Acessibilidade / Reportar erro

A mediação como forma estratégica de resolução de conflitos em cooperativas agropecuárias

Mediation as a strategic form of conflict resolution in agricultural cooperatives

Resumo

As cooperativas agropecuárias estão sujeitas à chamada Crise do Poder Judiciário, que é marcada pela morosidade dos processos, pelos custos elevados, excessiva burocratização e diversidade de demandas que nem sempre são de domínio do juiz. Por outro lado, a construção cooperada da solução de um conflito é mais coerente com a natureza das cooperativas e sua função social. O objetivo do presente é indicar as vantagens do uso da mediação como forma estratégica de resolução de conflitos em cooperativas agropecuárias. Parte-se da pesquisa jurisprudencial de recursos interpostos no TJPR entre 08/2016 a 08/2017 para demonstrar, em termos quantitativos, que os conflitos levados ao Poder Judiciário, no contexto analisado, não são resolvidos de maneira vantajosa às cooperativas agropecuárias. Em seguida, a partir de uma abordagem teórica e da interrelação entre os temas abordados, busca-se observar as vantagens e desvantagens da mediação aplicada aos conflitos em cooperativas. A pesquisa revelou predominante insurgência pelas cooperativas em relação às decisões a quo, e o alto grau de insucesso quanto às decisões recursais que apresentaram, em sua maioria, resultado desfavorável às cooperativas. Ainda, apontou muitas limitações na judicialização dos conflitos, praticamente eliminadas pela mediação.

Palavras-chave
Mediação; Resolução de Conflitos; Crise do Poder Judiciário; Cooperativas Agropecuárias

Abstract

Agricultural cooperatives are subject to the so-called Crisis of the Judiciary, which is marked by the length of proceedings, high costs, excessive bureaucratization, and diversity of demands that are not always the comprehension of the judge. On the other hand, the cooperative construction of the solution of a conflict is consistent the nature of the cooperatives and their social function. This paper aims to indicate the advantages of using mediation as a strategic form of conflict resolution in agricultural cooperatives. It starts from the jurisprudential research of appeals brought in the TJPR between 08/2016 to 08/2017 to demonstrate, in quantitative terms, that the conflicts brought to the Judiciary, in the analyzed context, are not resolved in an advantageous way to the agricultural cooperatives. Then, based on a theoretical approach and the interrelation between the topics covered, it seeks to observe the advantages and disadvantages of mediation applied to conflicts in cooperatives. The research revealed the predominant insurgence by cooperatives in relation to decisions a quo, and the high unsuccess rate regarding appellate decisions which are mostly unfavorable for cooperatives. Further, it highlights many limitations in taking disputes to court, which are practically eliminated by mediation.

Keywords
Mediation; Conflict Resolution; Crisis of the Judiciary; Agricultural Cooperatives

1 INTRODUÇÃO

As cooperativas possuem uma estrutura muito particular se comparadas a outras formas de organização empresarial, principalmente pelo fato de que a obtenção de lucro não é a sua intenção inicial (Bialoskorski Neto, 1998BIALOSKORSKI NETO, Sigismundo. Agroindústria Cooperativa: um ensaio sobre o crescimento e estrutura de capital. Revista Gestão & Produção. V.5, n.i, p. 60-68, abr. 1998., p. 60).

No entanto, por estarem sujeitas à influência do sistema socioeconômico dominante, elas necessitam de uma atuação equilibrada e simultânea entre as forças social e econômica, para que possam manter os seus objetivos inicialmente propostos, sem serem desvirtuadas e absorvidas, ao mesmo tempo em que se sustentam de forma competitiva no mercado (Hanel, 1994HANEL, Alfred. Dual or Double Nature of Co-operatives. Dalam internasional Handbook of Cooperative Organizations. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1994., p. 271-273).

Também, as cooperativas estão sob influência, ou até mesmo acompanham a inércia do sistema jurisdicional brasileiro, cuja literatura apresenta fatores que apontam um crescente aumento do número de ações judiciais.

Faz-se necessária, portanto, uma atuação equilibrada das cooperativas com relação ao sistema litigioso que, além de envolver altos custos, pode gerar distanciamento entre os cooperados e da função social proposta. Por isso a construção cooperada da solução de um conflito pode ser muito vantajosa em relação àquelas impostas pelos métodos adversariais.

Neste contexto, o presente trabalho justifica-se pela novidade processual trazida pelo Novo Código de Processo Civil Brasileiro quanto ao instituto da Mediação; pela dificuldade enfrentada pelas cooperativas em receber um tratamento judicial adequado face ao desconhecimento por parte dos operadores do direito acerca das peculiaridades deste tipo societário; pela crise que assola o Poder Judiciário brasileiro, em razão do excesso de demandas; pelos prejuízos que as ações judiciais trazem para a imagem do cooperativismo e para os laços que unem cooperativa e cooperado; e, ainda, pela relevância econômica e social das Cooperativas Agropecuárias.

Assim, o objetivo do presente estudo é indicar as vantagens do uso da Mediação como forma estratégica de solução e prevenção de conflitos nas Cooperativas Agropecuárias. Para tanto, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos:

  1. a)

    Demonstrar que os conflitos levados ao Poder Judiciário, no contexto analisado, não são resolvidos de maneira vantajosa ou favorável às cooperativas agropecuárias. Para isso, parte-se da pesquisa jurisprudencial, na instância recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), para verificar, em termos quantitativos, em que medida as cooperativas agropecuárias constam como parte nos recursos interpostos junto ao TJPR no período de 08/2016 a 08/2017 e em que medida tais recursos são julgados favoráveis, favoráveis em parte, ou desfavoráveis às cooperativas agropecuárias.

  2. b)

    Relatar, por meio de uma abordagem teórica, a existência dos conflitos e a mediação como fruto da evolução histórica das tentativas de solucioná-los;

  3. c)

    Descrever o cooperativismo, bem como sua relevância econômica e social, especialmente quanto ao ramo agropecuário;

  4. d)

    Observar, a partir da interrelação entre os objetivos e temas abordados, as vantagens e desvantagens da mediação aplicada aos conflitos em cooperativas.

