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O surgimento da Cracolândia como problema público: O desenvolvimento do mercado lucrativo do crack e sua exploração político-midiática

The Emergence of Cracolândia as a Public Problem: The Development of the Lucrative Crack Market and its Political-Media Exploitation

RESUMO

Neste artigo, analisamos as duas primeiras décadas da Cracolândia, localizada no Centro de São Paulo, do início dos anos 1990 a 2010, em busca da elaboração de um histórico dos interesses criados em torno do local. Para tanto, nos valemos de trabalhos acadêmicos, literários e jornalísticos publicados sobre a região nesse período e vemos como a sua presença na mídia possibilitou uma série de medidas punitivas do poder público que permitiram a exposição de personalidades políticas e promessas de valorização imobiliária. Concluímos que as ações do poder público na Cracolândia estiveram articuladas com interesses do mercado imobiliário, além de responderem a apelos da mídia.

Palavras-chave:
Cracolândia; uso de crack; políticas públicas; violência policial; mídia

ABSTRACT

In The Emergence of Cracolândia as a Public Problem: The Development of the Lucrative Crack Market and its Political-Media Exploitation we examine the first two decades of Cracolândia, in downtown São Paulo, from the early 1990s to 2010, in search of a history of the interests created around the area. To do so, we have made use of academic, literary, and journalistic works published about the area during this period. We have seen how it is presence in the media enabled a series of punitive measures by public authorities that have allowed the exposure of political personalities and promises of real estate valorization. We conclude that the actions of the public power in Cracolândia were articulated with interests of the real estate market, besides responding to appeals from the media.

Keywords:
Cracolândia; use of crack; public policy; police violence; media

Introdução

Marcada por intervenções sucessivas, pelas três esferas de governo, sobre as pessoas que fazem uso do crack nas imediações da região conhecida como Boca do Lixo, localizada no centro da cidade de São Paulo, a Cracolândia se mostrou resiliente às tentativas reiteradas de expulsão. Em suas duas primeiras décadas de existência, do início dos anos 1990 a 2010, essas intervenções, muitas vezes caracterizadas pela violência e falta de planejamento, deslocaram a cena de uso1 1 Cenas abertas de uso de drogas são espaços, geralmente urbanos, que têm no consumo de substâncias seu principal agente aglutinador. e a tornaram um local cada vez mais de convivência entre consumidores de álcool e crack. Neste artigo, buscamos investigar como ações de pouco ou nenhum êxito se prolongaram por duas décadas sem que correções significativas de rumo fossem adotadas.

É sabido que os conflitos que contribuíram para desencadear certa itinerância da Cracolândia vão além da repressão policial. Grandes intervenções urbanas acabaram por constituir outras territorialidades que disputam aquele espaço e procuram ressignificá-lo (FRÚGOLI JR. e CAVALCANTI, 2013FRÚGOLI JR., Heitor; CAVALCANTI, Mariana. “Territorialidades da(s) cracolândia(s) em São Paulo e no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico, n. II, pp. 73-97, 2013.). Objeto de representações estigmatizantes por parte da mídia, a Cracolândia, um território híbrido ocupado por “indesejáveis” (TEIXEIRA, 2018TEIXEIRA, Mirna Barros; LACERDA, Alda; RIBEIRO, José Mendes. “Potencialidades e desafios de uma política pública intersetorial em drogas: O Programa ‘De Braços Abertos’ de São Paulo, Brasil”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, vol. 28, pp. 280-306, 2018., p. 2), se vê constantemente sujeita à gestão dos corpos vulneráveis.

O período escolhido para a nossa pesquisa se justifica em termos analíticos por preceder - e de certa forma abrir caminho para - a Operação Sufoco, também conhecida como Operação Dor e Sofrimento, realizada em 2012, que pode ser considerada o momento privilegiado das disputas em torno da Cracolândia, até então. Essa intervenção do poder público, inédita pela violência empregada, explicitou dispositivos de controle para a manutenção da ordem que chegaram a acionar a atuação da Defensoria Pública como resposta para garantir o direito de permanência dos usuários de crack na região (MAGALHÃES, 2017MAGALHÃES, Taís. “Campos de disputa e gestão do espaço urbano: A Operação Sufoco na ‘cracolândia’ paulistana”. Ponto Urbe, n. 21, 2017.). Ao contrário dessa operação específica e dos anos seguintes a ela, o período que a precedeu é ainda pouco pesquisado, o que nos leva a tecer neste artigo contribuições que consideramos inéditas para a compreensão das primeiras décadas da Cracolândia.

Visões menos alarmistas dessa territorialidade de uso de crack observarão o quanto suas fronteiras são penetráveis, com grande circulação de pessoas e usos distintos (RUI, 2014RUI, Taniele. “Usos da ‘Luz’ e da ‘cracolândia’: “etnografia de práticas espaciais”. Saúde e Sociedade, vol. 23, pp. 91-104, 2014.). Ao mesmo tempo que abriga historicamente pessoas de classes populares, a Cracolândia se situa em uma área com concentração de processos de preservação patrimonial e intervenções urbanísticas marcadas pela estigmatização (FRÚGOLI JR. e SKLAIR, 2009FRÚGOLI JR., Heitor; SKLAIR, Jessica. “El barrio de la Luz en São Paulo: Cuestiones antropológicas sobre el fenómeno de la gentrification”. Cuadernos de Antropología Social, n. 30, pp. 119-136, 2009.). Ainda assim, é constantemente objeto da ação de uma gama de entidades sociais, algumas vinculadas a igrejas evangélicas, voltadas ao atendimento de um público vulnerável, como os usuários de crack que vivem nas ruas (SPAGGIARI, RODRIGUES e FONSECA, 2012SPAGGIARI, Enrico; RODRIGUES, Weslei Estradiote; FONSECA, Isadora Zuza da. “Etnografia da atuação de entidades sociais na região da Luz”. Ponto Urbe, n. 11, 2012.). Pessoas que ocupam essa região específica do centro de São Paulo para fazer uso intensivo de crack padecem de sofrimento social; como forma de sobreviver, se valem de diversos agenciamentos que possibilitam resistir nos espaços de consumo da droga e lidar com esse sofrimento (GOMES e ADORNO, 2011GOMES, Bruno Ramos; ADORNO, Rubens de Camargo Ferreira. “Tornar-se ‘noia’: Trajetória e sofrimento social nos ‘usos de crack’ no centro de São Paulo”. Etnográfica, vol. 15, n. 3, pp. 569-586, 2011.).

No dossiê Em torno da Cracolândia Paulista, organizado por Vera da Silva Telles em 2017TELLES, Vera da Silva. “Em torno da Cracolândia Paulista: Apresentação”. Ponto Urbe, n. 21, 2017. para a revista Ponto Urbe2 2 Apresentação ao dossiê disponível em: https://journals.openedition.org/pontourbe/3602 , encontramos importantes contribuições no sentido de uma compreensão mais aprofundada sobre como dispositivos de poder se combinam conforme circunstâncias distintas apresentadas naquele espaço. Os trabalhos de Marina Nasser e Deborah Fromm se mostram particularmente interessantes em termos analíticos para as questões postas neste artigo. Nasser (2017) propõe pensar a Cracolândia como 1) um campo de gravitação construído em consequência da fixação, na região, de programas e instituições assistenciais com seus recursos e possibilidades e 2) um local relativamente seguro das investidas policiais para os usuários de crack estabelecerem suas “malocas” e levarem suas vidas. A Cristolândia foi o ponto de partida da pesquisa de Fromm (2017), que, após analisar as trajetórias de três personagens que encontraram seu refúgio na Cracolândia, vê como a trama institucional trabalha no sentido de concentrar os frequentadores do local no “fluxo” de usuários de crack, que será tomado neste artigo como o aglomerado de consumidores da droga presente na cena de uso (TEIXEIRA, LACERDA e RIBEIRO, 2018TEIXEIRA, Mirna Barros; LACERDA, Alda; RIBEIRO, José Mendes. “Potencialidades e desafios de uma política pública intersetorial em drogas: O Programa ‘De Braços Abertos’ de São Paulo, Brasil”. Physis: Revista de Saúde Coletiva, vol. 28, pp. 280-306, 2018.; COSTA, 2017COSTA, Roberta Marcondes. Mil fitas na Cracolândia: Amanhã é domingo e a Craco resiste. Dissertação (Mestrado em Culturas e Identidades Brasileiras) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.). A trama institucional facilita o trabalho dos agentes sociais e de saúde envolvidos, mas à custa de inviabilizar o fim da cena aberta de uso de crack.

