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Pacificação, diminuição da belicosidade e desenvolvimento humano em um mundo organizado pela tradição militar e armamentista1 1 Uma parte deste trabalho foi apresentada e registrada nos Anais do IX Congresso Internacional da Associação Brasileira de Pesquisadores em Sociologia do Direito (Abrasd), ocorrido na Universidade de São Paulo (USP) entre 26 e 28 de setembro de 2018.

Pacification, Reduction of Bellicosity and Human Development in a World Organized by Military and Weaponry Tradition

RESUMO

Esta pesquisa tem como fonte os Relatórios do Desenvolvimento Humano (RDHs/PNUD/ONU). Objetiva-se compreender o significado político da tentativa, dos produtores de tais materiais, de gerar agendas públicas que envolvam os Estados, os governos e os organismos internacionais no processo de dissuasão das ações e dos procedimentos que têm levado a muitos conflitos bélicos e guerras civis e entre países. Os reflexos perversos das políticas belicosas são sentidos na economia, na infraestrutura e nos serviços sociais. As expectativas de avanços nos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) são aniquiladas pelos conflitos bélicos e violência em geral.

Palavras-chave:
desenvolvimento humano; guerras; conflitos violentos; pobreza; belicosidade

ABSTRACT

Pacification, Reduction of Bellicosity and Human Development in a World Organized by Military and Weaponry Tradition presents a research based on the Human Development Reports (HDRs/UNDP/UN). The objective is to understand the political significance of the attempt, by the producers of such materials, to generate public agendas that involve States, governments, and international organizations in the process of deterring actions and procedures that have led to many war conflicts and civil wars and between countries. The perverse reflexes of bellicose policies are felt in the economy, infrastructure, and social services. Expectations of advances in the Human Development Indexes (HDI) are shattered by war conflicts and violence in general.

Keywords:
human development; wars; violent conflicts; poverty; bellicosity

Introdução

Ao se tratar das guerras e dos conflitos belicosos e ao se fazer diagnósticos e prescrições para alcançar o desenvolvimento humano, nota-se que os produtores dos Relatórios do Desenvolvimento Humano (RDHs) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) da Organização das Nações Unidas (ONU) - equipes incumbidas, anualmente, de elaborá-los - e os encampadores desses documentos - que visam falar aos Estados, governos, lideranças políticas, organizações da sociedade civil - evidenciam que o controle dos confrontos belicosos, em forma de guerras civis ou não, é algo difícil, uma vez que as relações internacionais estão, geralmente, mergulhadas em várias formas de violência. Em Os pescadores e o turbilhão, Norbert Elias (1998ELIAS, Norbert. “Os pescadores e o turbilhão”. In: Envolvimento e alienação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, pp. 163-268.) afirma que a própria classificação e hierarquização dos Estados, no âmbito das relações internacionais, se dão por meio de critérios medidos pelo potencial de violência que um Estado tem em relação aos demais.

Este artigo procura evidenciar o quão complexa é a tarefa dos proponentes dos RDHs (PNUD, 1991,1997, 2002, 2005, 2010, 20142 2 Esses documentos citados são os que mais se dedicam à temática das guerras e dos conflitos bélicos como bloqueadores de políticas que levam ao desenvolvimento humano. Assinale-se que os RDHs são publicados anualmente desde 1990. Ao longo de mais de 20 anos, eles têm dado maior ou menor ênfase ao tema tratado neste artigo. ) de associar as dificuldades de expansão das políticas de desenvolvimento humano com as guerras e as violências bélicas. Isso se deve ao fato de que eles procuram falar ao conjunto dos Estados nacionais (poderosos, ou não, em escalas diversas), que atuam quase sempre belicosamente. Em muitas passagens, as equipes formuladoras dos RDHs3 3 Os RDHs pretendem medir os avanços, ou não, dos diversos países que compõem o sistema das Nações Unidas nas políticas de desenvolvimento humano. Tais padrões de medidas fundam alguns índices básicos, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — “[u]m índice composto que mede as realizações em três dimensões básicas: (...) uma vida longa e saudável, o conhe cimento e um padrão de vida digno” (PNUD, 2010, p. 232) —, o Índice de Desenvolvimento Humano — ajus tado à desigualdade, que é “o valor do índice (...) ajustado para desigualdades nas três dimensões básicas (...) [mencionadas anteriormente]” (Idem) — e o Índice de desenvolvimento humano - híbrido — “um índice que usa a mesma forma funcional do IDH, mas que usa a alfabetização e as matrículas brutas para calcular o índice de educação e PIB per capita para o indicador de rendimento” (Idem). buscam as conexões entre as guerras civis4 4 “A guerra civil ocorre quando duas ou mais organizações militares distintas, das quais ao menos uma é vinculada ao governo previamente existente, disputam [entre si] o controle dos principais meios governamentais dentro de um regime” (TILLY, 2013, p. 189). e as que envolvem diversos países do Hemisfério Sul e as potências econômicas do Eixo Norte (TILLY, 2013TILLY, Charles. Democracia. Petrópolis: Vozes, 2013.). Estas, em alguns casos, acabam sendo partícipes na produção das condições desencadeadoras de tais conflitos (PNUD, 2005, 1991).

A noção de desenvolvimento humano difundida nos relatórios tem sua origem na necessidade de diferenciar desenvolvimento econômico de desenvolvimento social. Na segunda metade do século XX, muitos estudiosos (ELIAS, 1999ELIAS, Norbert. “A evolução do conceito de desenvolvimento”. In: Introdução à sociologia. Lisboa: Edições 70, 1999, pp. 159-167., 1994a; FURTADO, 1978FURTADO, Celso. Criatividade e dependência na civilização industrial. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978., 1992, 1999, 2002; STREETEN, 1982STREETEN, Paul. Fronteras de los estudios sobre el desarrollo. México: FCE, 1982.; SACHS, 2004SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: Includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004.; SEN, 2005SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.; VEIGA, 2006VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: Desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.) buscaram demonstrar a diferença entre as políticas voltadas inteiramente para melhorias econômicas e aquelas destinadas também aos avanços sociais - distribuição de renda, recursos e poder. Celso Furtado (1997FURTADO, Celso. “Entre inconformismo e reformismo”. In: Obra autobiográfica. São Paulo: Paz e Terra, 1997, pp. 9-40.), por exemplo, acreditava que o desenvolvimento social só seria alcançado por meio de um amplo processo de distribuição do poder que resultaria do “reforçamento das instituições da sociedade civil (principalmente dos sindicatos de trabalhadores rurais e urbanos), de cuja ação se poderia esperar a renovação das bases sociais de sustentação do Estado, bem como a contestação dos padrões prevalecentes de distribuição de renda” (p. 34). Em síntese, só poderia haver desenvolvimento social com mudanças nos parâmetros estruturais, como distribuição de renda, recursos, patrimônio e poder.

A noção de desenvolvimento humano sistematizada por Mahbud Ul Haq (1995) e Amartya Sen (2005SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.) pode ser tida como derivada, em parte, do debate sobre desenvolvimento social5 5 Sen denomina as abordagens do desenvolvimento social como teorias da escolha social, as quais ajudaram a formular “uma teoria econômica (...) que fez muito para criar o trabalho de base para que esse tipo de discussão [do desenvolvimento humano] exista” (SEN, 2001, p.13). , uma vez que busca tanto rechaçar os padrões de medidas do desenvolvimento assentados somente no produto interno bruto (PIB) per capita e na renda per capita, quanto ampliar os processos de habilitação e capacitação não só profissionais, mas também políticos dos indivíduos mais pobres. A noção desenvolvimento humano, formulada por Sen (2005), é centrada “na falta de liberdade, na forma de privações de capacidades” (THERBORN, 2001THERBORN, Goran. “Globalização e desigualdade: Questões de conceituação e esclarecimento”. Sociologias, n. 6, pp. 122-169, 2001., p. 129). O autor esclarece: “as capacidades que uma pessoa realmente possui (e não apenas desfruta em teoria) dependem da natureza das disposições sociais, as quais podem ser cruciais para as liberdades individuais. E dessa responsabilidade o Estado e a sociedade não podem escapar” (SEN, 2005SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2005., pp. 326-327).

O primeiro RDH, publicado em 1990, teve a coordenação geral de Mahbub Ul Haq, economista paquistanês, mentor e criador dos relatórios. Entre os consultores estavam Sen e Paul Streeten. O documento trazia o seguinte esclarecimento:

Os componentes-chaves do Índice de Desenvolvimento Humano - esperança de vida, alfabetismo e rendimento básico - são o ponto de partida para este estudo sobre a formação das capacidades humanas. O rendimento básico se utiliza aqui como mecanismo para determinar o acesso aos recursos que permitem alcançar um nível decente de vida (PNUD, 1990, p. 50).

