Acessibilidade / Reportar erro

Discutindo a hipótese das ‘geografias de oportunidades’ à luz do conceito de efeito-território: Evidências empíricas a partir de uma pesquisa conduzida em Salvador, Brasil

Resumos

Neste estudo, abordam-se distintas propostas metodológicas que analisam os mecanismos do efeito-território. A partir de um estudo de caso conduzido em cinco bairros populares de Salvador, Bahia, indaga-se sob quais condições a proximidade a bairros de elite amplia as geografias de oportunidades. Aponta-se que as articulações sociais e econômicas entre os grupos socialmente distantes declinam nos bairros periféricos devido à falta de espaços públicos, que se conjuga com o isolamento físico dos condomínios de elite, e às altas taxas de criminalidade. Concluindo, pleiteia-se por uma aproximação holística às desigualdades sociais nas políticas urbanas.

Palavras-chave:
pobreza; segregação residencial econômica; efeito-território; geografias de oportunidades; Salvador


Assessing the Hypothesis of the “Geography of Opportunities” in the Light of the Concept of Neighborhood Effects: Empirical Evidence from a Research Conducted in Salvador, Brazil addresses different methodological proposals that analyze the mechanisms of the concept of neighborhood effects. Based on a case study conducted in five low-income neighborhoods in Salvador, Bahia, Brazil, we investigate under what conditions proximity to elite neighborhoods expands the geographies of opportunity. It is pointed out that social and economic articulations between socially distant groups decline in peripheral neighborhoods due to the lack of public spaces, which is combined with the physical isolation of elite condominiums, and to high crime rates. In conclusion, we plead for a holistic approach to social inequalities in urban policies.

Keywords:
poverty; economic residential segregation; neighborhood effects; geographies of opportunities; Salvador


Introdução

Um grande número de estudos conduzidos em cidades americanas, europeias e latino-americanas vem enfatizando que a inserção em contextos sócio-residenciais onde se concentram altas taxas de segregação, pobreza, desemprego e criminalidade e deficiências qualitativas em termos de serviços urbanos reforça as desvantagens socioeconômicas dos seus habitantes (HÄUßERMANN, 2003HÄUßERMANN, Hartmut. “Armut in der Großstadt. Die Stadtstruktur verstärkt soziale Ungleichheit”. Informationen zur Raumentwicklung, Berlin, vol. 3/4, pp. 143-157, 2003.; MUSTERD e ANDERSSON, 2005MUSTERD, Sako; ANDERSSON, Roger. “Housing Mix, Social Mix and Social Opportunities”. Urban Affairs Review, vol. 40, n, 6, pp. 761-790, 2005.; RIBEIRO, 2016RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. “Metamorfoses da ordem urbana da Metrópole Brasileira: o caso do Rio de Janeiro”. Sociologias, Porto Alegre, vol. 18, pp. 120-160, 2016.; SAMPSON, 2019SAMPSON, Robert J. “Neighbourhood Effects and Beyond: Explaining the Paradoxes of Inequality in the Changing American Metropolis”. Urban Studies, vol. 56, n. 1, pp. 3-32, 2019.; SMALL e FELDMAN, 2012SMALL, Mario Luis; FELDMAN, Jessica. “Ethnographic Evidence, Heterogeneity, and Neighbourhood Effects after Moving to Opportunity”. In: Neighbourhood Effects Research: New Perspectives. Berlim: Springer, 2012, pp. 57-77.; WACQUANT, 2016WACQUANT, Loïc. Urban Outcasts: A Comparative Sociology of Advanced Marginality. Cambrigde: Polity Press, 2016.; WILSON, 1996WILSON, William J. When Work Disappears: The World of the New Urban Poor. New York: Alfred Knopf, 1996.). Essa linha de pesquisa norteada pelo conceito de efeito-território1 1 O conceito de efeito-território se define como as desvantagens socioeconômicas que impactam negativamente as condições de vida do indivíduo em função de sua inserção em determinado contexto sócio-residencial (WILSON, 1996). ressalta a importância da dimensão espacial como fator de reprodução da pobreza, já largamente discutida nos EUA (WILSON, 1996WILSON, William J. When Work Disappears: The World of the New Urban Poor. New York: Alfred Knopf, 1996.; SAMPSON, 2012SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012.), mostrando que a desigual distribuição de renda historicamente tem uma maior expressão na organização socioespacial das grandes cidades (CASTELLS, 1983CASTELLS, Manuel. A questão urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1983; HARVEY, 1996HARVEY, David. Justice, Nature and the Geography of Difference. Oxford: Blackwell, 1996.). Nas cidades americanas, as disparidades socioeconômicas continuam manifestando-se no antagonismo entre, de um lado, os bairros pobres integrando o centro da cidade e, de outro, as regiões suburbanas e metropolitanas, majoritariamente habitadas pelas classes média e alta (ICELAND, 2014ICELAND, John. Residential Segregation: A Transatlantic Analysis. Washington, D.C.: Migration Policy Institute, 2014.; MASSEY, 2007MASSEY, Douglas S. Categorically Unequal: The American Stratification System. Nova York: Russell Sage Foundation, 2007.), conquanto um número crescente de estudos assinale um padrão mais heterogêneo da distribuição espacial dos grupos sociais nas regiões centrais e suburbanas (SAMPSON, 2019SAMPSON, Robert J. “Neighbourhood Effects and Beyond: Explaining the Paradoxes of Inequality in the Changing American Metropolis”. Urban Studies, vol. 56, n. 1, pp. 3-32, 2019.).

