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A transformação ecológica do Direito de danos e a imprescritibilidade do dano ambiental na jurisprudência brasileira

The ecological transformation of Damage Law and the imprescritibility of environmental damage in Brazilian jurisprudence

Resumo

Por meio do método indutivo e de pesquisa bibliográfica, este trabalho tem por objetivo propor a emergência de uma assim denominada transformação ecológica do Direito de danos, compreendendo-a como parte de uma abordagem ecológica sobre os direitos, que, no Direito brasileiro, considera-se viabilizada pela jurisprudência dos tribunais superiores. Sustenta-se que o cenário de aceleração de perda de biodiversidade em escala global - mesmo diante da proliferação de instrumentos normativos - sugere que as normas jurídicas ainda podem colaborar para o enfrentamento das ameaças existenciais, se os limites do planeta puderem ser adequadamente respeitados pelo Direito. Desse modo, argumenta-se que a confirmação da tese da imprescritibilidade dos danos ambientais, afirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, e mais recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, sugere um caminho de progressiva redução das hipóteses de exclusão de responsabilização dos danos ambientais, aliado a um caminho de facilitação da relação de imputação de danos. Para além dessa compreensão, a consideração do princípio in dubio pro natura pelas tribunais superiores tem viabilizado propor que, no domínio da reparação dos danos ambientais, as particularidades de seus efeitos oportuniza uma interpretação das normas que favoreça a proteção da natureza, em conjunto com a necessidade de se oferecer maior proteção às vítimas.

Palavras-chave
Imprescritibilidade do dano ambiental; Direito de danos; Dano ambiental; Princípio in dubio pro natura

Abstract

Through the inductive method and bibliographical research, this work aims to propose the emergence of a so-called ecological transformation of the Damage Law, understanding it as part of an ecological approach of rights, which, in Brazilian law, considers made possible by the jurisprudence of the higher courts. It is argued that the scenario of accelerating biodiversity loss on a global scale - even in the face of the proliferation of normative instruments - suggests that legal norms can still collaborate to face existential threats, if the limits of the planet can be adequately respected by Law. Thus, it is argued that the confirmation of the thesis of the imprescriptibility of environmental damages, affirmed by the Superior Court of Justice, and more recently by the Federal Supreme Court, suggests a path of progressive reduction in the cases of exclusion from liability for environmental damages, together with a way of facilitating the damage imputation relationship. In addition to this understanding, the consideration of the in dubio pro natura principle by higher courts has made it possible to propose that, in the field of repairing environmental damage, the particularities of its effects provide an interpretation of the rules that favors the protection of nature, together with need to offer greater protection to victims.

Keywords
Imprescriptibility of environmental damage; Tort Law; Environmental damage; In dubio pro natura principle

INTRODUÇÃO

Em um contexto de aceleração de perdas de biodiversidade em escala global que não puderam ser contidas, nem mesmo com a proliferação de instrumentos normativos de esverdeamento da legislação e das Constituições em todo o globo - conforme demonstrou o primeiro relatório sobre o Estado de Direito Ambiental, publicado em 2019 - pode-se argumentar que, se os danos ambientais não podem e não puderam ser contidos apenas por meio de normas jurídicas, estas ainda podem colaborar para o enfrentamento das ameaças existenciais, se os limites do planeta puderem ser adequadamente respeitados pelo Direito.

Sob a premissa de que a reparação dos danos ambientais precisa ser compreendida por meio de uma assim denominada transformação ecológica do Direito de danos1 1 A expressão é utilizada no mesmo sentido proposto por Sozzo, para o fim de demonstrar a possibilidade de um giro ecológico sobre o Direito Privado, em geral. Sobre o tema, conferir amplamente em: SOZZO, 2019. , pretende-se demonstrar que, para solucionar conflitos que favoreçam a reparação dos danos tende requerer, no tema da prescrição de suas ações, repostas que aumentem as hipóteses de prescrição podem não apenas, ser úteis ou adequadas para atender ao compromisso de respeitar os limites do planeta. Pretende-se demonstrar, por meio da consideração dos principais argumentos admitidos pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - particularmente nos autos do Recurso Especial n. 647.493/SC e do Recurso Especial n. 1.120.117/AC, que tais respostas podem ser justificadas diretamente na ordem jurídica nacional.

O tema ganha ainda maior projeção e visibilidade após a confirmação da tese da imprescritibilidade dos danos ambientais, afirmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na data de 20 de abril de 2020, por meio do tema de repercussão geral n. 999, resultante do julgamento do Recurso Extraordinário n. 654.833. Ainda que não sejam conhecidos os argumentos e votos proferidos durante o julgamento, considera-se que o percurso traçado pela atuação dos tribunais superiores brasileiros nesse tema sugere um caminho de progressiva redução das hipóteses de exclusão de responsabilização dos danos ambientais, aliado a um caminho de facilitação da relação de imputação dos danos. A estratégia pode ser bem situada em um contexto de afirmação de outro princípio que se afirma na jurisprudência do STJ, cuja influência sobre a responsabilidade civil ambiental não pode ser ignorada, o princípio in dubio pro natura.

Com esse propósito o trabalho tem seu plano organizado ao longo de seis seções, iniciando-se pela apresentação da tipologia do dano ambiental, reconhecendo-lhe uma dimensão ambivalente por meio da qual os prejuízos à natureza podem originar interesses pessoais, coletivos e difusos, cuja natureza distinta é igualmente diferenciada para o efeito de determinação da prescrição das ações de reparação.

Em seguida são apresentados os principais argumentos que justificaram a distinção de prazos prescricionais de acordo com a tipologia do dano ambiental, no contexto da jurisprudência do STJ para, ao final, demonstrar-se, na terceira seção, que o mesmo STJ reconhece não ser possível realizar uma completa dissociação das dimensões individual, coletiva e difusa do dano ambiental para o efeito de se determinar prazos prescricionais para as ações que tutelem os danos pessoais, ricochetes ou reflexos.

Na quarta seção são propostos alguns caminhos de reflexão que tentam favorecer o fortalecimento da premissa de que devem ser mitigados, progressivamente, as hipóteses e canais de exclusão da reparação dos danos ambientais, aqui compreendidos, restritivamente, como os danos associados à degradação da qualidade do meio ambiente natural.

Baseando-se na consideração do tema de repercussão geral n. 999, do STF, apresenta-se os principais argumentos da decisão paradigma, nas duas últimas seções a apresenta-se o seu contexto e principais argumentos, concentrando-se especial atenção sobre a tese do dano público.

Argumenta-se que, apenas de forma excepcional, admitir-se-á o reconhecimento de danos pessoais que não tenham vínculos com a violação de direitos de incidência coletiva ou difusa para o fim de prescrição, sendo a regra a imprescritibilidade dos danos, estendendo-se à violação dos bens de uso comum do povo definidos no artigo 225, da Constituição, o mesmo regime de imprescritibilidade das ações de ressarcimento dos danos ao erário público, previsto no artigo 37, § 5º, da Constituição brasileira de 1988.

De outra forma, também se propõe que, em regra, o efeito cumulativo dos danos e a dificuldade de determinar, por esse fato, quando os efeitos do dano se tornaram plenamente conhecidos, há uma tendência para que a construção de hipóteses de danos prescritíveis seja de difícil demonstração. Por fim, sustenta-se que alguns danos nunca poderão ser admitidos em sua dimensão pessoal, uma vez que, algumas cosmovisões andinas e indígenas não admitem o reconhecimento de direitos de conteúdo ecológico senão de forma coletiva, não sendo possível cindir a relação desenvolvida entre os povos e seus territórios.

1 A AMBIVALÊNCIA DO DANO AMBIENTAL: CONCEITOS E ASPECTOS TEÓRICOS

O dano ambiental tem característica complexa e transdisciplinar, pois seus efeitos são transfronteiriços, sistêmicos, acumulativos, intertemporais (transtemoporais) e com perfil de uma lesividade continuativa.

Nesse contexto, ainda, podem ser citados como exemplos o caso da poluição histórica, dos sítios contaminados e da desinstalação de complexos químicos e industriais. Como conciliar o regime de prescrição elaborado como instrumento de proteção da segurança jurídica e da estabilidade das relações privadas, sob um prazo de três ou cinco anos a partir do conhecimento do dano, perante situações como essas em que o dano ambiental somente pôde ser acessível ao conhecimento científico muito tempo depois do término das operações das atividades econômicas, ou muito tempo depois, em que o conhecimento científico permitiu a cognição sobre os eventos? Nesses casos, o dano e a manifestação de prejuízo concreto à saúde humana e ao meio ambiente somente são visíveis anos depois, na forma de males, cânceres e outras enfermidades, e invisíveis no primeiro momento (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 211).

Posteriormente, a complexidade ainda permanece porque não é tarefa tão simples especificar e vincular determinada enfermidade, v.g, que se manifestou anos depois àquela causa ou àquela fonte específica. Isso porque, vivendo nos espaços urbanos, estamos expostos a riscos de uma série indeterminada de fontes. Há poluição atmosférica, riscos decorrentes da alimentação, fatores relacionados ao estresse e hábitos de consumo equivocados. Cada uma dessas fontes poderia, em tese, ter concorrido em algum grau para aquele resultado. Como definir se dada fonte foi determinante, ou concorreu de forma exclusiva para o dano? (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 211).

Se admitirmos que o regime da prescrição para a reparação do dano ambiental é o do Código Civil, estaríamos admitindo também, em tese, a hipótese de irresponsabilização, de danos sem reparação, de não recuperação, de não restauração da qualidade dos recursos naturais, bem como da continuidade e do perecimento dos estoques de água potável, da contaminação dos solos, da poluição atmosférica, e da perda de vegetação nos espaços urbanos, de florestas, da diversidade biológica, de biomas, entre ouras manifestações nocivas (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 212).

O contexto descrito parece ser incompatível com a reparação do dano ambiental por meio da tutela coletiva, sujeita aos prazos prescricionais regulados pelo CC - art. 206, § 3º, V (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 212).

Nesse caso, somente a admissão da imprescritibilidade do dano poderia assegurar que o resultado útil, restauração e reparação do dano, pudesse ser obtido. Se a determinação do momento do dano poderia ser relativamente simples em casos em que este se restringe ao desmatamento ilegal, por outro lado já seria praticamente impossível no caso de danos ao patrimônio histórico, cultural, paisagístico, poluição histórica, danos órfãos, entre outros (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 212).

No sistema jurídico brasileiro o dano ambiental é ambivalente (Lorenzetti; Lorenzetti, 2018LORENZETTI, Ricardo; LORENZETTI, Pablo. Derecho Ambiental. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2018., p. 320), pois lesa ao mesmo tempo interesses difusos, coletivos estrito senso, individuais homogêneos e individuais. Além do que, no aspecto jurídico a lesão ambiental diz respeito a um direito fundamental ambiental (artigo 225, caput da Constituição Federal de 1988), bem de uso comum e essencial a qualidade de vida, com efeitos jurídicos de irrenunciabilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade.

O fundamento jurídico da responsabilidade civil ambiental encontra amparo no sistema normativo especial da lei n. 6938/1981, conforme art. 14, § 1º. Observando o que dispõe o art. 225, § 3º, da Constituição Federal de 1988 e subsidiariamente o art. 927, parágrafo único, do Código Civil e demais artigos, tal fundamento é embasado pela responsabilidade civil objetiva ou conforme a teoria do risco integral.

O regime especial da responsabilidade civil por dano ambiental é multifocal e amplo, pois prevê a possibilidade da indenização da lesão ao bem ambiental intrinsecamente considerado (macrobem comum da coletividade) e simultaneamente a terceiros relativo ao interesse pessoal oriundo da lesão ambiental (microbem ambiental, pessoal e privado) em relação ao interesse próprio do sujeito (efeitos ricochete da lesão ao bem ambiental), que podem concomitantemente afetar interesses difusos ao mesmo tempo, conforme expresso no artigo 14 § 1.º da Lei 6938/81.

Partindo da premissa que não existe um conceito normativo de dano ambiental, podemos deduzir a partir de uma interpretação sistêmica jurídica que este se caracteriza como toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 82).