O objeto deste artigo são as estratégias políticas e argumentativas presentes na feitura dos RDHs de 1991, 2002 e 2005 e suas tortuosidades no intento de criar um conjunto de diagnósticos sobre a natureza social, política e econômica dos bloqueios ao desenvolvimento humano gerados pelas guerras, pela ampliação dos gastos armamentistas e pela proliferação dos conflitos bélicos violentos. Os proponentes dos RDHs acabam produzindo um corpus de prescrições bastante sinuoso sobre a natureza social, econômica e política de tais entraves às políticas de melhorias sociais. Isso se deve ao fato de os responsáveis pelos relatórios terem de lidar com uma idealização de pacificação em um mundo organizado por uma tradição militar e armamentista prevalecente. Conforme assinalam Elias (1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991.) e Devin (2009DEVIN, Guillaume. Sociologia das relações internacionais. Salvador: EDUFBA, 2009., 2010), as guerras, civis ou não, e os conflitos bélicos têm persistido, geralmente, como resultado da forma como os Estados se organizam. Há, segundo os autores, uma supremacia das relações de forças baseada em hierarquizações assentadas no potencial de violência (Ibid.) que cada Estado, grupo, país, etnia, segmento tem em relação aos demais.

Ainda que esse debate seja de grande importância e esteja, de uma ou de outra forma, presente nos argumentos e nas narrativas constantes nos RDHs, neste artigo não se aprofundará a discussão conhecida como “guns-and-butter trade-off” (DIKICI, 2015DIKICI, Emre. “Guns versus Butter Tradeoff: The Theory of Defense - Quality Factor”. Journal of Economics, Business and Management, vol. 3. n. 7, pp. 1-6, 2015.; HARTLEY e SENDLER, 1995HARTLEY, Keith; SANDLER, Todd (orgs). Handbook of defense Economics, vol. 1. Amsterdã: Elsevier Science, 1995., 2007; RAM, 1995RAM, Rati. “Defense Expenditure and Economic Growth”. In: HARTLEY, Keith; SANDLER, Todd (orgs). Handbook of Defense Economics. Amsterdã: Elsevier Science, 1995, pp. 251-274.; BRADDON, 1995BRADDON, Derek. “The Regional Impact of Defense Expenditure”. In: HARTLEY, Keith; SANDLER, Todd (orgs). Handbook of Defense Economics. Amsterdã: Elsevier Science, 1995, pp. 491-521.; DEGER e SEN, 1995DEGER, Saadet; SEN, Somnath. “Military Expenditure and Developing Countries”. In: HARTLEY, Keith; SANDLER, Todd (orgs). Handbook of Defense Economics. Amsterdã: Elsevier Science, 1995, pp. 275-307), que se refere aos procedimentos de Estados e governos no que diz respeito à utilização dos recursos públicos, distribuídos por motivações políticas diversas. No centro desse debate está a seguinte indagação: quanto deveria ser direcionado, para os setores que garantem bem-estar social, do que se investe em armamentos militares? “Isto porque, analisado o tema sob a ótica da escassez de recursos, toda quantidade de arados (ou manteiga) a serem produzidos significará redução na capacidade de produção de espadas (ou canhões)” (ALMEIDA, 2013ALMEIDA, Carlos W. L de. “Evolução do orçamento de Defesa no Brasil”. In: ALVES DO CARMO, Corival; PINHEIRO, Lucas Miranda; BARNABÉ, Israel Roberto; WINAND, Érica C. A. (orgs). Relações internacionais: Olhares cruzados. Brasília: Funag, 2013, pp. 415- 451., p. 431) - daí deriva a expressão: armas versus manteiga.

Neste caso, o custo envolvido na tomada de decisão deixa de ser avaliado em termos puramente financeiros (...). O custo de um avião de combate (...) deixa de ser medido apenas em milhões de dólares para ser medido, também, em termos daquilo que deixa de ser oferecido à nação, por exemplo, ensino fundamental ou saúde básica (Ibid., p. 431).

Esclarece-se que o foco analítico é externalista e internalista6 6 Sobre esses dois focos, internalistas e externalistas, na sociologia e na história, ver Medina (1983). , sendo, porém, mais intenso o daquele primeiro. É internalista porque “a linguagem ocupa um papel central [] que não existe conhecimento sociológico que não passe [pela] linguagem, [que tem de ser sempre] situada (...). Tudo o que é dito, é dito para alguém em algum lugar” (MELUCCI, 2005MELUCCI, Alberto. Por uma sociologia reflexiva. Petrópolis: Vozes, 2005., p. 33). Todavia, não é somente a estrutura argumentativa que será considerada neste estudo, ainda que ela seja fundamental em toda pesquisa documental. Se “todas as sociedades humanas partilham entre si um fundo comum de experiências e, portanto, de conhecimentos” (ELIAS, 1994bELIAS, Norbert. Teoria simbólica. Oeiras: Celta, 1994b., p. 5), faz-se necessário compreender o contexto sócio-histórico e político que torna possível aos produtores dos RDHs se posicionarem diante das discussões atuais sobre belicosidade e pacificação. Por essa razão, o enfoque externalista se dá quando os argumentos, postos nos documentos em análise, são situados nos contextos das interações sociais mobilizadas para a formulação de diagnósticos e prescrições.

Não obstante ter como base todo um processo de decifração dos argumentos e das narrativas7 7 Heloísa Pontes (1996) reflete sobre as diferenças entre as abordagens internalistas e externalistas. Raymond Williams (2015) e Elias (1994a, 1994b, 1994c, 2001), ainda que diferentes em suas propostas metodológicas, podem ser tomados como autores com focos analíticos externalistas. Enquanto em Elias a ênfase recai sobre os jogos configuracionais, em Williams recai sobre as condições sociais, políticas e culturais. , esta investigação não toma os argumentos como decifráveis por si mesmos. É importante compreender, em uma análise interna do texto, o que é dito e como é dito, em uma espécie de análise de conteúdo clássica (BAUER, 2002BAUER, Martin. “Análise de conteúdo clássica”. In: GASKELL, George; BAUER, Martin W. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis: Vozes, 2002, pp. 189-217.), mas parte-se do entendimento de que são os elementos externos ao texto, ou seja, as condições, as razões e os processos histórico-sociais, econômicos e políticos presentes no limiar do século XXI que tornam decifráveis as tramas narrativas construídas pelos RDHs acerca das guerras, conflitos, pobreza, desigualdades, liberdade, democracia, segurança humana, migrações, ditaduras, trabalho, direitos, justiça, educação etc.

Os problemas sociológicos que orientam esta investigação podem ser postos da seguinte maneira: de que modo se pode considerar como evidentes, nas estratégias político-ideológico-argumentativas8 8 As ciências sociais oferecem vários caminhos para desvendar a semântica do desenvolvimento humano presente nos RDHs. Danilo Martucelli (2017) oferece muitas pistas para isso. dos RDHs9 9 O PNUD encomenda, encampa, edita e divulga esses relatórios. Há um percurso complexo materializado no encontro de muitas vozes (intelectuais, lideranças políticas da sociedade civil ou não, técnicos, governantes, representantes de organismos internacionais) que se fazem presentes, de algum modo, na feitura desses materiais e na sua divulgação. Isso tem a ver com o fato desse fundo da ONU estar organizado como uma configuração complexa em múltiplos níveis, para utilizar uma noção de Elias (2006). , as ambiguidades e ambivalências referentes a uma perspectiva de fato pacificadora, capaz de dissuadir os Estados e governantes de suas práticas belicosas? Ao construírem caminhos por onde possam, supostamente, fluir as melhorias sociais que levam ao desenvolvimento humano, os seus formuladores, conquanto façam críticas aos processos, sustentados por países ricos e pobres, geradores e alimentadores dos conflitos armados de toda natureza, politizam ou não os desequilíbrios de poder vigentes nas relações internacionais, hoje? Como as prescrições, constantes nos RDHs, são afetadas pelos argumentos que, apesar de críticos das atitudes belicosas bloqueadoras da emergência de procedimentos aptos a expandir as políticas de desenvolvimento humano, não conseguem se situar inteiramente fora de uma tradição bélica (ELIAS, 1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991., 1998) predominante?