Assim, pretende-se, ao final, responder ao seguinte questionamento: Quais são as vantagens do uso da mediação como forma estratégica de resolução de conflitos em cooperativas agropecuárias?

2 METODOLOGIA DE PESQUISA

Esta pesquisa é descritiva e exploratória e foi desenvolvida a partir da análise legislativa e bibliográfica sobre o tema, levantando a legislação pertinente, o material disponibilizado na internet, bem como os livros e artigos que identificam as sociedades cooperativas, seus princípios e valores e as técnicas de resolução de conflitos.

Para demonstrar que os conflitos levados ao Poder Judiciário não são resolvidos de maneira vantajosa ou favorável às cooperativas agropecuárias, são coletados dados primários por meio da consulta à jurisprudência relativa às decisões em instância recursal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná a partir do banco de dados disponibilizado na internet1 1 http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia .

Como critérios de busca, foram selecionados os seguintes parâmetros:

  • Data do Julgamento (Início): 01/08/2016

  • Data do Julgamento (Fim): 01/08/2017

  • Data de Publicação (Início): 01/08/2016

  • Data de Publicação (Fim): 01/08/2017

  • Local de pesquisa: em Ambas (na ementa e na íntegra do Acórdão)

  • Critério de Ordenação: decrescente por data de julgamento (padrão)

  • Tipo de Decisão: Acórdão, decisão monocrática

  • Âmbito: Turmas Recursais, 2º Grau

O período de um ano selecionado teve como critério de escolha o tempo disponível para a análise dos dados, considerando-se o volume de ações encontradas como suficientes para o objetivo proposto. Foram encontrados 327.969 registros no período selecionado. Inserindo no Critério de Pesquisa a palavra “cooperativa”, foram encontradas 4.749 decisões. Partiu-se então para o trabalho de selecionar dentre essas decisões, quais envolviam como parte cooperativas agropecuárias, excluindo-se aquelas que estavam sob segredo de justiça, pelo próprio sigilo das informações.

Foram selecionadas 650 decisões, das quais houve a exclusão de cinco, pois as cooperativas agropecuárias figuravam tanto como parte recorrente como recorrida, o que poderia prejudicar a análise dos dados e impossibilitaria a classificação dentro dos critérios estabelecidos.

Das decisões selecionadas, houve a contagem das decisões em que a cooperativa figurava como parte recorrente ou recorrida, e das decisões que foram favoráveis, desfavoráveis ou favoráveis em parte a ela.

Ainda, quanto às ações em que havia recursos recíprocos, ou seja, quando tanto a cooperativa quanto a parte contrária recorreram, optou-se por classificar tais ações apenas quanto ao recurso apresentado pela cooperativa, já que tal critério possui mais relevância para os resultados. Assim, em tais ações, as cooperativas foram classificadas apenas como recorrentes.

A partir dos dados obtidos, foram elaborados gráficos, fazendo-se então a análise comparativa dos dados em relação aos parâmetros obtidos em pesquisa documental.

Este estudo pode ser classificado como uma pesquisa de natureza mista documental e exploratória, com abordagem teórico-empírica e corte transversal. Utilizou-se o método de análise documental focalizado em acontecimentos contemporâneos.

A população pesquisada foram as ações judiciais envolvendo Cooperativas Agropecuárias nas turmas recursas do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, e a amostra utilizada na pesquisa foram as decisões ocorridas no período de 01/08/2016 a 01/08/2017. A amostragem foi não probabilística por julgamento.

3 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

A partir dos dados coletados, pretende-se demonstrar que, no contexto analisado, os conflitos levados ao Poder Judiciário não são resolvidos de maneira vantajosa ou favorável às cooperativas agropecuárias. O presente estudo focou em levantar dados relativos aos recursos interpostos junto ao TJPR, de modo que as decisões em primeiro grau de jurisdição não foram analisadas.

De maneira geral, o recurso é um instrumento processual usado quando se quer modificar uma decisão anterior. Isso significa que se há recursos envolvendo cooperativas agropecuárias como parte recorrente, é porque a decisão anterior não lhes agradou. Pela mesma lógica, se há recursos envolvendo cooperativas agropecuárias como parte recorrida, é porque a decisão anterior não favoreceu a parte contrária.

O gráfico abaixo representa o percentual de casos em que as Cooperativas Agropecuárias do Estado do Paraná figuraram como parte recorrente ou recorrida no período delimitado na pesquisa, do total de 654 recursos analisados:

Gráfico 1
Percentual de casos em que as Cooperativas Agropecuárias do Estado do Paraná figuraram como parte recorrente ou recorrida no período analisado

Da leitura do Gráfico 1, é possível constatar que do total de recursos analisados, 61% foram interpostos pelas cooperativas.

Tendo em vista que não foi o foco do estudo analisar as decisões de primeira instância, não é possível inferir que a maior parte das decisões é desfavorável às cooperativas. Contudo, é possível concluir que a maior parte dos recursos envolvendo cooperativas são interpostos por estas. Partindo-se das premissas anteriormente colocadas, infere-se que as decisões recorridas foram mais desfavoráveis às cooperativas do que às partes contrárias.

Somando-se a isso, observa-se que, conforme representado nos Gráfico 2 e 3 abaixo, a maioria dos recursos analisados teve decisão desfavorável às cooperativas:

Gráfico 2
Percentual de resultados das Decisões em que as Cooperativas Agropecuárias do Estado do Paraná atuaram como Recorrentes no período analisado

Gráfico 3
Percentual de resultados das Decisões em que as Cooperativas Agropecuárias do Estado do Paraná atuaram parte no período analisado

Com base na leitura do Gráfico 2, é possível concluir que o êxito é baixo quando as cooperativas interpõem recurso das decisões a quo. Isso significa dizer que, embora altos os custos envolvidos, o tempo gasto, o desgaste das relações, não houve, ao final, em 74% dos casos analisados, êxito para a cooperativa na disputa judicial, que lhe causou apenas prejuízos.