Em termos morfológicos, a palavra cracolândia encontra-se nos limites entre afixação e composição: “lândia”, como em Disneylândia, sua palavra-modelo, significa lugar em que se concentra (GONÇALVES, 2011GONÇALVES, Carlos Alexandre. “Paitrocínio, tecno-macumba, maridoteca: O comportamento das formas combinatórias no português do Brasil”. Revista da Abralin, v.10, n. 2, pp. 67-90, 2011.). Essa concentração, no caso de cracolândia, é de usuários de crack, muito embora eles não sejam os únicos a circular pelo local. O “fluxo” atrai pessoas em situação de rua que não fumam crack, assim como usuários da droga que não moram nas ruas. O sufixo “lândia” atribui ao território uma identidade por fontes externas e pelo aspecto negativo de representação, que se verá presente em toda existência daquela região.

Para traçarmos o panorama desejado, nos valemos de trabalhos acadêmicos, literários e jornalísticos publicados sobre a Cracolândia no período entre o início dos anos 1990 e 2010. As matérias jornalísticas foram pesquisadas em intervalos geralmente anuais - por vezes, se mostrou necessário examinar as notícias em espaços temporais mais curtos, devido à alta densidade de publicações sobre a região divulgadas em um mesmo breve período. Com esses procedimentos, acreditamos ter podido traçar um histórico das ações do poder público relacionadas ao tema nesse recorte temporal para, assim, cotejá-las com a produção acadêmica dedicada ao assunto.

O intervalo de tempo escolhido para a análise marca o ciclo de políticas públicas antecessoras à Operação Sufoco. Também antecede o programa De Braços Abertos, implementado em 2014 pelo então prefeito Fernando Haddad (PT) e que previa trabalho em equipes de zeladoria, formação profissional e acomodação em hotéis da região (ALVES, PEREIRA e PERES, 2020), tendo sucedido a Operação Sufoco. Trata-se de um importante momento histórico por mostrar como ações do poder público, pretensamente levadas adiante em benefício de crianças e, posteriormente, de usuários de drogas, podem estar ligadas a necessidades políticas momentâneas e interesses econômicos duradouros. Como se sabe, os contínuos fracassos das intervenções não resultaram em mudanças procedimentais significativas, dado que seus objetivos eram alcançados na repercussão midiática instantânea, não poucas vezes relacionada à disputa eleitoral. Porém, elas foram paulatinamente construindo as condições para o emprego maciço da violência que viria em seguida.

A disputa em torno da política de tolerância zero na recém-descoberta Cracolândia

Wilton Cordovil (2016CORDOVIL, Wilton Dias. “O lobo em pele de ovelha: Requalificação urbana como estratégia de poder”. Revista de Geografia - PPGEO/UFJF, vol. 2, n. 1, pp. 1-8, 2016.), ao caracterizar a região da Luz, onde se instalou a Cracolândia, observa que o abandono histórico das edificações se liga à decadência da atividade cafeeira exportadora e à sua posterior ocupação pelas “parcelas menos favorecidas da sociedade” (p. 6). Pedro Arantes (2008ARANTES, Pedro. “Interesse público, poderes privados e práticas discursivas na política de renovação do centro de São Paulo”. COMARU, Francisco; BARRETO SILVA, Helena Menna; TSUKUMO, Isadora Tami Lemos; GUERRA, Lisandra de Moura; BROSE, Marcus; MENEGON, Natasha Mincoff; ARANTES, Pedro Fiori; CYMBALISTA, Renato; FALZONI, Rosa Maria. Políticas públicas para o Centro: Controle social do financiamento do BID à Prefeitura Municipal de São Paulo. São Paulo: Instituto Pólis, 2008.) observa que [a] região da Luz concentra os interesses de um mesmo grupo político (parcela do antigo MDB e atual PSDB) desde o início dos anos 1980, quando foi formulado o projeto Luz Cultural, na gestão estadual de Franco Montoro” (p. 15). Essas “âncoras culturais”, equipamentos capazes de atrair grande público, destinam-se à valorização imobiliária do entorno com uma aparência de ação apolítica, universal e essencialmente benéfica.

A primeira apreensão noticiada de crack em São Paulo data de 1986 e se deu na região central da cidade. Em 1991, ocorreu a primeira apreensão na área geográfica que futuramente seria chamada de Cracolândia (FASSON e PUCCINELLI, 2010FASSON, Karina; PUCCINELLI, Bruno. Pensando o crack na cidade de São Paulo: Cracolândia, intervenções públicas, saúde e marginalização. Trabalho apresentado no IX Concurso Nacional de Monografia sobre Drogas, Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, Brasília, 2010.). Costa Jr. e Souza (2014) encontraram o primeiro registro de notícia sobre a Cracolândia no acervo digital do jornal O Estado de São Paulo: datado de 1995, localizava a cena de uso no bairro Santa Ifigênia. Realizada entre 1996 e 1999, a pesquisa etnográfica de Selma da Silva e Adorno (2013) demarcava o consumo do crack “entre as ruas do Triunfo, Gusmões e Andradas, hoje inexistente até em função da operação ‘derruba quarteirão’ que a municipalidade executou como uma das estratégias de acabar com a ‘cracolândia’ (p. 26)”.

A violência vem, portanto, do início das políticas para a região, mais especificamente do final dos anos 1990. A revista Veja recordaria, 15 anos depois, a ação repressiva chamada Operação Tolerância Zero, “comandada pelo então governador Mário Covas (PSDB), em 1997, como sendo a primeira grande ação policial a prender usuários. O resultado não foi nada auspicioso: a Cracolândia apenas se deslocou de algumas quadras para outras, na mesma região central” (HUBERMAN, 21/01/2012HUBERMAN, Bruno. “Cracolândia: Uma terra sem pai: No jogo político de empurra, a discussão sobre soluções para a explosão do consumo do crack no país e o combate ao uso da droga mais devastadora das últimas décadas descamba para o discurso simplista: a busca por culpados”. Veja, Brasil, 21 jan. 2012. Disponível em: http://veja.abril.com.br/brasil/cracolandia-uma-terra-sem-pai/
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).

No ano seguinte, em 1998, o governo estadual de Mário Covas (PSDB) chegava ao seu terceiro ano. Para se reeleger, Covas teria de enfrentar duas forças da política paulistana: o quercismo e o malufismo. Paulo Maluf (PP) havia conseguido tornar seu ex-funcionário, Celso Pitta (então no PPB), prefeito da capital, em uma eleição mais uma vez marcada pelo discurso do combate à criminalidade. A defesa da tolerância zero foi utilizada como slogan nas campanhas malufistas dos anos 1990. Naquele cenário, o antecessor de Covas, Luiz Antônio Fleury Filho (então no PMDB), escreveu um artigo para a Folha de S. Paulo em que criticava a política de tolerância zero, implementada, segundo Fleury, tardiamente pelo governador tucano, Covas, e acompanhada da destruição das políticas sociais direcionadas aos “menores”, como as 202 escolinhas de esporte que ofereciam modalidades esportivas para crianças e adolescentes (FLEURY FILHO, 27/03/1997FLEURY FILHO, Luiz Antonio. “Dois anos depois (dois anos ainda!): O principal inimigo do atual governo não está no passado. Nasce dele próprio, de sua maneira de ver os problemas”. Folha de S. Paulo, Opinião, 27 mar. 1997. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz270309.htm
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). No artigo, diz ainda o ex-governador que quando Covas, ao iniciar a política de tolerância zero, levou “(...) ainda que tardiamente, a polícia para o centro da cidade, recolhendo as crianças de rua, todos aplaudiram. Infelizmente, as crianças recolhidas de manhã voltavam à tarde para a ‘cracolândia’, já que o Estado não sabia o que fazer com elas” (Ibid.). A Cracolândia aparece, assim, no final dos anos 1990, como problema público associado à presença de crianças de rua, e, por isso, a crítica do ex-governador recai sobre a ausência de destinação para os “menores” recolhidos em regime de tolerância zero.