Os dilemas das recomendações dos RDHs acerca da necessidade de diminuir a belicosidade e expandir o desenvolvimento humano

Elias (1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991.) ensina, em A condição humana, texto escrito por ocasião do 50º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial, que considerar na agenda pública a necessidade de ser criar novas modalidades de ações por países e organismos internacionais capazes de controlar a violência - estimulada, muitas vezes, pelas relações de poder e riqueza que hierarquizam os Estados - é um dos maiores desafios postos às Nações Unidas, em seus programas, fundos, agências e comissões regionais. Tais condições ficam claras na seguinte passagem de Charles Tilly: “Como a Guerra Fria dominou o cenário entre 1960 e 1980, grandes potências - especialmente os Estados Unidos, a URSS e os antigos colonizadores - frequentemente intervieram nas guerras civis pós-coloniais, como aquelas que assolaram Angola entre 1975 e 2003” (TILLY, 2013TILLY, Charles. Democracia. Petrópolis: Vozes, 2013., p. 189). Situações como essas estão na base das ligações, feitas nos RDHs, acerca do papel que tem jogado os países ricos na perpetuação dos conflitos bélicos no mundo10 10 Sobre o modo como as diversas potências se colocam diante dos conflitos internacionais, ver as seguintes coletâneas: Nasser (2009) e Milani (2010). .

Criticar as ações dos muitos países (de ambos os hemisférios) suscitadores de guerras e violências bélicas parece ser o centro dos argumentos presentes nos relatórios que objetivam chamar a atenção para a necessidade de dissuadir os detentores do poder de abraçarem os procedimentos belicosos e persuadi-los a encampar, cada vez com mais abrangência, procedimentos voltados para as políticas que ampliem a segurança humana11 11 Pureza (2009, p. 29) diz que o RDH de 1994 pode ser “considerado o instrumento fundador do conceito de segurança humana”. Sobre essa noção, ver ainda Axworthy (2004), Cravo (2009) e Gledhill, 2012). e os direitos humanos. José Manuel Pureza (2009PUREZA, José Manoel. “Segurança humana: Vinho novo em odores velhos?”. In: NASSER, Reginaldo M. (org). Os conflitos internacionais em múltiplas dimensões. São Paulo: Editora Unesp, 2009, pp. 21-33., p. 29) considera possível detectar “quatro características essenciais [nessa] (...) referência [à segurança humana]: 1) a natureza universal das preocupações que lhes subjazem; 2) a interdependência dos problemas que a motivam; 3) sua natureza preventiva; e 4) sua centragem nas pessoas (...)”. Desse modo, “a segurança humana aparece como resposta a seis tipos fundamentais de ameaças: econômicas, alimentares, salutares, ambientais, pessoais, comunitárias e políticas” (Idem).

Todas as ameaças mencionadas por Pureza são, segundo os produtores dos RDHs, potencializadas pelas guerras e conflitos bélicos. A associação entre segurança humana e direitos humanos visa, diz Mary Kaldor (2007KALDOR, Mary. Human Security: Reflections on Globalization and Intervention. Cambridge: Polity Press, 2007., p. 182), garantir “a defesa dos indivíduos e das comunidades em vez de segurança dos Estados”. No caso dos RDHs, observa-se uma contínua associação simultânea entre a segurança dos indivíduos e a dos Estados. Os elaboradores desses documentos supõem que as políticas de desenvolvimento humano dependem da diminuição da belicosidade, dos gastos armamentistas e das ambições ilegítimas de poder sustentadas pela força e opressão. Eles procuram situar suas prescrições no âmbito dos direitos humanos, os quais têm de ser garantidos e efetivados pelos Estados e organismos internacionais.

As narrativas constantes nos RDHs estão empenhadas em decifrar as lógicas racionais que impulsionam as ações belicosas em detrimento das ações em prol do desenvolvimento humano e da segurança humana, lançando desafios diversos aos argumentos postos nos relatórios, pois lhes escapam as motivações irracionais (medo, sentimentos de ódio, inferioridade, superioridade, entre outras) que levam à perpetuação das estratégias bélicas em contraposição a toda e qualquer estratégia pacificadora.

Deve-se perguntar, então, por que é possível considerar os aconselhamentos prospectivos, para utilizar uma expressão de Enrique Leff (2010LEFF, Enrique. Discursos sustentáveis. São Paulo: Cortez, 2010.), presentes nos RDHs, como pacificadores. Antes de mais nada deve-se assinalar que a ONU e suas agências, programas e fundos têm formulado, ao longo de décadas, inúmeras estratégias voltadas para a expansão de ações impulsionadoras de formas de desenvolvimento social capazes de superar as práticas belicosas no âmbito dos países que compõem o sistema das Nações Unidas (CEPIK e KUELE, 2016CEPIK, Marco; KUELE, Giovana. “Inteligência em Operações de Paz da ONU: Déficit estratégico, reformas institucionais e desafios operacionais”. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 59, n. 4, pp. 963-993, 2016.). Não se pode imaginar, no entanto, que as coisas se passam dessa mesma forma no interior do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) e de seus órgãos subsidiários. Falar de estratégia pacificadora no sistema das Nações Unidas exigiria uma análise baseada em dados empíricos - o que não poderá ser feito neste artigo - que desvendem os muitos embates políticos, existentes no seu interior, acerca do que seria pacificação e como formular estratégias para alcançá-la.

A pacificação aparece no âmbito dos RDHs como a construção de uma solidariedade internacional promotora de uma ampla cooperação (DEVIN, 2016DEVIN, Guillaume. “As solidariedades transnacionais, fenômeno social de escala mundial”. Civitas, Porto Alegre, vol. 16, n. 3, pp. 363-376, 2016.) para o desenvolvimento humano. Tal processo colaborativo teria como intuito fazer com que as relações internacionais voltassem, mais e mais, para o combate às mazelas sociais que podem, em muitas situações, acirrar os conflitos e os desejos - de parte de governantes e grupos populacionais - que ampliam e perenizam as belicosidades. Quando as nações se voltam para a formulação de políticas de reversão das condições de pobreza, miserabilidade e exclusão, elas tendem, segundo os formuladores dos relatórios, a se afastar das obsessões belicosas.

Ao defenderem a pacificação, os produtores e encampadores dos RDHs estão lidando com algo de grande complexidade: a expansão de formas de controle da violência dentro dos Estados, entre os Estados e, também, no âmbito das relações internacionais. Ao trazerem para o primeiro plano o sofrimento das populações mais pobres e das mulheres, que são violentadas pelos estupros coletivos perpetrados como arma de guerra, os elaboradores desses documentos questionam a “anulação da consciência face ao sofrimento” (ELIAS, 1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991., p. 49). Consta no RDH de 2005 que as condições sociais pioram demais nas regiões de conflitos violentos insolúveis. Seus elaboradores relatam: “(...) nos Territórios Ocupados da Palestina, a ruptura do mercado de trabalho contribuiu para um acentuado aumento da pobreza. O desemprego crescente (...) andou a par com uma deterioração mais ampla dos indicadores de desenvolvimento humano” (PNUD, 2005, p. 156).

Além do aumento das dificuldades econômicas para os mais pobres, os produtores do RDH de 2005 destacam, ainda, o quanto a falta de infraestrutura adequada na área educacional e da saúde amplia os sofrimentos individuais e sociais da população. As escolas, por exemplo, passam a ser atacadas e destruídas. “Durante a guerra civil de Moçambique (1976-92), quase metade das escolas primárias foi fechada, ou destruída, até 1989” (Idem). Acrescentam ainda: “a infraestrutura da educação também tem sido gravemente danificada nos Territórios Ocupados da Palestina: foram danificadas 282 escolas no período de 2000-2004” (Idem).

O sofrimento social é, então, apontado como destruidor das possibilidades de avanços e de melhorias contínuas em diversos contextos e situações pelo mundo afora (REZENDE, 2013REZENDE, Maria J. de. “Los Objetivos de Desarrollo del Milenio (ODMs) de la ONU: Las dificultates de implementación y el desprecio de los sectores preponderantes en relación con población pobre del mundo”. In: SALGADO, Jorge; MAINGON, Thais; CHACÍN, Neritza (coords). Políticas sociales em Iberoamérica. Toluca: Uaem/Riesp, 2013, pp. 57-85.). Nas ciências sociais e humanas têm vindo à tona, nos últimos tempos, muitas problematizações sobre sofrimento individual e social (BOURDIEU, 2003; BAUMAN, 1999; PUSSETTI e BRAZZABENI, 2011PUSSETTI, Chiara; BRAZZABENI, Micol. “Sofrimento social: Idiomas da exclusão e políticas do assistencialismo”. Etnográfica, vol. 15, n. 3, pp. 467-478, 2011.; FASSIN, 2005FASSIN, Didier. “Compassion and Repression: The Moral Economy of Immigration Policies in France”. Cultural Anthropology, vol. 20, n. 3, pp. 362-387, 2005., 2006). Percebe-se que a composição dos RDHs é influenciada por diversos estudos que lançam luz sobre os sofrimentos vivenciados por mulheres, migrantes, crianças, refugiados, desempregados, pessoas sem acesso a saúde, educação e moradia adequadas. Inspirando-se em um dos mentores12 12 Os RDHs passaram a ser publicados em 1990 sob a orientação dos economistas Mahbub Ul Haq e Amartya Sen. dos RDHs, Sen, Pussetti e Brazzabeni (2001SEN, Amartya. “Amartya Sen: Não é a falta de alimentos a causa da fome, mas a insuficiência de renda para comprar comida, diz o economista”. Memória Roda Viva, 22 jan. 2001. Disponível em: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/32/entrevistados/amartya_sen_2001.htm
http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/32...
, p. 469) afirmam:

Resulta claro (...) o nexo entre violência estrutural, agência e sofrimento social: uma certa configuração da ordem social restringe a capacidade e a liberdade de escolha de [determinados] indivíduos ou grupos. A capability-based approach, proposta por Amartya Sen (...) sugere que as forças sociais limitam as possibilidades de ação e de escolha dos sujeitos e conformam as suas experiências quotidianas; noutros termos, a maior ou menor liberdade das pessoas depende também da maior ou menor possibilidade de escolherem entre diversas alternativas possíveis.