Nos EUA e em grande parte da Europa Ocidental e Central, onde os índices de segregação residencial alcançam patamares menores (ICELAND, 2014ICELAND, John. Residential Segregation: A Transatlantic Analysis. Washington, D.C.: Migration Policy Institute, 2014.), diferentes políticas de dessegregação foram implementadas desde a década de 1990 com o objetivo de mitigar o efeito de concentração espacial da pobreza e favorecer a integração socioeconômica das populações pobres (BOLT, PHILIPS e VAN KEMPEN, 2010BOLT, Gideon; PHILIPS, Deborah; VAN KEMPEN, Ronald. “Housing Policy, (De)segregation and Social Mixing: An International Perspective”. Housing Studies, Hoboken, vol. 25, n. 2, pp. 129-135, 2010.; MUSTERD e ANDERSSON, 2005MUSTERD, Sako; ANDERSSON, Roger. “Housing Mix, Social Mix and Social Opportunities”. Urban Affairs Review, vol. 40, n, 6, pp. 761-790, 2005.). Todavia, pesquisas conduzidas em distintos contextos de social mixing apontam que a almejada ampliação das “geografias de oportunidades”2 2 A hipótese das geografias de oportunidades (GALSTER, 2007) pressupõe que a proximidade de populações pobres a grupos sociais de maior status econômico: 1) beneficia as articulações interclasse; 2) promove o acesso a informações sobre vagas de emprego; 3) reforça o controle social informal da comunidade; 4) favorece a exposição a modelos de referência social da classe média; e 5) proporciona melhor acesso a serviços urbanos de alta qualidade. (GALSTER, 2007GALSTER, George. “Neighbourhood Social Mix as a Goal of Housing Policy: A Theoretical Analysis”. European Journal of Housing Policy, vol. 7, no. 1, pp. 19-43, 2007.) não se produz automaticamente por estratégias dessegregação (CHASKIN, 2010; DAVIDSON, 2010DAVIDSON, Mark. “Love thy Neighbour? Social mixing in London’s gentrification frontiers”. Environment and Planning, Thousand Oaks, vol. 42, n. 3, pp. 524-544, 2010.). Esses estudos assinalam que a prevalência das dificuldades de integração socioeconômica das camadas baixas remete a problemas mais estruturais, como o acesso desigual à educação, ao mercado de trabalho e a serviços urbanos de alta qualidade, conforme largamente discutido na sociologia francesa. Esses desafios exigem uma ampla reformulação das políticas laborais, habitacionais e sociais (PAUGAM, 2005PAUGAM, Serge. Les formes élémentaires de la pauvreté. Paris: PUF, 2005.; WACQUANT, 2016WACQUANT, Loïc. Urban Outcasts: A Comparative Sociology of Advanced Marginality. Cambrigde: Polity Press, 2016.).