Poucos meses após a publicação do artigo do ex-governador Fleury, a política de tolerância zero de Covas continuou incitando críticas. O jornalista Gilberto Dimenstein (11/04/1999DIMENSTEIN, Gilberto. “Repressão amplia limites da cracolândia: Ação policial faz traficantes mudarem local de atuação e ampliarem a fronteira da droga na cidade de São Paulo”. Folha de S. Paulo, Cotidiano, 11 de abr. 1999. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff11049914.htm
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), que à época opinava sobre questões relativas ao bem-estar de crianças e adolescentes, denuncia na Folha de S. Paulo, cujo conselho editorial compunha, o fiasco das práticas repressivas do governo estadual. Tais práticas teriam originado uma “grande Cracolândia”: “A repressão apenas redesenhou as fronteiras e diversificou ainda mais os pontos de tráfico na região central” (Ibid.).

Em 2000, a Cracolândia foi objeto de análise de Ricardo Ohtake, em artigo publicado na revista São Paulo em Perspectiva. Nele, o arquiteto descreveu a região como “uma das mais tristes áreas da cidade, construída de lojas comerciais, hotéis, bares e boates onde prostitutas, viciados e comerciantes de drogas se misturam a fregueses de baixíssimas posses” (OHTAKE, 2000OHTAKE, Ricardo. “Os novos monumentos das metrópoles”. São Paulo em Perspectiva, vol. 14, n. 4, pp. 111-119, 2000., p. 118). O autor pedia ingerência do poder público no sentido de produzir ali um “novo e salutar bairro”. Ao que parece, as observações de Ohtake surtiram efeito prático em seu clamor pela ação do poder público. Um indicador disso pode ser o processo movido pelo Ministério Público contra policiais civis, em 2001, mais especificamente do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), por extorquirem traficantes na Rua dos Protestantes, localizada em um dos limites da Boca do Lixo, então quase toda tomada pela Cracolândia. Aparentemente, o envolvimento de tais agentes de segurança com o tráfico datava de anos atrás, o que revela a longevidade e as características da atuação das forças de repressivas naquela área (FOLHA ONLINE, 14/12/2001).

Interessante notar que, oficialmente, a Cracolândia deixou de existir a partir da política de tolerância zero adotada poucos anos antes. Nas palavras do diretor do Denarc, Marco Antônio Martins Ribeiro de Campos, em depoimento, em 25 de julho de 2000, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Narcotráfico da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), foram fechados 33 hotéis, realizadas mais de cem prisões e interditados 13 bares. Campos afirma ainda ter conseguido “felizmente, a erradicação da Cracolândia... Como? Um trabalho conjunto com a Polícia Militar e com a Prefeitura, tomando medidas heterodoxas, limpeza pública, iluminação (...). E os menores? Os menores foram embora, não se sabe para onde” (SIMÕES, 22/06/2002SIMÕES, Renato. “CPI do narcotráfico: Relatório final”. Diário Oficial do Estado de São Paulo, 22 jun. 2002. Disponível em: http://www.al.sp.gov.br/repositorio/arquivoWeb/com/cpi_narcotrafico_relatorio_final.pdf
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).

Para uma das traficantes que comercializavam drogas na região, segundo declarou a mando de policiais, o modo de agir do chefe de equipe de agentes era particularmente cruel: “Ele te agride com taco de beisebol. Ele anda com estilete, e com aquele estilete ele te fura. Tem hora que você chega a pedir pra Deus para ele vir e te matar bem rápido, do que continuar com a tortura” (JN, 12/12/2001). A extorsão de traficantes por policiais havia sido detectada em estudo pioneiro de Adorno e Da Silva (1998).

A revista Veja também comentou o “Ataque ao crack” (KAMINSKI, 04/04/2001KAMINSKI, K. “Ataque ao crack”. Veja, São Paulo, 4 abr. 2001. Disponível em: http://origin.veja.abril.com.br/040401/p_068.html
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) violentamente levado adiante, por anos, pela Polícia Militar sob a batuta do governo de Mário Covas. O ímpeto punitivo é percebido pela revista e parece ser considerado a via certa para bons resultados medidos em batidas policiais e prisões aos milhares, em um crescente que vai de batidas policiais mensais até 1998 e se intensifica a partir de 1999, chegando à marca de uma ação policial a cada três dias, “tornando um inferno a vida dos viciados e traficantes. [Em 2000], o cerco ao tráfico foi intensificado: 2.100 pessoas foram presas na cracolândia, uma média de 175 por mês” (Ibid.).

Infernizar os usuários de crack e pequenos comerciantes da droga permitiu que o fim da Cracolândia também fosse decretado por outros membros do Denarc, além do delegado Marco Antônio. É o caso da assistente social Sônia Depieri e do delegado do 3º Distrito Policial, que cobre a região, José Matallo Neto. Sônia se impressionava com as cenas que via, na primeira metade dos anos 1990, de crianças que “[p]areciam leprosos saindo da catacumba, embrulhados em cobertores e com aparência cadavérica” (LOPES e BARROS, 16/12/2003LOPES, Laura; BARROS, Carlos Juliano. “Ruas do pecado e do cinema trocam glamour por abandono”. Sesc SP, Artigo, 16 dez. 2003. Disponível em: https://www.sescsp.org.br/online/artigo/compartilhar/2175_A+BOCA+AINDA+VIVE
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). Já o delegado observava que “[a] cracolândia ainda existe, mas em menor escala e bem menos explícita” (Ibid.). Esse declarado sucesso, em que “limparam a região”, como resume Sônia no mesmo artigo jornalístico sobre a Cracolândia, deveria ser creditado à intensificação da repressão policial e à instalação de pontos turísticos como a Sala São Paulo, na Estação Júlio Prestes. Ironicamente, o “fluxo” viria a localizar-se, poucos anos mais tarde, quase na fachada dessa estação de trem. Não estranha a inocuidade da Sala São Paulo no sentido de revitalizar o bairro, dado que seus frequentadores não costumam circular pela Luz e têm uma visão negativa da região, se utilizando do estacionamento da instituição, e não do transporte público ou das calçadas no entorno (GASPAR, 2010GASPAR, Samantha dos Santos. “Gentrification: Processo global, especificidades locais?”. Ponto Urbe, n. 6, 2010.).

Mas não apenas a corrupção policial e tolerância zero se resume a atuação do governo estadual na Cracolândia, ainda sob o comando do reeleito Covas. Em meados de 2001, o governador se senta no restaurante Bom Prato, que vende refeições a R$ 1,00, alocado próximo ao Liceu Coração de Jesus, para demonstrar seu apreço pela qualidade do alimento lá servido (SÃO PAULO, 2001). Esse mesmo restaurante viria a ser parceiro do programa municipal De Braços Abertos, mais de dez anos depois (ALVES, PEREIRA e PERES, 2020). Essa reorientação do investimento estadual da repressão para a alimentação talvez tenha sido motivada pelo fato de o governador não poder mais contar com a parceria da Prefeitura em sua política de tolerância zero. Marta Suplicy, assim que tomou posse como prefeita pelo Partido dos Trabalhadores (PT), rival do partido do governador, como primeiro ato de sua administração almoçou com cem moradores de rua no Pátio do Colégio, no Centro de São Paulo. Na ocasião, assinou um decreto regulamentando projeto de lei de autoria da vereadora Aldaíza Sposati (PT) que, entre outras medidas, garantia a supressão de atos violentos ou vexatórios contra a população de rua (DIÁRIO ONLINE, 02/01/2001). Foi também sob a liderança de Sposati que se criou o Projeto Oficina Boracea, um centro de referência intersecretarial sob a coordenação da até então ainda denominada Secretaria da Assistência Social. O espaço oferecia “acolhimento aos trabalhadores (catadores de papelão), suas famílias, seus carrinhos e animais de estimação; (...) um centro de serviços para atendimento às necessidades de higiene, alimentação, cuidados pessoais e descanso” (YAZBEK, 2004YAZBEK, Maria Carmelita. Assistência social na cidade de São Paulo: A (difícil) construção do direito. São Paulo: Instituto Pólis, 2004., p. 24).