A multidimensão da danosidade ambiental no nosso sistema normativo foi inovadora ao trazer forma integrativa a todas as facetas dos danos ambientais, em um regime especial, agregando a responsabilidade objetiva por risco, sendo a reparação da sanção civil o mais integral possível em sua extensão, agregando interesses e direitos multifocais.

Na hipótese de o litígio tratar de sanção civil relativa a dano ao macrobem ambiental, direito fundamental ao bem difuso ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade de vida, tem como pressuposto jurídico a indivisibilidade do bem comum de todos, interdependência da coletividade relativa ao mesmo, além de ser um direito fundamental com um perfil próprio, conforme dito, que agrega o elemento da imprescritibilidade. A responsabilidade civil nesta hipótese é de longa duração, pois diz respeito a um direito intergeracional comum.

Na hipótese do dano ao microbem ambiental relativo à lesão ao interesse individual e oriundo de um dano ricochete, entende-se que o regime especial integrativo da responsabilidade civil ambiental incide na maioria dos casos, com a imprescritibilidade da lesão ambiental. Verifica-se, desta forma, que a regra geral no caso do Código Civil vigente só pode ser aplicada subsidiariamente, isto é, no caso da lesão ambiental prevalece o regime da lei especial, conforme já referido.

De forma geral não é possível dissociar danos ambientais individuais reflexos ou ricochetes do dano ambiental puro, relativo ao macrobem ambiental, pois de fato este primeiro dano - dano individual próprio - origina-se diretamente do segundo, podendo o bem comum em várias hipóteses ficar sem reparação (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 83).

Partindo da existência do direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, essencial para desenvolvimento da pessoa, que se conecta com o direito à saúde, à própria vida e à integridade física, pode sustentar-se a imprescritibilidade da ação para exigir a responsabilidade por uma agressão ao meio ambiente que implica sua degradação, na medida em que o dano ambiental é diretamente um dano à saúde coletiva. Há que levar em conta que a saúde, a vida e a integridade física se inserem no marco dos bens e direitos da personalidade, e estes são imprescritíveis.

Ademais, o conceito de personalidade encontra-se em metamorfose. Para Ascensão (Ascensão, 1997ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: teoria geral, v. 1, Coimbra: Coimbra Ed., 1997. , p. 64):

A dignidade da pessoa humana implica que a cada homem sejam atribuídos direitos, por ela justificados e impostos, que assegurem esta dignidade na vida social. Estes direitos devem representar um mínimo que crie o espaço no qual cada homem poderá desenvolver sua personalidade.

Ainda, os direitos da personalidade são históricos, isto é, mutáveis no espaço e no tempo. Surgem constantemente novas tutelas de acordo com as mudanças nas relações sociais. De fato, a consciência ecológica somente surgiu nas últimas décadas, juntamente com visão de que um meio ecologicamente equilibrado é condição para o bom desenvolvimento da personalidade humana.

Dada a complexidade da crise ecológica, a perspectiva do direito de personalidade vem sofrendo uma metamorfose em relação aos tradicionais elementos de liberdade de expressão, por exemplo, caminha-se da intimidade como um direito subjetivo para um direito de personalidade difusa, coletiva, justamente porque se configura como uma condição para a qualidade de vida, essencial ao seu desenvolvimento. Na mesma senda, encontra-se o direito à equidade intergeracional, elemento cuja importância é essencial para a sobrevivência da humanidade, considerando o referido liame com a crise ecológica mencionada.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos bens e valores indivisíveis e indispensáveis à personalidade humana, vez que considerado essencial à sadia qualidade de vida e, portanto, à dignidade social. Nesta acepção, o direito da personalidade ao meio ambiente justificar-se-ia, vez que a existência de um ambiente salubre e ecologicamente equilibrado representa uma condição especial para um completo desenvolvimento da vida do homem.

Com efeito, se a personalidade humana se desenvolve em formações sociais e depende do meio ambiente para a sua sobrevivência, não há como negar um direito análogo a este.

Pode-se citar o seguinte exemplo fictício para demonstrar esta metamorfose do direito de personalidade na percepção coletiva e difusa: suponhamos que um poluidor derrube a figueira da Praça XV de Novembro de Florianópolis; que tipo de lesão civil poderia ser possível neste caso? Seria certamente um dano multifocal, pois atingiu uma figueira história, patrimônio cultural que tem um elo coletivo muito forte com o florianopolitano, redundando em uma lesão imaterial à personalidade difusa, especialmente ao manezinho da ilha.

Trujillo nota que o estabelecimento de um prazo em relação à lesão patrimonial, nascida de uma alteração no meio ambiente, resulta totalmente insuficiente para o sistema de prescrição (Trujillo, 1991TRUJILLO, Eulália Moreno. La protección jurídica privada del médio ambiente y la responsabilidad por su deteriora. Barcelona: JMB, 1991., p. 65). Importante salientar que muitos destes danos ambientais puros ou reflexos ficam irreparáveis, pois muitas vezes não se tem certeza científica em relação ao dano ambiental, dificultando a sanção civil e mesmo a contagem de eventuais prazos prescricionais.

Em relação ao dano ambiental individual reflexo ou ricochete, poderá haver raríssimas exceções ao regime especial, mas somente em casos específicos nos quais fique demonstrada claramente e com consistência a dissociação entre uma lesão individual e concomitante e uma lesão difusa ao bem comum, sendo esta última apenas abstrata ou eventualmente lesiva. Neste caso, caberá ao juiz do caso concreto avaliar se ficou caracterizada a conexão, concomitante, justificando motivadamente, se não se trata de caso que exponha a dimensão coletiva ou difusa dos danos ambientais, para o fim de se aplicar, de forma excepcional, o regime jurídico de Direito privado às ações destinadas à reparação dos danos.

Nestas exceções o juiz deve, como foi dito, como primeira etapa examinar, exaustivamente, a não associação concomitante da lesão ambiental e o interesse individual do dano ricochete. Neste caso surgirão várias hipóteses de transformação do direito de personalidade que poderão ser caracterizadas como danos existenciais. Um dano existencial pode ser considerado “(...) como uma lesão a um conjunto de relações que fazem parte do desenvolvimento da personalidade de um indivíduo, de ordem pessoal ou social, sendo uma afetação negativa, total ou parcial, permanente ou temporária”, conforme bem leciona Flaviana Rampazzo Soares (Rampazzo Soares, 2009RAMPAZZO SOARES, Flaviana. Responsabilidade Civil por Dano Existencial. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2009., p. 44). Também, caberá ao juiz verificar se a lesão ambiental ainda provoca efeitos negativos de forma continuativa total ou parcialmente ou se a lesão cessou de produzir externalidades negativas ambientais. Posteriormente, caberá ao juiz examinar as questões da lesão continuada, intertemporal e transtemporal, pois o dies a quo corre somente a partir da manifestação inequívoca dos efeitos no caso do dano reflexo (Milaré; Morais; Bezerra, 2020MILARÉ, Édis; MORAIS, Roberta Jardim; BEZERRA, Mayara Alves. Dano ambiental individual e o prazo prescricional da respectiva ação reparatória. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/308712/dano-ambiental-individual-e-o-prazo-prescricional-da-respectiva-acao-reparatoria. Acesso em: 12 fev. 2020.
https://www.migalhas.com.br/depeso/30871...
).2 2 Édis Milaré, Roberta Jardim Morais e Mayara Alves Bezerra são ainda mais incisivos e sustentam que o marco inicial, nesse caso, deve ser aquele do momento em que todos os efeitos do dano em sua dimensão difusa e coletiva já se perfizeram e já foram saneados. Conforme explicam os autores: “ o curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas consequências, o que somente poderá ser fixado quando da solução definitiva dos passivos ambientais, resultantes do dano coletivo, momento em que será possível avaliar até em sua esfera individual de interesse. Em outro modo de dizer, a ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo, na esfera individual, somente ocorrerá quando solucionado definitivamente o dano ambiental coletivo.” .” (MILARÉ; MORAIS; BEZERRA, 2021)

É importante mencionar, por outro lado, que a jurisprudência brasileira do STJ vem avançando significativamente a interpretação do dano ambiental e a responsabilidade civil ambiental, criando teses baseadas em precedentes de Direito Ambiental (Superior Tribunal de Justiça, 2021hBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência em Teses. Direito Ambiental. Disponível em: http://www.stj.jus.br/internet_docs/jurisprudencia/jurisprudenciaemteses/Jurisprudência%20em%20teses%2030%20-%20direito%20ambiental.pdf. Acesso em: 12 jun. 2021h.
http://www.stj.jus.br/internet_docs/juri...
), e súmulas relativas ao dano ambiental (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 168). A partir dessa organização poderiam ser sintetizadas algumas conclusões:

  1. 1.

    Admite-se a condenação simultânea e cumulativa das obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar na reparação integral do meio ambiente;

  2. 2.

    Não há direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente, não existindo permissão ao proprietário ou posseiro para a continuidade de práticas vedadas pelo legislador;

  3. 3.

    Os responsáveis pela degradação ambiental são coobrigados solidários, formando-se, em regra, nas ações civis públicas ou coletivas, litisconsórcio facultativo;

  4. 4.

    Em matéria de proteção ambiental, há responsabilidade civil do Estado quando a omissão de cumprimento adequado do seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento do dano causado;

  5. 5.

    A obrigação de recuperar a degradação ambiental é do titular da propriedade do imóvel, mesmo que não tenha contribuído para a deflagração do dano, tendo em conta sua natureza propter rem;

  6. 6.

    A responsabilidade por dano ambiental é objetiva, informada pela teoria do risco integral, sendo o nexo de causalidade o fator aglutinante que permite que o risco se integre na unidade do ato, sendo descabida a invocação, pela empresa responsável pelo dano ambiental, de excludentes de responsabilidade civil para afastar sua obrigação de indenizar;

  7. 7.

    A Súmula 613 do STJ prescreve: “Não se admite a aplicação da teoria do fato consumado em tema de Direito Ambiental” (Superior Tribunal de Justiça, 2021kBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 613. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27613%27).sub.. Acesso em 12 jun. 2021k.
    https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc...
    );

  8. 8.

    A Súmula 618 do STJ prescreve: “A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental” (Superior Tribunal de Justiça, 2021lBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 618. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc.jsp?livre=(sumula%20adj1%20%27618%27).sub. Acesso em 12 jun. 2021l.
    https://scon.stj.jus.br/SCON/sumanot/toc...
    ).

Fica claro que a norma abriu espaço para uma visão interpretativa mais aberta e adaptada da responsabilidade civil ambiental. Além do que, na argumentação de várias decisões onde são utilizados princípios de direito ambiental como o in dubio pro natura, poluidor pagador e da responsabilidade integral e da solidariedade em matéria de responsabilização ambiental.

Demostrando um avanço mais explícito nesta nova interpretação no item 5 acima verifica-se que poderá haver responsabilidade sem o nexo causalidade direito, pois com a consideração da natureza proper rem da obrigação, quem adquire uma propriedade com degradação ambiental é responsável pelo dano ambiental.

2. O ARGUMENTO DA REPARAÇÃO INTEGRAL E A IMPRESCRITIBILIDADE DO DANO AMBIENTAL NA JURISPRUDÊNCIA DO STJ

A imprescritibilidade da pretensão de reparação do dano ambiental fundamenta-se em dois argumentos principais. Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que o instituto da prescrição tutela um interesse privado consistente na proteção da segurança jurídica e da estabilidade das relações jurídicas, enquanto o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, de caráter coletivo, que se apresenta como pré-requisito para a efetivação de qualquer outro direito fundamental, gozando dos atributos da irrenunciabilidade, da inalienabilidade e da imprescritibilidade. No cotejo desses dois princípios em jogo, a proteção do bem ambiental, sem qualquer dúvida, deve prevalecer (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 93).

Por outro lado, deve-se considerar que uma das peculiaridades do dano ambiental é a possibilidade de os seus efeitos projetarem-se no futuro, ultrapassando, muitas vezes, os limites entre duas gerações. Dessa forma, o estabelecimento de prazos para o exercício da pretensão reparatória pode inviabilizar a reparação ambiental, deixando o meio ambiente e as futuras gerações indefesos (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 93).