Todavia, há uma construção de argumentos que atestam que a diminuição da violência nas relações internacionais e nas relações nacionais pode ser racionalmente conquistada. E isso seria um fator de diminuição de muitos sofrimentos sociais. Apagam-se, por meio de muitas narrativas e estratégias políticas, as irracionalidades que, conforme ressalta Elias (1998ELIAS, Norbert. “Os pescadores e o turbilhão”. In: Envolvimento e alienação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998, pp. 163-268.), têm tido um papel essencial nos processos disseminadores da violência bélica, das guerras e dos padecimentos de muitos indivíduos e coletividades.

A tradição bélica, segundo o autor, não pode ser explicada somente por razões econômicas, por cálculos de lucratividade, por ganhos materiais. Ela se assenta, também, na busca por ganhos imateriais que atestem a supremacia política, simbólica, étnica, racial, cultural e religiosa de povos e grupos sociais diversos. Por essa razão, conforme indaga Elias (1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991., p. 66), seria a defesa de estratégias desarmamentistas e pacificadoras “uma decisão somente racional”? E responde: claro que não.

Entretanto, na construção dos RDHs são prevalecentes os diagnósticos e prognósticos calcados, quase sempre, em razões racionais. Ou seja, os seus formuladores demonstram o quanto as relações sociais, econômicas e políticas ganhariam em melhorias, para todos, se se procedesse a um amplo processo dissuasório de atos e ações que ensejam possibilidades de guerras, já que “as guerras e os conflitos civis podem ter impactos perversos e duradouros sobre o desenvolvimento humano” (PNUD, 2014, p. 15) como um todo. Desde o primeiro RDH, o de1990, verifica-se uma lógica argumentativa assentada em elementos racionais.

As irracionalidades, como medos, temores, desejos de suplantar o outro, ódios e sentimentos de superioridade e de vingança, que provocam muitos conflitos bélicos, são diluídas nos diagnósticos e prognósticos. Essa é uma estratégia narrativa e política, uma vez que a dissuasão das irracionalidades é algo dificílimo e quase inalcançável, o que não significa que os documentos das Nações Unidas, como um todo, ou do PNUD, em particular, não estejam, de modo algum, voltados para temas como o medo. O documento, intitulado Em maior liberdade, preparado em 2005 pelo secretário geral das Nações Unidas, trata de programas de segurança para livrar as pessoas do medo. Todavia, a orientação para livrar o mundo do medo estava pautada em constatações de fatos correntes no limiar do século XXI. Não eram medos infundados e imaginários. Porém, é preciso considerar que, como diz Elias (1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991., 1998), esses últimos têm tido um papel essencial nos processos de detonação de guerras e de apoios a elas.

Kofi Annan salienta[va] as responsabilidades dos governos com relação aos direitos humanos no combate ao terrorismo. (...) Devido às violações bem documentadas dos direitos humanos no campo de prisioneiro de Guantânamo e os atos de tortura cometidos pelos soldados dos EUA na prisão de Abu Ghraib no Iraque, essa proposta é de uma natureza especialmente explosiva (MARTENS, 2005MARTENS, Jens. “Em maior liberdade: O relatório do secretário-geral da ONU referente à cúpula do Milênio+5/2005”. In: INFORME FES. Dialogue on globalization. Berlim: Friedrich Ebert Stiftung, 2005, pp. 1-12., p. 5).

A centralidade nos motivos racionais se ajusta ao caráter amplo e genérico dos documentos. E, também, no que tange à guerra e aos conflitos armados, é menos difícil, para um organismo internacional, tratar dos motivos racionais que dos motivos irracionais. Desarmar esses últimos é uma empreitada inatingível não só para o PNUD, mas também para os Estados, as organizações da sociedade civil, entre outras organizações. O apelo a elementos racionais faz muito mais sentido quando o objetivo é a construção tanto de diagnósticos quanto de prescrições. Observe-se o que consta no RDH de 1990:

Para fazer frente ao objetivo da década de noventa, se devem remediar os prejuízos produzidos ao desenvolvimento humano em muitos países em desenvolvimento a fim de gerar o impulso necessário para alcançar as metas humanas essenciais acerca do ano 2000. A resposta a este objetivo exigirá a mobilização de maiores recursos, tanto nacional como internacionalmente, e em muitos casos requererá mudanças importantes nas prioridades orçamentárias (PNUD, 1990, p. 50).

Os conflitos bélicos e as guerras consomem fatias enormes dos orçamentos públicos que poderiam ser direcionados ao desenvolvimento humano. São cálculos baseados em ganhos e perdas da maioria da população, que teria acesso a melhores condições de vida e lucraria significativamente com a paz, insistem os formuladores dos RDHs. E não se trata somente de um lucro financeiro, mas da possibilidade de construir uma vida sem medo e sem as violências brutais provocadas pelas guerras. Não ter a vida atropelada cotidianamente pelas destruições causadas por armas é um ganho incalculável, ressaltam eles. Constroem-se, então, narrativas centradas nos motivos racionais da pacificação nos diversos âmbitos, macros e micros, da vida social. Consta no RDH de 2005 um trecho que reforça isso: “Vivemos numa era em que a interação letal entre pobreza e conflito violento impõe graves ameaças, não só às vítimas imediatas, mas também à segurança coletiva da comunidade internacional” (Ibid., p. 12). Não há dúvida de que os formuladores dos RDHs estão tomando uma posição diante do embate denominado “manteiga versus canhões” ou “guns versus butter” (DIKICI, 2015DIKICI, Emre. “Guns versus Butter Tradeoff: The Theory of Defense - Quality Factor”. Journal of Economics, Business and Management, vol. 3. n. 7, pp. 1-6, 2015.). Se a pobreza e a guerra são combinações letais, o investimento nas melhorias sociais, graças ao qual as pessoas seriam mais bem nutridas, escolarizadas e com maiores chances de obter trabalho, moradia, vacinas, medicamentos e saneamento, seria uma maneira de diminuir os gastos despendidos em guerras e armas, o que certamente resultaria em menos belicosidades. O investimento em políticas de desenvolvimento humano seria uma espécie de prevenção contra conflitos bélicos (PNUD, 2005, p. 12).

Os argumentos constantes nos RDHs fazem parecer que as ameaças provocadas pelas guerras atingem a todos, posto que, de maneiras diversas e por motivos também diversos, acabam por obscurecer o fato de que o “destino e a reputação individual de cada homem [são], em larga medida, determinados (...) pelo destino e prestígio dos Estados, das nações, a que pertencem os indivíduos” (ELIAS, 1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991., p. 52). O apagamento das particularidades dos povos, dos Estados, das nações e dos continentes funciona como um meio de dizer que os perigos contidos na violência e nos conflitos bélicos atingem, mais cedo ou mais tarde, a todos. No entanto, combater a pobreza, a miserabilidade, as desigualdades, as exclusões, o analfabetismo, as enfermidades evitáveis é também uma maneira de evitar as belicosidades e os enfrentamentos armados. Daí a conexão pragmática entre dissuasão das possibilidades das guerras e desenvolvimento humano.

O desenvolvimento nos países pobres é a linha da frente na batalha pela paz global e pela segurança coletiva. O problema com o atual plano de batalha é uma estratégia militar sobre desenvolvida e uma estratégia de segurança humana subdesenvolvida (PNUD, 2005, p. 12).