Durante a gestão da prefeita, também foi organizada uma proposta para o bairro da Luz, que, nas palavras de Dimenstein, que também opinava na época sobre urbanismo, revolucionaria a Cracolândia. Diferentemente das intenções urbanísticas que marcariam a administração Kassab (PSD), a sugestão de Suplicy para a região, sob a batuta do arquiteto Paulo Bastos, parecia se opor à ideia de gentrificação. Os “casarões antigos, agora cortiços, seriam recuperados e, com menos apartamentos por andar, seriam entregues à população de baixa renda. Prédios comerciais e residenciais seriam reformados e, depois, vendidos com financiamento mais generoso” (DIMENSTEIN, 21/05/2003DIMENSTEIN, Gilberto. “O arquiteto da “cracolândia’”. Folha de S. Paulo, Urbanidade, 21 maio. 2003. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/dimenstein/urbanidade/gd210503.htm
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). Tais medidas contrastariam com o projeto Nova Luz que seria desenvolvido anos depois.

O domínio do Denarc sobre o tráfico na Cracolândia, que foi alvo de processos e teve a repercussão midiática discutida acima, parece ter adquirido, em 2004, ao menos um jovem competidor. Trata-se de “Di Menor”, rapaz de 17 anos que haveria de montar um ponto de uso e comércio de crack no Hotel Duque, localizado em frente à Praça Júlio Prestes (TERRA, 13/08/2004). A droga seria fornecida pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa que surgiu no momento da posse de Covas como governador do estado. Os quartos eram alugados a R$ 5,00 para o uso do crack. Não é objetivo deste artigo fazer uma exposição mais aprofundada do crime organizado, mas consideramos importante ressaltar que o PCC passou a controlar a Cracolândia em 2010 (CLEMENTE, 2016CLEMENTE, Marcelo. A Cracolândia dia a dia. São Paulo: Giostri, 2016.), ainda antes da demolição, de que trataremos adiante, dos casarões nas esquinas da Alameda Dino Bueno com Rua Helvetia, usados para abrigar traficantes e usuários de crack. O médico Marcelo Clemente (Ibid., p. 66), notabilizado pelo trabalho desenvolvido fora do consultório em meio ao “fluxo”, assistiu à chegada do PCC no território e desde sempre o viu associado a policiais corruptos.

Pouco tempo após “Di Menor” ser impedido de empreender na Cracolândia, o prefeito José Serra (PSDB), no segundo semestre de seu curto mandato de dois anos, antes de passar cargo a seu vice, Kassab, lança um plano de desapropriações em massa no bairro da Luz: aproximadamente dez quarteirões (FOLHA DE S. PAULO, 09/09/2005). No futuro, o plano daria lugar ao Nova Luz, este sim um projeto acabado de demolição de imensa quantidade de imóveis na região e que terminaria por instaurar uma dicotomia Nova Luz/Cracolândia (PATERNIANI, 2013PATERNIANI, Stella Zagatto. “Ocupação Mauá e poder de fabulação: considerações a partir de uma atividade de formação”. São Paulo, Lugar Comum, n. 40, pp. 171- 187, 2013.) que marca a necessidade da destruição da cena aberta de uso do crack para dar lugar a um novo e moderno bairro.

A Operação Limpa e o deslocamento para a Praça Júlio Prestes

Em sua breve estadia na Prefeitura de São Paulo, antes de eleger-se governador, José Serra criou seu próprio programa para a Cracolândia. Sem a preocupação de ser acusado de higienista, como observou Lancetti (2015LANCETTI, Antonio. Contrafissura e plasticidade psíquica. São Paulo: Hucitec, 2015., p. 83), o alcaide batizou de Operação Limpa, ou Plano Cracolândia, o conjunto de medidas que poria em prática. Essa operação teria inviabilizado ou prejudicado o comércio e consumo da droga, porque nela “vários estabelecimentos, particularmente pequenos hotéis que se prestavam ao comércio e uso de drogas, foram interditados, e os usuários expulsos das ruas que frequentavam, ocasionando modificações nos circuitos de uso de crack” (RAUPP e ADORNO, 2011RAUPP, Luciane Marques; ADORNO, Rubens de Camargo Ferreira. “Circuitos de uso de crack na região central da cidade de São Paulo (SP, Brasil)”. Ciência & Saúde Coletiva, vol. 16, pp. 2613-2622, 2011., p. 2615).

As ações da Prefeitura extrapolaram as fronteiras do bairro da Luz e chegaram a baixos de viadutos nas avenidas Paulista, Dr. Arnaldo e Rebouças, onde foram instaladas rampas antimendigo, com chapiscamento áspero no piso (ZWETSCH, 2013ZWETSCH, Binô Mauirá. Educação sobre drogas junto à população em situação de rua. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Educação em Saúde Mental Coletiva) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.). Esse conjunto de procedimentos teve por resultado palpável o deslocamento e a concentração das pessoas, a partir de 2005, no quadrilátero formado pela Avenida Duque de Caxias, Alameda Glete e alamedas Dino Bueno e Cleveland (MENA, 07/04/2005MENA, Fernanda. “Cracolândia resiste, agora em novo endereço: Usuários de droga evitam área policiada dia e noite e ocupam praça a três quarteirões de distância”. Folha de S. Paulo, Cotidiano, 07 abr. 2005. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0704200517.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidia...
). O então subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, descreve sua impressão sobre a situação do novo local de comércio e uso de drogas e promete ações de cunho social: “É o caos. Parece Bagdá dez minutos depois de os americanos terem passado por lá. Vamos começar a promover ações sociais para as prostitutas e usuários de drogas de lá” (Ibid.). Por fim, a gestão no poder prometia um polo tecnológico e de serviços nos Campos Elíseos (MURANO, 19/07/2005MURANO, Bia. “Subprefeitura Sé inicia 2ª operação de revitalização dos Campos Elíseos”. Diário Oficial do Município de São Paulo, São Paulo, 19 jul. 2005. Disponível em: https://www.imprensaoficial.com.br/DO/GatewayPDF.aspx?link=/2005/diario%20oficial%20cidade%20de%20sao%20paulo/julho/19/pag_0001_EG6RHNA8U62SKe3FT7PRSNQOD7H.pdf
https://www.imprensaoficial.com.br/DO/Ga...
) que até hoje não se concretizou integralmente.

A continuidade da “limpeza moral” (DA ANUNCIAÇÃO ALVES, 2006DA ANUNCIAÇÃO ALVES, Glória. “A lógica e os embates na produção da cidade: O caso de São Paulo”. Scripta Nova: Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales, v. 10, pp. 741-798, 2006.) na Cracolândia, a interdição de hotéis acusados de darem espaço à prostituição, intensificada na gestão Serra, deixou de lado outras propostas para o centro da cidade, mais especificamente relacionadas à Luz e aos Campos Elísios. Francisco Comaru, do Instituto Pólis, e integrante do Fórum Centro Vivo, por exemplo, defendia a convivência de diferentes classes sociais: “Um projeto para o centro tem que ser pensado a partir do contexto brasileiro de profundas desigualdades sociais, precisa incluir a população de baixa renda para promover uma mistura socioeconômica a fim de construir uma sociedade mais equilibrada” (SUCUPIRA, 25/01/2006SUCUPIRA, Fernanda. “Movimentos reagem à política de limpeza social no centro de SP: Sem-teto, catadores de material reciclável e moradores de rua não fazem parte da política de “revitalização” da Prefeitura de São Paulo para o centro da cidade. Para entidades que trabalham com o tema, expulsão não resolve o problema da área”. Repórter Brasil, 25 jan. 2006. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2006/01/movimentos-reagem-a-politica-de-limpeza-social-no-centro-de-sp/
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). Tratava-se de uma ideia exótica, do ponto de vista de uma cidade que a cada dia se enchia mais e mais de condomínios murados, mas não no interior do “fluxo”, onde a convivência entre classes sociais diferentes era percebida por uma professora que trabalhava na região, nos anos 2000: “Quando eu dava aulas no Liceu à noite, executivos, bancários vinham no final da tarde atrás do crack. Chegavam aqui bem vestidos, engravatados, sentavam para fumar” (COSTA JR. e SOUZA, 2014COSTA JR., Celso; SOUZA, Gabriela. Vizinhos da Cracolândia: A memória de quem viu um mundo paralelo se erguer na região da Luz. São Paulo: Edição do Autores, 2014., p. 75). A convivência entre diferentes classes sociais na região central da cidade, defendida por Comaru, se parece com outra preocupação desse integrante do Fórum Centro Vivo: evitar os longos deslocamentos da periferia da cidade para a região central, onde se encontram boa parte dos empregos. Em sua opinião, a essa região “tem um potencial muito grande para abrigar a população que trabalha no centro e diminuir o impacto econômico, social e ambiental desse deslocamento” (SUCUPIRA, 25/01/2006).