O tema foi enfrentado pelo STJ em duas ocasiões bastante representativas. Primeiro, no julgamento do REsp 647.493/SC e, posteriormente, de forma mais enfática, no julgamento do REsp 1.120.117/AC, quando então seria exposto o conflito referido, de forma direta, relacionando as necessidades de estabilização das relações jurídicas e de proteção do meio ambiente e da saúde humana (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 212).

No primeiro caso, a questão exposta ao tribunal tinha por objeto a pretensão de reparação civil pelos danos ambientais produzidos por um complexo carbonífero no município de Criciúma, proposta pelo Ministério Público Federal perante cada uma das companhias responsáveis pela exploração de carvão na região, seus sócios, e a União, em decorrência da afirmação de falha em seu dever de fiscalizar o acesso aos recursos minerais (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 212).

O juízo de origem julgou parcialmente procedente a ação para a finalidade de atribuir a todos os réus o dever de elaborar plano de recuperação e a responsabilidade de implementá-lo ao longo de quatro anos, decisão que seria reformada parcialmente pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região, para afastar a responsabilidade dos sócios, mantendo substancialmente o seu conteúdo. Isto implicou, concretamente, a manutenção da solidariedade entre todos que teriam condições de contribuir para o resultado lesivo, a responsabilidade da União pela falha na execução do serviço, e sobretudo, a imprescritibilidade do dano ambiental, por se ter afastado, no caso, a incidência do texto do art. 1.º, caput, do Dec. 20.910/1932, o qual fixa o prazo de cinco anos para o exercício de quaisquer pretensões reparatórias perante as pessoas jurídicas de Direito público (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 212-213).

A decisão de origem descreveu o contexto de extensos prejuízos à incolumidade de redes hidrográficas e à qualidade dos recursos hídricos, além de expressivos cenários de contaminação por metais pesados, bem como a evidente relação que estes prejuízos poderiam estabelecer, como a elevação nos números de doenças e nos quadros de degradação da saúde dos moradores ao longo da bacia do rio Araranguá, bem como de todos os rios que têm seus leitos na extensão da bacia carbonífera (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 213).

Diante do cenário exposto, o relator, Min. João Otávio de Noronha, confirmou a orientação que já havia sido exposta pelo TRF da 4.ª Região para reconhecer que, na hipótese de danos continuados, tal como os danos expostos à cognição do Tribunal, não se pode conceber a produção dos efeitos da prescrição, tendo concluído expressamente que os danos ambientais são imprescritíveis (BrasilBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 647.493/SC. Rel. Min. João Otávio de Noronha. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 08 mar. 2021a.
http://www.stj.jus.br...
, STJ, REsp 647.493/SC).

Sendo assim, o Tribunal reconheceu nessa primeira oportunidade, que a indivisibilidade do dano justificaria a indivisibilidade do dever de reparar os danos ambientais, os quais deveriam ser atribuídos coletivamente a todos que teriam concorrido ou estivessem em condições de concorrer para o resultado nocivo. Por outro lado, também reconheceu que decorre dos efeitos continuados dos danos ambientais descritos, a imprescritibilidade das ações destinadas a obter sua reparação.

Nessa ocasião não foi exposta a análise do conflito inicialmente descrito, que relaciona a necessidade de se estabilizar as relações jurídicas e, de outro lado, a necessidade de se assegurar a proteção dos direitos fundamentais perante riscos de todas as ordens, e que agora estão situados em uma escala que não conhece limites geracionais (Brasil, STJ, REsp 647.493/SC).

A complexidade do tema somente seria enfrentada de forma direta, no julgamento do REsp 1.120.117BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Esepcial 1.120.117/AC. Rel. Min. Eliana Calmon. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 08 mar. 2021c.
http://www.stj.jus.br...
/AC, tendo-se reconhecido na ocasião, que (BrasilBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial 1.120.117/AC. Rel. Min. Eliana Calmon. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 08 mar. 2021b.
http://www.stj.jus.br...
, STJ, REsp 647.493/SC):

No conflito entre estabelecer um prazo prescricional em favor do causador do dano ambiental, a fim de lhe atribuir segurança jurídica e estabilidade, com natureza eminentemente privada, e tutelar de forma mais benéfica bem jurídico coletivo, indisponível, fundamental, que antecede todos os demais direitos - pois sem ele não há vida, nem saúde, nem trabalho, nem lazer -, este último prevalece, por óbvio, concluindo pela imprescritibilidade do direito à reparação do dano ambiental (Brasil, STJ, AgRg no REsp 1.120.117/AC).

A análise do tema ainda tem condições de expor consequências de igual ou maior relevância para a compreensão do sentido útil de outros princípios de direito ambiental, e que, aparentemente, ainda não mereceram a atenção da comunidade jurídica nacional (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 213).

Referimo-nos aqui, particularmente ao resultado exposto no REsp 1.120.117/AC (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2021c), que externou com clareza a visível relação entre a afirmação da imprescritibilidade do dano ambiental, primeiro como um efeito de um princípio de reparação integral do dano ambiental, e principalmente, como um efeito de um princípio de responsabilidade de longa duração, ou princípio de equidade intergeracional (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 214).

Sob a perspectiva referida, exibe-se nesta oportunidade, uma visível relação entre os princípios de responsabilidade de longa duração e o princípio da responsabilização, reconhecendo-se que foi atribuído ao Estado, um dever de proteção ativa que exige a redução dos riscos, em colaboração com a coletividade, dever que não tem seu alcance limitado em uma escala geracional, pois conforme bem salientou a Ministra relatora Eliana Calmon (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 214):

[...] não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras. Como poderia a geração atual assegurar o seu direito de poluir em detrimento de gerações que ainda nem nasceram?! Não se pode dar à reparação da natureza o regime de prescrição patrimonial do direito privado.

Em outra ocasião, o Min. Herman Benjamin foi mais enfático ao estabelecer uma clara relação entre os princípios da responsabilização e de responsabilidade de longa duração, consignando que a proteção dos interesses das futuras gerações requer compromissos e iniciativas de proteção reforçadas, destinadas a reduzir ou a mitigar os riscos. Conforme observado pelo Ministro (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 214):

O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados - as gerações futuras - carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome. Décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente (BrasilBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 948.921/SP. Rel. Min. Herman Benjamin. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 10 mar. 2021d.
http://www.stj.jus.br...
, STJ, REsp 948.921/SP, online).

Para tanto, admite-se que será deficiente a iniciativa estatal para o fim de proteção dos direitos fundamentais (os quais expõem realidades existenciais de conteúdo social, econômico e principalmente, cultural e espiritual, como no caso analisado no REsp 1.120.117/AC), se não for possível que se obtenha a reparação integral dos danos ambientais, sendo exigível, portanto, soluções que obstem cenários de irresponsabilização (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 214).

Sendo assim, a partir do julgamento do REsp 1.120.117/AC é possível admitir a imprescritibilidade do dano ambiental não só como um instrumento capaz de assegurar a reparação integral dos danos ambientais (art. 225, § 3.º, da CF/1988), senão como instrumento capaz de assegurar a proteção de interesses expostos a efeitos de larga escala, contexto que expõe claramente as consequências práticas de um princípio de responsabilidade de longa duração (art. 225, caput, da CF/1988), além de constituir instrumento de reforço perante as consequências nocivas de estados de irreversibilidade, cujo agravamento se faz presente, particularmente, nas relações em que se encontram expostos valores culturais, paisagísticos, históricos e ecológicos (Leite; Ayala, 2020LEITE, Jose Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020., p. 214).

Diante do contexto descrito, parece ser possível argumentar que a hipótese de irreversibilidade dos efeitos e de prejuízos aos direitos originários dos povos indígenas e aos interesses das futuras gerações, justificaria a afirmação de um imperativo de proteção, que se manifestaria através da afirmação da imprescritibilidade das ações destinadas a obter a reparação e a restauração dos danos ambientais.

3. O PROBLEMA DA PRESCRITIBILIDADE DOS DANOS AOS MICROBENS AMBIENTAIS, A DIFÍCIL SEPARAÇÃO DE SUA DIMENSÃO COLETIVA E DIFUSA, E A NECESSIDADE DE ESPECIAL PROTEÇÃO DAS VÍTIMAS

Já foi dito que a ambivalência do dano ambiental e de seus efeitos origina a possibilidade que se distingam efeitos patrimoniais ou não patrimoniais que tenham origem na degradação da qualidade dos recursos naturais - sendo estes danos pessoais e individuais, reflexos ou ricochetes - dos danos que estejam associados à restauração ou reparação dos próprios atributos ecológicos e naturais degradados. Estes são danos assim denominados ecológicos puros, relacionados à sua dimensão coletiva ou difusa, enquanto macrobem ambiental. Estes últimos merecerão especial atenção neste estudo sob o ângulo da imprescritibilidade das ações destinadas à sua reparação, devendo considerar estes, como bem explica Chacon, como “(...) aquele tipo especial de dano que rompe com os princípios de autoregulação y de autoperpetuação dos ecossistemas, e portanto, com seu equilíbrio natural (...).” (Chacon, 2013, p. 123)3 3 No mesmo sentido: SOZZO, Gonzalo. Reparar el Daño a los Bienes Comunes. Del Daño Moral Colectivo al Daño a los Derechos de Incidencia Colectiva, y de alli al Daño Ecologico. Revista de Derecho de Daños, n. 3, p. 423, Diciembre 2018. .

Essa distinção entre os danos que afetem macrobens e microbens ambientais não se adstringe ao desenvolvimento doutrinário de sua tipologia, senão se encontra afirmada na jurisprudência do STJ, para o fim de se determinar o caráter público ou privado dos danos relatados, tendo sido assim decidido pela sua Corte Especial nos autos da QO no REsp 1711009/MG, tendo origem na apreciação das demandas originadas do rompimento da barragem de rejeitos químicos de Fundão, em Mariana/MG, em acórdão publicado na data de 23/03/2018 (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2021eBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. QO no REsp 1711009/MG. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 12 jun. 2021e.
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).

A distinção entre as dimensões pessoais e coletivas/difusas do dano ambiental tem sua manifestação mais pragmática quando associada à afirmação dos prazos de prescrição das ações de reparação, tendo o mesmo tribunal reconhecido que os danos aos microbens, sendo privados, encontrariam seu regime de prescrição vinculado a prazo trienal definido pelo Código Civil em seu artigo 206, § 3º, inciso V, iniciando-se a partir da data de sua ciência inequívoca pelos afetados, conforme foi decidido nos autos do REsp 134.6489/RS, relatado pelo min. Ricardo Villas Bôas Cueva, e publicado em 26.08.2013 (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2021fBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 134.6489/RS. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 12 jun. 2021f.
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).

Embora tal distinção esteja confirmada pela jurisprudência do tribunal superior, a absoluta dissociação dos danos ricochetes de sua dimensão difusa ou coletiva não resulta clara do conjunto de suas decisões, uma vez que o tribunal já considerou que a propositura de ações que versem sobre demandas difusas ou coletivas, interrompe o curso do prazo prescricional para a propositura daquelas ações que exponham violações a direitos individuais homogêneos.

A orientação foi firmada por ocasião do julgamento do REsp n. 1.641.167/RS, relatado pela ministra Nancy Andrighi e publicado em quando se discutiu caso que é característico das especificidades dos efeitos dos danos ecológicos (Brasil, Superior Tribunal de Justiça, 2021gBRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.641.167. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Acesso em: 12 jun. 2021g.
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). Tratava-se de demanda de reparação por danos materiais e morais indenização por danos materiais e morais que vinculava a contaminação produzida pela sua exposição e de seus familiares, a produtos químicos para tratamento de postes de madeira, utilizados por companhia energética estadual, ao desenvolvimento de gravíssimas enfermidades. Estas consubstanciadas consistiram, a saber, em: depressão, problemas cardíacos, diabete, pressão alta, insônia, perda de dois bebês em gestações diferentes, desenvolvimento de câncer no cérebro no filho da requerente, problemas sanguíneos na filha da requerente, câncer no intestino em seu genitor, tendo este, trabalhado diretamente na empresa fabricante dos postes e que utilizou os produtos contaminantes, a qual encerrou suas atividades em 31 de dezembro de 2005.