Nesse contexto, o debate sobre a relação entre proximidade espacial e integração social remete às reflexões de Bourdieu (1983, 1997) acerca do conceito de distância social. Para o autor, o espaço social se compõe das relações de proximidade e separação, ambas traduzindo as posições hierárquicas do indivíduo e dos grupos sociais. Conforme sua teoria dos campos, os lugares no espaço social são definidos pelas posições geradas pela distribuição desigual do volume e da composição e posse do capital (econômico, social e simbólico) do indivíduo, que determinam largamente as relações de dominação na sociedade. Bourdieu (1983) compreende o espaço social como formação de relações de proximidade e distância que expressam as hierarquias da estratificação social; a localização dos grupos sociais no espaço se atrela à distribuição desigual do volume e à distinta composição dos tipos de capital existentes.

Diferentemente do antagonismo entre centro e subúrbio/região metropolitana inerente à organização socioespacial das metrópoles americanas, as cidades latino-americanas sempre abrigaram tanto padrões de segregação macrossocial do tipo centro-periferia como configurações espaciais marcadas pela proximidade espacial entre grupos socialmente distantes (BORSDORF, HIDALGO e VIDAL-KOPPMANN, 2015BORSDORF, Axel; HIDALGO, Rodrigo; VIDAL-KOPPMANN, Sonia. “Social Segregation and Gated Communities in Santiago de Chile and Buenos Aires: A comparison”. Habitat International, vol. 15, pp. 1-10, 2015.; RIBEIRO, 2017RIBEIRO, Luiz César de Queiroz (orgs). Urban Transformations in Rio de Janeiro Development, Segregation, and Governance. Berlim: Springer, 2017.; RUIZ-RIVERA e VAN LINDERT, 2016RUIZ-RIVERA, Naxhelli; VAN LINDERT, Paul (orgs). “Special Issue: Urban Segregation in Latin America”. Habitat International, Hoboken, vol. 54, n. 1, pp. 1-94, 2016.; SABATINI, CÁCERES e CERDA, 2001SABATINI, Francisco, CÁCERES, Gonzalo; CERDA, Jorge. “Segregación residencial en las principales ciudades chilenas: Tendencias de las tres últimas décadas y posibles cursos de acción”. Scripta Nova, Barcelona, vol. 8, n. 146, pp. 21-42, 2001.; THIBERT e OSORIO, 2014THIBERT, Joel; OSORIO, Giselle Andrea. “Urban Segregation and Metropolitics in Latin America: The Case of Bogotá, Colombia”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 38, n. 4, pp. 1319-1343, 2014.). Entretanto, existem poucas políticas de dessegregação ou de social mixing, excetuando-se o caso chileno (LÓPEZ-MORALES, 2015LÓPEZ-MORALES, Ernesto. “Gentrification in the Global South”. City, vol. 19, n. 4, pp. 564-573, 2015.; RUIZ-TAGLE, 2016RUIZ-TAGLE, Javier. “La Persistencia de la segregación y la desigualdad en barrios socialmente diversos: Un estudio de caso en la Florida”. Revista Eure, vol. 42, n. 125, pp. 81-108, 2016.). Um grande número de autores tem abordado a maior fragmentação socioespacial das cidades latino-americanas, que se reproduz crescentemente nas regiões (semi)periféricas tradicionalmente habitadas pelas camadas baixas à luz da organização socioespacial das cidades. Eles vêm apontando a diminuição das estruturas de segregação na escala macrourbana do tipo centro-periferia, acompanhada pela emergência de “novos” padrões de segregação na escala microurbana, em que condomínios fechados de elite são construídos ao lado de bairros pobres (CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.; JANOSCHKA, HIDALGO e SALINAS, 2014JANOSCHKA, Michael; SEQUERA, Jorge; SALINAS, Luis. “Gentrification in Spain and Latin America: A critical dialogue”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 38, n. 4, pp.: 1234-1265, 2014.; LÓPEZ-MORALES, 2015LÓPEZ-MORALES, Ernesto. “Gentrification in the Global South”. City, vol. 19, n. 4, pp. 564-573, 2015.; SABATINI, CÁCERES e CERDA, 2001SABATINI, Francisco, CÁCERES, Gonzalo; CERDA, Jorge. “Segregación residencial en las principales ciudades chilenas: Tendencias de las tres últimas décadas y posibles cursos de acción”. Scripta Nova, Barcelona, vol. 8, n. 146, pp. 21-42, 2001.; RUIZ-RIVERA e VAN LINDERT, 2016RUIZ-RIVERA, Naxhelli; VAN LINDERT, Paul (orgs). “Special Issue: Urban Segregation in Latin America”. Habitat International, Hoboken, vol. 54, n. 1, pp. 1-94, 2016.). Entretanto, poucas pesquisas têm examinado as consequências desses desdobramentos espaciais para as articulações econômicas, sociais e simbólicas entre grupos socialmente distantes vivendo em proximidade geográfica (ANDRADE e SILVEIRA, 2013ANDRADE, Luciana Teixeira; SILVEIRA, Leonardo Souza. “Efeito-território: Explorações em torno de um conceito sociológico”. Civitas, Porto Alegre, vol. 13, n. 2, pp. 381-402, 2013. RUIZ-TAGLE, 2016RUIZ-TAGLE, Javier. “La Persistencia de la segregación y la desigualdad en barrios socialmente diversos: Un estudio de caso en la Florida”. Revista Eure, vol. 42, n. 125, pp. 81-108, 2016.). O presente estudo visa contribuir para esse debate a partir de um estudo de caso3 3 Adotamos aqui a definição de “estudo de caso” de Yin (2014). É importante ressaltar que, seguindo a premissa da condicionalidade do efeito-território (SMALL, 2004, 2009), nossa pesquisa qualitativa não postula a “universalidade” dos resultados obtidos a partir das entrevistas semiestruturadas. Em vez disso, visa reconstruir, a partir da percepção dos entrevistados, em que medida o contexto sócio-residencial impacta suas condições de vida, em que medida a proximidade a bairros de classe média e alta favorece a integração socioeconômica. Trata-se de um número reduzido de cem entrevistas que não alcançam representatividade suficiente em relação ao número total de habitantes em cada bairro, fato que inviabiliza fazer generalizações para as populações inteiras dos cinco locais estudados. Não obstante, por tratar-se de entrevistas norteadas por um roteiro de questões unificado (guiadas pela mesma hipótese de trabalho), essa situação de pesquisa pode ser repetida em outros bairros, conferindo maior rigor científico ao método aplicado. conduzido em Salvador, Bahia.