A opção da Prefeitura pelo capital imobiliário e as intervenções motivadas em seu interesse (BRITES, 2015BRITES, Cristina Maria. “Política de drogas no Brasil: Usos e abusos”. In: BOKANY, Vilma (org). Drogas no brasil entre a saúde e a justiça: Proximidades e opiniões. São Paulo: Perseu Abramo, 2015.) começam a ficar claras para muitos e passam a receber críticas de urbanistas renomados, como Mendes da Rocha, o segundo arquiteto brasileiro a ganhar o prêmio Pritzker depois de Oscar Niemayer. Em sua visão, a cidade se concentrava nos futuros grandes empreendimentos possibilitados pela expulsão dos atuais moradores de regiões propositalmente alcunhadas de cracolândias: “Com isso se expulsa quem está lá, aquilo se desvaloriza e os grandes empreendimentos imobiliários do futuro vão ser lá. É puro negócio. Não se chamam artefatos urbanos de Cebolão, Minhocão, Cracolândia, porque você estigmatiza” (WISNIK e CORULLON, 16/04/2006WISNIK, Guilherme; CORULLON, Martin. “Geometria da intervenção: Segundo arquiteto do país a ganhar o Pritzker, depois de Oscar Niemeyer, Paulo Mendes da Rocha defende que sua disciplina deve ser especulativa e não se render ao mercado, diz que Brasília é africana e afirma que não há uma arquitetura brasileira”. Folha de S. Paulo, 16 abr. 2006. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1604200606.htm
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). Estigmatizar, desvalorizar, expulsar, derrubar, construir e vender para valorizar o capital investido. Processo próximo aos fenômenos de gentrificação (BIDOU-ZACHARIASEN, 2003BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. “Introduction”. In: BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine (org). Retours en ville. Paris: Descartes & Cie., 2003, pp. 9-43.), ou ainda, que “não cabe propriamente dentro dos modelos de gentrification” (FRUGOLI e SKLAIR, 2009, p. 131) por não “demarcar separações muito rígidas entre mundos sociais” (FRÚGOLI JR. e CAVALCANTI, 2013FRÚGOLI JR., Heitor; CAVALCANTI, Mariana. “Territorialidades da(s) cracolândia(s) em São Paulo e no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico, n. II, pp. 73-97, 2013., p. 2), e ao qual algumas administrações municipais irão se opor e outras não.

Arantes (2008ARANTES, Pedro. “Interesse público, poderes privados e práticas discursivas na política de renovação do centro de São Paulo”. COMARU, Francisco; BARRETO SILVA, Helena Menna; TSUKUMO, Isadora Tami Lemos; GUERRA, Lisandra de Moura; BROSE, Marcus; MENEGON, Natasha Mincoff; ARANTES, Pedro Fiori; CYMBALISTA, Renato; FALZONI, Rosa Maria. Políticas públicas para o Centro: Controle social do financiamento do BID à Prefeitura Municipal de São Paulo. São Paulo: Instituto Pólis, 2008.) destaca a importância da criação de certa “consciência de crise” para que uma oportunidade única de negócios imobiliários surja: “a transformação de uma área completamente degradada, na qual a renda diferencial aproxima-se a zero, em um bairro modernizado, servido por equipamentos culturais de primeira ordem e abastecido por investi mentos públicos e isenções fiscais” (Ibid., p. 17). Intento esse subjacente à produção da Cracolândia pela ação do poder público, sob governos de um mesmo grupo político (Ibid., p. 15) desde a redemocratização do país. Quando esse grupo se afasta do governo, o processo permanece latente, capaz de gerar uma baixa no valor dos imóveis e abrir caminho para especulação.

Na prática, houve a tentativa de expulsão dos usuários de crack da região objeto da lei no 14.096, de 8 de dezembro de 2005, que abarcava “o perímetro iniciado na intersecção da Avenida Rio Branco com a Avenida Duque de Caxias, seguindo pela Avenida Duque de Caxias, Rua Mauá, Avenida Cásper Líbero, Avenida Ipiranga e Avenida Rio Branco até o ponto inicial” (PMSP, 08/12/2005). Esse processo acabou por deslocar os consumidores da droga para uma nova área, sem, no entanto, retirá-los totalmente do local original; muito pelo contrário, em 2014 havia centenas de pessoas concentradas nas ruas do Triunfo e dos Gusmões. O mapa abaixo (Figura 1) mostra a mudança operada pela ação governamental:

Figura 1:
Nova Cracolândia

A depender do pesquisador e do momento, a Cracolândia pode incorporar outras quadras, como as contidas no quadrilátero constituído pelas avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias e Rio Branco. Pode se estender ainda por mais alguns quarteirões e englobar a Praça Princesa Isabel. Os próprios residentes nos imóveis da região têm dificuldade em precisar seu perímetro (FRÚGOLI JR. e CHIZZOLINI, 2012FRÚGOLI JR., Heitor; CHIZZOLINI, Bianca Barbosa. “Moradias e práticas espaciais na região da Luz”. Ponto Urbe, n. 11, 2012.), dadas as mudanças provocadas pelas cíclicas investidas policiais. A ampliação do território atribuído à cena de uso pode ser importante na medida em que dá chance ao capital imobiliário de ampliar a área disponível no processo de gentrificação. O aumento da área passível de desapropriação, para dar origem à Nova Luz, feito pelo decreto no 48.349, de 16 de maio de 2007 (DOMINGOS, 2007DOMINGOS, Roney. “Kassab duplica área para desapropriação na Cracolândia: Prefeito admite que mudanças são lentas e promete construir nova cidade no local. Para ele, primeira fase da reconstrução funcionou bem e processo é ‘infinito’”. G1, São Paulo, Urbanização, 17 maio 2007. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL38167-5605,00-KASSAB+DUPLICA+AREA+PARA+DESAPROPRIACAO+NA+CRACOLANDIA.html
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), foi de 105 mil m², cerca de 750 imóveis (BASTOS e SALLES, 2008BASTOS, Sênia; SALLES, Maria do Rosário Rolfsen. “História urbana e hospitalidade: O bairro de Santa Ifigênia/ São Paulo”. In: Anais do 19º Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão, São Paulo, 2008, pp. 1-12.), para 269,3 mil m² - seu autor é Kassab, eleito vice-prefeito na chapa de Serra.

O prefeito que acreditou ter posto fim à Cracolândia

O novo prefeito ficou tão esperançoso com as possibilidades abertas na região da Luz que chegou a pessoalmente demolir alguns imóveis, postado ao volante de um trator. O futuro deveria parecer promissor, ainda mais se comparado ao passado de fracassos que Kassab procurava esconjurar por meio da concessão de benefícios e da atração de empresas para o bairro: “Não existe mais a velha Cracolândia, a serviço da droga, a serviço do crime. É uma nova história, uma página virada” (PMSP, 26/10/2007). Apesar do otimismo de Kassab, publicado em tópico sobre a Cracolândia pós-demolições pela Folha de S. Paulo, jornalistas percorreram as ruas dos Gusmões e do Triunfo à cata de usuários de crack e os encontraram - melhor ainda, puderam fotografar crianças às dezenas usando a droga (FOLHA DE S. PAULO, 14/02/2008). Maiores esclarecimentos podem ser obtidos ao se consultar especialistas que conhecem o cotidiano do lugar, como a coordenadora geral da Fundação Projeto Travessia, Lúcia Pinheiro, que elucida as demolições do prefeito: “Eles fizeram uma operação para higienizar, ou seja, eles expulsaram os meninos de lá e esses meninos fizeram o quê? Foram para a rua transversal ou para outra rua” (G1, 24/03/2008).