Muito embora a questão tenha sido apreciada sob o ângulo de uma abordagem de Direito privado, fixando-se na determinação de prazo prescricional, e tendo-se determinado que este teria que ser considerado pela data em que se teve efetiva ciência dos efeitos do dano, é conveniente ilustrar que o tribunal não chegou a propor um elastecimento do que se deveria entender por ciência inequívoca do fato, não tendo especificado, com clareza, portanto, qual seria esse evento (inclusive porque as instâncias originárias não o fizeram).

Considera-se que muito embora a Lei n. 6.938/1981 não tenha, de fato, fixado regras expressas para o fim de regular o prazo de prescrição para as ações de reparação dos danos ao meio ambiente e, assim também não o tenha sido feito pela Lei n. 7.347/1985, ao regular o seu principal instrumento, a ação civil pública, aplicar a regra de subsidiaridade não favoreceria solução adequada para a especificidade material dos efeitos dos danos ambientais.

Se os efeitos dos danos nem sempre estão plenamente instalados ou são completamente conhecidos pela técnica ou pela ciência disponível, é de difícil determinação a fixação de um marco inicial, e do momento em que o dano (ou que seus efeitos) sejam de pleno conhecimento dos lesados ou dos afetados.

De outra forma, os danos ambientais normalmente não têm sua execução instantânea, sendo no mínimo continuados e, por vezes cumulativos, características que também dificultam a determinação do dies a quo do prazo prescricional para o ressarcimentos danos reflexos, pessoais ou ricochetes.

Terceiro argumento que suscita, no mínimo, maior reflexão sobre a distinção entre os danos para fim de se fixar regimes prescricionais reside no fato de que a separação dos danos privados de sua dimensão coletiva ou difusa pode suscitar hipóteses em que a própria vítima será desfavorecida porque nem sempre poderá conhecer os efeitos ou a própria nocividade de fatos ou exposições a que tenha sido exposta, seja porque os efeitos do dano ainda não cessaram, seja porque sequer a ciência permitia conhecê-lo oportunamente.

Sob os três argumentos iniciais, verifica-se que não seria possível impor-se, ao menos de forma automática, aos proponentes de demandas individuais, a sujeição a prazo prescricional se é factível que o ofendido sequer tenha conhecimento das violações de seus direitos, porque não conhece o fato lesivo.

Nessa perspectiva, se não é factível afirmar-se como resultado dessas dificuldades, a imposição de um regime de imprescritibilidade dos danos, ao menos se deve propor à aplicação das regras de Direito privado, um caminho hermenêutico que melhor possa favorecer a proteção dos interesses violados e, sobretudo, que melhor possa assegurar a proteção das vítimas.

Semelhante resultado interpretativo permitiria considerar como possível, que a efetiva ciência dos eventos lesivos também alcançasse, em hipóteses sujeitas a elevados graus de incerteza científica sobre a periculosidade dos danos (danos que decorrem de fontes que só se soube perigosas muito tempo após os fatos, dado o grau de incerteza científica da época dos fatos), ou em casos nos quais há extensa projeção temporal de seus efeitos, distanciando-os no tempo do início das emissões, um resultado que não pode ser previamente fixado por meio de única referência interpretativa. Essas dificuldades exigiriam a proposição de soluções interpretativas flexíveis para o que se considere efetiva ciência do dano, tais como: o momento em que todos os efeitos nocivos se instalaram de forma completa, ou o momento em que os danos cessaram, ou ainda, o momento em que mesmo que se tornou possível, a partir da valoração do conhecimento científico disponível que uma exposição pretérita lhe foi nociva.

Note-se que, quando o STJ afirmou em alguns julgamentos, a necessidade de que a regra da actio nata seja flexibilizada para admitir-se o marco inicial da efetiva ciência do ilícito, o fez em algumas hipóteses para o fim de se assegurar melhor proteção à vítima.

Nesse sentido, a ministra Nancy Andrighi explicou em suas razões de voto no REsp n. 1.641.167/RS que: “Nesses julgamentos, afirmou que não seria possível esperar que alguém ajuíze ação sem ter ciência do dano sofrido, razão por que o prazo inicial da prescrição somente se inicia pela ciência inequívoca do fato lesivo e que, se a prescrição é uma punição à morosidade ou negligência do titular, não é possível compreendê-la quando a inércia do titular decorre da ignorância da violação.”

Por fim, outro aspecto que nos parece merecer, neste momento a máxima consideração pelos tribunais para o fim de se guiar o regime da reparação dos danos é a necessidade de se reconhecer que alguns danos não admitem, sequer, sua separação entre suas dimensões pessoal, coletiva ou difusa. Estão compreendidos nestes danos, todos aqueles danos, atos, práticas e processos que ameacem a integridade existencial dos povos indígenas, sendo esta (integridade existencial), uma realidade definida, explicada e justificada por meio de cosmovisões, as quais, muito embora sejam distintas, guardam como identidade mitológica, a compreensão de que o sentido da vida é relacional. Em outras palavras, nestas cosmovisões a identidade existencial só existe no todo, não sendo possível conceber-se existência (e um sentido para a), senão no coletivo.

Ainda que o tema prescrição não tenha sido aquele enfrentado diretamente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), esta já confirmou e afirmou em diversas oportunidades a existência de cosmovisões distintas para o fim de se transformar o conteúdo de direitos (humanos) construídos sob uma perspectiva individual, atribuindo-lhes uma dimensão coletiva e intergeracional, como o foi no caso da propriedade coletiva dos povos indígenas. Desde o ano de 2001, portanto, muito antes de se sequer conceber a existência de uma denominação para o novo constitucionalismo latinoamericano, e muito antes de se ter em perspectiva experiências constitucionais como a equatoriana e a boliviana, o sistema interamericano de direitos humanos reconheceu a existência de cosmovisões e lhes atribuiu o poder de influenciar a definição e o conteúdo dos direitos humanos, além de também ter reconhecido que outros modos de explicar e justificar o mundo e os direitos é possível e deve ser protegido pelas instituições.

Desde o caso de la comunidad Awas Tingni (Costa Rica, CIDH, 2021aCOSTA RICA. Corte Interamericana de Derechos Humanos. Caso da Comunidade Mayagna (Sumo) Awas Tingni Vs. Nicarágua. Sentença de 31 de agosto de 2001. 2001. Mérito, Reparações e Custas. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_79_por.pdf. Acesso em: 12 jun. 2021a.
http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/art...
), de 2001, passando-se ao caso do povo Saramaka (Costa Rica, CIDH, 2021bCOSTA RICA. Corte Interamericana de Derechos Humanos. Caso do Povo Saramaka v. Suriname. Sentença de 28 de novembro de 2007. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2016/04/cc1a1e511769096f84fb5effe768fe8c.pdf. Acesso em: 12 jun. 2021b.
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), em 2007, no qual foram reconhecidos danos espirituais reparáveis pelo Estado em benefício do povo Saramaka, passando-se ao caso Sarayaku (Costa Rica, CIDH, 2021cCOSTA RICA. Corte Interamericana de Derechos Humanos. Caso do Povo Indígena Kichwa de Sarayaku v. Equador. Sentença de 27 de junho de 2012. Mérito e Reparações. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2016/04/dd8acea6c7256808b84889d6499e6aaa.pdf>. Acesso em: 12 jun. 2021c.
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), em 2012, verifica-se no sistema interamericano de proteção de direitos humanos, que os direitos humanos definidos e protegidos neste sistema, reconhecem dimensões existenciais que só possuem sentido e significado, coletivamente.

No caso precursor, da comunidade Awas Tingni, o então juiz Cançado Trindade, em conjunto com os juízes Máximo Pacheco Gomez e Alirio Abreu Burelli, assim consignaram (Costa Rica, CIDH, 2021a):

8. Consideramos necessário ampliar este elemento conceitual com uma ênfase na dimensão intertemporal do que nos parece caracterizar a relação dos indígenas da Comunidade com suas terras. Sem o uso e gozo efetivos destas últimas, eles estariam privados de praticar, conservar e revitalizar seus costumes culturais, que dão sentido à sua própria existência, tanto individual como comunitária. O sentimento que se observa é no sentido de que, assim como a terra que ocupam lhes pertence, por sua vez eles pertencem à sua terra. Têm, pois, o direito de preservar suas manifestações culturais passadas e presentes, e de poder desenvolvê-las no futuro.

9. Daí a importância do fortalecimento da relação espiritual e material dos membros da Comunidade com as terras que têm ocupado, não só para preservar o legado das gerações passadas, mas também para assumir e desempenhar as responsabilidades que eles assumem a respeito das gerações por vir. Daí, ademais, a necessária prevalência que atribuem ao elemento da conservação sobre a simples exploração dos recursos naturais. Sua forma comunal de propriedade, muito mais ampla que a concepção civilista (jusprivatista), deve, a nosso juízo, ser apreciada a partir deste prisma, inclusive sob o artigo 21 da Convenção Americana de Direitos Humanos, à luz dos fatos do caso d’espèce.

10. A preocupação pelo elemento da conservação reflete uma manifestação cultural da integração do ser humano com a natureza e o mundo em que vive. Esta integração, acreditamos, projeta-se tanto no espaço como no tempo, porquanto nos relacionamos, no espaço, com o sistema natural de que somos parte e que devemos tratar com cuidado, e, no tempo, com outras gerações (as passadas e as futuras), em relação com as quais temos obrigações.

Posteriormente, no caso do povo Sarayaku a Corte consignou que (Costa Rica, CIDH, 2021cCOSTA RICA. Corte Interamericana de Derechos Humanos. Cuadernillo de Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. N. 22. Derechos Econômicos Sociales, Culturales y Ambientales. San Jose: CIDH, 2018.):

146. Devido à conexão intrínseca que os integrantes dos povos indígenas e tribais tem com seu território, a proteção do direito a sua posse, uso e gozo é necessária para garantir a sua sobrevivência, ou seja, o direito a usar e usufruir do território careceria de sentido no contexto dos povos indígenas e tribais caso esse direito não estivesse vinculado à proteção dos recursos naturais que se encontram no território. Por isso, a proteção dos territórios dos povos indígenas e tribais também decorre da necessidade de garantir a segurança e a manutenção, por parte deles, do controle e uso dos recursos naturais, o que, por sua vez, permite manter seu modo de vida. Essa vinculação entre o território e os recursos naturais que os povos indígenas e tribais usaram tradicionalmente e que são necessários para sua sobrevivência física e cultural, bem como para o desenvolvimento e continuidade de sua cosmovisão, deve ser protegida pelo artigo 21 da Convenção para garantir que possam continuar vivendo de acordo com seu modo de vida tradicional, e que sua identidade cultural, estrutura social, sistema econômico, costumes, crenças e tradições distintas sejam respeitados, garantidos e protegidos pelos Estados.

Portanto, se assim o é, a reparação das violações a essas identidades existenciais só pode sê-la mediante o uso de regimes jurídicos públicos, coletivos.

Se o Brasil reconhece a jurisdição contenciosa e consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos, não se poderia justificar que os tribunais nacionais pudessem ignorar, portanto, que os danos ao significado existencial dos povos indígenas não podem e não admitem ser tratados sob um ângulo que divida as dimensões entre pessoais e coletivas, justamente porque a primeira não existe neste contexto, ao menos quando são valorados os prejuízos aos elementos naturais de seus territórios.

Nesse sentido, uma distinção automática entre danos públicos (lato sensu), e danos privados, ou entre danos que onerem o macrobem ambiental ou os microbens ambientais, para o efeito de se distinguir regimes públicos ou privados na fixação de prazos para prescrição pode se demonstrar prejudicial não apenas para o fim da reparação dos danos ecológicos puros, senão à própria vítima.

Para tanto, propõe-se que o julgador deveria, no mínimo, considerar alguns critérios de distinguishing materiais, tais como: a) há, de fato, danos estritamente patrimoniais ou não patrimoniais que possam ser classificados como pessoais? b) os danos são continuativos ou cumulativos? c) os fatos permitem uma divisão entre uma dimensão pessoal e uma dimensão coletiva ou difusa?

Em reforço a todos esses argumentos deve-se também registrar que o recurso ao argumento de sua regência por lei especial, in casu, a Lei n. 6.938/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente/LPNMA) pode não ser muito útil na medida em que a lei especial não previu prazos para a prescrição das ações de reparação dos danos, e nestes casos, em regra, o uso da subsidiariedade delega a solução para a aplicação do direito civil, sujeitando-as ao regime jurídico de direito privado.

