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A pandemia do COVID-19 revelando oportunidades e desafios na formação em Ortodontia

A pandemia do COVID-19 desestruturou todos os aspectos da sociedade, e a maioria das profissões teve que se adaptar rapidamente às novas circunstâncias, sendo afetadas em diferentes níveis, de acordo com as demandas específicas de controle da contaminação. Nos EUA, bem ao início da pandemia, a OSHA (Occupational Safety and Health Administration) classificou a Odontologia como de muito alto risco, já que dentistas, funcionários e pacientes estão expostos a procedimentos que geram aerossol. Evidentemente, esse risco de contaminação não apenas impactou a prática da Ortodontia clínica, mas também a sua formação.

As orientações para as atividades clínicas em Odontologia foram estabelecidas11 Peng X, Xu X, Li Y, Cheng L, Zhou X, Ren B. Transmission routes of 2019-nCoV and controls in dental practice. Int J Oral Sci. 2020;12:9. e, em geral, as medidas tinham o objetivo de evitar rotas de transmissão através de gotículas ou contato direto. As mudanças nos atendimentos clínicos foram dramáticas e afetaram todo o consultório, desde a recepção até a sala de atendimento. E, obviamente, essas medidas tiveram que ser levadas para as clínicas de ensino ortodôntico.

A educação presencial foi completamente interrompida, já que o distanciamento social é fundamental para diminuir o risco de contaminação. O modelo convencional de sala de aula, com professor e alunos, foi provavelmente a primeira coisa a fechar na maioria dos países. O ensino a distância se tornou a principal opção, e muitas faculdades de Odontologia migraram para esse modelo mesmo com muito pouca ou nenhuma experiência. A formação ortodôntica não foi diferente, e parca informação ou orientação estava disponível para a integralização do currículo já em andamento.

Em esforços colaborativos, associações como a Angle East Society e a Angle Society of Europe ofereceram oito semanas de seminários, cada um com uma hora de duração, para alunos de Ortodontia. Mais de 300 cursos de pós-graduação de todo o mundo se inscreveram gratuitamente e seus alunos foram expostos a uma riqueza de conhecimento que não seria alcançável em outras circunstâncias. Esforços individuais também surgiram, como o do Kevin O’Brien e sua análise crítica de artigos, entre tantos outros disponíveis em diversas mídias eletrônicas.

Mesmo assim, a formação em Odontologia enfrenta graves desafios, como os apontados em dois artigos sobre esse assunto publicados recentemente nos EUA22 Iyer P, Aziz K, Ojcius DM. Impact of COVID-19 on dental education in the United States. J Dent Educ. 2002;1-5.,33 Saeed SG, Bain J, KhooE, Siqueira WL. COVID-19: Finding silver linings for dental education. J Dent Educ. 2020 June;1-4., e que podem ser extrapolados para outros países. A maioria das faculdades de Odontologia precisa lidar com suas múltiplas funções na sociedade, que não são limitadas ao ensino, mas incluem o atendimento de pacientes e a pesquisa. O mesmo ocorre na Ortodontia, já que seu treinamento, assim como na maior parte das especialidades odontológicas, é de natureza prática, e uma importante parte da formação é realizada em clínica.

A Association for Dental Education in Europe (ADEE), com o objetivo de conhecer o panorama das primeiras respostas das faculdades de Odontologia da Europa ao COVID-19, enviou um questionário eletrônico para 153 dessas faculdades44 Quinn B, Field J, Gorter R, Akota I, Manzanares MC, Paganelli C, et al. COVID-19: The immediate response of European Academic Dental Institutions and future implications for Dental Education. Eur J Dent Educ. 2020 May. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/eje.12542
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/...
. As respostas foram coletadas entre 25 de março e 5 de abril de 2020, e cobriam as seguintes áreas: atividades clínicas, ensino não-clínico, avaliações, apoio emocional e implicações futuras. Os resultados mostraram que o ensino teórico estava sendo realizado em 90% das escolas. As avaliações foram postergadas em 72% das escolas, uma vez que as avaliações clínicas não poderiam ser realizadas. O bem-estar dos alunos e dos professores foi administrado de maneira central por 50% das escolas, por meio de páginas específicas na internet e reuniões online. Por fim, 90% das escolas acreditam que a crise do COVID-19 irá afetar permanentemente o ensino da Odontologia.