O proclamado fim oficial da Cracolândia rendeu rapidamente mudanças nos valores de venda dos imóveis, aluguéis e impostos na região. Houve redução na cobrança de impostos municipais para empresas que pretendessem se estabelecer na Luz e aumento na cobrança de impostos municipais para quem quisesse permanecer residindo no bairro. Uma proposta de revisão da Planta Genérica de Valores (PGV) chegava a provocar um incremento de 60% no valor cobrado no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). A expectativa criada pela repercussão das ações midiáticas do prefeito Kassab, como demolir imóveis em frente às câmeras, poderia compor um caso de psicologia econômica, pela capacidade de agenciar expectativas em seus efeitos: “há um processo de especulação imobiliária supondo que a Cracolândia vá ser transformada realmente e que venha a ser uma região promissora que tenha ocupação nova, residencial de classe média, em função de uma reestruturação do bairro” (DOMINGOS, 2009).

Ao final da primeira década do século XXI, e com mais de dez anos de existência da Cracolândia, o que havia à disposição dos usuários de crack, além da violência policial, eram as internações, a possibilidade de eles serem objeto de contagem por parte da Prefeitura e equipes do Consultório na Rua, do Serviço de Assistência Especializada (SAE), responsável pela assistência ambulatorial às pessoas vivendo com HIV/Aids e Hepatites Virais, na Alameda Cleveland.

Quando surgiu uma ação do poder público, municipal e estadual, alternativo às internações, ela foi marcada pela improvisação e falta de entrosamento. Em julho de 2009, a Polícia Civil, vinculada à Secretaria da Segurança Pública (SSP) do estado, faz uma operação que resulta no encaminhamento de 265 pessoas para “centros de atendimento” municipais, porém havia vagas apenas para 60. A secretária responsável, Alda Marco Antônio, declarou não ter sido comunicada com antecedência, embora, uma nota publicada pela Secretaria Municipal da Segurança Urbana (SMSU) tenha informado que a pasta chefiada por Alda participava da ação - que contou com dois assistentes sociais e quatro ônibus da Prefeitura (RIBEIRO, 2009RIBEIRO, Bruno. “Com albergue cheio, ação não limpa cracolândia”. Agora São Paulo, Nas Ruas, 7 jul. 2009. Disponível em: http://www.agora.uol.com.br/saopaulo/ult10103u591603.shtml
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). O governador e ex-prefeito Serra e seu vice-prefeito e sucessor no cargo, Kassab, tentaram se eximir de responsabilidade no caso. Serra, que se encontrava em campanha para a Presidência da República com um forte apelo ao combate às drogas - tema que tratamos em Alves e Pereira (2019ALVES, Ygor Diego Delgado; PEREIRA, Pedro Paulo Gomes. “A controvérsia em torno da internação involuntária de usuários de crack”. Sociedade e Estado, Brasília, vol. 34, n. 2, pp. 513-538, 2019.) -, se movimentou primeiro. Para esquivar-se de responsabilidade sobre o caso se valeu de um secretário municipal, mais especificamente da Secretaria de Estado da Saúde (SES-SP), Januário Montone, que classificou a ação, por meio de nota, como um “espetáculo pirotécnico” (SPINELLI e SEABRA, 27/02/2010SPINELLI, Evandro; SEABRA, Catia. “Para Serra e Kassab, ação na cracolândia não teve coordenação: Operação no centro deteve 300 viciados que, sem atendimento, voltaram às ruas”. Folha de S. Paulo, Cotidiano, 27 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2702201016.htm
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). Ao perceber o movimento do ocupante do Palácio dos Bandeirantes no sentido de depositar em seu colo a responsabilidade pelo fiasco, Kassab força, no dia seguinte, uma entrevista coletiva com a presença de Montone para estabelecer uma versão alternativa à do dia anterior: a de que não existiu pirotecnia na operação, mas “houve uma falta de integração total” (Ibid.). Oito anos depois, a operação que deu início ao Programa Redenção, política do prefeito João Doria Jr. em substituição ao programa De Braços Abertos, teria desencontros semelhantes, assunto para futuros artigos.

A operação policial, mesmo que funcionasse, pouco mais seria que enxugar gelo, dado que 70% das crianças que frequentavam o local vinham da periferia, da Grande São Paulo e da Baixada Santista. Pelo menos foi o que apontou pesquisa de Auro Lesher, fundador do Projeto Quixote, organização social que atende jovens e famílias em situações de risco, para quem “[a] cracolândia representa o exílio e por isso é mais do que um espaço físico. É também um espaço simbólico. Para tirar o jovem da rua, além da desintoxicação, é preciso reforçar os laços que foram desatados na vida que ele deixou para trás” (MANSO e ZANCHETTA, 11/07/2009MANSO, Bruno Paes; ZANCHETTA, Diego. “Cracolândia: 70% vêm da periferia, Grande SP e Baixada Santista: É o que mostra pesquisa do Projeto Quixote com crianças, adolescentes e pais que vivem na região central”. Estadão, Geral, 11 jul. 2009. Disponível em: http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,cracolandia-70-vem-da-periferia-grande-sp-e-baixada-santista,401362
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).

Gisele Guimarães, em Textos de apoio do Quixote (2007GUIMARÃES, Gisele. “Moinho da Luz: Uma experiência de atenção a crianças e adolescentes em situação de rua”. In: Conceitos e estratégias para o atendimento de crianças e jovens em situação de risco. São Paulo: SMADS, Setor Ensino Projeto Quixote, Unifesp, 2007.), faz uma descrição das pessoas com quem trabalhava na Cracolândia desde 2005 que nos dá uma ideia de sua diversidade e complexidade. Sobre as crianças, a autora diz: “Alguns são usuários de crack: o contato sempre mais difícil, muito sujos e magros, vestidos com farrapos, enrolados em cobertores, deitados pelas calçadas, confundindo-se com a rua” (GUIMARÃES, 2007GUIMARÃES, Gisele. “Moinho da Luz: Uma experiência de atenção a crianças e adolescentes em situação de rua”. In: Conceitos e estratégias para o atendimento de crianças e jovens em situação de risco. São Paulo: SMADS, Setor Ensino Projeto Quixote, Unifesp, 2007., p. 11). Essas crianças circulariam por abrigos, passando, algumas delas, períodos com a família de que se afastaram para trabalhar nas ruas. “Encontramos também famílias nas ruas. Famílias que se constituíram nas ruas. São refugiados urbanos, estrangeiros, excluídos no que deveria ser a sua própria cidade, afastados de suas raízes, de suas origens” (Idem).

Esses usuários de crack descritos por Guimarães têm em seus corpos magros um importante marcador do uso do crack, porém não são unânimes na Cracolândia. É possível ainda driblar certas marcas estigmatizantes, como os dedos enegrecidos e queimados, os lábios rachados e feridos e as roupas sujas pelo contato com o solo. Os corpos se negam a deixar-se imolar inertes no altar construído pela substância. Mas nem só o costume de fumar crack persiste desde os tempos do Projeto Quixote; o de usar inalantes também. A cola de sapateiro ainda se encontrava presente quando os Textos de apoio do Quixote foram escritos, e anos depois seria substituída por inalantes muito mais agressivos, como o diluente Thinner Natrielli. Os usuários de crack, que ainda não se encontravam concentrados em um único “fluxo”, se deslocavam pelas ruas e com elas se confundiam, além de famílias que encontravam nas ruas do centro da cidade, um local de obtenção de recursos e moradia. A origem periférica das pessoas que frequentam e residem nas ruas da Cracolândia nos sugere que uma política de instalação de equipamentos públicos por toda a periferia, destinados a lidar com crianças e jovens vulneráveis, poderia ser um caminho para lidar com a migração dessas pessoas para o centro da cidade.

