais seriam essas controvérsias? O senhor também afirma que "na realidade, não queremos que elas sejam resolvidas". Por quê? Há alguma nova "controvérsia imortal" no horizonte?

A existência de Deus, por exemplo, é uma controvérsia imortal. Você acredita que os líderes religiosos do mundo estariam ávidos por ouvir alguma inteligência superior extraterrestre definir se Deus existe ou não e qual religião, se alguma, aproxima-se da Fé Verdadeira? Duvido. Creio que um raciocínio similar é aplicável à Ortodontia. Tanto hoje quanto num futuro próximo, as maiores controvérsias na área, pelo menos em teoria, são as extrações, o "crescimento maxilar" e a relação entre Ortodontia e DTM (Digo "em teoria" porque acredito que a literatura atual contém evidências suficientes para esclarecer as três questões). Não queremos que sejam resolvidas porque uma resposta definitiva exporia alguns tratamentos - e alguns tratamentos "populares" - como sendo inferiores. Uma vez que muitos consultórios bem-sucedidos baseiam-se em "filosofias" de tratamento que não resistiriam a uma pesquisa séria ou até mesmo a um exame superficial da literatura, é mais fácil fingir que o "veredito ainda não saiu", não importa qual. Resumindo, a suposta falta de evidências em ambos os lados ("simplesmente, não se sabe") perpetua a licença para se tratar do modo que se quiser.

Esse medo aparente de se chegar a um consenso inflamou uma controvérsia talvez ainda mais significativa: hoje em dia, os tratamentos devem basear-se em evidências? Surpreendentemente, a discussão gira em torno da necessidade de evidências, e não da evidência em si. Essa controvérsia básica ameaça o status da Ortodontia como uma vocação adquirida. Então, aqui está o problema tal como o enxergo:

1) Tratamento baseado em evidências nada vai acrescentar ao resultado final. Na verdade, pode até aumentar os custos.

2) Tratamento baseado em evidências provavelmente levará a um resultado melhor, não importa como esse "melhor" é definido.

3) O paciente, entretanto, muito raramente vai notar a diferença.

Então, qual é a resposta da especialidade? Se ninguém morre por perda de ancoragem, se tudo funciona suficientemente bem para pagar as contas, a prática da Ortodontia representa um teste interessante de ética e determinação pessoal do especialista.

Em uma de suas aulas na Saint Louis University, o senhor disse que, se fosse pedido a cada um de nós (os 14 alunos ali presentes) que fizesse um plano de tratamento para um determinado paciente, teríamos 14 planos diferentes, mas somente um deles seria o melhor para aquele paciente. Se tudo funciona, como ter certeza de qual é o melhor tratamento?

É uma pergunta interessante. Claramente, o "melhor" pode ser definido de várias maneiras: mais estável, mais atraente (visto, digamos, sob a óptica de observadores contemporâneos), menos doloroso, mais barato, etc. Observe que essas definições têm como base o paciente. Hoje em dia, é comum definir "melhor" do ponto de vista do ortodontista: mais rápido, mais popular (entre dentistas que encaminham pacientes), mais fácil, etc. Dada a multiplicidade de definições do que é "melhor" (muitas das quais mutuamente se excluem), o truque seria determinar quais delas são adequadas para um determinado paciente. Considerando-se que o tratamento é um jogo de azar, tanto sob a óptica do paciente quanto a do ortodontista, os preceitos da teoria do jogo teriam de ser utilizados: sob o ponto de vista de qualquer definição de "melhor", qual tratamento tem o maior ganho "esperado"? A muito criticada demanda por tratamento baseado em evidências possivelmente levaria a pesquisas cujos resultados respaldariam decisões corretas e individualizadas de plano de tratamento.

A seu ver, quais são os avanços mais significativos em nosso campo nos últimos 50 anos?

Numa única palavra: materiais. Empatados em segundo lugar vêm os aparelhos pré-ajustados e a colagem direta (uma bênção de "dois gumes", visto que o uso de bandas era um impedimento forte para o tratamento compreensivo por não especialistas). A importância real dos mini-implantes ainda está por ser esclarecida. Nosso desafio será, então, o de definir onde é que queremos os dentes de cada paciente individualmente. Se isso for verdade, o plano de tratamento torna-se de novo uma parte importante do dia a dia do clínico, talvez prenunciando uma nova "Época de Ouro", que nada teria a ver com dinheiro.

Que futuro o senhor antevê para nossa especialidade? Os avanços tecnológicos vão tornar obsoleto o ortodontista?

Não sou um ortodontista ludita, ou seja, não temo nem abomino a tecnologia. Não acredito que os avanços tecnológicos vão tornar o clínico obsoleto; a tecnologia, no entanto, parece ter um efeito de distanciar o ortodontista do paciente. Aparelhos CAD-CAM, telerradiografias traçadas por assistentes, marketing via internet e uma crença cada vez maior num único tipo de tratamento (por exemplo, não extracionista que "cresce osso") vão alterar o status do ortodontista. Se nossa confiança na tecnologia for cega e descuidada, não é o caso de nos tornarmos arcaicos. Em vez disso, não haverá mais distinção entre os tratamentos feitos por ortodontistas e por não especialistas que empreguem as mesmas tecnologias. A Ortodontia por ortodontistas deixará de ser especial.

O senhor está desapontado com os caminhos da Ortodontia contemporânea? E os caminhos da formação ortodôntica?