Em A condição humana, Elias (1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991.) faz uma colocação que, de certa forma, leva a uma compreensão desse modo de os produtores dos RDHs enfatizarem pragmaticamente tal conexão entre diminuição das guerras e expansão do desenvolvimento humano. Não se pode dizer que tal ligação seja somente um delírio posto nos relatórios, uma vez que seus formuladores procuram demonstrar que há “possibilidades técnicas de uma organização da humanidade” (Ibid., p. 67) para conter a destruição provocada por motivos essencialmente humanos, como aqueles geradores das guerras. Ele diz:

O desenvolvimento da humanidade alcançou um ponto, ou melhor dizendo, atingiu um período em que os homens, pela primeira vez, se encontram perante a tarefa de se organizarem globalmente, ou seja, como humanidade (...). Ninguém pode prever quanto tempo a humanidade precisará para realizar esta tarefa. Ninguém pode prever se a humanidade, durante as lutas preparatórias nessa direção, se destruirá a si própria e tornará a terra inabitável (Ibid., pp. 66-67).

Parece, aos elaboradores dos relatórios, que as viabilidades de dissuadir governantes, líderes políticos, forças armadas, entre outros dos atos perpetradores dos conflitos bélicos tornaram-se mais e mais complexas, à medida que as “guerras locais e regionais, travadas predominantemente em países pobres, no interior de Estados fracos ou falidos” (PNUD, 2005, p. 12) foram se tornando predominantes no limiar do século XXI. “Há menos conflitos no mundo hoje do que em 1990, mas a parcela desses conflitos que ocorre em países pobres aumentou. Os custos do conflito violento para o desenvolvimento humano não são suficientemente valorizados” (Idem).

As potencialidades de um desenvolvimento humano favorável à humanidade como um todo são enfraquecidas, em uma situação em que a morte campeia em muitas partes do mundo, os deslocamentos forçados arrasam vidas e a pobreza e a miserabilidade dos que sobrevivem e permanecem nas regiões devastadas são brutais. “Na República Democrática do Congo as mortes atribuíveis direta ou indiretamente ao conflito excedem as perdas sofridas pela Grã-Bretanha no conjunto da Primeira e da Segunda Guerra Mundial” (Ibid., pp. 12-13). Em relação aos deslocamentos forçados, consta no relatório que “na região sudanesa do Darfur, mais de 1 milhão de pessoas foram deslocadas devido a conflitos” (Ibid., p. 13).

E por que os conflitos bélicos destroem inteiramente as chances do desenvolvimento humano? Destroem porque inviabilizam a solução de todo e qualquer problema social (analfabetismo, pobreza, fome, enfermidades), além de potencializarem e produzirem muitos outros. Em tais casos, evidencia-se que, com a persistência das guerras, não há qualquer forma de abrir e manter caminhos que levem à segurança humana.

Qual é o problema saliente nos documentos em análise? Eles estão falando a quem? Claude Lefort (2000LEFORT, Claude. “O direito internacional, os direitos do homem e a ação política”. Tempo Social, vol. 12, n. 1, pp. 1-10, 2000.), em discussão com Agnès Lejbowicz (1999LEJBOWICZ, Agnes. Philosophie du droit international: L’impossible capture de l’humanité. Paris: PUF, 1999.), comenta que os Estados nacionais são, por excelência, os destinatários das recomendações postas nos documentos das Nações Unidas. “A ação da ONU (...) tem por finalidade oferecer aos estados um quadro de negociação e fazer valer domínios de interesse comum nas relações internacionais” (LEFORT, 2000LEFORT, Claude. “O direito internacional, os direitos do homem e a ação política”. Tempo Social, vol. 12, n. 1, pp. 1-10, 2000., p. 5). Essa discussão deriva das indagações feitas por Lejbowicz (1999) sobre a forma de as Nações Unidas produzirem, editarem e comunicarem suas prescrições e objetivos, visando à “formação de um objetivo intermediário, de um arranjo por concessões mútuas. O sentido desses textos consiste em suscitar a convergência” (LEJBOWICZ, 1999LEJBOWICZ, Agnes. Philosophie du droit international: L’impossible capture de l’humanité. Paris: PUF, 1999.apud VELASCO e CRUZ, 2003, p. 177).

No caso dos RDHs, os destinatários das recomendações do PNUD são, evidentemente, em primeira instância, os Estados nacionais e, em segunda, a sociedade civil organizada. No que se refere às recomendações feitas aos Estados de que devem se empenhar em dissuadir os conflitos bélicos, qual seria o grande desafio desse tipo de prescrição? Ele estaria no fato de que os Estados têm a sua existência assentada na certeza de que podem ameaçar e atacar militarmente uns aos outros (ELIAS, 1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991.). Os diagnósticos e as prescrições, nesse caso específico presentes nos RDHs, descortinam ambivalências incorrigíveis. Isso porque as recomendações apontam para a necessidade de os Estados se dissuadirem das belicosidades e das guerras, mas é da essência dos Estados serem belicosos e, “em caso de conflito nas relações entre os Estados (...), decidir[em] o conflito a seu favor recorrendo à violência física” (Ibid., p. 74), muitas vezes brutalmente.

Os elaboradores do RDH de 2005 tentavam destilar, naquela conjuntura específica, algumas gotas de otimismo em relação à possibilidade de reversão dessa perene atitude violenta e belicosa de Estados, governos e alguns grupos sociais. Eles dizem:

Todavia, a despeito dos desafios ao desenvolvimento humano que os conflitos violentos colocam, há algumas notícias positivas. O número de conflitos caiu desde 1990. Os últimos 15 anos viram muitas guerras civis terminarem através da negociação, sob os auspícios da ONU. De Timor--Leste ao Afeganistão, de El Salvador à Serra Leoa, a paz trouxe novas oportunidades para desenvolvimento humano e a democracia. Os conflitos violentos constituem uma das maiores barreiras ao desenvolvimento humano acelerado. Mas essa barreira pode ser reduzida (PNUD, 2005, p. 20).

Os argumentos constantes nos relatórios são, de certa forma, invalidados, ainda que tentem mostrar o contrário, pela não-constituição consolidada de instituições voltadas para a “resolução de conflitos de modo não violento” (ELIAS, 1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991., p. 76). Há evidência de que os produtores do RDH de 2005 têm consciência disso ao reiterar que “(...) os acordos de paz são muitas vezes um prelúdio para a violência renovada: metade dos países que sai de um conflito violento volta a uma situação de guerra no prazo de cinco anos” (PNUD, 2005, p. 12).

Qual é, então, o desafio que vem à tona nos relatórios? Os diagnósticos e os prognósticos estão assentados na convicção de que sem conter as guerras não há como fazer avançar o desenvolvimento humano e, portanto, é muito difícil quebrar a tradição armamentista e belicosa dos Estados nacionais. Por isso, afirmam que não se trata de eliminar integralmente as barreiras impostas pelas guerras ao desenvolvimento humano, mas sim de reduzi-las. Em alguns momentos pontuais, tais negociações, para dissuadir os conflitos bélicos, podem parecer possíveis, mas essa possibilidade não se confirma em períodos posteriores. Se isso ocorreu no início da década de 2000, como atestam os produtores do relatório de 2005, nota-se que nos anos seguintes não houve continuidade, pois ocorreu a explosão de diversas guerras, devido ao fato de que “em caso de conflito, os Estados podem ameaçar-se, mutuamente, com guerra. A organização de todos os Estados assenta[-se] na possibilidade de um conflito bélico” (ELIAS, 1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991., p. 73).

Nessa linha proposta por Elias, pode-se dizer que muitos Estados levam até as últimas consequências as ameaças feitas a alguns grupos. O RDH de 2005 trata, entre outras questões, do estupro, citando-o como arma de guerra institucionalizada. Ou seja, “violência e atos de terrorismo perpetrados contra mulheres são, atualmente, estratégias institucionalizadas adotadas por facções em guerra - incluindo forças governamentais - em muitos países” (PNUD, 2005, p. 161). E não se deve imaginar que tais ocorrências são casos esporádicos: “Nos últimos anos, foram documentadas violações maciças na Bósnia e Herzegovina, Camboja, Libéria, Peru, Somália e Uganda. Durante o conflito na Serra Leoa, mais de 50 por cento das mulheres viveram algum tipo de violência sexual” (Idem).

Os formuladores do RDH de 2005 fazem uma ampla explanação sobre os diversos genocídios de civis nas muitas guerras violentas (Ruanda, Afeganistão, Iraque, Congo, Sudão) ocorridas nas últimas décadas. Ressaltam não somente o avultado número de mortos como também os deslocamentos forçados e as muitas ameaças coletivas (Ibid., p. 20) que impactam a vida das pessoas submetidas às muitas formas de violências usadas nas guerras.