No mesmo sentido, observa-se da leitura do Gráfico 3, que do total de recursos interpostos envolvendo cooperativas agropecuárias como parte recorrente ou recorrida no período analisado, 52% tiveram decisão desfavorável às cooperativas.

Além disso, é importante destacar que a necessidade de interposição de recurso implica a demora crescente e a elevação de custos para a resolução da lide, já que é necessário aguardar novo julgamento, arcar com os honorários de advogados e custas processuais, além dos prejuízos indiretos decorrentes da demora na solução do litígio. Ressalte-se, ainda, que tais decisões não implicam necessariamente o fim da discussão, já que cabem novos recursos às instâncias superiores.

Isso revela que nas ações em as cooperativas agropecuárias foram parte no último ano, tanto como recorrente quanto como recorrida tiveram em sua maioria, resultado desfavorável a elas. Portanto, fica demonstrado que os conflitos levados ao Poder Judiciário, no contexto analisado, não são resolvidos de maneira vantajosa ou favorável às cooperativas agropecuárias.

4 MÉTODOS CONSENSUAIS E ADVERSARIAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

O Brasil tem experimentado, ao longo dos últimos anos, um crescente aumento do número de ações judiciais. Esse aumento está relacionado a diversos fatores, entre os quais as facilidades do acesso à justiça; a popularização do conhecimento acerca do Direito; o endereçamento ao Judiciário de casos que facilmente poderiam ser resolvidos por outros meios; a informatização dos processos judiciais; a dinamicidade da vida moderna; o oportunismo dos litigantes; etc. (Bacellar, 2012BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 22-23).

Esses fatores acarretam a chamada Crise do Poder Judiciário, marcada pela morosidade dos processos, pelos custos elevados, excessiva burocratização e diversidade de demandas que nem sempre são de domínio do juiz (Bacellar, 2012BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 22-23).

Assim, surge, nos países ocidentais, a partir de 1965, as chamadas ondas renovatórias de acesso à justiça, que tinham como objetivo principal assegurar a resolução de conflitos e aproximar a sociedade da Justiça, tornando-a mais acessível, rápida e barata. As primeiras três ondas foram estudadas profundamente por Mauro Capelletti e Bryant Garth e tinham por foco o estudo de superação de obstáculos econômicos, proteção de direitos difusos e a conceção mais ampla de acesso à justiça. (Cappelletti; Garth, 1988CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1988. , p. 31). Decorrência destas ondas foram a implementação da assistência judiciária gratuita, a proteção dos direitos transindividuais (como meio ambiente e consumidor), a criação dos Juizados Especiais. (Bacellar, 2012BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 18).

Ainda, mais duas ondas são apontadas pelos estudiosos: a quarta, dedicada à dimensão ética e política do Direito e a quinta, relacionada à defesa internacional de direitos humanos. (Silva, 2018SILVA, Gárdia Rodrigues. O movimento mundial de acesso à Justiça e os caminhos para a reforma dos sistemas jurídicos. In: Cadernos de Direito Actual. V. 9. 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/view/312 . Acesso em: 19 abr. 2021.
http://www.cadernosdedereitoactual.es/oj...
, p. 353) Já há quem mencione uma sexta onda, decorrente do uso da tecnologia à serviço da Justiça (Fuloni; Miranda, 2020FULONI CARVALHO, Ed William; MIRANDA ALVES, Jâime Leônidas. A tecnologia como instrumento em favor da sexta onda renovatória de acesso à justiça. In Derecho público y privado ante las nuevas tecnologías. GARCÍA GONZÁLES, Javier; ALZINA LOZANO, Álvaro; MARTÍN RODRÍGUEZ, Gabriel (coord.). Dickson Ebook, 2020. , p. 86) e se compartilha as preocupações sobre o uso de algoritmos no tratamento de conflitos (Moulin, 2021MOULIN, Carolina Stange Azevedo. Métodos de resolução digital de controvérsias: estado da arte de suas aplicações e desafios. Revista Direito GV, São Paulo, V. 17, N. 1, 2021. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1808-24322021000100204&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 14 abr. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 14)

Contudo, apesar do efeito destas ondas renovatórias, a ampliação do acesso à justiça acabou por trazer, ao longo do tempo, o efeito contrário, pois tem servido de incentivo à litigiosidade latente, de modo que quanto mais ampla a universalidade da jurisdição, maior o número de processos e mais inacessível, morosa e custosa a Justiça (Grinover, 2007GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da Justiça Conciliativa. Mediação e gerenciamento do processo revolução na prestação jurisdicional: guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007., p.4).

A facilidade de acesso à justiça não deve ser um estímulo à judicialização. Antes, deve ser bem utilizada para que não perca sua principal finalidade. Partindo-se desse pressuposto, necessária se faz a mudança de mentalidade acerca da judicialização, relegando-a as situações em que outro método de resolução não é indicado (Watanabe, 2007WATANABE, Kazuo. A mentalidade e os meios alternativos de solução de conflitos no Brasil in Mediação e gerenciamento do processo revolução na prestação jurisdicional: guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007., p. 6).

O que se pretende com isso não é o desamparo da prestação jurisdicional do Estado, mesmo que ele não seja capaz de dar a solução adequada a certos tipos de litígio (Pinho, 2005PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mediação: A Redescoberta de um Velho Aliado na Solução de Conflitos. Acesso à Justiça e Efetividade do Processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. , p. 106). O que se pretende de fato é buscar por alternativas e soluções que permitam resultados mais eficientes, seja do ponto de vista econômico ou social.

A demanda judicial crescente é o elemento que faz surgir a necessidade de desenvolver novos instrumentos para atender os conflitos (Teixeira; Rego; Silva Filho, 2020TEIXEIRA, Janaina Angelina; REGO, Mariana Carolina Barbosa; SILVA FILHO, Antonio Isidro da. Inovação no Judiciário: coprodução, competências e satisfação do usuário na mediação judicial. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, p. 381-399, 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122020000300381&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 14 abr. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 381) e a justiça conciliativa, que advém desta necessidade, não tem apenas o escopo de racionalização da justiça, com a redução do número de processos - muito embora este tenha sido o estopim inicial para o renascer dos meios conciliatórios (Grinover, 2007GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da Justiça Conciliativa. Mediação e gerenciamento do processo revolução na prestação jurisdicional: guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007., p.4) -, mas, além disso, a justiça conciliativa é um instrumento de pacificação social.

