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O clínico e a evidência científica

EDITORIAL

O clínico e a evidência científica

A ciência não é uma ilusão, mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro lugar o que ela não nos pode dar. (Sigmund Freud)

Percebe-se certo distanciamento entre o formato das pesquisas publicadas e a linguagem empregada entre clínicos. Não à toa, clínicos preferem publicações de casos, deixando para segundo plano artigos de pesquisa repletos de metodologia e suas terminologias embaraçadas. A linguagem e a imagética de casos estão arraigadas no dia a dia e têm a aurora da objetividade, por isso embebem. Ao passo que o rigor científico tem o embaço da metodologia, por isso entedia. "Narciso acha feio o que não é espelho", entoaria o bom baiano, como metáfora.

A ciência requer sistematização de métodos aos quais os clínicos não estão algemados, afeitos. Não obstante, muitos sequer foram apresentados a esses métodos e tampouco tiveram qualquer contato com o desenho dos estudos científicos durante a graduação — pobre graduação —, e isso acaba virando estorvo ao se transformar num roteiro farpante, espinhoso, claudicante. Enquanto nada ocorrer na base, a discussão sobre prática clínica baseada em evidência científica despertará o interesse de poucos quando estiverem no topo do exercício profissional. A universidade, berço da formação, tem, timidamente, se curvada à necessidade de diminuir essa distância. O caminho, a nosso ver, é corrigir a assimetria e aproximar os graduandos da pesquisa aplicada. Acredita-se que somente dessa forma os futuros profissionais conseguirão entender os motivos de se conferir a uma revisão sistemática estrondo bem maior do que à publicação de casos clínicos. A questão é como definir tal importância se não sabemos, sequer, o que é uma revisão sistemática e seu modus operandi?

Recentemente, o Prof. Flores-Mir — chefe do departamento de Ortodontia da Universidade de Alberta-Canadá e recentemente entrevistado nesse periódico1 — referiu que seus alunos, desde a tenra graduação, aprendem o passo a passo da construção de uma revisão sistemática. Esse modelo de publicação é extremamente interessante e importante para o processo de educação continuada dos clínicos. Mas como ler se mal entendemos o processo de construção dos artigos? Como valorizar se, ao tentarmos a leitura, o verbo parece escrito em linguagem javanesa num futuro-do-pretérito alhures, onde o método parece mais importante do que os resultados. Convenço-me de que devemos mudar os formatos das publicações científicas. Essa ruptura é para dar menor valor à metodologia, empurrando-a para o final do manuscrito.

Mesmo na ciência, as mudanças são lentas e precisam ser sabatinadas pelos pares, por isso demoram. No entanto, vejo na Ortodontia brasileira atitudes interessantes em direção ao epicentro da questão. Tenho sido convidado para explanar, em cursos de educação continuada, sobre o processo de formação do conhecimento científico e o porquê da credibilidade maior a alguns formatos de pesquisa ou tipos de estudos. O objetivo principal desses conclaves é fornecer ao clínico a áurea informação que o destine a ter maior chance de sucesso diante de determinado caso. Em maio próximo, a Associação Paranaense de Ortodontia realizará um evento delineado para orientar o clínico sobre a importância da evidência científica para a prática diária: um louvável desafio capitaneado pelo Prof. Alexandre Moro. A Dental Press, em seu curso visando à excelência, vem realizando processo semelhante. Vale conferir.

Como partícipe do processo de desenvolvimento da ciência ortodôntica nacional, coadunando com a necessidade de levar ao clínico um melhor entendimento do desenvolvimento da pesquisa científica, o Dental Press Journal of Orthodontics iniciará, a partir do segundo semestre de 2013, uma coletânea de pequenos artigos abordando as diversas faces da ciência ortodôntica aplicada à clínica. A seção será coordenada pela nossa editora-associada, Profa. Dra. Fernanda Angelieri. Diversos pesquisadores serão convidados para tentar estreitar a linguagem entre a Ortodontia científica e a clínica ortodôntica. A ideia é tornar a metodologia científica palatável, na tentativa de elevar a lógica do filósofo austríaco Wittgenstein, quebrando, assim, os cacos de vidro sobre os muros da linguagem, para romper as fronteiras do universo.

David Normando

editor-chefe (davidnormando@hotmail.com)

  • 1. Flores-Mir C. Interview. Dental Press J Orthod. 2012 Nov-Dec;17(6):13-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 2013
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