As famílias pobres carregam muitas vezes o fardo do financiamento dos próprios conflitos que põem em perigo a sua segurança. Tanto os rebeldes como os atores do Estado se financiam saqueando os bens das pessoas [comuns], ou explorando recursos naturais, criando uma economia de guerra que alimenta o conflito (Ibid., p. 161).

Em tais situações é comum, como assinalam os produtores do RDH de 2005, existirem grupos que se beneficiam amplamente das guerras, razão por que não desejam, de modo algum, que tenham fim. É por esse motivo que os elaboradores do documento comentam com certo receio sobre os interesses das próprias potências beligerantes na manutenção de tais conflitos bélicos. Constroem uma estratégia argumentativa que dá muito mais atenção aos segmentos locais desejosos de lucrar com as guerras por meio de extorsões e tributações ilegais (Idem). “No Leste da República Democrática do Congo, as Forças Democráticas para a Libertação do Ruanda (FDLR) lança[vam] impostos ilegais e pilha[vam] sistematicamente os mercados locais. O ‘imposto de guerra’ semanal excede o rendimento semanal da maioria dos residentes locais” (Idem).

A destruição da economia, da infraestrutura, dos empregos, da produção de alimentos, das atividades comerciárias, entre outros processos de deterioração, afeta sobremaneira os mais pobres, que se veem sem qualquer possibilidade de subsistência, ressaltam os relatórios. E isso é cada vez mais preocupante porque “numa metáfora militar, a guerra contra a pobreza testemunhou progressos na Frente Leste, retrocessos maciços na África Subsaariana e estagnação numa ampla frente entre esses polos. A tendência preocupante (...) é que o progresso global está a abrandar” (Ibid., p. 34).

Interferências externas, financiamentos (de guerras civis e de ajudas de recuperação), negociações de paz e desenvolvimento humano

Os RDHs de 1991, 2002 e 2005 discutem as várias formas de interferência externa nos processos gerativos e provocadores das guerras civis por meio de financiamento dos grupos belicosos. Todavia, as intervenções externas não estão presentes somente dessa maneira; elas estão também nas ajudas de recuperação dos países mergulhados, por anos a fio, em disputas armadas que destroem toda a infraestrutura econômica e social. Os elaboradores desses relatórios destacam, então, o quanto são nefastas as interferências externas impulsionadoras das guerras. Têm sido recorrentes, na segunda metade do século XX, as muitas disputas (por riqueza, poder, armas etc.) que envolvem, colaborativamente, grupos internos e externos de tal modo que chegam a eliminar totalmente quaisquer outros grupos e a devastar regiões inteiras. “Na Somália, um processo de militarização, patrocinado, primeiro, pela União Soviética e, depois, pelos Estados Unidos, levou a uma guerra com a Etiópia e a uma brutal guerra civil entre senhores da guerra rivais” (PNUD, 2005, p. 166).

Em alguns momentos, ganham destaque, no relatório de 2005, as junções de interesses externos e internos impulsionadores de guerras civis brutais, as quais não estiveram presentes, de modo isolado, somente em um ou outro país, mas em muitos. Angola e Afeganistão podem ser mencionados como exemplos de situações como essas. Na Angola, as disputas pelo controle do petróleo e do diamante levaram as forças políticas e econômicas a se movimentarem intensamente a fim de obter financiamento para guerra com recursos vindos dessas fontes, que “aliment[aram] uma guerra civil violentíssima que matou, ou estropiou, 1 milhão de pessoas entre 1975 e 2002 e deixou mais 4 milhões de desalojados internos” (Ibid., p.167). Todos os serviços sociais, escolas, postos de saúde e hospitais foram destruídos ou ficaram paralisados.

A infraestrutura social e a econômica foram abaladas inteiramente. “Durante a guerra civil de 16 anos em Moçambique [1977-1992], mais de 40% das escolas foram destruídas ou obrigadas a fechar e mais de 40% dos centros de saúde foram destruídos” (Ibid., p. 15). A economia industrial foi destroçada, bem como a agricultura. Por meio dos indicadores do desenvolvimento humano, os produtores do RDH de 2002 demonstravam que o declínio da escolarização e a expansão da mortalidade de crianças, que alcançaram patamares elevadíssimos, foram consequência direta de anos seguidos de guerra civil em Moçambique.

No caso do Afeganistão, conforme ressaltavam os produtores dos RDHs, sempre ficou evidente o papel das forças externas na produção de condições que levaram ao poder segmentos (conhecidos como Talibã) obstinados em destruir toda e qualquer possibilidade de políticas de melhorias sociais. “O Governo dos Talibãs, que havia de pôr o desenvolvimento humano no Afeganistão em queda livre, tirou partido do caos interno que se abateu por influência externa” (Ibid., p.166).

Constantemente, os formuladores dos RDHs procuram demonstrar o quão perniciosas têm sido as interferências externas (em ações, procedimentos, atos e financiamentos) que produzem todo tipo de belicosidade. Evidentemente, tais processos têm sido perniciosos para os países pobres. As nações ricas, ou não, acabam tirando proveito do caos que passa a reinar sobre regiões inteiras. A África, entre o final da década de 1980 e o início da de 2000, vivenciou uma situação na qual os conflitos belicosos se espalharam em um efeito dominó. “A guerra regional da África Ocidental, que começou na Libéria em 1989, migrou para a Serra Leoa, voltou à Libéria (...) e depois mudou-se para a Guiné. Em setembro de 2002, combatentes da Libéria e da Serra Leoa estiveram envolvidos na luta que irrompeu na Costa do Marfim” (Ibid., p. 168).

As guerras, civis ou entre países13 13 Os produtores dos RDHs de 2002 e 2005 demonstram que nas últimas décadas do século XX e nas primeiras do XXI, enquanto as guerras entre países perdem espaço, as guerras civis ganham terreno (PNUD, 2005). , implodem as políticas de desenvolvimento humano tanto pela destruição de toda infraestrutura social e econômica como pelo fato de transformarem os países em conflitos armados em terreno fértil para grupos criminosos e extremistas, impedidores de quaisquer procedimentos capazes de levar à geração de instituições que sirvam como suporte para relações mais democráticas e transparentes. Os desequilíbrios de poder tornam-se extremos e isso agiliza, mais e mais, o desmoronamento do Estado e a instalação de governos autoritários. “Durante o século XX, os governos mataram cerca de 170 milhões de pessoas, muito mais do que as que morreram em guerras entre países. (...) Cerca de 3,6 milhões e seiscentas mil pessoas foram mortas em guerras dentro dos estados, nos anos 1990” (Ibid., p. 7).

Em tais circunstâncias, os segmentos mais pobres ficam à mercê de toda forma de violência que destrói, cotidianamente, as suas possibilidades de subsistência, forçando-os, muitas vezes, a buscar alguma saída por meio dos refúgios e das migrações compulsórias. “Durante os anos 1990, o número de refugiados e de pessoas deslocadas internamente aumentou 50%” (Idem). Os deslocamentos são impulsionados pelo caos econômico, social e político que se estabelece. Não há trabalho, meios de subsistência, escolas e nem atendimento à saúde (PNUD, 2002, 1991). Tudo isso combinado com uma ampla destruição de edifícios, moradias, redes de água, esgoto, gás etc. Os elaboradores do RDH de 1991 destacam que alguns países que tinham uma economia dependente do turismo foram brutalmente atingidos com a Guerra do Golfo (1990-1991). O “Egito perdeu milhares de milhões de dólares em remessas e turismo” (Idem, 1991, p. 60).

A Guerra do Golfo foi um conflito armado desencadeado com a invasão do Kuwait pelo Iraque. Um conjunto de países, com a aprovação do CSNU (resolução no 678), saiu em defesa do Kuwait e de seus campos de petróleo. Os produtores dos RDHs, em 1991, lidam com algo complexo: por um lado, advogam a necessidade de dissuadir países, governos, organismos internacionais e governantes de entrarem e/ou apoiarem os conflitos bélicos, uma vez que eles desfaziam as possibilidades de aplicação de políticas em favor do desenvolvimento humano e dos direitos humanos; por outro, deparam-se com uma atuação do CSNU que avaliza processos belicosos, como os da Guerra do Golfo, e reforçadores, como dizia Elias (1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991., p. 87), do potencial e do real poderio que alguns Estados têm para estabelecer seus interesses políticos e econômicos na política mundial.