Atualmente, a resolução de conflitos conta com métodos consensuais e adversariais. Os métodos consensuais são aqueles em que há a cooperação na construção da solução e preocupação com a manutenção do relacionamento. Enquadram-se nesses métodos a negociação, a conciliação e a mediação, com diferenças técnicas entre si. Por outro lado, os métodos adversariais são aqueles em que a resolução do conflito é submetida a um terceiro que, ao final, decide a questão elegendo um vencedor. Enquadram-se a arbitragem e a ação judicial (Bacellar, 2012BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2012., p. 21-22).

Importa considerar que cada tipo de conflito exige uma técnica específica de resolução. Necessário, portanto, um estudo aprofundado sobre os principais tipos de conflitos recorrentes e a viabilidade ou não de aplicação de determinada técnica. Não se justifica, contudo, recorrer sempre ao Poder Judiciário por puro comodismo, tradicionalismo ou insegurança do operador do Direito.

A forma como as pessoas trabalham com os conflitos está relacionada a causas de natureza psíquica, dentre elas: esquemas rígidos de pensamento, quando a parte é inflexível em relação ao posicionamento que assumiu e quanto mais discute mais se fecha para outras possibilidades; pensamentos automáticos, que funcionam como condicionantes, muito presentes nas emoções em relação à outra parte; crenças inadequadas ao contexto, que podem se originar do senso comum; fenômenos de percepção, que podem ser influenciados por emoções produzindo percepções equivocadas da realidade; comportamentos condicionantes, desencadeados por agentes externos que acentuam as emoções indesejáveis e comprometem a racionalidade de uma negociação; modelos, quando o comportamento é influenciado por imitação ou o modelo gera expectativas idealizadas que causam frustração; influências de natureza sociocultural (Fiorelli; Fiorelli; Malhadas Junior, 2008FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Júlio Olivé. Mediação e solução de conflitos: teoria e prática. São Paulo: Atlas , 2008., p. 9-25).

Assim, há casos, por exemplo, em que a via consensual está definitivamente obstruída, porque as partes possuem pensamentos extremamente rígidos, ou estão tão envolvidas emocionalmente que são incapazes de assumir um posicionamento diferente, ou abrir mão de algum ponto da questão, ou mesmo naqueles em que os métodos consensuais já foram tentados, sem sucesso, pois possuem um efeito psicológico mais brando que o judiciário em alguns indivíduos (Demarchi, 2007DEMARCHI, Juliana. Técnicas de conciliação e mediação. Mediação e gerenciamento do processo revolução na prestação jurisdicional: guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007., p. 49).

Nessas situações, faz-se necessário recorrer à adjudicação ou decisão forçada. Entretanto há casos em que as partes desejam a continuidade do relacionamento que as vinculam, e estão dispostas a encontrar a solução mais benéfica para ambas. Há casos, ainda, em que as partes desejam resolver a questão de forma célere e eficaz, de modo que a solução se perpetue no tempo. Nessas situações, os métodos consensuais são os mais indicados. Assim sendo, a postura das partes frente ao conflito é o fator determinante para a escolha do método de resolução (Demarchi, 2007DEMARCHI, Juliana. Técnicas de conciliação e mediação. Mediação e gerenciamento do processo revolução na prestação jurisdicional: guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007., p. 49).

Os métodos adversariais são recomendados quando: estão esgotadas todas as outras tentativas de autocomposição entre as partes; a via consensual está irremediavelmente obstruída; o relacionamento está desgastado; há falta de habilidade em lidar com o conflito (PINHO, 2005PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mediação: A Redescoberta de um Velho Aliado na Solução de Conflitos. Acesso à Justiça e Efetividade do Processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. , p. 109); a decisão legal é essencial e predominante; há bens ou direito indisponíveis; há vontade de se gerar jurisprudência ou precedentes; há o desejo por um julgamento punitivo; a lentidão do procedimento legal beneficia uma das partes; os interesses são excludentes; ou os ganhos imediatos são mais importantes do que a continuidade do relacionamento (Fiorelli; Fiorelli; Malhadas Junior, 2008FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Júlio Olivé. Mediação e solução de conflitos: teoria e prática. São Paulo: Atlas , 2008., p. 72-76).

Alguns instrumentos normativos tiveram grande impacto sobre a disseminação dos métodos consensuais e adversariais. De resolução de conflitos e seu aprimoramento: a Resolução nº. 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, foi um deles, sendo considerada um marco de enorme importância. Ao dispor sobre uma Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário tal Resolução não apenas incumbiu ao Poder Judiciário oferecer mecanismos de solução consensuais, como, também, auxiliar na formação de uma cultura de pacificação social. Ao exigir a capacitação de conciliadores e mediadores judiciais, abre-se a oportunidade para novas frentes de educação e de treinamento para o uso tão importantes institutos (Sales; Chaves, 2014SALES, Lilia Maia de Morais; CHAVES, Emmanuela Carvalho Cipriano. Mediação e conciliação judicial - a importância da capacitação e de seus desafios. Sequência, Florianópolis, n. 69, p. 255-279, 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-70552014000200011&lng=en&nrm=iso . Acesso em 19 abr. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). As alterações posteriores, advindas com a Resolução nº. 326, de 26 de junho de 2020, só reforçaram o objetivo inicial, criando parâmetros e diretrizes de formação.

A Lei nº. 13.140, de 26 de junho de 2015, por sua vez, é outro instrumento normativo que significou uma importante inovação ao regulamentar a atuação de mediadores judiciais e extrajudiciais, trazendo parâmetros e cautelas a fim de aperfeiçoar o instituto da Mediação. Tal Lei, inclusive, trata da aplicação da Mediação aos conflitos envolvendo a Administração Pública, o que só eleva sua confiabilidade entre os particulares e entes privados.