Vimos que pelo menos desde 1998, com a política de tolerância zero de Covas, o poder público age na Cracolândia. Porém, é apenas em 2009, 12 anos depois, que é feita a primeira pesquisa para se saber o que ocorre por lá. Os levantamentos anteriores feitos pelo poder público não eram muito mais que contagens numéricas de frequentadores do local realizadas pela polícia. Primeiramente, as autoridades agiram e fracassaram reiteradas vezes, para apenas depois se preocuparem em obter dados que possibilitassem uma análise com alguma profundidade sobre as pessoas do lugar - e, quem sabe, a partir daí, planejar antes de tomar uma ou outra atitude administrativa. A pesquisa foi levada a cabo por agentes de saúde, e não mais por policiais; apresentou um universo de 442 pessoas na Cracolândia, sendo 70% delas homens - número muito próximo ao encontrado em 2017 por um estudo da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de São Paulo (BOCCHINI, 08/06/2017BOCCHINI, Bruno. “Número de usuários na Cracolândia cresce 160% no último ano, mostra pesquisa”. EBC Agência Brasil, Geral, 8 jun. 2017. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-06/quantidade-de-usuarios-na-cracolandia-cresce-160-no-ultimo-ano-mostra-pesquisa
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). Porém, outras alternativas vinham sendo colocadas em prática, como a via espiritual.

Transformar a Cracolândia em Cristolândia é o projeto onírico do pastor Paulo Eduardo Vieira, da Primeira Igreja Batista em São Paulo. Revelada em um sonho, a missão do pegureiro cristão também compreende a realização de um evento musical anual na região, o Dia de Ação Social, na Praça Princesa Isabel. Além de agraciar os presentes com a apresentação de cantores evangélicos, o evento conta com um “mutirão de cabeleireiros, dentistas, advogados, enfermeiros, médicos, pedagogos, professores infantis, assistentes sociais, jornalistas” (CRUZUÉ, 02/08/2009CRUZUÉ, João. “Cracolândia: Projeto de evangelização Primeira Igreja Batista em São Paulo”. Jornal Cristão, 2 ago. 2009. Disponível em: http://jornalcristao.blogspot.com.br/2009/08/cracolandia-projeto-evangelizacao.html
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) dispostos a atender as pessoas. Para os seus divulgadores, o poder público não pode fazer nada mais que reprimir o tráfico, cabendo à “Igreja do Senhor”, por meio de orações, “repreender a miséria espiritual”. Pois como é sabido, ou deveria ser, segundo seus promotores, se “Jesus entrar, a miséria vai embora”. A solução para a Cracolândia passaria, portanto, “pelo terreno espiritual”, que na prática significa a realização de “orações, jejuns e ações sociais combinadas entre a Igreja e o poder público” (Ibid.).

Para alimentar a alma dos frequentadores da Cracolândia, a Cristolândia atrai para sua sede da Rua Barão de Piracicaba pessoas famintas por meio da oferta de café da manhã. Nas palavras de um missionário: “Nós convidamos para vir, ouvir a palavra e na sequência o alimento - porque não adianta você dar só a palavra e não ter o alimento que mantém a pessoa em pé” (COSTA JR. e SOUZA, 2014COSTA JR., Celso; SOUZA, Gabriela. Vizinhos da Cracolândia: A memória de quem viu um mundo paralelo se erguer na região da Luz. São Paulo: Edição do Autores, 2014., p. 55). Se para ele o principal é a palavra do Deus cristão, os frequentadores da Cracolândia parecem ter uma hierarquia diferenciada: muitos se retiram logo após alimentarem o corpo, dispensando o restante do sustento espiritual contido no proselitismo religioso. O médico Marcelo Clemente (2016CLEMENTE, Marcelo. A Cracolândia dia a dia. São Paulo: Giostri, 2016., p. 49) descreve, em seu livro Cracolândia dia a dia, as impressões de uma cliente em seu consultório, em 2010, a poucos metros do “fluxo”, sobre a relação dos religiosos com as pessoas na Cracolândia. Após o doutor afirmar não ser “religioso”, a paciente comenta: “Ainda bem que o senhor não é, porque ultimamente todo mundo acha que pode falar de Deus pra gente que é viciado, e só acabam enchendo mais o saco”.

No que diz respeito aos governos municipal e estadual, a miséria se revela menos nas fantasmagorias do espírito e mais nos espectros que assombram o mundo jurídico e a lei de licitações. Falaremos da antiga rodoviária, mas vejamos antes como as pessoas do entorno sofreram com as medidas tomadas pelo poder público em relação a esse antigo edifício. Entre a desativação da rodoviária, em 1982, e sua venda para a instalação de um shopping popular, o Fashion Center Luz, se passaram seis anos de abandono sob os mandatos dos prefeitos Covas, indicado sem eleição pelo governador Franco Montoro, e Jânio Quadros. Apenas sob o mandato da prefeita Luiza Erundina, em 1988, uma providência foi tomada quanto ao gigantesco imóvel da rodoviária, que foi, então, designado para se tornar um shopping. O Fashion Center Luz dura alguns anos até que, em 2007, o governador José Serra desapropria o prédio e acaba com o shopping popular.

A licitação para demolir a antiga rodoviária, localizada em frente à Praça Júlio Prestes, para onde os usuários de crack haviam sido deslocados em 2005, privilegiou a empresa Fator, que apresentou uma proposta de R$ 3,5 milhões para realizar o serviço, bem inferior à estimativa de R$ 7,5 milhões prevista na licitação. A Demolidora ABC, derrotada, passou a questionar na justiça a capacidade técnica e financeira da Fator. O projeto para o terreno, parte das melhorias previstas no Nova Luz, prometia a construção de um complexo de 9.500m² que abrigaria “três teatros e as sedes da Companhia de Dança e da Escola de Música do Estado” (TRINDADE e PAGNAN, 14/09/2010TRINDADE, Eliane; PAGNAN, Rogério. “Obra parada da Nova Luz, em SP, vira abrigo para centenas de usuários de crack”. Folha de S. Paulo, Cotidiano, 14 set. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2010/09/798513-obra-parada-da-nova-luz-em-sp-vira-abrigo-para-centenas-de-usuarios-de-crack.shtml
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). A inauguração ficou para 2011 e não ocorreu. Por trás dos muros que deveriam ter sido demolidos e entre os escombros abandonados, por volta de 200 a 400 pessoas que antes frequentavam a Praça Júlio Prestes podiam permanecer, em 2010, dia e noite socializando, animados pelo consumo do crack.

Podemos estimar que o “fluxo”, que existe até o momento em que escrevemos este texto, em 2020, teve sua formação como uma espécie de happening a partir de 2005, na Praça Júlio Prestes, e se encontrava consolidado quando da supracitada ocupação do terreno da antiga rodoviária por usuários de crack, em 2010. No local foram construídos, posteriormente, um conjunto habitacional, lojas, uma creche e a sede própria da Escola de Música do Estado de São Paulo - Tom Jobim (SÃO PAULO, 23/01/2017), com inauguração prevista para 2020. O arquiteto e urbanista Kazuo Nakano, que ocupou cargos no Ministério das Cidades e na Secretaria de Desenvolvimento Urbano de São Paulo, diz: “Lá [no Fashion Center Luz] havia simplesmente comércio popular, (...) quando o prédio foi demolido, aquela área se tornou terra de ninguém. É assim em qualquer uma das cracolândias do mundo. Se formam em terras que não têm dono” (COSTA JR. e SOUZA, 2014COSTA JR., Celso; SOUZA, Gabriela. Vizinhos da Cracolândia: A memória de quem viu um mundo paralelo se erguer na região da Luz. São Paulo: Edição do Autores, 2014., p. 66).

