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Avaliação cefalométrica dos resultados do aparelho de protração mandibular (APM) associado ao aparelho fixo em relação às estruturas dentoalveolares e tegumentares em pacientes portadores de má oclusão de Classe II, 1ª divisão

Resumos

OBJETIVO: avaliar cefalometricamente as alterações tegumentares e dentoalveolares em jovens brasileiros portadores de má oclusão de Classe II, 1ª divisão, tratados com APM associado à Ortodontia corretiva fixa. MÉTODOS: a amostra consistiu-se de 28 pacientes (16 do sexo feminino e 12 do sexo masculino), com idade média de 13,06 anos, tratados por um período médio de 14,43 meses. As alterações foram medidas em 56 cefalogramas específicos, obtidos das telerradiografias laterais feitas antes e após o tratamento, por dois examinadores calibrados para identificar as alterações tegumentares e dentoalveolares, utilizando-se grandezas cefalométricas lineares e angulares. As variáveis independentes (sexo, idade, padrão facial, tipo de APM, arco, técnica e tempo de tratamento) foram consideradas e analisadas com as grandezas cefalométricas lineares e angulares. As respostas ao tratamento foram analisadas e comparadas pelos testes Wilcoxon Signed Ranks e Mann-Whitney para um nível de significância de 5%. RESULTADOS: os resultados mostraram mudanças dentoalveolares de grande magnitude, provocando, assim, mudanças favoráveis no tecido mole. Observou-se, ainda, que as variáveis idade, tipo de APM e técnica utilizada influenciaram no tratamento. CONCLUSÕES: o APM mostrou-se uma alternativa eficaz para o tratamento da má oclusão de Classe II, 1ª divisão, propiciando alterações dentoalveolares e tegumentares com resultados clínicos satisfatórios.

Cefalometria; Aparelho de Protração Mandibular; Má oclusão de Classe II, 1ª divisão; Alterações dentoalveolares e tegumentares


OBJECTIVE: To perform a cephalometric evaluation of dentoalveolar and soft tissue changes in Brazilian youths with Class II, division 1 malocclusion, treated with a mandibular protraction appliance (MPA) combined with fixed corrective orthodontics. METHODS: The sample consisted of 28 patients (16 females and 12 males) with a mean age of 13.06 years, treated for a mean period of 14.43 months. The changes were measured on 56 specific cephalometric analysis obtained from lateral cephalograms taken before and after treatment by two calibrated examiners in order to identify soft tissue and dentoalveolar changes using linear and angular cephalometric measures. The independent variables sex, age, facial pattern, MPA model, archwire, technique and treatment time were registered and analyzed using linear and angular cephalometric measures. Treatment responses were analyzed and compared by the Wilcoxon Signed Ranks and Mann-Whitney tests at a significance level of 5%. RESULTS: The results showed dentoalveolar changes of great magnitude, which caused positive changes in soft tissue. It was also noted that the variables age, MPA model and technique influenced the treatment. CONCLUSIONS: MPA proved to be an effective alternative in the treatment of Class II, division 1 malocclusion, inducing dentoalveolar and soft tissue changes with satisfactory clinical results.

Cephalometry; Mandibular protraction appliance; Class II, Division 1 malocclusion; Dentoalveolar and soft tissue changes


ARTIGOS INÉDITOS

Avaliação cefalométrica dos resultados do aparelho de protração mandibular (APM) associado ao aparelho fixo em relação às estruturas dentoalveolares e tegumentares em pacientes portadores de má oclusão de Classe II, 1ª divisão

Alexandre Magno de Negreiros DiógenesI; Rildo Medeiros MatosoII; Emmanuelle Medeiros de AraújoIII; Kenio Costa LimaIV; Raniere Luiz dos Santos SousaV

IEspecialista em Ortodontia pela ABO-EAP/RN

IIMestre em Ortodontia pela USP. Professor e Coordenador da Disciplina de Ortodontia do Departamento de Odontologia da UFRN. Professor do Curso de Especialização em Ortodontia da ABO-EAP/RN

IIIEspecialista em Ortodontia pela ABO-EAP/RN

IVDoutor em Ciências (Microbiologia Médica) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Programa de Pós-Graduação em Odontologia da UFRN

VEspecialista em Ortodontia pela ABO-EAP/RN

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Alexandre Magno de Negreiros Diógenes Rua Duodécimo Rosado, 322 - Nova Betânia CEP: 59.607-020 - Mossoró / RN E-mail: clinicaalexandrediogenes@bol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar cefalometricamente as alterações tegumentares e dentoalveolares em jovens brasileiros portadores de má oclusão de Classe II, 1ª divisão, tratados com APM associado à Ortodontia corretiva fixa.