O atual Código de Processo Civil, Lei nº. 13.105, de 16 de março de 2015, também teve importante papel na propagação dos meios consensuais de resolução de conflitos ao, em consonância com a Resolução nº. 125, colocar em evidência o sistema multiportas, integrando diferentes formas de resolução, conduzindo as partes litigantes à melhor porta, ou seja, à melhor forma de solução para o seu conflito, seja ela judicial ou extrajudicial. O impulso dado por esta iniciativa de integração é realmente significativo para o avanço no uso e no aperfeiçoamento dos meios de resolução de conflitos. (Lessa, 2015LESSA, João. O novo CPC adotou o modelo multiportas. E agora? Revista de Processo. V. 244, 2015. Disponível em: Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4557178/mod_resource/content/0/O%20novo%20CPC%20adotou%20o%20sistema%20multiportas%20-%20Jo%C3%A3o%20Lessa.pdf . Acesso em 19 abr. 2021.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
)

Especialmente em relação às cooperativas, porém, a resolução de conflitos pela via consensual possui peso significativo, por se harmonizarem à dinâmica social, oferecendo técnicas aptas a atender às peculiaridades socioeconômicas da atualidade (Sá Neto; Diógenes; Bezerra Júnior, 2020SA NETO, Clarindo Epaminondas de; DIOGENES, George Lucas Souza; BEZERRA JUNIOR, José Albenes. Perspectiva Constitucional dos Meios Privados de Resolução de Conflitos. Sequência, Florianópolis, n. 86, p. 251-284, 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-70552020000300251&lng=en&nrm=iso . Acesso em 19 abr. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 22) e por se coadunar com os seus valores e princípios próprios do Cooperativismo.

5 COOPERATIVAS AGROPECUÁRIS E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

A criação da primeira cooperativa moderna é atribuída aos chamados Pioneiros de Rochdale que, em 1844, formaram uma cooperativa de consumo baseada em princípios morais e de conduta. Os 28 tecelões fundadores redigiram um estatuto social, estabelecendo normas para sua organização e funcionamento, o qual previa os seguintes princípios: ajuda mútua; controle societário democrático; gratuidade de cargos; livre adesão; compra e venda à vista; interesse limitado sobre o capital; e retornos de excedentes na forma cooperativa, com base nas operações (Holyoake, 2001HOLYOAKE, George Jacob. Os 28 tecelões de Rochdale. 7ª Ed. Porto Alegre: WS Editor, 2001., p. 20-23).

Até hoje as normas rochdaleanas são consideradas base para o cooperativismo autêntico. A Aliança Cooperativa Internacional - ACI, organização mundial que visa a preservação e defesa dos princípios cooperativistas, fundada em 1895, analisou e debateu as normas dos Pioneiros em dois congressos internacionais ocorridos em 1937 e 1966, as quais passaram a ser adotadas universalmente como princípios cooperativistas.

Posteriormente, em 1995, em Manchester, Inglaterra, a ACI aprovou a revisão dos princípios básicos do cooperativismo, a fim de acompanhar as inúmeras mudanças e ramificações surgidas, mas ainda assim, mantendo a fidelidade aos valores democráticos e igualitários defendidos pelos 28 tecelões de Rochdale. Os novos princípios são: livre acesso e adesão voluntária; controle, organização e gestão democrática; participação econômica dos seus associados; autonomia e independência; educação, capacitação e informação; cooperação entre cooperativas; e compromisso com a comunidade (ACI, 2015ACI. Guidance Notes to the Co-operative Principles. Bruxelas: ACI, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.ica.coop/sites/default/files/publication-files/ica-guidance-notes-en-310629900.pdf . Acesso em: 29 ago. 2019.
https://www.ica.coop/sites/default/files...
, p. ii).

Os princípios nada mais são que a instrumentalização de valores. Se por um lado os valores são perenes e imutáveis e dão origem aos princípios, os princípios, por sua vez, são o modo pelo qual as cooperativas colocam os valores em prática. Usualmente, os valores são enunciados como: solidariedade; liberdade; democracia; equidade; igualdade; responsabilidade; honestidade; transparência; e consciência socioambiental (Amodeo, 2006AMODEO, N. B. P. Contribuição da educação cooperativa nos processos de desenvolvimento rural. In: AMODEO, N. B. P; ALIMONDA, H. (Orgs) Ruralidades: capacitação e desenvolvimento. Viçosa: Ed. UFV, 2006, p.151-176. , p. 151).

No Brasil, o ideal cooperativista encontra acolhida constitucional no artigo 174, §2º que estabelece que “a lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo”. Ademais, os princípios cooperativistas são o alicerce da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. 1971.Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5764.htm . Acesso em: 13 ago. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas e dá outras providências.

Os conflitos judiciais envolvendo cooperativas estão ligados às mais diversas causas e situações. O movimento cooperativista, de uma forma geral, se traduz em um grupo muito heterogêneo, que varia entre catadores de lixo, agricultores, médicos, taxistas, professores etc. (Pascuci; Lorenzi; Castro, 2014PASCUCI, L.; Arruda LORENZI, A.; CASTRO, S. Princípios cooperativistas e conflitos de interesses: em estudo comparativo. Revista Eletrônica Estácio Papirus, São José, SC, V. 1, N. 1, 2014., p. 13).

Além disso, as cooperativas enfrentam problemas decorrentes de sua própria natureza, denominada de dual ou dupla, cujo conceito original foi introduzido em 1951 por Georg Draheim, segundo o qual o cooperativismo disputa uma atuação equilibrada e simultânea entre duas forças, muitas vezes conflitantes: a social e a econômica (Hanel, 1994HANEL, Alfred. Dual or Double Nature of Co-operatives. Dalam internasional Handbook of Cooperative Organizations. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1994., p. 271-273).