Mais sucesso teve o governo municipal com a desapropriação, em 2010, de alguns imóveis que serviam de abrigo para o consumo de crack na região e que, como descreveu o médico pioneiro na atenção em saúde na cena de uso, Clemente (2016CLEMENTE, Marcelo. A Cracolândia dia a dia. São Paulo: Giostri, 2016.), foi feita sem prever qualquer amparo às pessoas que lá se encontravam: “Ainda estavam abalados pela desapropriação de uma área da Cracolândia que tinha acontecido alguns dias antes. Desapropriação no sentido mais cru da palavra. As pessoas foram simplesmente postas na rua, sem opção de abrigo” (p. 30).

Um fim que não chegou

Encerramos este artigo ressaltando que, mesmo anunciado por autoridades das mais diversas formações profissionais e esferas de governo, o fim da Cracolândia não veio nos quase 20 anos abrangidos em nossa análise. Ao contrário, a cena aberta de uso de crack, próxima da antiga Boca do Lixo, se perpetua até, pelo menos, 2020. Motivado inicialmente, ao que parece, pela substituição da cola de sapateiro, o consumo do crack extrapolou as crianças, que desde anos antes já circulavam pelo centro de São Paulo, e tornou-se preferência de um enorme contingente de adultos.

Esse novo e promissor comércio de drogas gerou um mercado lucrativo que não ficou distante, desde seu primórdio, da atenção de agentes públicos de segurança, como os do Denarc. Possibilitou, também, uma série de medidas do poder público que permitiram a exposição de personalidades políticas na mídia. Esta, por sua vez, constantemente disposta a apoiar demonstrações de força no sentido punitivo e que tragam a promessa de valorização do capital imobiliário. Assim, sem procurar compreender as causas do constante aumento de frequentadores da Cracolândia no período estudado, do início dos anos 1990 até 2010, o poder público viu reiteradamente frustradas suas tentativas de pôr fim à cena de uso de crack da Luz.

Esse período de abrangência nos permite traçar algumas considerações sobre as relações entre a especulação imobiliária e as ações do poder público que se sucederam durante as décadas de 1990 e 2000. Os dados sugerem algo inquietante: a despeito das promessas de valorização imobiliária levadas a cabo ano a ano, a região de fato não sofreu uma valorização nos termos descritos neste artigo. Ou seja, não houve reestruturação do bairro, nem nova ocupação. Para entendermos esse fenômeno, talvez o próprio mercado imobiliário precisasse passar por suspeição. Desde a instalação na região da Luz das chamadas âncoras culturais, como a Sala São Paulo, especulou-se que elas se destinavam à valorização imobiliária do entorno, com vista a possibilitar grandes empreendimentos prediais no futuro. A própria estigmatização do local como Cracolândia estaria a serviço de uma hipotética transformação posterior dessa área degradada em um novo bairro servido por equipamentos culturais e abastecido por investi mentos públicos.

Poderíamos pensar, sobre o período considerado neste trabalho, juntamente com Adorno e Da Silva (2013, p. 23), que a Cracolândia foi “um espaço aonde as políticas sanitárias vem a reboque da especulação imobiliária, como linha de ação para controlar aqueles que não deveriam mais ocupar esses lugares”. Ao menos do início dos anos 1990 a 2010, anteriormente aos programas Recomeço, De Braços Abertos e seu sucessor Programa Redenção, havia subordinação das ações do poder público ao mercado imobiliário. Sujeição esta que não foi capaz de realizar seus intentos de valorização, ao menos nos primeiros 20 anos de existência da Cracolândia, o que nos faz pensar que talvez não baste o interesse do capital para dobrar a vontade dos frequentadores daquela persistente cena aberta de uso de crack.

Vimos como, desde o surgimento dessa cena de uso de crack, as ações policiais mais contundentes foram esporádicas no tempo, buscando um efeito muitas vezes proeminentemente midiático e sem maiores consequências no sentido de pôr fim à Cracolândia. Quanto à presença de instituições e seus recursos, abordamos como a Fundação Projeto Travessia e a Cristolândia estão ali presentes há tempos - a primeira delas, inclusive, chegou na região antes mesmo do crack, para atender as crianças que inalavam cola de sapateiro. São iniciativas e instituições que se fixaram na região e, como observa Nasser (2017NASSER, Marina Mattar Soukef. “Cracolândia como campo de gravitação: A gestão da circulação de pessoas com acesso precário à moradia”. Ponto Urbe, n. 21, 2017.), acabaram por colocar à disposição dos frequentadores do local recursos e possibilidades, em uma espécie de campo de gravitação.

Podemos pensar, com Fromm (2017FROMM, Deborah. “Percursos e refúgios urbanos: Notas sobre a circulação de usuários de crack pela trama institucional da Cracolândia de São Paulo”. Ponto Urbe, n. 21, 2017.) - que em sua pesquisa sobre a Cristolândia viu como a trama institucional trabalha no sentido de concentrar os usuários de crack no “fluxo” -, como os processos de aparente dispersão dos consumidores de crack, que vêm desde a política de tolerância zero de Covas, acabaram por promover sua concentração cada vez maior. O caráter de territorialidade itinerante da Cracolândia (FRÚGOLI JR. e CAVALCANTI, 2013FRÚGOLI JR., Heitor; CAVALCANTI, Mariana. “Territorialidades da(s) cracolândia(s) em São Paulo e no Rio de Janeiro”. Anuário Antropológico, n. II, pp. 73-97, 2013.), presente em seus primeiros 15 anos de existência, pôde, em função das políticas adotadas, dar espaço a uma crescente fixação territorial (NASSER, 2017NASSER, Marina Mattar Soukef. “Cracolândia como campo de gravitação: A gestão da circulação de pessoas com acesso precário à moradia”. Ponto Urbe, n. 21, 2017.) do “fluxo” nas proximidades da Praça Júlio Prestes. A fixação territorial dos usuários de crack facilita o trabalho dos agentes sociais e de saúde envolvidos nas políticas públicas, mas ao custo de inviabilizar o fim da cena aberta de uso de crack (FROMM, 2017FROMM, Deborah. “Percursos e refúgios urbanos: Notas sobre a circulação de usuários de crack pela trama institucional da Cracolândia de São Paulo”. Ponto Urbe, n. 21, 2017.).

O deslocamento da Cracolândia se fez das ruas do Triunfo, Gusmões e Andradas para a Praça Júlio Prestes, posteriormente ocupando o terreno abandonado da rodoviária demolida até, por fim, se concentrar nos casarões da Alameda Dino Bueno. A demolição dos imóveis e a expulsão das pessoas para a rua acabaram por configurar o “fluxo” basicamente como se apresenta até 2020, apesar das ações promovidas na Operação Sufoco, em 2012, e no lançamento do Programa Redenção, em 2017. Desde quando se iniciou a montagem da trama institucional em torno da Cracolândia, o que se produziu foi uma crescente fixação territorial - fenômeno presente desde a derrubada dos hotéis e cortiços pelo prefeito Kassab, que teve por efeito concentrar as pessoas cada vez mais em grandes cenas abertas de uso de crack.

Concluímos que as ações do poder público na Cracolândia paulistana, desde meados dos anos 1990 até 2010 - período que antecede a Operação Sufoco e os programas De Braços Abertos, Redenção e Recomeço -, estiveram articuladas com interesses do mercado imobiliário, além de responderem a apelos feitos pela mídia. Desde a Operação Tolerância Zero, implementada de 1997 a 2000, após a Cracolândia debutar no noticiário, se prometia a valorização e a reurbanização da região pela implementação de equipamentos culturais. O Programa de Incentivos Seletivos, de 2005, que buscava atrair investimentos para o setor imobiliário, veio acompanhado da Operação Limpa; seu fracasso resultou na ampliação da área abrangida pelos incentivos, via projeto Nova Luz, e no aumento da violência sobre os consumidores de crack. A cada uma dessas políticas correspondeu farta exposição midiática, centrada nos deslocamentos da cena aberta de uso do crack, da Boca do Lixo para os arredores da Praça Júlio Prestes, onde hoje se encontra.

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Fontes da imprensa

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  • 2
    Apresentação ao dossiê disponível em: https://journals.openedition.org/pontourbe/3602

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2020
  • Aceito
    10 Nov 2020
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