Nesse contexto o que se deve reforçar é que a jurisprudência do STJ já oferece parâmetros hermenêuticos relevantes para que a aplicação da regra da ciência efetiva do ilícito favoreça a condição da vítima, posicionada nessas relações, como sujeito vulnerável. Sob um juízo de estrita proteção da vítima dos danos ambientais, quando demanda de forma pessoal, não se pode ignorar que a aplicação da regra civil de prescrição deve ser guiada por padrões de interpretação que não ampliem sua condição de desfavorabilidade. Nessa direção argumentativa, se a ausência de prazos na legislação especial não constitui argumento suficiente para justificar a imprescritibilidade das demandas pessoais das vítimas dos danos ambientais, por outro lado, a consideração concreta de quando se inicia o prazo prescricional deve se ater à necessidade de dilação temporal desse marco, ao menos, quando o danos se encontrarem sujeitos à incerteza fática ou científica, ou ainda, quando os danos se revelarem continuados, não tendo cessado seus efeitos sobre a vítima, ainda que estes se apresentem muito distantes do início de sua incidência.

É possível demonstrar, portanto, mesmo que não seja possível justificar a propôs interpretação que pôde favorecer, em um ângulo estritamente privatista, o objetivo de tutela da vítima, de sua dignidade, em convergência com os objetivos de um Direito Civil que precisa assegurar que seus instrumentos, suas regras e seus princípios, possam tutelar adequadamente a pessoa humana. Neste caso, tutelar adequadamente a dignidade da pessoa humana exige, no mínimo, que sejam consideradas para o efeito do exercício das ações de tutela, a especial condição de vulnerabilidade das vítimas de danos ambientais, as quais são alcançadas por efeitos de danos dificilmente determináveis de forma completa e segura, quando o evento nocivo tem seu início.

4. A TRANSFORMAÇÃO ECOLÓGICA DO DIREITO DOS DANOS E O DEVER DE SE FAVORECER SUA REPARAÇÃO. OS PRINCÍPIOS IN DUBIO PRO NATURA E A IMPRESCRIBILIDADE DOS DANOS AOS BENS DE INTERESSE PÚBLICO.

Há limites para a responsabilidade civil e esses limites são, neste momento, preponderantemente ecológicos.

Não se restaura ou não se reparam os sistemas naturais se já foram superados os limites do Planeta ou os pontos de inflexão4 4 Sobre os conceitos de ponto de inflexão e de limites planetários, conferir: ROCKSTROM, 2015; ROCKSTROM, 2009; STEFFEN, 2018. .

É por essa razão que a apreciação do problema da construção e hipóteses de imprescritibilidade dos danos deve ser associada a um macro-contexto de transformação do regime jurídico especial definido no Brasil, pelo artigo 14, da lei de PNMA, e pelo artigo 225, § 3º, da Constituição de 1988, os quais propõem um modelo sem culpa e baseado no objetivo de reparação integral.

Considerar os limites do Planeta requer a adequação das estratégias de reparação de danos mediante a consideração de alguns princípios que serão particularmente úteis para se favorecer a noção de que a lesão aos processos ecológicos e sistemas naturais deve ter sua restauração/ressarcimento favorecidos, a saber, pela consideração da integridade ecológica e de um princípio in dubio pro natura.

De que modo esses princípios poderiam colaborar para a transformação ecológica de um Direito de danos, no Brasil?

A integridade ecológica, por exemplo, aponta um caminho para a prevenção e para a precaução. O princípio está localizado na Carta da Terra, de 1992, que sequer é uma norma soft law.5 5 Sobre o tema, conferir:. SHELTON, 2019.

Pelo princípio II.5 da Carta da Terra, os processos ecológicos e a integridade dos sistemas ecológicos devem ser protegidos e restaurados, inclusive pela via da prevenção e da precaução (The Earth Charter, 2021THE EARTH CHARTER. Disponível em: Disponível em: https://earthcharter.org/wp-content/uploads/2020/03/echarter_english.pdf?x28510 >. Acesso em: 12 jun. 2021.
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).

Isso significa dizer que, agora muito mais do que antes, um imperativo de proteção preventiva ou precaucional é uma alternativa importante para se manter a integridade ecológica dos sistemas naturais e, portanto, para se manter a integridade de um dos limites do Planeta, a biosfera.

Por sua vez, o STJ admitiu em ao menos 11 oportunidades6 6 A apreciação sistematizadas desse conjunto de decisões encontra-se em: LEITE; AYALA, 2020, P. 258-260. , a consideração de um princípio in dubio pro natura em sua jurisprudência, tendo considerado, inclusive o sentido pelo qual as normas deveriam ser interpretadas em um sentido que fosse mais favorável à natureza, no mesmo sentido de sua gênese, do texto equatoriano. Esse sentido pode ser identificado nos julgamentos do Recurso Especial n. 1.668.652/PA e do Recurso Especial n. 1.356.207/SP.

Tais contribuições podem favorecer a confirmação da tese da imprescritibilidade dos danos ambientais admitidos em sua dimensão coletiva ou difusa, já amplamente desenvolvida pelo STJ e que, muito recentemente, também foi confirmada pelo STF, em julgamento do dia 20 de abril de 2020, cujo acórdão ainda se encontra pendente de publicação.

Conforme já se registrou, a ordem jurídica brasileira reconhece uma tipologia de danos que distingue os danos pessoais, ricochetes e reflexos, dos danos ecológicos puros.7 7 A esse propósito, conferir: LORENZETTI; LORENZETTI, 2018, p. 320 Os primeiros são os danos patrimoniais ou não patrimoniais das pessoas que têm sua origem na perda da qualidade dos recursos naturais.

Os últimos, os puros danos ecológicos, são aqueles associados à própria perda da qualidade da natureza ou à perda de um processo ecológico. O que é reparado ou restaurado não é um interesse pessoal, mas a própria perda natural.

Os primeiros danos são considerados danos pessoais e individuais e os últimos são danos coletivos ou difusos.

A complexidade dos danos à natureza nem sempre permite segurança na tarefa de determinar quem são os poluentes e quais são as fontes contaminantes.

Da mesma forma, nem sempre também se pode ter certeza de quando o dano começa e quando o dano será removido.

Conforme já foi exposto, a jurisprudência do STJ estabeleceu alternativas para garantir que a proteção ao meio ambiente nas ações de reparação de danos fosse efetiva.

Portanto, um dano coletivo ou difuso, que não se sabe quando foi iniciado e não se sabe quando será removido, não poderia ser enfrentado pelo uso das regras e prazos prescricionais da legislação civil.

Os prazos de prescrição do Código Civil não permitiriam uma tutela efetiva do meio ambiente, considerado como macrobem de interesse de toda a coletividade e das futuras gerações.

Assim, o STJ sustenta que a reparação dos danos ecológicos puros, danos ao meio ambiente em sua dimensão coletiva e difusa, não estão limitados por prazos de prescrição. São imprescritíveis e o são debaixo de duas teses principais: a) os efeitos dos danos geralmente são continuados; b) a reparação da natureza não pode ter o mesmo regime de prescrição do Direito privado.

Um exemplo bastante ilustrativo dessas teses pode ser reconhecido no caso dos carboníferos Criciúma (REsp 647.493/SC), no qual se descrevia cenário de graves danos à bacias hidrográficas, à qualidade das águas, além da contaminação por chumbo e outros metais, com o aumento de casos de doenças em toda a região.

O tribunal superior reconheceu que, se os danos forem contínuos, sua reparação não pode ser frustrada por prazos prescricionais, reconheceu que no caso de conflito entre a necessidade de estabelecer um termo a favor do agente poluidor e da segurança jurídica, e de proteger mais efetivamente um bem jurídico coletivo, a prevalência deste último deve ser reconhecida, e também reconheceu que os danos às gerações futuras e aos povos indígenas são irreversíveis.

Além de todos esses argumentos, é necessário levar em consideração decisão do STF, nos autos do Recurso Extraordinário n. 654833 (Brasil, STF, 2021jBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 654.833. Rel. Min. Roberto Barroso. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 12 jun. de 2021b.
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), tendo originado o tema n. 999 de repercussão geral, onde foi declarado, por maioria de votos, que a regra da imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário público, expressa no artigo 37, § 5º, da Constituição brasileira de 1988, também se aplica aos danos aos bens ambientais, compreendidos aqui em sua dimensão coletiva e difusa, sob a condição de bem de interesse público, veiculada pelo artigo 225, caput, da Constituição brasileira de 1988. 8 8 O tema 999 gerou a seguinte tese: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. Conferir: BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2021. Na doutrina estrangeira, em semelhante sentido, de que os danos ecológicos puros são imprescritíveis, aproximando-os de um regime de direito público, conferir: CHACON, 2013; FRAGA, 2006.

5. A IMPRESCRITIBILIDADE DO DANO AMBIENTAL E O TEMA DE JURISPRUDÊNCIA VINCULATIVA N. 999, DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: SÍNTESE DOS FATOS E ARGUMENTOS DETERMINANTES.

Na data de 26.06.2020 o STF tornou públicas as razões de voto e a integridade dos debates desenvolvidos para a formação de importante decisão tomada pela Corte suprema nacional, tendo por objeto responder se aos danos ambientais podem ser aplicados os prazos prescricionais do Direito privado, ou mesmo, algum prazo prescricional.

Embora o julgamento tenha ocorrido em sessão virtual do dia 20.07.2020, e já tendo sido disponibilizada, posteriormente, a ata de julgamento com o resultado da deliberação, neste momento tornam-se conhecidos todos os argumentos utilizados pelos ministros para fixar a tese do tema 999 de sua jurisprudência vinculante, qual seja, a de que a reparação civil dos danos ambientais é imprescritível.

A decisão foi proferida no âmbito de recurso extraordinário interposto perante acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) tendo por objeto controverter a afirmação de imprescritibilidade dos danos ambientais afirmada pelo tribunal e origem, no contexto de ação civil pública de reparação de danos ambientais, morais e materiais ajuizada pelo Ministério Público Federal contra Orleir Messias Cameli e Outros.

A ação coletiva foi proposta com o fito de obter a reparação dos aludidos danos oriundos de invasão promovida pelos então requeridos (e recorrentes) em área ocupada pela comunidade indígena Ashaninka-Kampa, no rio Amônia, entre os anos de 1981 e 1987, para o fim de extração ilegal de mogno, cedro e cerejeira.

No juízo de primeiro grau a ação coletiva obteve a condenação dos requeridos à reparação de danos morais e materiais, além dos prejuízos ambientais, cujos valore seriam transferidos ao Fundo Federal dos Direitos Difusos.

A condenação foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que também enfrentou a tese da prescrição afirmada pelos recorrentes, sobre a qual argumentou que ao tempo da demanda deveriam ser considerados os prazos prescricionais fixados pelo Código Civil de 1916, sendo definido para tanto, o prazo de vinte anos, não atingidos ao tempo da propositura da ação coletiva.

O recurso especial interposto foi parcialmente conhecido e, nesse particular, desprovido, tendo sido relatado pela então ministra Eliana Calmon, quem se pronunciou sobre a pretensão de afastamento da prescrição vintenária deduzida pelos recorrentes, fazendo-o justamente para pronunciar que, quando os danos em questão atingem direitos indisponíveis e bens difusos, as ações destinadas à sua proteção são e devem ser imprescritíveis.

Na ocasião a ministra relatora afirmou de forma expressa que o direito à reparação de danos ambientais é um direito indisponível, e que as ações destinadas à sua reparação são imprescritíveis.

Esse acórdão foi impugnado por meio do recurso extraordinário que teve a repercussão geral da questão constitucional reconhecida em acórdão publicado em 26.08.2018, tendo seu mérito apreciado em julgamento concluído na sessão virtual do dia 20.04.2020. O acórdão foi publicado no último dia 26.06.2020, quando então puderam ser conhecidos em sua integralidade, todos os argumentos debatidos pelos ministros, em resultado que não foi unânime.

A tese fixada por meio do tema 999 de jurisprudência vinculante teve a seguinte redação: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.”

O recurso extraordinário foi relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, tendo sido seu voto condutor acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, parcialmente acompanhado pelo ministro Roberto Barroso, e não acompanhado pelos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli, estando ausente, justificadamente, o ministro Celso de Mello.