Pretende-se refletir, em um primeiro lugar, sobre as distintas propostas metodológicas desenvolvidas nos contextos americano, europeu e latino-americano que buscam desvendar os mecanismos pelos quais opera o efeito-território. Longe de pretender caminhar por uma revisão exaustiva de conceitos elaborados fora do contexto social brasileiro, trata-se de identificar suas bases e premissas comuns com o objetivo de construir um sólido arcabouço metodológico para analisar o efeito-território em estudos qualitativos no Brasil, onde sua abordagem ainda pode ser considerada como incipiente se comparada à sociologia americana e europeia. Dessa forma, a discussão em curso pode ganhar importantes impulsos, tanto a partir da vertente dos estudos de vizinhança desenvolvidos nos EUA, que investigam os fatores e mecanismos supraindividuais, provocando disrupções na organização socioinstitucional do bairro a partir de estudos de caso (BURAWOY, 1998BURAWOY, Michael. “The Extended Case Method”. Sociological Theory, vol. 16, n. 1, pp. 4-33, 1998.; SAMPSON, 2019SAMPSON, Robert J. “Neighbourhood Effects and Beyond: Explaining the Paradoxes of Inequality in the Changing American Metropolis”. Urban Studies, vol. 56, n. 1, pp. 3-32, 2019.; SMALL e FELDMAN, 2012SMALL, Mario Luis; FELDMAN, Jessica. “Ethnographic Evidence, Heterogeneity, and Neighbourhood Effects after Moving to Opportunity”. In: Neighbourhood Effects Research: New Perspectives. Berlim: Springer, 2012, pp. 57-77.; SMALL, MANDUCA e JOHNSTON, 2018SMALL, Mario Luis; MANDUCA, Robert; JOHNSTON, William. “Ethnography, Neighborhood Effects, and the Rising Heterogeneity of Poor Neighborhoods across Cities”. City and Community, vol. 17, n. 3, pp. 565-89, 2018.), quanto a partir de uma leitura mais “bourdieusiana” do efeito-território (BOURDIEU, 1997BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.), proposta pelo sociólogo alemão Häußermann (NIESZERY, 2013NIESZERY, Andrea. Soziale Segregation, Quartierseffekte und Quartierspolitik. Ein deutsch-französischer Vergleich. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade de Berlim, Berlim, 2013.).