MÉTODOS: a amostra consistiu-se de 28 pacientes (16 do sexo feminino e 12 do sexo masculino), com idade média de 13,06 anos, tratados por um período médio de 14,43 meses. As alterações foram medidas em 56 cefalogramas específicos, obtidos das telerradiografias laterais feitas antes e após o tratamento, por dois examinadores calibrados para identificar as alterações tegumentares e dentoalveolares, utilizando-se grandezas cefalométricas lineares e angulares. As variáveis independentes (sexo, idade, padrão facial, tipo de APM, arco, técnica e tempo de tratamento) foram consideradas e analisadas com as grandezas cefalométricas lineares e angulares. As respostas ao tratamento foram analisadas e comparadas pelos testes Wilcoxon Signed Ranks e Mann-Whitney para um nível de significância de 5%.

RESULTADOS: os resultados mostraram mudanças dentoalveolares de grande magnitude, provocando, assim, mudanças favoráveis no tecido mole. Observou-se, ainda, que as variáveis idade, tipo de APM e técnica utilizada influenciaram no tratamento.

CONCLUSÕES: o APM mostrou-se uma alternativa eficaz para o tratamento da má oclusão de Classe II, 1ª divisão, propiciando alterações dentoalveolares e tegumentares com resultados clínicos satisfatórios.

Palavras-chave: Cefalometria. Aparelho de Protração Mandibular. Má oclusão de Classe II, 1ª divisão. Alterações dentoalveolares e tegumentares.

INTRODUÇÃO

A má oclusão de Classe II, 1ª divisão de Angle, apresenta alta prevalência em crianças brasileiras, revelando-se em 55% dos portadores de má oclusão1. Ela se caracteriza pela desarmonia sagital das bases ósseas, podendo estar relacionada à presença isolada ou à combinação de prognatismo maxilar e retrognatismo mandibular, sendo o retrognatismo mandibular um dos maiores responsáveis por essa má oclusão23,26.

Nas últimas décadas, muitos pesquisadores começaram a desenvolver aparelhos ortopédicos intrabucais fixos para corrigir as más oclusões de Classe II com retrognatismo mandibular. Esses dispositivos promovem uma alteração da postura da mandíbula, posicionando-a para a frente, gerando forças que são transmitidas aos dentes e ao osso basal, resultando na correção do problema, como é o caso do Herbst15-21.

Devido à dificuldade de importação, à inexistência de laboratórios especializados, ao alto custo e à dificuldade de instalação da maioria desses aparelhos, Coelho Filho3,4 sentiu-se estimulado a idealizar o Aparelho de Protração Mandibular 1, ou APM 1, como alternativa ao Herbst18,19. Nos artigos sobre esse assunto3,4, o autor cita como vantagens do APM, em relação ao Herbst: a fácil confecção e instalação, o baixo custo e, por ser menos volumoso, torna-se mais confortável para o paciente.

O APM 17,8 era confeccionado com fio 0,032" (0,9mm), no qual eram feitos dois pequenos loops que ficavam limitados entre o tubo do extrabucal e a dobra distal ao canino do arco mandibular.

Apesar de ser efetivo, a impossibilidade de colagem nos pré-molares, a limitação de abertura bucal e as quebras frequentes levaram o autor a desenvolver a segunda versão3,4,9. Essa nova versão era composta por dois segmentos de arco 0,032" com loops nas extremidades e uma mola de secção aberta, que tinha a finalidade de manter a relação correta entre os segmentos de arco, permitindo uma maior amplitude de abertura bucal e a colagem de braquetes nos pré-molares.