Por essa razão, é necessário que a educação cooperativista atue frente a esse duplo papel que faz da sociedade cooperativa mais complexa e distinta que as outras formas de organização empresarial (Marquês; Schimidt, 2013MARQUÊS, Elbia Barreto; SCHMIDT, Carmen Elizabeth Finkler. A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de Artesanato: possibilidades e limitações. COTRIM, Décio Souza. (Org) EMATER. RIO GRANDE DO SUL/ ASCAR. Gestão de cooperativas: produção acadêmica da Ascar. Porto Alegre, RS: EMATER/RS-ASCAR, 2013., p. 67-69).

O cooperativismo é tido como um importante instrumento de promoção de desenvolvimento econômico e social. De acordo com dados do Sistema OCB (2019SISTEMA OCB. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília, 2019. Disponível em: Disponível em: https://somoscooperativismo.coop.br/assets/arquivos/Publicacoes/Anuario-2018.pdf . Acesso em: 05 jul. 2019.
https://somoscooperativismo.coop.br/asse...
), o ramo agropecuário foi representado em 2018 por 1.613 cooperativas com o total de 1.021.019 cooperados e 209.778 empregados.

Ainda, de acordo com dados do Censo Agropecuário do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 48% da produção agropecuária brasileira passa, de alguma maneira, por uma cooperativa. Além disso, o cooperativismo agropecuário é responsável por quase 50% do PIB agrícola (Agricultura, 2018AGRICULTURA. Cooperativismo e Associativismo no Brasil. Brasília, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/assuntos/cooperativismo-associativismo/cooperativismo-brasil . Acesso em: 05 jul. 2019.
http://www.agricultura.gov.br/assuntos/c...
).

As cooperativas agropecuárias são responsáveis pela inclusão dos agricultores no mercado, por fornecerem: prestação de serviços e acesso à tecnologia; agregação de valor e atuação eficiente na cadeia produtiva; economias de escala nos processos de compra e venda; e acesso a mercados (Dias Junior, 2013DIAS JR., Paulo Cesar. Cooperativismo Agropecuário: Câmara Temática de Insumos Agropecuários. Brasília: Sistema OCB, 2013.).

Embora as sociedades cooperativas agropecuárias tenham tido evidente protagonismo no mercado brasileiro, elas podem estar deixando de cumprir o seu papel no que diz respeito à resolução de conflitos. Isto porque resolver uma demanda judicialmente implica diversos fatores (Silva; Dissenha, 2016SILVA, Ana Cláudia Pereira; DISSENHA, Leila Andressa. A mediação como meio de resolução de conflitos em cooperativas agropecuárias. TCC (Direito). São José dos Pinhais: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2016., p. 54-56), tais como a) transferir a resolução do conflito a um terceiro, apartado dos conceitos e ideais característicos de uma sociedade cooperativa; b) resultar em um equilíbrio instável ou uma decisão desfavorável; c) estabelecer um vencedor e um perdedor; d) sugerir uma fragilidade inaceitável da cooperativa perante a comunidade e os cooperados; e) dificultar, quando não impossibilitar, a continuidade dos trabalhos do colegiado composto pelos cooperados; f) criar sequelas que poderão afetar o futuro da cooperativa; g) enfraquecer os laços de camaradagem entre os cooperados, quando não os destroem completamente; h) eventualmente, gerar pendências judiciais capazes de se arrastar por longo tempo; i) tornar obrigatória a disponibilização de dados da cooperativa, eventualmente confidenciais, para terceiros; j) propiciar publicidade indesejável (Fiorelli; Fiorelli; Malhadas Junior, 2008FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Júlio Olivé. Mediação e solução de conflitos: teoria e prática. São Paulo: Atlas , 2008., p. 66).

Por outro lado, os métodos consensuais, especialmente pela mediação, praticamente eliminam essas limitações.

O cooperativismo, cuja posição ideológica é fundada na doutrina da solidariedade, se expressa em um regime de responsabilidade e auxílio mútuo. Nas palavras de Walmor Franke (1973FRANKE, Walmor. Direito das sociedades cooperativas: direito cooperativo. São Paulo: Saraiva , Ed. da Universidade de São Paulo, 1973., p. 6):

O solidarismo cooperativista acha-se vinculado, por igual, à concretização de um ideal superior de justiça, inspirador do direito positivo, e que no plano da ordem cooperativa se traduz no respeito à pessoa humana, na abolição do lucro capitalista, na remuneração de cada qual na proporção do trabalho realizado, no reconhecimento do valor da propriedade, no amor à liberdade, tudo, evidentemente, dentro da moldura de um regime de responsabilidade e auxílio mútuo, executado sob o lema: “Um por todos e todos por um”.

Percebe-se, portanto, que a judicialização dos conflitos pode trazer muitas consequências negativas, especialmente às cooperativas que possuem objetivos muito além de simplesmente econômicos.

6 CONCLUSÃO

Inicialmente, percebe-se uma congruência entre os métodos consensuais de resolução de conflitos e o cooperativismo, pois ambos possuem como base a cooperação entre as partes e entre os membros.

Ainda, nota-se que a construção cooperada da solução de um conflito pode ser muito vantajosa em relação às decisões impostas dos métodos adversariais. Dentre as vantagens estão: a valorização do indivíduo, acolhido em suas habilidades e limitações como sujeitos de direitos e deveres; a solução pacífica das divergências, fortalecendo as relações com o menor desgaste possível e preservando os compromissos recíprocos; a promoção de acordos equilibrados e com ganhos para ambas as partes, de modo que não há um vencedor e um perdedor; a ausência de imposição de qualquer tipo; a preocupação em longo prazo, uma vez que resolver os conflitos consensualmente educa os envolvidos para que possam gerir futuros conflitos.

Além disso, cada método possui peculiaridades cujas vantagens e desvantagens devem ser ponderadas diante do caso concreto para determinar, de fato, qual o método mais indicado.

Como o acordo é um ato voluntário, a solução do conflito pode ser obtida de forma muito mais facilitada mesmo nas situações em que há componentes emocionais crônicos e determinantes envolvidos.

Neste aspecto, o princípio da educação cooperativista cumpre papel fundamental, ao formar indivíduos verdadeiramente cooperativos, aplicando seus valores e princípios inclusive na resolução de conflitos.