Em segundo lugar, a aplicação da proposta metodológica de Häußermann será discutida a partir de um estudo de caso conduzido em cinco bairros populares de Salvador, analisando-se as articulações entre grupos socialmente distantes vivendo em proximidade geográfica. Partindo de estudos conduzidos em distintas metrópoles brasileiras (ALMEIDA e D’ANDREA, 2004ALMEIDA, Ronaldo; D’ANDREA, Tiaraju. “Pobreza e redes sociais em uma favela paulistana”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 28, pp. 94-106, 2004.; ANDRADE e SILVEIRA, 2013ANDRADE, Luciana Teixeira; SILVEIRA, Leonardo Souza. “Efeito-território: Explorações em torno de um conceito sociológico”. Civitas, Porto Alegre, vol. 13, n. 2, pp. 381-402, 2013.; GLEDHILL e HITA, 2019; RIBEIRO, 2009), pressupõe-se que a proximidade de populações pobres a bairros das classes média e alta viabiliza um melhor acesso a equipamentos e à infraestrutura urbana, bem como às oportunidades empregatícias concentradas no setor dos serviços pessoais não qualificados (doméstica, jardineiro, porteiro, cuidador de pessoas idosas etc.), sempre em relação a bairros periféricos, também contemplados por este estudo. Contudo, defende-se que essa relação de contiguidade também pode provocar a estigmatização da população majoritariamente pobre desses bairros, já que os antagonismos econômicos entre os grupos socialmente distantes e sua separação através de muros e dispositivos de segurança alcançam maior visibilidade e potencial de conflito nesses casos (CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.; DAVIDSON, 2012; KEARNS e MASON, 2007KEANRS, Ade; MASON, Phil. Mixed Tenure Communities and Neighbourhood Quality, Housing Studies, vol. 22, n. 5, pp. 661-691, 2007.; RIBEIRO, 2009).

Salvador representa um caso interessante por dois motivos. Por um lado, há uma expressiva proporção de pessoas precariamente inseridas no mercado laboral (informal) por meio do microempreendedorismo e do ramo de serviços domésticos e de baixa produtividade. Essa situação de alta vulnerabilidade social e ocupacional se conjuga com taxas de desemprego alcançando virtualmente o dobro da média nacional (BORGES e CARVALHO, 2017BORGES, Ângela; CARVALHO, Inaiá Maria Moreira. “Revisitando os efeitos de lugar: segregação e acesso ao mercado de trabalho em uma metrópole brasileira”. Caderno CRH, Salvador, vol. 30, n. 79, pp. 121-135, 2017.; CARVALHO e PEREIRA, 2014CARVALHO, Inaiá M. M.; PEREIRA, Gilberto Corso (orgs). Salvador: Transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2014.). Como uma das particularidades da estrutura ocupacional da cidade, observa-se um forte contingente do subproletariado que desempenha atividades profissionais surgindo em função da demanda das camadas média e alta, especialmente no setor dos serviços pessoais não qualificados. Pressupõe-se uma forte relevância do setor dos serviços pessoais atendendo a demandas das classes média e alta que, ao longo das transformações na sua estrutura produtiva, permitiu absorver um grande excedente de mão de obra excluído do mercado laboral formal.