Coelho Filho3 ilustrou nessa publicação quatro casos clínicos, de pacientes portadores de má oclusão de Classe II com retrognatismo mandibular, tratados durante a fase de crescimento com aparelho fixo e APM. Dentre as alterações ocorridas, destacaram-se as de ordem dentoalveolar, com inclinação lingual dos incisivos superiores; no entanto, foram também observadas alterações esqueléticas, como o aumento do comprimento mandibular e do ramo ascendente, resultando na diminuição da convexidade facial, melhora no perfil tegumentar e diminuição do trespasse horizontal.

Com o objetivo de solucionar algumas limitações das versões anteriores, o autor desenvolveu o APM 3, com características bastante diferentes5,6.

No APM 3 eram utilizados tubos telescópicos de aço inoxidável, dentro dos quais corria uma haste de fio 0,9mm. Isso permitiu maior estabilidade ao aparelho nos movimentos de abertura e fechamento da boca, além da facilidade na instalação; no entanto, a confecção tornou-se mais criteriosa e, consequentemente, mais complexa.

Entre os anos de 2001 e 2002, Coelho Filho9,10,11,13 modificou o APM 3, com um novo desenho na adaptação do tubo telescópico intermaxilar ao arco superior, conferindo maior estabilidade ao aparelho durante os movimentos de abertura e fechamento da boca. Essa nova versão9,10,11,13, chamada APM 4, superou todos os aparelhos anteriores no que se refere à resistência à quebra, à facilidade de instalação e confecção. O autor11,13 destacou que essa versão mostrou eficácia clínica, quanto aos resultados finais, semelhante à dos modelos anteriores, já que os princípios mecânicos eram os mesmos.

Dessa forma, o presente trabalho - através de telerradiografias em norma lateral de pacientes portadores de má de oclusão Classe II, 1ª divisão, tratados com APM associado ao aparelho ortodôntico fixo, durante a fase de crescimento ativo - analisa e determina as alterações dentoalveolares e tegumentares, relacionando-as com as variáveis independentes (sexo, idade, padrão facial, tipo de APM, arco, técnica e tempo de uso).

MATERIAL E MÉTODOS

Esse estudo trata-se de um ensaio clínico não controlado e não randomizado de uma amostra constituída por 56 telerradiografias em norma lateral (28 telerradiografias iniciais e 28 finais), de 28 pacientes brasileiros portadores de má oclusão de Classe II, 1ª divisão de Angle - 12 do sexo masculino e 16 do sexo feminino, com idade média de 13,06 anos ao início do tratamento -, tratados por um período médio de 14,43 meses com aparelho de protração mandibular (APM) associado ao aparelho ortodôntico fixo. Todos os pacientes foram tratados na clínica particular do Prof. Carlos Martins Coelho Filho em São Luís/MA. Os critérios de inclusão adotados foram: má oclusão de Classe II, 1ª divisão de Angle, com retrognatismo mandibular, avaliada por meio de fotografias e modelos de estudo; e telerradiografias com boa visualização das estruturas de interesse. Foram excluídos os pacientes que: apresentavam agenesias, extrações ou perdas de dentes permanentes; utilizaram apenas o APM no tratamento da má oclusão de Classe II, 1ª divisão de Angle; apresentavam trespasse horizontal acentuado.

Para a coleta dos dados, foi empregada uma ficha clínica onde sete variáveis foram observadas: idade do paciente, sexo, padrão facial (dolicofacial, mesofacial e braquifacial, sendo esse último excluído durante a seleção da amostra, em virtude de apenas um caso se encaixar nesse tipo facial, o que poderia ocasionar um resultado estatístico com maior margem de erros), modelos de APM (tipos 1, 2, 3 e 4), tempo total de uso do aparelho, arco usado durante a terapia com APM (aço 0,019" x 0,025", 0,021" x 0,025" ou 0,018" x 0,025"), além da técnica utilizada (Edgewise ou Straight-Wire).

Foram usadas como instrumentos de pesquisa 56 telerradiografias cefalométricas em norma lateral, obtidas em dois tempos: antes do início do tratamento (T1) e após o término do tratamento (T2). Todas as telerradiografias utilizadas nesse estudo foram feitas com um aparelho de raios X Funk Orbital X15, com fator de magnificação de 9%, e executadas por um mesmo operador.