A falha da prática deste princípio basilar nas cooperativas pode ser apontada também nas faculdades de Direito, que formam operadores belicistas e litigiosos por meio de suas grades curriculares com poucas ou nenhuma disciplina voltada à solução não-contenciosa dos conflitos.

Antes de tudo, é necessário que as cooperativas encarem a mediação como uma forma de alcançar o máximo de benefícios em longo prazo, pois a cultura da pacificação é a estratégia mais eficaz para a prevenção e solução de conflitos e, consequentemente, para a redução do número de ações judiciais.

Partindo-se desse pressuposto, não é possível conceber que o Poder Judiciário seja a primeira opção de escolha para as cooperativas, pois a cooperação precisa se fazer presente inclusive no momento de resolução de conflitos.

Dados levantados junto a três Câmaras privadas de Mediação no Brasil (CCBC; CIESP-FIESP; e Câmara de Comércio Internacional) entre 2012 e 2017 apontam um número total de 221 casos resolvidos pela via da Mediação com procedimentos duraram em média de 1 a 4 meses e meio para serem concluídos (Gabbay, 2018GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação empresarial em números: onde estamos e para onde vamos. São Paulo: Jota, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/mediacao-empresarial-em-numeros-onde-estamos-e-para-onde-vamos-20042018 . Acesso em: 09 jul. 2019.
https://www.jota.info/opiniao-e-analise/...
).

Por outro lado, processos em fase de conhecimento em primeira instância nas varas estaduais duram em média dois anos e meio até ser proferida sentença, podendo a duração ser prolongada em aproximadamente um ano e meio se exauridos os recursos cabíveis (CNJ, 2018CNJ. Justiça em números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/8d9faee7812d35a58cee3d92d2df2f25.pdf . Acesso em: 09 jul. 2019.
http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arq...
).

Grandes avanços têm ocorrido tanto em relação à mediação privada, mediante a maior procura pelas partes e fixação desse meio de resolução em cláusulas contratuais; quanto em relação ao poder judiciário, que tem estimulado e inovado em termos de resolução consensual, como, por exemplo, com a implementação da Mediação Digital (Emenda nº 2, da Resolução CNJ 125/2010CNJ. Emenda nº 2 de 08 de março de 2016. 2016. Disponível em: Disponível em: http://www.adambrasil.com/wp-content/uploads/2016/03/emenda2_cnj.pdf . Acesso em: 09 set. 2019.
http://www.adambrasil.com/wp-content/upl...
).

A cooperação precisa ser uma ideologia, uma forma de pensar e agir que orienta a vida e as decisões dos cooperados que perseguem a concretização de um ideal superior de justiça sob o regime de responsabilidade e auxílio mútuo.

Para pesquisas futuras, sugere-se a investigação quanto ao tempo levado entre o ajuizamento das ações até o julgamento em instância recursal, bem como a classificação quanto às matérias pleiteadas, o que poderia ser feito por meio da distribuição de frequência. Ainda, sugere-se o estudo de formas de sensibilização das cooperativas acerca da relevância e utilidade dos métodos consensuais, bem como a verificação de aplicação prática, como meios de divulgação ou mesmo a implantação institucional ou organizacional de centros de mediação, além do comprometimento das cooperativas por meio de seus estatutos sociais para a solução amigável de conflitos que as envolvam.