Compulsando os principais argumentos deduzidos por seu relator, o ministro Alexandre de Moraes, pode-se verificar que dois foram os motivos determinantes para a afirmação da tese: a) direitos indisponíveis como são os direitos associados à proteção do direito fundamental ao meio ambiente não podem estar sujeitos a um regime de prescrição; b) o conflito entre um princípio de segurança jurídica e os princípios constitucionais relacionados à proteção do meio ambiente deve ser solucionado com o privilégio para estes últimos.

É conveniente destacar detalhadamente os principais argumentos expostos pelo relator em suas razões de voto, uma vez que propuseram um conteúdo de grande alcance protetivo oriundo diretamente do texto do próprio artigo 225, caput, da CRFB de 1988. Embora o recurso extraordinário tenha sido interposto sob a afirmação de violação dos artigos 1º, III, 5º, caput, V e X, 37, § 5º, e 225, § 3º, todos da CRFB de 1988, o relator considerou que decorre diretamente da norma definidora de um direito fundamental ao meio ambiente na ordem constitucional brasileira, o fundamento para que se reconheça a imprescritibilidade das ações destinadas à sua proteção.

Nas palavras do ministro Alexandre de Moraes:

Todas as condutas do Poder Público estatal devem ser direcionadas no sentido de integral proteção legislativa interna e de adesão aos pactos e tratados internacionais protetivos desse direito humano fundamental de 3ª geração, para evitar prejuízo da coletividade em face de uma afetação de certo bem (recurso natural) a uma finalidade individual (fls. 24-25).” (Brasil, Supremo Tribunal Federal, 2021jBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 654.833/AC. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em 12 nov. 2021j.
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).

Dessa passagem de suas razões de voto afere-se que o relator reconheceu que os deveres estatais de proteção do meio ambiente - notadamente aqueles vinculados à iniciativa legislativa - devem ser capazes de assegurar que a coletividade não seja prejudicada pela intervenção individual sobre bens de interesse público.

Já neste argumento se faz possível reconhecer, a contrario sensu, que a atividade legislativa que não garanta semelhante resultado representaria um déficit de proteção no exercício do dever estatal de proteger o meio ambiente.

Não se pode ignorar que o dano ambiental constitui, em síntese, a representação do exercício abusivo de liberdades por meio do qual se permite que de forma privada ou individual se aproprie de bem cujo usufruto encontra-se diretamente designado à toda coletividade, no presente e no futuro (macrobem ambiental)9 9 Sobre a distinção das definições de microbem ambiental e macrobem ambiental, conferir Leite e Ayala (2020, p. 65-68). Também se deve ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolhe referida distinção, sendo possível identificá-la no acórdão proferido na QO no REsp 1.711.009/MG, relatado pelo ministro Marco Buzzi - relativo ao rompimento da barragem química em Mariana/MG - e, em ocasião anterior, no julgamento do REsp 1.346.489 / RS, relatado pelo ministro Villas Bôas Cueva. .

Em outras palavras, a norma que propuser que a intervenção individual nociva ao meio ambiente (dano ambiental) possa ser alcançada por prazo prescricional não concretizaria adequadamente o dever estatal de proteger o meio ambiente.

Tendo dedicado especial atenção ao registro de importantes eventos de grande magnitude no plano da degradação ambiental no mundo e no Brasil - com destaque às tragédias de Mariana, em 2015 e Brumadinho, em 2019 - também não foi ignorado pelo relator que danos ambientais normalmente são danos continuados, de difícil cognição sobre os seus efeitos e, principalmente, sobre a completa extensão desses efeitos, sendo estes, sentidos pelos prejudicados, muito tempo depois, no futuro, após o início dos eventos deletérios.

Também foi reafirmada pelo relator o vínculo de indivisibilidade entre os danos ambientais e a condição dos povos indígenas, os quais estabelecem relações que não admitem a separação entre suas terras, os recursos naturais nelas existentes, e sua condição existencial. Este argumento é particularmente importante para o fim de se justificar que, no caso em que se tenha danos ambientais em territórios de povos indígenas, não seria possível sequer propor-se a divisão entre interesses pessoais e a dimensão coletiva e difusa dos danos aos recursos naturais10 10 Embora este argumento não tenha sido expressamente pronunciado no acórdão, e embora o acórdão sequer tenha decidido de forma direta sobre a distinção entre os danos pessoais e ecológicos puros para o efeito do regime de prescrição de suas ações de reparação, considera-se que a exposição do argumento no caso apreciado pode se impor como importante referência para sua discussão posterior em casos que lhes sucedam. .

Nesse sentido, o ministro Alexandre de Moraes reconheceu que não seria possível deixar sem reparação o direito fundamental ao meio ambiente e o patrimônio material e moral dos povos indígenas diante da especial arquitetura conferida aos mesmos pela ordem constitucional brasileira, a qual associou estes sob a dimensão do interesse público, não sendo possível que pudessem ser superpostos pela existência de interesses individuais.

O ministro Roberto Barroso optou por não se manifestar em abstrato sobre a extensão da tese sobre a reparação dos reflexos patrimoniais do dano ambiental, e o regime de prescrição em relação a estes.

Por sua vez, o ministro Edson Fachin também reforçou a relação indissociável estabelecida entre os povos indígenas e suas terras, sendo esta uma condição para sua sobrevivência física e cultural, sendo os danos em seus territórios manifestações capazes de comprometer sua identidade existencial enquanto etnia e povo indígena.

Suas razões de voto, entretanto, afirmaram a imprescritibilidade do dano ambiental sob ângulo distinto, o qual decorreria não da aplicação direta do texto do artigo 225, caput, da CRFB de 1988, senão do dispositivo tido por violado pelos recorrentes (e não o foi), qual seja, do texto do artigo 37, § 5º, da carta constitucional brasileira. Este texto prevê que as ações destinadas ao ressarcimento de danos ao erário público são imprescritíveis. Nesse aspecto é importante a contribuição oferecida pelo ministro, na medida em que, se não se trata de bem público na estrita definição do regime jurídico fixado pelo Código Civil brasileiro, tem-se aqui que tal regra se estende (ao seu juízo), para alcançar os danos ao meio ambiente, porque este é bem de interesse público, sob a dicção do que prevê o artigo 225, caput, o qual lhe confere a condição de bem de uso comum do povo.

Desse modo, a exemplo do que já havia sido decidido pelo próprio STF por ocasião da fixação das teses de imprescritibilidade do ressarcimento de danos ao erário púbico (temas 66611 11 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2021k. e 89712 12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2021l. ), o ministro Edson Fachin considerou que o meio ambiente é patrimônio público para o efeito de lhe estender o mesmo regime de proteção, sob a condição de imprescritibilidade de suas ações de proteção, já definido para a interpretação do artigo 37, § 5º, da Constituição.

Desse modo, sob a conjugação dos artigos 37, § 5º; 225, caput, § 1º, inciso III e § 3º, todos da CRFB de 1988, um direito de dimensão intergeracional não pode ser alcançado por regras prescricionais, especialmente diante das dificuldades particulares associadas à reparação de danos ambientais, como seu caráter continuativo, as limitações para o conhecimento completo sobre a extensão de seus efeitos, e sobre o próprio momento em que teria ocorrido o evento nocivo.

Segundo importante argumento identificável do voto proferido pelo ministro Edson Fachin diz respeito à extensão do regime de imprescritibilidade do artigo 231, caput, e §§ 2º e 4º, da CRFB de 1988, também para as ações de reparação de danos ambientais em seus territórios, com a especial consideração que a identidade dos povos indígenas decorre diretamente dessa relação estabelecida pelos mesmos com suas terras e os recursos naturais nelas incidentes.

O ministro Gilmar Mendes proferiu voto no sentido de refutar a possibilidade de se propor o regime de imprescritibilidade de danos diante de omissão constitucional ou normativa, tendo-se reconhecido o prazo vintenário para o caso concreto.

Na sequência, o ministro Marco Aurélio também admitiu serem alcançadas pela prescrição as sobreditas ações de reparação, consignando-lhes, entretanto, o prazo quinquenal.

De forma aderente ao voto proferido pelo relator, o ministro Ricardo Lewandowski concordou com a tese de que a natureza dos direitos violados definiria o regime de prescrição das ações destinadas à sua proteção. Ainda que tenham sido veiculados pedidos de reparação patrimonial e moral, o objeto jurídico violado diz respeito ao comprometimento dos interesses das futuras gerações. Nesse sentido o ministro enfatizou a correção dos argumentos já lançados na origem, por ocasião do julgamento dos embargos de declaração repelidos, sobre o acórdão de origem, e que relatados na ocasião, pelo ministro Herman Benjamin. Nas razões de voto proferidas pelo ministro Herman Benjamin, este consignou que:

A pretensão de reparar o meio ambiente é imprescritível por envolver direito fundamental das presentes e futuras gerações (art. 225 da CF), não se podendo penalizar com a prescrição as pessoas que não puderam exercitar o seu direito, mas que um dia poderiam, por conta de sua ausência física, natural ou naturalística. O fundamento, portanto, reside na natureza dos sujeitos protegidos, ou dos direitos envolvidos, como observado pelo eminente Min. Mauro Campbell Marques. Com efeito, não se pode negar às futuras gerações a tutela dos seus direitos. É a segurança jurídica da coletividade futura que enfraquece e mitiga, quando não aniquila, a chamada segurança jurídica tradicional, no caso do infrator das normas ambientais. Ou seja, deve prevalecer a segurança jurídica coletiva das gerações futuras sobre a segurança jurídica do infrator individual de hoje.

Sob semelhante abordagem argumentativa, admitir a fixação de prazos prescricionais neste caso implicaria expor as futuras gerações à frustração de seu direito de se verem protegidas perante tais danos, cuja reparação poderia ser negada ou subtraída na hipótese em que fosse alcançada pelo mesmo regime jurídico de Direito Privado.

Como se fixou no voto proferido pelo ministro Herman Benjamin, e igualmente considerado pelo ministro Ricardo Lewandowski, a segurança jurídica coletiva das futuras gerações não pode ser preterida em nome da segurança jurídica individual daquele que degrada a qualidade do meio ambiente, no presente.

Também se colhe dos argumentos deduzidos pelo ministro Ricardo Lewandowski outro relevante fundamento para a adequada proteção do direito fundamental ao meio ambiente: não se pode atribuir e definir o prazo prescricional do direito por meio de sua identidade com o tipo de ação deduzida, se individual ou coletiva, devendo ser considerada, para tal finalidade, justamente, a natureza do direito vindicado na respectiva ação.

Na mesma linha de orientação firmada pelo ministro relator, a ministra Rosa Weber também acolheu a tese da imprescritibilidade da reparação dos danos ambientais, tendo-se em consideração a condição transindividual dos direitos violados, os quais também alcançam os interesses das futuras gerações.

6. O DANO AMBIENTAL IMPRESCRITÍVEL COMO DANO PÚBLICO

Do conjunto de argumentos deduzidos pelo acórdão para o fim de reconhecer e afirmar a imprescritibilidade dos danos ambientais, devem ser destacadas quatro teses que foram debatidas ao longo dos votos vencedores formadores do tema 999, as quais são igualmente importante para a justificação de sua distinção de tratamento sobre os demais danos alcançados pelo regime jurídico de Direito privado: a) danos a direitos indisponíveis não podem ser alcançados pela prescrição; b) o conflito entre um princípio de segurança jurídica e princípios vinculados à proteção do meio ambiente é resolvido com preferência aos últimos; c) a imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário também se estende aos danos ambientais e; d) a reparação de danos ambientais em terras indígenas é imprescritível em razão da regra constitucional que fixa a imprescritibilidade das ações sobre os direitos associados às terras indígenas.

As duas primeiras teses encontram-se, de certo modo, alcançadas pela orientação que já se tinha firmado no âmbito do STJ, ao reconhecer que as dificuldades da reparação dos danos ecológicos puros, danos ao meio ambiente em sua dimensão coletiva e difusa, apresentam dificuldades particulares que não permitem submetê-los às limitações de prazos prescricionais impostas por regimes jurídicos de Direito privado, dada a continuidade de seus efeitos.