Sobre cada telerradiografia foi adaptada uma folha de papel Ultraphan, fixada por meio de uma fita adesiva, e traçaram-se as estruturas anatômicas de interesse para a construção do cefalograma. Dois operadores previamente calibrados realizaram esses traçados em uma sala obscurecida, sobre um negatoscópio, para facilitar a visualização das estruturas.

Os examinadores foram calibrados por, aproximadamente, três meses, quando 30 telerradiografias selecionadas aleatoriamente foram traçadas e comparadas até alcançar-se um erro mínimo.

O material usado pelos observadores para a realização do cefalograma constituiu-se de: negatoscópio, folha de papel acetato Ultraphan transparente (Cephalometric Tracing Paper®, GAC) com 0,07mm de espessura e dimensões de 17,5 x 17,5cm, lapiseira Pentel com ponta fina de 0,3mm, template (Tracing Template®, Unitek Corp.), régua milimetrada, fita adesiva, borracha macia e máscara de cartolina preta. Quando visualizadas imagens duplas no desenho anatômico das estruturas ósseas, ambas as imagens eram traçadas e considerava-se uma média na demarcação dos pontos cefalométricos.

A etapa seguinte consistiu em digitalizar as imagens utilizando-se um scanner acoplado a um computador que continha o programa de cefalometria denominado Radiocef Studio® (nº 020576, versão 4.0, release 3, Belo Horizonte/MG), de onde foram obtidos os valores em T1 e T2 e suas respectivas repetições. Os resultados foram armazenados e, posteriormente, submetidos à avaliação estatística.

As alterações das estruturas dentárias e tegumentares foram mensuradas através das grandezas cefalométricas angulares 1.NA (1), 1.NB (2), IMPA (3), ANL (4) e lineares 1-NB (5), 1-FHp (6), 1a-FHp (7), 1-PM (8), 6-PM (9), 6-FHp (10), 6a-FHp (11), Li-Pog'Sn (12), Li-FHp (13), 1-NA (14), 1-FHp (15), 1a-FHp (16), 1-PP (17), 6-PP (18), 6-FHp (19), 6a-FHp (20), Ls-Pog'Sn (21) e Ls-FHp (22).




As grandezas usadas na avaliação do componente dentoalveolar foram: 1.NA (1), 1-NA (14), 1-PP (17), 1-FHp (15), 1a-FHp (16), 6-PP (18), 6-FHp (19), 6a-FHp (20), IMPA (3), 1.NB (2), 1-NB (5), 1-PM (8), 1-FHp (6), 1a-FHp (7), 6-PM (9), 6-FHp (10) e 6a-FHp (11). No perfil tegumentar: ANL (4), Ls-Pog'Sn (21), Li-Pog'Sn (12), Ls-FHp (22) e Li-FHp (13).

RESULTADOS

As alterações dentoalveolares e tegumentares promovidas pelo APM associado ao aparelho ortodôntico fixo foram avaliadas em 28 pacientes portadores de má oclusão de Classe II, 1ª divisão, com idade média de 13,06 anos, tratados em média por 14,43 meses (53,6%). Essas alterações foram medidas em 56 telerradiografias laterais em dois tempos: antes (T1) e após o tratamento (T2).

Com relação ao tipo de APM, a amostra, inicialmente, constituiu-se de quatro grupos de pacientes, que correspondiam aos quatro tipos de APM. No entanto, a frequência do grupo que usou o APM dos tipos 1 e 3 era pequena e estatisticamente discrepante em relação à dos grupos 2 e 4. Por isso, os quatro grupos foram agrupados em dois, sendo o Grupo 3 composto pela soma dos pacientes com APM dos tipos 1 e 2 (46,4%) e o Grupo 4, pela soma dos pacientes com APM dos tipos 3 e 4 (53,6%).

Para a variável tipo de arco usado, observaram-se os seguintes tipos: 0,019" x 0,025" aço (57,1% ou 16 pacientes), 0,021" x 0,025" aço (10,7% ou 3 pacientes) e 0,018" x 0,025" aço (32,1% ou 9 pacientes). Esses dois últimos também foram agrupados, totalizando 12 casos.