Referências

  • ACI. Guidance Notes to the Co-operative Principles. Bruxelas: ACI, 2015. Disponível em: Disponível em: https://www.ica.coop/sites/default/files/publication-files/ica-guidance-notes-en-310629900.pdf Acesso em: 29 ago. 2019.
    » https://www.ica.coop/sites/default/files/publication-files/ica-guidance-notes-en-310629900.pdf
  • AMODEO, N. B. P. Contribuição da educação cooperativa nos processos de desenvolvimento rural. In: AMODEO, N. B. P; ALIMONDA, H. (Orgs) Ruralidades: capacitação e desenvolvimento. Viçosa: Ed. UFV, 2006, p.151-176.
  • AGRICULTURA. Cooperativismo e Associativismo no Brasil. Brasília, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/assuntos/cooperativismo-associativismo/cooperativismo-brasil Acesso em: 05 jul. 2019.
    » http://www.agricultura.gov.br/assuntos/cooperativismo-associativismo/cooperativismo-brasil
  • BACELLAR, Roberto Portugal. Mediação e Arbitragem. São Paulo: Saraiva, 2012.
  • BIALOSKORSKI NETO, Sigismundo. Agroindústria Cooperativa: um ensaio sobre o crescimento e estrutura de capital. Revista Gestão & Produção. V.5, n.i, p. 60-68, abr. 1998.
  • BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 1988.Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Acesso em: 13 ago. 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm
  • BRASIL. Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971. 1971.Disponível em: Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5764.htm Acesso em: 13 ago. 2017.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5764.htm
  • CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1988.
  • CNJ. Emenda nº 2 de 08 de março de 2016. 2016. Disponível em: Disponível em: http://www.adambrasil.com/wp-content/uploads/2016/03/emenda2_cnj.pdf Acesso em: 09 set. 2019.
    » http://www.adambrasil.com/wp-content/uploads/2016/03/emenda2_cnj.pdf
  • CNJ. Justiça em números 2018: ano-base 2017. Brasília: CNJ, 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/8d9faee7812d35a58cee3d92d2df2f25.pdf Acesso em: 09 jul. 2019.
    » http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2018/09/8d9faee7812d35a58cee3d92d2df2f25.pdf
  • DEMARCHI, Juliana. Técnicas de conciliação e mediação. Mediação e gerenciamento do processo revolução na prestação jurisdicional: guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007.
  • DIAS JR., Paulo Cesar. Cooperativismo Agropecuário: Câmara Temática de Insumos Agropecuários. Brasília: Sistema OCB, 2013.
  • FIORELLI, José Osmir; FIORELLI, Maria Rosa; MALHADAS JUNIOR, Marcos Júlio Olivé. Mediação e solução de conflitos: teoria e prática. São Paulo: Atlas , 2008.
  • FRANKE, Walmor. Direito das sociedades cooperativas: direito cooperativo. São Paulo: Saraiva , Ed. da Universidade de São Paulo, 1973.
  • FULONI CARVALHO, Ed William; MIRANDA ALVES, Jâime Leônidas. A tecnologia como instrumento em favor da sexta onda renovatória de acesso à justiça. In Derecho público y privado ante las nuevas tecnologías. GARCÍA GONZÁLES, Javier; ALZINA LOZANO, Álvaro; MARTÍN RODRÍGUEZ, Gabriel (coord.). Dickson Ebook, 2020.
  • GABBAY, Daniela Monteiro. Mediação empresarial em números: onde estamos e para onde vamos. São Paulo: Jota, 2018. Disponível em: Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/mediacao-empresarial-em-numeros-onde-estamos-e-para-onde-vamos-20042018 Acesso em: 09 jul. 2019.
    » https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/mediacao-empresarial-em-numeros-onde-estamos-e-para-onde-vamos-20042018
  • GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da Justiça Conciliativa. Mediação e gerenciamento do processo revolução na prestação jurisdicional: guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007.
  • HANEL, Alfred. Dual or Double Nature of Co-operatives. Dalam internasional Handbook of Cooperative Organizations. Gottingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1994.
  • HOLYOAKE, George Jacob. Os 28 tecelões de Rochdale. 7ª Ed. Porto Alegre: WS Editor, 2001.
  • LESSA, João. O novo CPC adotou o modelo multiportas. E agora? Revista de Processo. V. 244, 2015. Disponível em: Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4557178/mod_resource/content/0/O%20novo%20CPC%20adotou%20o%20sistema%20multiportas%20-%20Jo%C3%A3o%20Lessa.pdf Acesso em 19 abr. 2021.
    » https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4557178/mod_resource/content/0/O%20novo%20CPC%20adotou%20o%20sistema%20multiportas%20-%20Jo%C3%A3o%20Lessa.pdf
  • MARQUÊS, Elbia Barreto; SCHMIDT, Carmen Elizabeth Finkler. A Educação Cooperativista e sua Influência na Gestão da Cooperativa Bageense de Artesanato: possibilidades e limitações. COTRIM, Décio Souza. (Org) EMATER. RIO GRANDE DO SUL/ ASCAR. Gestão de cooperativas: produção acadêmica da Ascar. Porto Alegre, RS: EMATER/RS-ASCAR, 2013.
  • MOULIN, Carolina Stange Azevedo. Métodos de resolução digital de controvérsias: estado da arte de suas aplicações e desafios. Revista Direito GV, São Paulo, V. 17, N. 1, 2021. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1808-24322021000100204&lng=en&nrm=iso Acesso em: 14 abr. 2021.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s1808-24322021000100204&lng=en&nrm=iso
  • PASCUCI, L.; Arruda LORENZI, A.; CASTRO, S. Princípios cooperativistas e conflitos de interesses: em estudo comparativo. Revista Eletrônica Estácio Papirus, São José, SC, V. 1, N. 1, 2014.
  • PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Mediação: A Redescoberta de um Velho Aliado na Solução de Conflitos. Acesso à Justiça e Efetividade do Processo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
  • ROSA, P. F; AMODEO, N. B. P; SOUSA, D. N. A importância dos trabalhos de educação cooperativista para extensão rural. In: Revista Cooperativismo & Desarollo, Bogotá, V. 20, N.101, 2012.
  • SA NETO, Clarindo Epaminondas de; DIOGENES, George Lucas Souza; BEZERRA JUNIOR, José Albenes. Perspectiva Constitucional dos Meios Privados de Resolução de Conflitos. Sequência, Florianópolis, n. 86, p. 251-284, 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-70552020000300251&lng=en&nrm=iso Acesso em 19 abr. 2021.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-70552020000300251&lng=en&nrm=iso
  • SALES, Lilia Maia de Morais; CHAVES, Emmanuela Carvalho Cipriano. Mediação e conciliação judicial - a importância da capacitação e de seus desafios. Sequência, Florianópolis, n. 69, p. 255-279, 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-70552014000200011&lng=en&nrm=iso Acesso em 19 abr. 2021.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177-70552014000200011&lng=en&nrm=iso
  • SILVA, Ana Cláudia Pereira; DISSENHA, Leila Andressa. A mediação como meio de resolução de conflitos em cooperativas agropecuárias. TCC (Direito). São José dos Pinhais: Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2016.
  • SILVA, Gárdia Rodrigues. O movimento mundial de acesso à Justiça e os caminhos para a reforma dos sistemas jurídicos. In: Cadernos de Direito Actual. V. 9. 2018. Disponível em: Disponível em: http://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/view/312 Acesso em: 19 abr. 2021.
    » http://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/view/312
  • SISTEMA OCB. Anuário do Cooperativismo Brasileiro. Brasília, 2019. Disponível em: Disponível em: https://somoscooperativismo.coop.br/assets/arquivos/Publicacoes/Anuario-2018.pdf Acesso em: 05 jul. 2019.
    » https://somoscooperativismo.coop.br/assets/arquivos/Publicacoes/Anuario-2018.pdf
  • TEIXEIRA, Janaina Angelina; REGO, Mariana Carolina Barbosa; SILVA FILHO, Antonio Isidro da. Inovação no Judiciário: coprodução, competências e satisfação do usuário na mediação judicial. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, p. 381-399, 2020. Disponível em: Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122020000300381&lng=en&nrm=iso Acesso em: 14 abr. 2021.
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-76122020000300381&lng=en&nrm=iso
  • WATANABE, Kazuo. A mentalidade e os meios alternativos de solução de conflitos no Brasil in Mediação e gerenciamento do processo revolução na prestação jurisdicional: guia prático para a instalação do setor de conciliação e mediação. São Paulo: Atlas, 2007.
  • 1
    http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2019
  • Aceito
    05 Nov 2022
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina Centro de Ciências Jurídicas, Sala 216, 2º andar, Campus Universitário Trindade, CEP: 88036-970, Tel.: (48) 3233-0390 Ramal 209 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: sequencia@funjab.ufsc.br