O maior desafio é que a formação ortodôntica depende de uma grande carga de treinamento clínico. Apesar dos avanços tecnológicos incluírem robôs e typodonts eletrônicos, esses instrumentos não são portáteis e não podem ser usados para substituir o treinamento prático na clínica. Além disso, a relação profissional-paciente só pode ser aprendida em um ambiente presencial. Para se conseguir oferecer treinamento clínico nesse momento, modificações nas instalações clínicas serão necessárias, o que demanda um significativo investimento financeiro. Como as atividades clínicas serão mais lentas e envolverão menos pessoas, esse será o obstáculo mais desafiador para que possamos oferecer aos estudantes de Ortodontia a conclusão do seu treinamento sem perda de qualidade.

A pesquisa nunca foi tão valorizada pela sociedade, na busca por uma vacina ou medicação para essa doença55 Artese F. Covid-19: The aftermath for orthodontics. Dental Press J Orthod. 2020;25(2):7-8. No entanto, ela também afetou as pesquisas ortodônticas, especialmente aquelas de natureza clínica. O financiamento das pesquisas e os prazos de bolsas provavelmente não serão estendidos em muitos países, assim como a conclusão dessas atividades como requerimento para o término do curso de pós-graduação. Sem falar do impacto sobre o fomento para pesquisas futuras, e sobre as universidades como um todo, já que muitas dependem das mensalidades.

Apesar do entusiasmo com o fato de que os estudantes de Ortodontia nunca estiveram tão expostos a essa quantidade de teoria, durante o período de isolamento, e do valor que o ensino a distância passou a ter quase que instantaneamente, devido à pandemia, alguns outros desafios estão por vir. Educadores na área da Ortodontia precisam ter muito cuidado com as mudanças nas dinâmicas e recursos de ensino. Apesar de alguns aspectos da educação poderem ser adequadamente substituídos pelo ensino online, as habilidades clínicas precisam ser desenvolvidas e realizadas nos pacientes, o que não se resume apenas à técnica, mas também à relação profissional-paciente. Essa pandemia veio para trazer mudanças definitivas, mas precisamos ter cautela para oferecer substitutos sem afetar a qualidade do ensino. Acredito que uma nova demanda de pesquisa em educação na Ortodontia está a caminho, para que essas mudanças sejam também baseadas em evidências, em vez de se apoiarem apenas na urgência de formar os alunos em treinamento.

Que a excelência na qualidade do ensino possa prevalecer na Ortodontia.

REFERENCES

  • 1
    Peng X, Xu X, Li Y, Cheng L, Zhou X, Ren B. Transmission routes of 2019-nCoV and controls in dental practice. Int J Oral Sci. 2020;12:9.
  • 2
    Iyer P, Aziz K, Ojcius DM. Impact of COVID-19 on dental education in the United States. J Dent Educ. 2002;1-5.
  • 3
    Saeed SG, Bain J, KhooE, Siqueira WL. COVID-19: Finding silver linings for dental education. J Dent Educ. 2020 June;1-4.
  • 4
    Quinn B, Field J, Gorter R, Akota I, Manzanares MC, Paganelli C, et al. COVID-19: The immediate response of European Academic Dental Institutions and future implications for Dental Education. Eur J Dent Educ. 2020 May. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/eje.12542
    » https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/eje.12542
  • 5
    Artese F. Covid-19: The aftermath for orthodontics. Dental Press J Orthod. 2020;25(2):7-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2020
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