A amostra constituiu-se de 57,1% (16 pacientes) de indivíduos do sexo feminino e 42,9% (12 pacientes) do sexo masculino.

Dos três tipos de padrão facial, apenas o mesofacial e o dolicofacial foram analisados. O primeiro tipo representou 64,3% dos pacientes (n=18) e o segundo, 35,7% (n=10).

A técnica Edgewise (Grupo 1) foi usada em 57,1% dos pacientes (n=16) e a técnica Straight-Wire (Grupo 2), em 42,9% (n=12). As medidas 1-NB, Iii-FHp e 6-PP apresentaram diferenças estatisticamente significativas com relação ao grupo que utilizou a técnica Edgewise.

As Tabelas 1 e 2 mostram as grandezas cefalométricas dentoalveolares e tegumentares iniciais (T1) e finais (T2) para os pacientes de ambos os sexos, suas medianas, quartis 25 e 75, e o valor de significância estatística (p), obtido através do Wilcoxon Signed Ranks Test. Os resultados foram considerados significativos a um nível de 5% (p<0,05), tendo, portanto, pelo menos 95% de confiança nas conclusões apresentadas. Nas Tabelas 1 e 2, as medidas cefalométricas dentoalveolares e tegumentares estatisticamente significativas foram: 1.NA, 1.NB, 1-NA, 1-NB, 1-PP, 6-PP, 6-PM, Iii-FHp, Aii-FHp, CMI-FHp, AMI-FHp (Tab. 1), Ls-Pog'Sn, Pog'-FHp e Li-FHp (Tab. 2).

A Tabela 3 demonstra que a variável sexo foi a única que influenciou de forma estatisticamente significativa as medidas cefalométricas 6-PM e AMI-FHp antes do tratamento.

Nas Tabelas 4 e 5, encontram-se os valores de significância da diferença entre as medidas cefalométricas em T1 e T2. Esses resultados mostram inclinação vestibular dos incisivos inferiores, estatisticamente significativa, relacionada à variável independente idade. A variável independente tipo de APM apresentou-se estatisticamente significativa com relação à maior extrusão de incisivos e molares superiores no grupo que usou o APM 1 ou 2. O grupo que usou a técnica Edgewise apresentou medidas estatisticamente significativas com relação à inclinação vestibular dos incisivos inferiores e maior extrusão dos molares superiores.

DISCUSSÃO

A utilização do APM no tratamento da má oclusão de Classe II de Angle tem por objetivo corrigir a relação sagital entre a maxila e a mandíbula, principalmente através de alterações dentoalveolares3-13.

Com o objetivo de avaliar a influência das variáveis independentes sexo, idade, padrão facial, tipo de APM, arco, técnica e tempo de uso na amostra utilizada, compararam-se as médias das diferenças cefalométricas entre T1 e T2 que apresentaram resultados estatisticamente significativos.

Os resultados nessas tabelas demonstram que, para a variável sexo, as medidas 6-PM e AMI-FHp mostraram-se significativas, sendo maior para o sexo feminino do que o masculino. Através dos resultados do teste de significância "p", para evidenciar quais variáveis independentes influenciaram no tratamento (Tab. 5), as grandezas cefalométricas 6-PM e AMI-FHp apresentaram-se estatisticamente significativas no início do tratamento, com suas medidas iguais às suas medianas, o que evidencia que a variável sexo não influenciou no resultado do tratamento, já que as medidas já eram significativas antes do tratamento.

Apenas a medida 1.NB apresentou mediana estatisticamente significativa com relação à variável idade. Os pacientes da amostra com idade menor que 13,06 anos apresentaram uma maior inclinação vestibular dos incisivos inferiores. Esse resultado provavelmente está relacionado à impossibilidade de bandar os segundos molares inferiores, o que reduz a ancoragem. Além disso, outro fator que provavelmente contribuiu para a menor inclinação dos incisivos inferiores no grupo com idade maior que 13,06 anos foi que nesse grupo houve um componente de crescimento mandibular mais acentuado, levando o ponto B a uma posição mais anterior e corrigindo a discrepância esquelética, provocando, consequentemente, uma menor compensação dentária (inclinação dos incisivos inferiores).