Um exemplo bastante ilustrativo desse contexto pode ser reconhecido no caso das carboníferas de Criciúma (REsp 647.493/SC), no qual se descrevia cenário de graves danos a bacias hidrográficas, à qualidade das águas, além da contaminação por chumbo e outros metais, com o aumento de casos de doenças em toda a região.

O tribunal superior reconheceu nesse acórdão, que, se os danos forem contínuos, sua reparação não pode ser frustrada por prazos prescricionais, e que danos a direitos indisponíveis são imprescritíveis.

O enfrentamento de todas as demais teses teve origem em segundo acórdão, proferido nos autos do RESp 1.120.117/AC, sendo este acórdão o objeto de impugnação do Recurso extraordinário 654.833, no qual se formou o tema 999 de repercussão geral.

De todas as teses debatidas no acórdão e sintetizadas anteriormente, chama a atenção a terceira delas, a que afirma a que a regra da imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao erário público, expressa no artigo 37, § 5º, da Constituição brasileira de 1988 também se aplica aos danos aos bens ambientais.

Embora os bens ambientais não sejam bens públicos stricto sensu, uma vez que em sua dimensão difusa ou coletiva não pertencem aos entes públicos, senão à coletividade, sob a forma de bem de uso comum do povo, a sujeição da proteção destas dimensões a um regime diferenciado, de imprescritibilidade, possui expressivo valor para a edificação de um regime jurídico de reparação dos danos ambientais no Brasil.

Isso porque, se a lei especial (Lei 6.938/1981) não prevê prazos prescricionais e no reconhecimento desta omissão, e se a solução dependeria de remissão, em tese, para a consideração de regimes subsidiários, alcança-se, com o julgamento proferido pelo STF em 20.04.2020, a confirmação de que, de forma distinta do afirmado até o momento, não existe lacuna normativa sobre o regime de reparação dos danos ambientais, ao menos em sua dimensão difusa e coletiva. A decisão do STF confirma que a regra de sua imprescritibilidade tem fonte constitucional, decorrendo da direta aplicação do texto dos artigos 37, § 5º, 225, caput, e § 3º, além do artigo 231, §§ 2º e 4º (quando se tratar de danos em terras indígenas) todos da Constituição brasileira de 1988.

O reconhecimento de efeitos tão extensos oriundos da definição, pelo artigo 225, caput, de um direito fundamental ao meio ambiente, também permitiria argumentar e sustentar que, quando a Constituição brasileira atribui ao meio ambiente a condição de bem de uso comum do povo está ressaltando que, quando os particulares, as pessoas jurídicas, e as próprias pessoas jurídicas de Direito Público exercem suas liberdades sobre o macrobem ambiental, somente podem fazê-lo de forma generativa13 13 MATTEI; QUARTA, 2018, p. 31-32. . Isso porque o meio ambiente compreendido em sua dimensão de macrobem ambiental, tem suas propriedades finalisticamente afetadas à garantia de que os sistemas naturais continuem a existir, no interesse de todas as formas de vida, e do bem-estar coletivo das presentes e das futuras gerações.

Por todas essas razões, esse macrobem ambiental, bem de uso comum do povo na dicção constitucional, não pode ser apropriado com o propósito de desenvolver o sentido das liberdades que normalmente está associado à atividade econômica sobre recursos naturais, qual seja o de liberdades extrativas.14 14 Faz-se ou uso do mesmo sentido proposto por Mattei e Quarta, em oposição às liberdades generativas, as quais se adstringem a tornar algo generativo em detrimento de extrativo. (2018, p. 31-32). Para uma compreensão detalhada sobre o bem de uso comum do povo sob a perspectiva de se desenvolver liberdades generativas, conferir. AYALA; SCHWENDLER, 2020. Para uma completa apresentação de uma abordagem jurídica sobre a condição de comum, do meio ambiente, e sua aproximação com a definição de bem de uso comum do povo, é conveniente consultar trabalho defendido perante o programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), de autoria de Jaqueline de Sousa Schwendler. (2020, p. 79-145).

Sendo assim, muito embora a decisão tenha aproximado o dano ambiental do mesmo regime de reparação dos danos ao erário público, sua condição de dano público veiculada pelo acórdão não se pode fazer compreender senão mediante a correta consideração conjugada do regime fixado pela regra do artigo 37, § 5º, da Constituição brasileira, com a condição de bem de uso comum do povo, atribuída pelo seu artigo 225, caput. Nesta condição, os danos produzidos ao bem de uso comum do povo são danos a interesses públicos, não identificáveis a ninguém em particular ou a qualquer sujeito pessoalizado, senão materializados na perda experimentada pela coletividade, pelas futuras gerações, e que também é nociva, per se, à continuidade dos sistemas naturais e à integridade de todas as formas de vida.

É de certo modo, sentido semelhante ao que se encontra desenvolvido na doutrina estrangeira, na qual se sustenta que os danos ecológicos puros são imprescritíveis, aproximando-os de um regime de Direito Público.15 15 Conferir:. CHACON, 2013; FRAGA, 2006, p. 450.

Embora não seja imune de críticas a aproximação dos danos ambientais à representação de danos públicos, para o efeito de lhe justificar um regime de prescrição diferenciado do Direito privado, deve-se reconhecer que o contexto de sua justificação para a fixação da tese do tema 999 é suficientemente consistente para o fim de constatar que o bem ambiental e o direito fundamental ao meio ambiente encontram-se fortemente inseridos em um movimento de visível virada ecológica da jurisprudência do STF.

Desde o ano de 2018, o STF tem atribuído à afirmação do direito fundamental ao meio ambiente e à sua regra definidora, inserta no artigo 225, efeitos de expressivo fortalecimento de sua posição no contexto da ordem de valores e de tarefas definidos pela Constituição brasileira de 1988. É assim, v.g, que se pode compreender a afirmação de que não se permite que o exercício das liberdades econômicas não pode ser autorizado, senão mediante a prévia avaliação dos riscos ao meio ambiente16 16 Conferir na jurisprudência do STF os julgamentos proferidos na ADI n. 5.475/AP (Supremo Tribunal Federal, 2021c), ADI n. 4.615/CE (Supremo Tribunal Federal, 2021d), ADI n. 5.592/DF (Supremo Tribunal Federal, 2021e), ADI n. 5.016/BA (Supremo Tribunal Federal, 2021f), ADPF n. 56/DF (Supremo Tribunal Federal, 2021g). , que o direito fundamental ao meio ambiente encontra-se sujeito à proteção perante medidas retrocessivas17 17 Conferir o acórdão proferido na ADI n. 4.717/DF (Supremo Tribunal Federal, 2021h). , e que a proteção ambiental não constitui uma opção política, senão um dever constitucional18 18 Conferir o acórdão proferido na ADI por omissão n. n. 60/DF (Supremo Tribunal Federal, 2021i). .

Deve-se salientar, por fim, que embora não tenha sido decidido de forma direta pelo tribunal o acórdão ainda tangenciou o tema dos danos pessoais/patrimoniais, tendo ocorrido manifestação de voto destacado de iniciativa do ministro Roberto Barroso para não se realizar no caso, manifestação abstrata sobre o tema prescrição no tocante aos reflexos patrimoniais dos danos ambientais (danos ricochetes ou danos pessoais, distintos dos danos ecológicos puros). Também houve, de forma indireta, manifestação no voto do ministro Ricardo Lewandowski ao propor-se que a natureza do direito tutelado determinaria o regime de sua proteção, e não o tipo de ação proposta.

Sob semelhante perspectiva, a ausência de debate direto e decisão sobre o tema relativo aos danos pessoais e reflexos não permite que se conclua aplicar-se aos mesmos o tema 999. De forma distinta é a realidade danos ecológicos puros, os quais se encontram direta e frontalmente alcançados pela regra de decisão firmada pelo julgamento.

O mesmo STF já havia decidido que a reparação de danos em ações de improbidade administrativa não prescreve, em 2018. O julgamento estabeleceu o tópico 897 de sua jurisprudência vinculativa, no âmbito do julgamento do RE n. 852.475 (Brasil, Supremo Tribunal Federal, 2021lBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 852.475. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4670950&numeroProcesso=852475&classeProcesso=RE&numeroTema=897#. Acesso em: 12 jun. de 2021a.
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).

Nesse sentido, convém assinalar que, muito embora não sejam conhecidos os argumentos vertidos no acórdão definitivo sobre o tema 999 de sua jurisprudência vinculativa, o RE n. 654833, cujo julgamento originou a tese, foi interposto perante acórdão proferido justamente nos autos do Recurso Especial n. 1.120.117/AC, no qual foi reconhecida a imprescritibilidade dos danos ambientais no contexto de violação à condição existencial dos povos indígenas, e ali foi afirmada a violação ao texto do artigo 37, § 5º da Constituição brasileira de 1988, regra esta que fixa a imprescritibilidade das ações de ressarcimento dos danos ao erário público. Embora os bens ambientais não sejam bens públicos stricto sensu, uma vez que em sua dimensão difusa ou coletiva não pertencem aos entes públicos, senão à coletividade, sob a forma de bem de uso comum do povo, a sujeição da proteção destas dimensões a um regime diferenciado, de imprescritibilidade, possui expressivo valor para a edificação de um regime jurídico de reparação dos danos ambientais no Brasil.

Isso porque, conforme já foi dito, a lei especial não prevê prazos prescricionais e no reconhecimento desta omissão, a subsidiaridade remete, para os danos pessoais, a aplicação do regime de Direito privado, alargado - conforme já foi demonstrado - para se favorecer a proteção da vítima.

Com o julgamento proferido pelo STF se tem, desde o dia 20 de abril de 2020, a confirmação de que, de forma distinta do que se afirmava até o momento, não existe lacuna normativa sobre o regime de reparação dos danos ambientais em sua dimensão difusa e coletiva, uma vez que a regra de sua imprescritibilidade tem fonte constitucional, decorrendo da direta aplicação do texto dos artigos 37, § 5º e 225, caput, todos da Constituição brasileira de 1988.

CONCLUSÃO

O estudo procurou apresentar pontos para reflexão sobre a consideração do regime jurídico da reparação dos danos ambientais no Direito brasileiro, a partir da apreciação de sua organização pela jurisprudência dos tribunais superiores, e da interpretação que lhes é conferida sobre a tipologia dos danos - distinguindo-os entre dimensões pessoais, e coletivas/difusas - para o fim de ilustrar como se compreendem o regime de prescrição das ações destinadas à sua reparação, tema deste trabalho.

Tendo-se descrito as dificuldades de se conhecer de forma completa, os efeitos dos danos ambientais, seja porque ainda não se verificou seu exaurimento, seja porque, por vezes, o estado do conhecimento científico disponível no momento, ainda não permite que sejam conhecidos, ou ainda, porque os danos são continuados, procurou-se demonstrar que tais características devem ser levadas em consideração pelo aplicador dos regimes jurídicos afetos a cada tipologia do dano.

Em semelhante contexto, a jurisprudência do STJ e a jurisprudência mais recente do STF foram apreciadas com o propósito de justificar reflexões sobre a aplicação de suas principais conclusões.

Nesse caso, argumentou-se que não seria de grande utilidade para o efeito de proteção invocar-se o regime jurídico definido em legislação especial, in casu, a lei n. 6.938/1981 (lei da Política Nacional do Meio Ambiente/LPNMA), uma vez que ela é omissa na fixação dos prazos prescricionais para os danos ambientais e, fazendo-se o uso da regra de subsidiaridade, a legislação civil seria, em princípio, a referência normativa a ser interpretada pelo aplicador das normas jurídicas.

A consideração da atual jurisprudência do STJ, que reconhece um princípio in dubio pro natura inclusive para o efeito de lhe atribuir como conteúdo, o de exigir uma interpretação das normas que favoreça a proteção da natureza, em conjunto com a necessidade de se oferecer maior proteção às vítimas perante as dificuldades de reparação dos danos ambientais, permite que se justifique e sustente que, ainda que alguns danos pessoais associados a danos ecológicos puros possam não ser alcançados pela imprescritibilidade, não é possível aplicar o instituto da prescrição de forma automática, sem que antes, sejam adequadamente consideradas algumas características especiais desses danos.