Por outro lado, as constelações de proximidade geográfica entre grupos socialmente distantes apresentam uma forte contingência histórica na trajetória de expansão urbana da cidade, considerando-se que elas se produziam em um primeiro momento nas porções centrais da cidade (já no período colonial) e depois em distintos vetores de expansão da classe média-alta emergindo desde a década de 1970 (CARVALHO e PEREIRA, 2014CARVALHO, Inaiá M. M.; PEREIRA, Gilberto Corso (orgs). Salvador: Transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2014.).

A partir deste estudo de caso, visa-se testar a validade da hipótese principal do efeito-território: se o fato de ser pobre e estar inserido em um bairro periférico comportando uma população majoritariamente pobre resulta ser mais desvantajoso em aferição com a situação de morar em um bairro de composição homogeneamente mais pobre, porém com acesso a maiores geografias de oportunidades localizadas na vizinhança geográfica imediata. Sob que condições a proximidade a bairros de elite amplia as geografias de oportunidades do indivíduo pobre e quais mecanismos atenuam ou reforçam o efeito-território? O que podemos inferir a partir deste estudo de caso para o debate metodológico sobre o conceito de efeito-território no Brasil?

Para explorar essa temática, revisam-se na primeira seção os principais desenvolvimentos no debate acerca do efeito-território nos contextos americano, europeu e latino-americano. Na segunda seção, discute-se o impacto do efeito-território em Salvador a partir dos resultados empíricos auferidos em cinco bairros populares, enfatizando-se a análise dos mecanismos do efeito-território e discutindo-se as principais contribuições metodológicas do estudo de caso para futuras pesquisas conduzidas em cidades brasileiras.

A análise do efeito-território nos EUA, na Europa e no Brasil

O efeito-território nos EUA: o enfoque nos estudos de vizinhança

A discussão em torno do efeito-território foi instigada a partir da aproximação estruturalista às desigualdades sociais de Wilson (1996)WILSON, William J. When Work Disappears: The World of the New Urban Poor. New York: Alfred Knopf, 1996., que elucidava sobre as consequências da pobreza e segregação para a vida dos afro-americanos habitando os guetos de Chicago4 4 Alternativamente, Massey (2007) investivaga os mecanismos seculares de segregação racial reproduzidos no mercado imobiliário e nas políticas de habitação, elucidando as relações causais entre a concentração espacial de famílias pobres afro-americanas nos guetos e a discriminação racial. Convém ressaltar que neste estudo parte-se de uma leitura da segregação residencial baseada em critérios socioeconômicos. . Sua argumentação se norteia no conceito de isolamento social, definido como a dissociação do indivíduo pobre vis-à-vis pessoas e instituições representando a sociedade dominante. Seguindo esse raciocínio, o confinamento também dificultaria a integração econômica em decorrência da falta de acesso a informações sobre vagas de emprego.

Wilson (Ibid.) asseverava que a saída da classe média afro-americana dos guetos teria enfraquecido a capacidade de integração social vertical da população local, considerando-se seu papel de assegurar a viabilidade econômica da infraestrutura social e transmitir referências sociais positivas. Contribuindo para essa discussão a partir de uma perspectiva criminológica, Sampson, Raudenbush e Earls (1997)SAMPSON, Robert J.; RAUDENBUSH, Stephen W.; EARLS, Felton. “Neighborhoods and Violent Crime: A Multilevel Study of Collective Efficacy”. Science, vol. 277, n. 5328, pp. 918-924, 1997. demonstraram que o impacto negativo do contexto sócio-residencial se vê influenciado pela capacidade de collective efficacy5 5 Conforme Sampson (2012), o conceito collective efficacy combina coesão social — a maneira como os vizinhos confiam uns nos outros e compartilham valores — e a confiança mútua com a expectativa compartilhada de controle social informal, conceito compreendido como a maneira em que os vizinhos podem contar com o apoio uns dos outros para manter a ordem pública e monitorar e vigiar as crianças e adolescentes conforme práticas, normas e sanções coletivamente estabelecidas. .