No Grupo 4 (APMs 3 e 4), a variável tipo de APM apresentou as grandezas 1-PP e 6-PP com médias estatisticamente significativas entre T1 e T2. Esses resultados ocorreram provavelmente devido ao crescimento e à mecânica extrusiva de alinhamento e nivelamento que antecede o APM. O Grupo 4 apresentou menor extrusão dos incisivos e molares em relação ao plano palatino, provavelmente devido à maior verticalização dos incisivos e à limitação de extrusão do molar superior, relacionadas ao menor índice de quebra nesse grupo.

Evidenciou-se que as medidas cefalométricas 1-NB, Iii-FHp e 6-PP apresentaram diferenças estatisticamente significativas com relação à variável independente técnica (Edgewise) no Grupo 1. Esse resultado provavelmente ocorreu pelo fato do Grupo 1 não utilizar braquetes pré-angulados, acarretando maior inclinação dos incisivos inferiores e consequente protrusão do lábio inferior. No Grupo 2 (técnica Straight-Wire), houve significativamente menor extrusão dos molares superiores, provavelmente devido ao torque palatino de coroa nos molares, posicionando as raízes desses sobre a cortical vestibular e assim adquirindo maior ancoragem22,25. As demais variáveis independentes (padrão facial, arco e tempo de uso) não evidenciaram diferenças estatisticamente significativas.

Objetivando facilitar a interpretação dos resultados obtidos, realizou-se separadamente a discussão das alterações decorridas no componente dentoalveolar maxilar, componente dentoalveolar mandibular e componente tegumentar.

Componente dentoalveolar maxilar

As forças do APM utilizado na pesquisa são exercidas por meio de estruturas dentárias e, assim, esperava-se efeitos dentoalveolares significativos. O componente dentoalveolar maxilar foi avaliado por meio das grandezas 1.NA, 1-NA, Iis-FHp, Ais-FHp, 6-PP, CMS-FHp, 1-PP, AMS-FHp (Tab. 1). A avaliação do posicionamento e da inclinação dos incisivos superiores (1.NA, 1-NA, Iis-FHp) revelou uma acentuada inclinação para lingual, sendo estatisticamente significativa para as grandezas 1.NA e 1-NA e sem significância estatística nas medidas Iis-FHp e Ais-FHp concordando com Coelho Filho3-13, Siqueira24 e White27. Os resultados demonstraram que houve distalização de pequena magnitude nos molares superiores, demonstrada pelas grandezas CMS-FHp e AMS-FHp, embora sem significância estatística. A avaliação das medidas 6-PP e 1-PP denotou extrusão dos molares e incisivos superiores estatisticamente significativa. Isso ocorreu, provavelmente, devido ao crescimento do osso alveolar2,14 e ao fato da mecânica de alinhamento e nivelamento que antecede o uso do APM ser extrusiva. O uso do APM provavelmente não está relacionado com a extrusão dos molares e incisivos, pois, segundo Coelho Filho13, esse aparelho gera força intrusiva e distal que favorece seu uso em pacientes Classe II com ângulo do plano mandibular alto.

Componente dentoalveolar mandibular

Foi avaliado através das grandezas 1.NB, 1-NB, IMPA, Iii-FHp, 1-PM, Aii-FHp, 6-PM, CMI-FHp e AMI-FHp (Tab. 1). No entanto, a maioria das medidas que avaliaram a posição dos incisivos inferiores (1.NB, 1-NB, Iii-FHp, Aii-FHp) demonstrou vestibularização e protrusão significativas desses dentes, com exceção do IMPA que, apesar de ter aumentado, não apresentou significância estatística. O IMPA obteve esse resultado provavelmente porque durante o tratamento existiu aposição óssea no plano mandibular2,14. As medidas relacionadas à avaliação do posicionamento dos molares inferiores (CMI-FHp, AMI-FHp, 6-PM) denotaram mesialização e extrusão significativas desses dentes. Concordando com os resultados obtidos nessa pesquisa, Siqueira24 aludiu que esses efeitos ocorrem provavelmente devido ao sentido de orientação da força promovida pelo aparelho, em decorrência da limitação do desenvolvimento vertical dos molares superiores. Acredita-se, também, que a mecânica de alinhamento e nivelamento que antecede o uso do APM contribui na extrusão dos molares inferiores. A avaliação do grau de intrusão dos incisivos inferiores, apresentado pela medida 1-PM, mostrou pequena intrusão desses dentes, embora sem significância estatística. Esse valor diminuído pode ser explicado pela protrusão dos incisivos inferiores, diminuindo a distância da borda incisal desses dentes ao plano mandibular.