Por um lado, a possível continuidade dos efeitos dos danos ambientais em sua dimensão coletiva ou difusa, e a incerteza sobre o momento em que se deveria admitir como conhecidos justificam que se considere como o momento em que se teve efetiva ciência e conhecimento do ilícito/dano, aquele que melhor favoreça a vítima. Esta deve ser compreendida como pessoa sujeita a estados de vulnerabilidade, uma vez que se encontra afetada por danos definidos por características especiais.

Nesse sentido, o que se propõe é considerar-se que, ao menos no domínio da reparação dos danos ambientais, ainda que seja possível reconhecer a existência de danos pessoais, ricochetes e reflexos, que sustentem demandas de interesse individual, a consideração desse conjunto de especificidades dos efeitos do dano ambiental sugere que a proteção da vítima é atendida enquanto objetivo da norma jurídica, se a definição do momento em que esta efetivamente tomou ciência do ilícito/dano, for, na dúvida, ou perante a incerteza fática ou científica, aquele que melhor lhe favoreça.

Em outras palavras, as especificidades e as particularidades dos efeitos dos danos ambientais sugerem que, de forma pragmática, embora a reparação desses danos possa ser alcançada pela prescrição civil, a determinação de seu prazo será, em grande medida, favorecida pela dilação temporal de seu marco inicial de acordo com as circunstâncias do caso concreto, ao menos nas hipóteses em que estes se demonstrem incertos ou continuados.

Por outro lado, deve-se também considerar que em algumas hipóteses de violações de direitos, os danos ambientais nem sempre admitirão uma separação de suas dimensões pessoal, difusa e coletiva. Algumas demandas, muito embora sejam propostas individualmente, não poderão ser reconhecidas como pretensões individuais, simplesmente porque as violações nelas descritas se encontram associadas à eliminação ou afetação de uma identidade existencial que somente existe, coletivamente, em uma dimensão relacional que compreende os elementos naturais, cultuais e espirituais como partes do todo definidor de sua existência, a qual não se concebe senão no coletivo.

O texto também teve o propósito de ilustrar os principais argumentos desenvolvidos pelo acórdão, recentemente publicado e proferido pelo STF nos autos do RE 654833, para o fim de justificar a tese em exame, tendo-se destacado entre os seus principais argumentos, aquele relativo à aproximação dos danos ambientais, aos danos ao erário público.

Embora a solução não seja imune de críticas, deve-se compreendê-la em contexto e em conjunto com a definição constitucional de bem de uso comum do povo, que foi designada ao meio ambiente por meio do artigo 225, caput, do texto constitucional.

O macrobem ambiental definido pela aludida norma constitucional encontra-se afetado por expressa designação da Constituição, à concretização de finalidades de interesse público, materializadas pela continuidade dos processos ecológicos e a integridade de todas as formas de vida, além do bem-estar da coletividade e das futuras gerações.

Nesse sentido, de forma distinta de danos ao patrimônio das pessoas jurídicas de Direito Público, verifica-se aqui, no contexto dos argumentos desenvolvidos pelo acórdão, e no contexto da virada ecológica de sua jurisprudência, que danos ao bem de uso comum do povo são atos que afetam a coletividade, as futuras gerações e a integridade das formas de vida, razão pela qual não podem ser alcançados por regimes jurídicos de Direito privado.

Outra conclusão admissível após a publicação do tema 999 de sua jurisprudência vinculante é a de que, no Direito brasileiro, não há lacuna sobre o prazo prescricional das ações de reparação de danos ecológicos puros. Sua imprescritibilidade decorre da direta aplicação e consideração dos artigos 37, § 5º; 225, caput, e § 3º, além do artigo 231, §§ 2º e 4º, todos da Constituição brasileira de 1988.

Embora os danos reflexos ou patrimoniais tenham sido tangenciados nos debates desenvolvidos no acórdão, não se teve decisão direta sobre a distinção entre os danos pessoais e os danos ecológicos puros para o efeito de se definir o regime de prescrição de suas ações de proteção. Por essa razão, considera-se que o tema se encontre aberto para o desenvolvimento de justificativas para regimes de proteção que consigam, de fato, acolher a melhor proteção para as vítimas e para a natureza.

REFERÊNCIAS

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  • TRUJILLO, Eulália Moreno. La protección jurídica privada del médio ambiente y la responsabilidad por su deteriora. Barcelona: JMB, 1991.
  • 1
    A expressão é utilizada no mesmo sentido proposto por Sozzo, para o fim de demonstrar a possibilidade de um giro ecológico sobre o Direito Privado, em geral. Sobre o tema, conferir amplamente em: SOZZO, 2019SOZZO, Gonzalo. Derecho Privado Ambiental. El giro Ecologico del Derecho Privado. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni , 2019..
  • 2
    Édis Milaré, Roberta Jardim Morais e Mayara Alves Bezerra são ainda mais incisivos e sustentam que o marco inicial, nesse caso, deve ser aquele do momento em que todos os efeitos do dano em sua dimensão difusa e coletiva já se perfizeram e já foram saneados. Conforme explicam os autores: “ o curso do prazo prescricional do direito de reclamar inicia-se somente quando o titular do direito subjetivo violado passa a conhecer o fato e a extensão de suas consequências, o que somente poderá ser fixado quando da solução definitiva dos passivos ambientais, resultantes do dano coletivo, momento em que será possível avaliar até em sua esfera individual de interesse. Em outro modo de dizer, a ciência inequívoca dos efeitos decorrentes do ato lesivo, na esfera individual, somente ocorrerá quando solucionado definitivamente o dano ambiental coletivo.” .” (MILARÉ; MORAIS; BEZERRA, 2021)
  • 3
    No mesmo sentido: SOZZO, Gonzalo. Reparar el Daño a los Bienes Comunes. Del Daño Moral Colectivo al Daño a los Derechos de Incidencia Colectiva, y de alli al Daño Ecologico. Revista de Derecho de Daños, n. 3, p. 423, Diciembre 2018SOZZO, Gonzalo. Reparar el Daño a los Bienes Comunes. Del Daño Moral Colectivo al Daño a los Derechos de Incidencia Colectiva, y de alli al Daño Ecologico. Revista de Derecho de Daños, n. 3, p. 377-425, Diciembre 2018..
  • 4
    Sobre os conceitos de ponto de inflexão e de limites planetários, conferir: ROCKSTROMROCKSTROM, Johan et al. Planetary boundaries: Guiding human development on a changing planet. Science, vol. 347, issue 6223, p. 1-11, Feb. 2015., 2015ROCKSTROM, Johan et al. Planetary Boundaries: Guiding Human Development on a Changing Planet. Science, 2015. Disponível em: https://science.sciencemag.org/content/347/6223/1259855. Acesso em: 29 jun. 2019.
    https://science.sciencemag.org/content/3...
    ; ROCKSTROM, 2009ROCKSTROM, Johan et al. A safe operating space for humanity. Nature, vol. 461, p. 472-475, Sept. 2009.; STEFFEN, 2018STEFFEN, Wil et al. Trajectories of the Earth System in the Anthropocene. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS), vol. 115, n. 33, p. 8252-8259, 2018..
  • 5
    Sobre o tema, conferir:. SHELTON, 2019SHELTON, Dinah. Soft Law. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=1003387. Acesso em: 20/05/2019.
    https://ssrn.com/abstract=1003387...
    .
  • 6
    A apreciação sistematizadas desse conjunto de decisões encontra-se em: LEITE; AYALA, 2020AYALA, Patryck de; SCHWENDLER, Jaqueline de Sousa. A Propriedade Funcional e o Significado Ecológico da Apropriação Privada na Ordem Constitucional Brasileira. Revista de Direito Ambiental, n. 99, p. 169-194, abr.-jun. 2020., P. 258-260.
  • 7
    A esse propósito, conferir: LORENZETTI; LORENZETTI, 2018, p. 320
  • 8
    O tema 999 gerou a seguinte tese: “É imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”. Conferir: BRASIL, Supremo Tribunal Federal, 2021. Na doutrina estrangeira, em semelhante sentido, de que os danos ecológicos puros são imprescritíveis, aproximando-os de um regime de direito público, conferir: CHACON, 2013CHACON, Mario Peña. Daño ambiental y prescrición. Revista Judicial, n. 109, p. 117-143, Septiembre 2013.; FRAGA, 2006FRAGA, Jesus Jordano. Responsabilidad por daños al medio ambiente. In: PARDO, Jose Esteve. Derecho del Medio Ambiente y Administración Local. Barcelona: Fundación Democracia y Govierno Local, 2006. p. 427-459..
  • 9
    Sobre a distinção das definições de microbem ambiental e macrobem ambiental, conferir Leite e Ayala (2020, p. 65-68). Também se deve ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolhe referida distinção, sendo possível identificá-la no acórdão proferido na QO no REsp 1.711.009/MG, relatado pelo ministro Marco Buzzi - relativo ao rompimento da barragem química em Mariana/MG - e, em ocasião anterior, no julgamento do REsp 1.346.489 / RS, relatado pelo ministro Villas Bôas Cueva.
  • 10
    Embora este argumento não tenha sido expressamente pronunciado no acórdão, e embora o acórdão sequer tenha decidido de forma direta sobre a distinção entre os danos pessoais e ecológicos puros para o efeito do regime de prescrição de suas ações de reparação, considera-se que a exposição do argumento no caso apreciado pode se impor como importante referência para sua discussão posterior em casos que lhes sucedam.
  • 11
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2021kBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 669.069. Disponível em: https://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4189164&numeroProcesso=669069&classeProcesso=RE&numeroTema=666. Acesso em: 12 jun. 2021k.
    https://www.stf.jus.br/portal/jurisprude...
    .
  • 12
    BRASIL. Supremo Tribunal Federal, 2021lBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 852.475. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=4670950&numeroProcesso=852475&classeProcesso=RE&numeroTema=897#. Acesso em: 12 jun. 2021l.
    http://www.stf.jus.br/portal/jurispruden...
    .
  • 13
    MATTEI; QUARTA, 2018MATTEI, Ugo; QUARTA, Alessandra. The turning point in private law: ecology, technology and the commons. Cheltenham, UK; Northampton, MA, USA: Edward Elgar Publishing, 2018., p. 31-32.
  • 14
    Faz-se ou uso do mesmo sentido proposto por Mattei e Quarta, em oposição às liberdades generativas, as quais se adstringem a tornar algo generativo em detrimento de extrativo. (2018, p. 31-32). Para uma compreensão detalhada sobre o bem de uso comum do povo sob a perspectiva de se desenvolver liberdades generativas, conferir. AYALA; SCHWENDLER, 2020SCHWENDLER, Jaqueline de Sousa. Direito e Agroecologia: Regime Jurídico e os Limite da Exploração Agrícola da Natureza. (Dissertação) - Mestrado em Direito, UFMT, Cuiabá, 2020.. Para uma completa apresentação de uma abordagem jurídica sobre a condição de comum, do meio ambiente, e sua aproximação com a definição de bem de uso comum do povo, é conveniente consultar trabalho defendido perante o programa de pós-graduação em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), de autoria de Jaqueline de Sousa Schwendler. (2020, p. 79-145).
  • 15
    Conferir:. CHACON, 2013; FRAGA, 2006, p. 450.
  • 16
    Conferir na jurisprudência do STF os julgamentos proferidos na ADI n. 5.475/AP (Supremo Tribunal Federal, 2021cBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.475/AP. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jun. 2021c.
    https://www.stf.jus.br...
    ), ADI n. 4.615/CE (Supremo Tribunal Federal, 2021dBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.615/CE. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jun. 2021d.
    https://www.stf.jus.br...
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    https://www.stf.jus.br...
    ), ADPF n. 56/DF (Supremo Tribunal Federal, 2021gBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 56/DF. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jun. 2021g.
    https://www.stf.jus.br...
    ).
  • 17
    Conferir o acórdão proferido na ADI n. 4.717/DF (Supremo Tribunal Federal, 2021hBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.717/DF. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jun. 2021h.
    https://www.stf.jus.br...
    ).
  • 18
    Conferir o acórdão proferido na ADI por omissão n. n. 60/DF (Supremo Tribunal Federal, 2021iBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 60/DF. Disponível em: https://www.stf.jus.br. Acesso em: 20 jun. 2021i.
    https://www.stf.jus.br...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    25 Dez 2021
  • Aceito
    14 Dez 2022
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