Na verdade, acho que seria presunção de minha parte fazer um julgamento da evolução da especialidade: ela é o que é. Queria, porém, que houvesse mais sede por evidências, que são o verdadeiro produto da Ortodontia acadêmica. Se os clínicos quisessem que sua prática diária fosse baseada em evidências, não teríamos problemas em preencher os quadros dos nossos departamentos. Na minha experiência, não é por "preguiça" nem por "mão ruim" que as pessoas se voltam para a docência, mas pelo desafio de produzir conhecimento novo. Apesar de haver, obviamente, mais do que pesquisa no trabalho acadêmico, a universidade atrai um tipo de gente capaz de sobreviver num ambiente de dedicação exclusiva e, ao mesmo tempo, ser um professor bem-sucedido, exemplo e líder na especialidade.

Que conselho o senhor daria a um recém-graduado em Ortodontia que, lendo seu ensaio, entende sua vontade de ir para a prática privada, mas, ainda assim, quer ir para a academia? Como é que se torna um acadêmico de verdade, não simplesmente um professor?

Quando comecei na academia há quase 50 anos, pesquisa me parecia um jogo divertido. Além disso, acreditava que haveria "mercado" para as minhas descobertas. Afinal de contas, pensava, os clínicos não haveriam de querer saber o que funciona, o que não funciona e por quê? Para me preparar, procurei o doutorado (seis anos, dedicação exclusiva - nesse processo, a maioria não sabia nem que eu era dentista, muito menos que era ortodontista). Quando terminei e comecei a carreira acadêmica, logo descobri que meus colegas na prática privada, ao contrário do que antes supunha, não estavam ávidos por se guiar por evidências. Em outras palavras, no "jogo" da pesquisa, os especialistas não estavam anotando o placar para decidir que ideias, hipóteses, dados, etc. ganhavam. Quando me dei conta disso, a pesquisa tornou-se um jogo mais meu, cujo placar eu anotava. Por exemplo, creio entender como é controlado o crescimento mandibular e como funcionam os aparelhos funcionais. Assim, no meu marcador pessoal, ganhei nesses dois jogos, mas não acredito que, na especialidade, muitos tenham dado atenção às minhas "explicações". No lado positivo, tenho sido bem tratado por colegas, mesmo por aqueles que não consideram meu trabalho particularmente importante. Tive inúmeras turmas de residentes talentosos e bem-sucedidos. Tive a honra de lecionar em três grandes universidades. Estou contente com minha carreira; não mudaria nada. A Ortodontia, contudo, era muito diferente quando tomei as decisões sobre minha carreira. E quanto aos graduados de hoje?

Se você se interessa por pesquisa e está disposto a se preparar para ser um cientista de verdade (esse é um passo importante), se não está em busca constante de reconhecimento do grande público, vale considerar a carreira acadêmica. O trabalho consome horas e horas, mas é interessante e desafiador. Você trabalha com colegas do mundo inteiro e interage com gerações de alunos talentosos. Você tem oportunidade de trazer contribuições reais para a especialidade. Por fim, ao contrário do que se pensa, você não vai passar fome. Para aqueles que têm vocação, é uma vida ótima.

Como podemos, objetivamente, melhorar a formação do ortodontista?

Acho que a resposta é simples, embora não seja fácil: se a especialidade realmente valoriza a pesquisa - uma parte importante do trabalho de um acadêmico sério com dedicação exclusiva -, sempre haverá aqueles que vão se dedicar à carreira universitária, preparando-se convenientemente para isso. Parafraseando o filme "Campo dos sonhos", se você procurar evidências, "elas" virão. Se a especialidade não se importa, não há solução efetiva. Afinal de contas, sempre haverá um bom mercado para "dentes certos".

O que primeiro o atraiu na Ortodontia e ainda hoje lhe suscita o mesmo apelo?

Cresci num cidadezinha (2.000 habitantes) no norte de Michigan. Por ali não havia ortodontistas num raio de 100 milhas; no entanto, um ortodontista de Detroit veraneava numa cidade próxima e realizava tratamentos que, segundo ele, pudessem ser feitos num único verão. Aos 12 anos, eu tinha mordida cruzada em dois segundos molares. O ortodontista, então, cimentou duas bandas, me deu um pacote de elásticos e cobrou do meu pai uns US$100. O tal tratamento não me pareceu muito difícil e, em 1949, US$100 era muito dinheiro. Para um jovem de uma numa zona rural isolada, aquilo pareceu uma coisa assustadoramente rentável. Com o passar dos anos, meus objetivos foram se distanciando do fator dinheiro, mas bem que começaram muito semelhantes aos de 99% dos que buscam a especialidade. Como nunca tirei uma nota B no colégio nem na universidade, tinha a opção de seguir a carreira que quisesse. A parte menos complicada foi entrar na Odontologia e, depois, na Ortodontia. Com o passar do tempo, comecei a interagir com Robert Moyers e Jimmy (James) Scott (Belfast) e, talvez por osmose, me interessei pela academia. Daí, quase que completamente por acidente, tornei-me diretor do programa da Case Western Reserve apenas seis meses após terminar meu PhD. Desde então, minha carreira transcorreu de maneira ordenada.

Se minha versão de Ortodontia ainda tem apelo para mim? Visto ter tido uma carreira bem-sucedida, a resposta seria "sim" - porque, afinal, ainda é uma "especialidade do homem pensante".

Enviado em: 19 de setembro de 2011

Revisado e aceito: 26 de outubro de 2011

Cristiana (Kika) Vieira de Araújo

» Mestre e Especialista em Ortodontia pela Saint Louis Universty.

» Professora da Especialização em Ortodontia e Diretora do Programa de Fellowship em Ortodontia e Pesquisa Clínica da Jacksonville University School of Orthodontics.

  • Endereço para correspondência
    Lysle E. Johnston Jr.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011
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