Componente tegumentar

Foi analisado por meio das medidas cefalométricas ANL, Ls-Pog'Sn, Li-Pog'Sn, Pog'-FHp, Ls-FHp, Li-FHp (Tab. 2). Apesar de o ângulo nasolabial ter aumentado, não houve diferença estatisticamente significativa. No entanto, avaliando-se o lábio superior, as duas medidas estudadas (Ls-Pog'Sn e Ls-FHp) evidenciaram que esse lábio foi retraído, acompanhando a retrusão e inclinação lingual dos incisivos superiores, embora apenas a grandeza Ls-Pog'Sn tenha demonstrado diferença estatisticamente significativa. Esse fato provavelmente está relacionado à aposição óssea no pogônio2,14 e à posição mais anterior da mandíbula no final do tratamento. De acordo com Coelho Filho3-13 e White27, as alterações dentoesqueléticas promovidas pelo uso do APM evidenciam mudanças favoráveis no tecido mole, como a retração do lábio superior, melhorando o perfil tegumentar dos pacientes. O lábio inferior foi analisado pelas grandezas cefalométricas Li-Pog'Sn, Li-FHp e Pog'-FHp, observando-se diferenças entre T1 e T2. As medidas Li-Pog'Sn e Li-FHp demonstraram a protrusão do lábio inferior decorrente da grande vestibularização e protrusão dos incisivos inferiores ao término do tratamento ortodôntico, embora somente as medidas Li-FHp e Pog'-FHp tenham sido significativas estatisticamente. Convém ressaltar que a medida Pog'-FHp está relacionada à aposição óssea do pogônio2,14 e à posição mais anterior da mandíbula ao final do tratamento.

No entanto, esses achados não podem ser totalmente conclusivos, devido a limitações desse estudo, dentre as quais o pequeno número da amostra, a ausência de um grupo controle e o fato dos pacientes não terem sido alocados aleatoriamente. Dessa forma, mais trabalhos, com uma amostra maior, precisam ser realizados, visando avaliar a influência das variáveis independentes e comparar seus resultados com os de um grupo controle.

CONCLUSÕES

Com base nos métodos empregados e nos resultados obtidos, conclui-se que o tratamento com APM associado ao aparelho ortodôntico fixo para correção da má oclusão de Classe II, 1ª divisão, proporciona mudanças dentoalveolares em grande magnitude, sendo resumidas em:

1. Componente dentoalveolar maxilar: ocorreu retrusão e grande inclinação lingual dos incisivos superiores.

2. Componente dentoalveolar mandibular: verificou-se protrusão e vestibularização dos incisivos inferiores, além da mesialização e extrusão dos molares inferiores.

3. Componente tegumentar: as alterações dentoalveolares influenciaram positivamente, de modo significativo, o perfil tegumentar dos pacientes.

As variáveis independentes estudadas que apresentaram-se estatisticamente significativas foram:

1. Idade: houve maior inclinação dos incisivos inferiores no grupo com idade menor que 13,06 anos.

2. Tipo de APM: constatou-se menor extrusão de incisivos e molares superiores no grupo com uso dos APMs 3 e 4, devido à sua maior efetividade.

3. Técnica: verificou-se maior inclinação vestibular dos incisivos inferiores e maior extrusão nos molares superiores no grupo que utilizou braquetes da técnica Edgewise.

Enviado em: 26 de agosto de 2008

Revisado e aceito: 21 de abril de 2009

» Os autores declaram não ter interesses associativos, comerciais, de propriedade ou financeiros, que representem conflito de interesse, nos produtos e companhias descritos nesse artigo.

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  • Endereço para correspondência
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Aceito
      21 Abr 2009
    • Recebido
      26 Ago 2008
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