Ao escrever A condição humana, em 1985, época em que ainda estava em vigor a luta entre os EUA e a URSS por hegemonia mundial, Elias destacava que todas as análises das guerras e das belicosidades que nos impactavam tinham de considerar o seguinte aspecto: a luta por igualdade da URSS e a luta pelos direitos humanos dos EUA, duas potências militares, eram um engodo, uma vez que não havia qualquer compromisso das duas partes com a igualdade e os direitos humanos. Seus discursos sobre esses supostos compromissos eram parte de seus projetos hegemônicos. Na década de 1990, os formuladores dos primeiros RDHs, que tratavam, entre vários outros temas, das disputas bélicas e das guerras geradas pelas disputas hegemônicas, pareciam cientes dos efeitos explosivos, sobre as políticas de desenvolvimento humano, da máxima que vigorou no período da Guerra Fria (1945-1991): o conflito bélico era uma forma de “construir a paz” (Ibid., p. 100).

Os produtores dos RDHs de 2002 e os de 2005, assim como os de 2010 e 2014, vão reforçar, cada vez mais, que “conseguir maior segurança (...) por meio da guerra é ilusóri[o]” (Idem), já que a segurança humana, derivada do desenvolvimento humano e da observância dos direitos humanos, é inteiramente inviabilizada pelas guerras. Os formuladores do RDH de 2002 - que se dedica ao tema “democracia e seu papel no processo de constituição do desenvolvimento humano” - vão insistir na necessidade de “manutenção de paz democrática preventiva, para a resolução pacífica dos conflitos em fermentação, antes que se tornem guerras” (PNUD, 2002, p. 106).

Abrem-se, então, duas frentes de discussões nos RDHs, uma voltada para as prescrições de negociação de paz a fim de evitar os conflitos bélicos e outra direcionada à busca de fontes de financiamento para recuperação dos países que passaram por guerras destruidoras da infraestrutura econômica e social. Esses dois caminhos, negociação da paz e financiamento para reconstrução, aparecem como interligados e interdependentes. Pouco resolveria reconstruir se, em um breve espaço de tempo, tudo seria destruído novamente. A negociação da paz traria uma pacificação que poderia, segundo os diagnósticos feitos nos RDHs de 2002 e 2005, ser somada a ajudas de recuperação duradoura para o desenvolvimento daqueles países que viviam à beira do abismo com o avizinhar sempre repetido de novos conflitos. Havia, segundo as narrativas construídas nos RDHs, algumas razões para o otimismo quanto às negociações, uma vez que nos

últimos 15 anos (...) muitas guerras civis terminar[am] através da negociação, sob os auspícios da ONU. De Timor-Leste ao Afeganistão, de El Salvador à Serra Leoa, a paz trouxe novas oportunidades para o desenvolvimento humano e a democracia. Os conflitos violentos constituem uma das maiores barreiras ao desenvolvimento humano acelerado. Mas essa barreira pode ser reduzida (Idem, 2005, p. 20).

Com vários argumentos, os formuladores dos RDHs narram que as ajudas para o desenvolvimento daquelas nações que passaram por guerras, civis ou não, podem não dar os resultados esperados. Isso acontece quando as ajudas e os financiamentos geram dependências extremas e, por várias razões, os países não conseguem fazer a economia caminhar com suas próprias pernas. É como caminhar com a bengala emprestada (SOIRI, 1999SOIRI, Lina. Moçambique: Aprender a caminhar com uma bengala emprestada? Ligações entre descentralização e alívio da pobreza. Helsinkia: IDS, 1999.), ou seja, no momento em que a bengala é retirada não se pode mais avançar. Lina Soiri (Ibid.), com o apoio do Instituto para o Estudo do Desenvolvimento (IDS) da Finlândia, fez uma pesquisa sobre as modalidades de cooperação internacional para combater a pobreza e promover a recuperação de Moçambique, após anos e anos de guerra civil. Ela alertava para a complexidade, em seus múltiplos níveis, desse processo de financiamento e fazia isso indagando sobre os desequilíbrios de poder e os espaços que eram abertos, ou não, para pessoas, governos, organizações da sociedade civil e instituições locais a fim de que pudessem levar avante processos de combate à pobreza e à miserabilidade.

Pela própria natureza dos RDHs, nota-se que seus produtores fazem diagnósticos e prognósticos genéricos, ou seja, sem dar maior atenção às especificidades de cada país. Isso não quer dizer que eles não consideram, ainda que rapidamente, os modos particulares dos muitos países e governos lidarem com as ajudas, doações e financiamentos. Eles mostram que alguns países, mais do que outros, criam laços de dependências fortíssimos com as ajudas e doações para recuperação, após longos períodos de conflitos. Nesse caso, dão alguns passos, no processo de desenvolvimento, mas sem autonomia alguma. “Bósnia, Herzegovina [e] Nicarágua permanece[m] criticamente dependentes da ajuda ao desenvolvimento” (PNUD, 2005, p. 178).

Porém, os elaboradores dos documentos do PNUD aqui analisados esmiúçam pouco os desequilíbrios de poder, as imposições tanto internas quanto externas que levam, muitas vezes, à ineficácia desses processos de ajuda, financiamentos e cooperação internacional. James Ferguson (2012FERGUSON, James. “La maquinaría antipolítica, desarrollo, despolitización y poder burocrático en Lesoto”. In: GALÁN, Beatriz (org). Antropología y desarrollo. Madrid: Catarata, 2012, pp. 239-257.) fez uma análise das relações de poder e suas assimetrias (internas e externas) - no caso das políticas de cooperação internacional para o desenvolvimento de Lesoto (África) - e constata as muitas razões da ineficácia de tais relações de cooperação.

Com muitos questionamentos sobre a eficácia ou ineficácia dos planos de ajuda internacional para recuperação após anos de guerras, os elaboradores e encampadores dos RDHs procuram demonstrar que as razões pelas quais não se tem bons resultados são muitas e vão desde a permanente possibilidade de os conflitos serem retomados e de haver um aprofundamento da pobreza e da miserabilidade até o recorrente agravamento da falta de confiança nas instituições e nos governos. Tanto a pobreza quanto a precariedade das instituições são agravadas, em último grau, com as guerras. Levar adiante, assim, projetos de desenvolvimento humano fica difícil. A ampliação dos acordos de paz, o desmantelamento da belicosidade por meio de negociações, a diminuição das despesas militares, a expansão de instituições democráticas, o combate à pobreza e a observância aos direitos humanos são os únicos caminhos possíveis para a pacificação do mundo atual.

Considerações finais

Ao se analisar as estratégias argumentativas presentes nos RDHs, observa-se que as sinuosidades dos seus diagnósticos acerca da dificuldade de expansão das políticas de melhorias sociais em contextos de expansão das guerras, da insegurança humana e das diversas formas de violências aparecem também nas prescrições de pacificação, de cooperação internacional e de diminuição de despesas militares como condição sine qua non de ampliação do combate à insegurança humana. Tais tortuosidades estão ligadas ao fato de que as políticas de desenvolvimento humano estão submetidas aos jogos políticos de cooperação internacional14 14 Sobre cooperação internacional e suas estratégias, alianças e atores diversos, ver Gabas (2010). , dependentes justamente de países que estão, muitas vezes, envolvidos na disseminação da guerra e da violência bélica. Os elaboradores dos RDHs criticam as ações belicosas de modo geral, mas é visível, nos argumentos, a dificuldade de romper com uma tradição bélica, militar, que está na base dos embates pela supremacia das principais potências econômicas mundiais, que comandam o CSNU. Deriva daí a tortuosidade argumentativa exposta nos RDHs.

Oliveira e Rebelo (2017, p. 176) discutem algumas mudanças de procedimentos no âmbito do CSNU, que tem adotado algumas resoluções acerca da “(...) vulnerabilidade de civis em situações de disputas armadas”. Pode-se dizer, então, que isso favorece os argumentos encampados pelo PNUD, nos RDHs, sobre o modo como os conflitos bélicos destroem as possibilidades de desenvolvimento humano. Todavia, entre o CSNU adotar esse tipo de entendimento e desencadear procedimentos que combatam a tradição bélica há uma longa distância.

Pressupõe-se que as estratégias argumentativas só podem ser decifradas à luz dos processos históricos, sociais, econômicos e políticos atuais. São as relações de poder e os embates entre as múltiplas configurações (organismos internacionais, Estados, governos, lideranças políticas, organizações da sociedade civil, entre outras) que possibilitam compreender as condições externas sustentadoras dos argumentos e das narrativas cujo fim é pôr, na agenda internacional, a necessidade de persuadir os países a promoverem ações e adotarem procedimentos para ampliar as chances de expansão do desenvolvimento humano, atuação que estaria diretamente ligada a um processo de pacificação de todas as regiões mergulhadas em guerras civis.