Retomando o debate acerca do conceito de desorganização social (SHAW e MCKAY, 1942SHAW, Clifford R.; MCKAY, Henry D. Juvenile Delinquency and Urban Areas. Chicago: University of Chicago Press, 1942.), esses autores postulam que determinados fatores operando simultaneamente à escala comunitária, como baixo status econômico, desemprego, desestruturação da família, alta rotatividade dos moradores, heterogeneidade étnica e elevada proporção de pessoas dependentes de programas de transferência de renda, interferem nos processos de constituição e manutenção de vínculos sociais, enfraquecem a disposição de participar em associações voluntárias e instituições locais da vizinhança e minam o controle social informal dos adultos.

Segundo Sampson (2012)SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012., esse processo enfraquece a capacidade da comunidade de resolver problemas de interesse comum e a disposição dos moradores de intervir em prol do bem coletivo da comunidade em situações de conflito, como brigas, problemas de acesso a serviços urbanos etc. Carr (2003)CARR, Patrick J. “The New Parochialism: The Implications of the Beltway Case for Arguments Concerning Informal Social Control”. American Journal of Sociology, vol. 108, n. 6, pp. 1249-1291, 2003., por sua vez, analisou os padrões de organização social da comunidade por meio de uma revisão crítica do conceito tridimensional de controle social informal postulado por Hunter (1985)HUNTER, Albert D. “Private, Parochial and Public Social Orders: The Problem of Crime and Incivility in Urban Communities”. In: SUTTLES, Gerald D.; ZALD, Mayer (orgs). The Challenge of Social Control. Norwood, NJ: Ablex Publishers, 1985, pp. 230-242.6 6 Conforme Hunter (1985), as estratégias de prevenção do crime utilizadas pela comunidade alcançam um maior grau de eficiência se os três niveis de controle social informal — privado, paroquial e público —atuam concomitantemente. . O autor destaca a emergência de um novo tipo de paroquialismo, caraterizado pela interação entre os níveis paroquial e público do controle social informal. Nesse contexto, incumbe um papel-chave à mobilização de recursos extralocais (como o posto de polícia) ou à atuação das burocracias municipais e estatais por grupos comunitários politicamente organizados no combate ao crime. Esse argumento se torna particularmente relevante se for considerado o enfraquecimento da capacidade dos indivíduos de intervir em situações de conflito diante do medo de sofrer agressões por grupos criminosos.

Skogan (2012)SKOGAN, Wesley G. “Collective Action, Structural Disadvantage and Crime”. Journal of Police Studies, vol. 25, n. 4, pp. 135-152, 2012., examinando a capacidade das organizações comunitárias de fortalecer o controle social informal, também aponta seu potencial limitado com respeito à prevenção do crime. O autor argumenta que a disposição do indivíduo de se engajar ativamente na prevenção do crime, por exemplo a partir da participação de grupos de vigilância na vizinhança, depende do reconhecimento de problemas de interesse coletivo e do status socioeconômico da população local.

Small e Feldman (2012)SMALL, Mario Luis; FELDMAN, Jessica. “Ethnographic Evidence, Heterogeneity, and Neighbourhood Effects after Moving to Opportunity”. In: Neighbourhood Effects Research: New Perspectives. Berlim: Springer, 2012, pp. 57-77. destacam três linhas temáticas que sintetizam os principais desenvolvimentos teórico-metodológicos na abordagem do efeito-território nos EUA: a primeira vertente se concentrou no viés de seleção do efeito-território, argumentando-se que os modelos de regressão estatística seguindo um desenho não experimental tendiam a omitir determinados fatores intervenientes que causam o deslocamento seletivo do indivíduo para um bairro específico; a segunda criticou a omissão de variáveis extralocais nos modelos explicativos; e a terceira vertente buscou desvendar os mecanismos pelos quais o efeito-território opera em um determinado bairro.

Com base em uma ampla revisão da literatura, Small and Newman (2001)SMALL, Mario Luis; NEWMAN, Katherine. “Urban Poverty After the Truly Disadvantaged: The Rediscovery of the Family, the Neighborhood, and Culture”. Annual Review of Sociology. Palo Alto, vol. 27, pp. 23-45, 2001. sugerem dois modelos que explicam como o efeito-território pode impactar as condições de vida do indivíduo: os mecanismos de socialização, investigando como o contexto sócio-residencial influencia na socialização principalmente de crianças e adolescentes, e os mecanismos instrumentais, que indagam como os indivíduos, nomeadamente os adultos, se vêem constrangidos pela falta de recursos econômicos, sociais e políticos em seu próprio bairro.