As sinuosidades dos argumentos correspondem às tortuosidades dos intentos, de agências e organizações como as Nações Unidas, que ao mesmo tempo “funciona[m] enquanto organismo[s] de legitimação do uso da força” (DEVIN, 2009DEVIN, Guillaume. Sociologia das relações internacionais. Salvador: EDUFBA, 2009., p. 157) e como produtoras de consensos para controlar a violência, ancoradas em novas modalidades de relações internacionais que de fato estejam comprometidas com a observância dos direitos humanos e das metas de erradicação da pobreza, do analfabetismo, da brevidade da vida de muitos grupos populacionais exterminados por desnutrição, fome, guerras, doenças evitáveis e toda forma de violação do bem-estar individual e coletivo.

Elias (1991ELIAS, Norbert. A condição humana. Lisboa: Difel, 1991.) afirmava que é um avanço expressivo esta convicção de que por meios bélicos não há como alcançar qualquer segurança. Seriam, então, parte de um processo civilizacional todo e qualquer projeto e toda e qualquer prescrição voltados para a restrição da belicosidade e da violência. Todavia, ele dizia não ver, no final do século XX, qualquer possibilidade de “pacificação da humanidade (...) assente em decisões voluntárias” (Ibid., p. 100). Ainda assim, todos os esforços em defesa dos direitos humanos, da pacificação da humanidade, da diminuição da violência e das hostilidades seriam de suma importância, segundo o autor.

Apesar de haver indicações, de acordo com as discussões de Elias, de que é inteiramente impossível e irrealizável, no contexto histórico atual, efetivar esses processos de pacificação e de diminuição das hostilidades, os diagnósticos e prognósticos presentes nos RDHs tocam em algo de maior relevância, o que equivale a dizer que as guerras, as belicosidades, as violências, as hostilidades, a inobservância dos direitos, o autoritarismo, os desequilíbrios gritantes de poder, de renda e recursos estão na base da insegurança humana. As proposições postas nos RDHs se defrontam com os “desequilíbrios de poder e com a [forte] hierarquização entre Estados” (Ibid., p. 103). Confrontam-se, também, com as enormes desigualdades econômicas, políticas e sociais que têm ganhado fôlego no século XXI.

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  • WILLIAMS, Raymond. “A política do desarmamento nuclear”. In: Recursos da esperança. São Paulo: Editora Unesp, 2015, pp. 275-305.
  • 1
    Uma parte deste trabalho foi apresentada e registrada nos Anais do IX Congresso Internacional da Associação Brasileira de Pesquisadores em Sociologia do Direito (Abrasd), ocorrido na Universidade de São Paulo (USP) entre 26 e 28 de setembro de 2018.
  • 2
    Esses documentos citados são os que mais se dedicam à temática das guerras e dos conflitos bélicos como bloqueadores de políticas que levam ao desenvolvimento humano. Assinale-se que os RDHs são publicados anualmente desde 1990. Ao longo de mais de 20 anos, eles têm dado maior ou menor ênfase ao tema tratado neste artigo.
  • 3
    Os RDHs pretendem medir os avanços, ou não, dos diversos países que compõem o sistema das Nações Unidas nas políticas de desenvolvimento humano. Tais padrões de medidas fundam alguns índices básicos, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) — “[u]m índice composto que mede as realizações em três dimensões básicas: (...) uma vida longa e saudável, o conhe cimento e um padrão de vida digno” (PNUD, 2010, p. 232) —, o Índice de Desenvolvimento Humano — ajus tado à desigualdade, que é “o valor do índice (...) ajustado para desigualdades nas três dimensões básicas (...) [mencionadas anteriormente]” (Idem) — e o Índice de desenvolvimento humano - híbrido — “um índice que usa a mesma forma funcional do IDH, mas que usa a alfabetização e as matrículas brutas para calcular o índice de educação e PIB per capita para o indicador de rendimento” (Idem).
  • 4
    “A guerra civil ocorre quando duas ou mais organizações militares distintas, das quais ao menos uma é vinculada ao governo previamente existente, disputam [entre si] o controle dos principais meios governamentais dentro de um regime” (TILLY, 2013TILLY, Charles. Democracia. Petrópolis: Vozes, 2013., p. 189).
  • 5
    Sen denomina as abordagens do desenvolvimento social como teorias da escolha social, as quais ajudaram a formular “uma teoria econômica (...) que fez muito para criar o trabalho de base para que esse tipo de discussão [do desenvolvimento humano] exista” (SEN, 2001SEN, Amartya. “Amartya Sen: Não é a falta de alimentos a causa da fome, mas a insuficiência de renda para comprar comida, diz o economista”. Memória Roda Viva, 22 jan. 2001. Disponível em: http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/32/entrevistados/amartya_sen_2001.htm
    http://www.rodaviva.fapesp.br/materia/32...
    , p.13).
  • 6
    Sobre esses dois focos, internalistas e externalistas, na sociologia e na história, ver Medina (1983MEDINA, Esteban. “La polémica internalismo/externalismo en la Historia y la Sociologia de la Ciencia”. Reis: Revista Espanhola de Investigaciones Sociológicas, n. 23, pp. 53-76, 1983.).
  • 7
    Heloísa Pontes (1996PONTES, Heloísa. “Círculos de intelectuais e experiência social”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 12, n. 34, pp. 57-69, 1996.) reflete sobre as diferenças entre as abordagens internalistas e externalistas. Raymond Williams (2015WILLIAMS, Raymond. “A política do desarmamento nuclear”. In: Recursos da esperança. São Paulo: Editora Unesp, 2015, pp. 275-305.) e Elias (1994aELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994a., 1994b, 1994c, 2001), ainda que diferentes em suas propostas metodológicas, podem ser tomados como autores com focos analíticos externalistas. Enquanto em Elias a ênfase recai sobre os jogos configuracionais, em Williams recai sobre as condições sociais, políticas e culturais.
  • 8
    As ciências sociais oferecem vários caminhos para desvendar a semântica do desenvolvimento humano presente nos RDHs. Danilo Martucelli (2017) oferece muitas pistas para isso.
  • 9
    O PNUD encomenda, encampa, edita e divulga esses relatórios. Há um percurso complexo materializado no encontro de muitas vozes (intelectuais, lideranças políticas da sociedade civil ou não, técnicos, governantes, representantes de organismos internacionais) que se fazem presentes, de algum modo, na feitura desses materiais e na sua divulgação. Isso tem a ver com o fato desse fundo da ONU estar organizado como uma configuração complexa em múltiplos níveis, para utilizar uma noção de Elias (2006ELIAS, Norbert. “Conceitos sociológicos fundamentais: Civilização, figuração, processos sociais”. In: NEIBURG, Federico; WAISBORT, Leopoldo (orgs). Escritos & ensaios. Rio de Janeiro: Zahar, 2006, pp. 21-33.).
  • 10
    Sobre o modo como as diversas potências se colocam diante dos conflitos internacionais, ver as seguintes coletâneas: Nasser (2009NASSER, Reginaldo M. (org). Os conflitos internacionais em múltiplas dimensões. São Paulo: Editora Unesp, 2009.) e Milani (2010MILANI, Carlos R.S. (org). Relações internacionais: Perspectivas francesas. Salvador: EDUFBA, 2010.).
  • 11
    Pureza (2009PUREZA, José Manoel. “Segurança humana: Vinho novo em odores velhos?”. In: NASSER, Reginaldo M. (org). Os conflitos internacionais em múltiplas dimensões. São Paulo: Editora Unesp, 2009, pp. 21-33., p. 29) diz que o RDH de 1994 pode ser “considerado o instrumento fundador do conceito de segurança humana”. Sobre essa noção, ver ainda Axworthy (2004AXWORTHY, Lloyd. “Human Security: An Opening for UN Reform”. In: PRICE, Richard; ZACHER, Mark (orgs). The United Nations and Global Security. Nova York: Palgraveele, 2004, pp. 245-260.), Cravo (2009CRAVO, Teresa de A. “O conceito de segurança humana: indícios de uma mudança paradigmática?”. In: NASSER, Reginaldo M. (org). Os conflitos internacionais em múltiplas dimensões. São Paulo: Unesp, 2009, pp. 67-88.) e Gledhill, 2012GLEDHILL, John. “Segurança humana: Uma meta viável?”. Cadernos CRH, vol. 25, n. 66, pp. 519-533, 2012.).
  • 12
    Os RDHs passaram a ser publicados em 1990 sob a orientação dos economistas Mahbub Ul Haq e Amartya Sen.
  • 13
    Os produtores dos RDHs de 2002 e 2005 demonstram que nas últimas décadas do século XX e nas primeiras do XXI, enquanto as guerras entre países perdem espaço, as guerras civis ganham terreno (PNUD, 2005).
  • 14
    Sobre cooperação internacional e suas estratégias, alianças e atores diversos, ver Gabas (2010).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2020
  • Aceito
    04 Maio 2020
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