Nos EUA, o debate em torno do efeito-território impulsionou a implementação de distintas políticas de dessegregação, que podem ser classificadas como people-based policies (SAMPSON, 2012SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012.), já que são centradas na família como unidade de intervenção. Elas se norteiam na assunção de geografias de oportunidades (GALSTER, 2007GALSTER, George. “Neighbourhood Social Mix as a Goal of Housing Policy: A Theoretical Analysis”. European Journal of Housing Policy, vol. 7, no. 1, pp. 19-43, 2007.). Uma série de estudos têm demonstrado que efeitos positivos foram registrados nos indicadores percepção de segurança e saúde física/mental do grupo experimental feminino (CLAMPET-LUNDQUIST e MASSEY, 2008CLAMPET-LUNDQUIST, Susan; MASSEY, Douglas S. “Neighborhood Effects on Economic SelfSufficiency: A Reconsideration of the Moving to Opportunity Experiment”. American Journal of Sociology, vol. 114, n. 1, pp. 107-143, 2008.); entretanto, não se evidenciaram melhorias substanciais nas áreas de educação e emprego (LUDWIG et al., 2008LUDWIG, Jens et al. “What Can We Learn about Neighborhood Effects from the Moving to Opportunity Experiment?”. American Journal of Sociology, vol. 114, n. 1, pp. 144-188, 2008.).

Essas políticas de dessegregação foram complementadas por políticas de social mixing. Contudo, pesquisas examinando o seu impacto evidenciam que esse modelo de habitação não favorece automaticamente a integração socioeconômica das camadas baixas, posto que a falta de articulações extrapolando a própria classe social dificulta o acesso a informações sobre vagas de emprego e a exposição a modelos de referência positivos (CHASKIN e JOSEPH, 2010CHASKIN, Robert J.; JOSEPH, Mark L. “‘Building “Community’ in Mixed-Income Developments Assumptions, Approaches, and Early Experiences”. Urban Affairs Review, Thousand Oaks, vol. 45, n. 3, pp. 299-335, 2010.).

Outrossim, Kearns e Mason (2007)KEANRS, Ade; MASON, Phil. Mixed Tenure Communities and Neighbourhood Quality, Housing Studies, vol. 22, n. 5, pp. 661-691, 2007. apontam que a proximidade a vizinhos de maior status econômico pode reforçar os sentimentos de privação relativa do indivíduo pobre. Nessa mesma linha de argumentação, Clampet-Lundquist e Massey (2007)MASSEY, Douglas S. Categorically Unequal: The American Stratification System. Nova York: Russell Sage Foundation, 2007. argumentam que essa proximidade pode aumentar as tensões intergrupais, dada a maior visibilidade das clivagens socioeconômicas e o acesso segmentado ao sistema de educação, transporte e lazer. Já Wilson (1996)WILSON, William J. When Work Disappears: The World of the New Urban Poor. New York: Alfred Knopf, 1996. apontava que a integração socioeconômica das camadas baixas não se produz a partir das políticas de social mixing e de dessegregação, mas requer investimentos locais mais amplos em serviços sociais, educação, transporte público e programas de capacitação profissional. Sampson (2012)SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012. classifica essas políticas como place-based-policies, centradas na ampliação das oportunidades de integração socioeconômica na escala do bairro inteiro.

Nos EUA, o efeito-território é preponderantemente avaliado a partir de um índice multidimensional de atributos econômicos e sociodemográficos dos indivíduos (variáveis independentes ou de controle), enquanto a pobreza e a segregação residencial constituem as variáveis dependentes nessa aproximação quantitativa, bem como as taxas de desemprego, a rotatividade residencial, a heterogeneidade étnica/racial da população residente e a composição da família, entre outros fatores. Parte-se da hipótese central de que uma ou múltiplas variáveis dependentes associadas ao contexto sócio-residencial do bairro potencialmente concorrem no tempo para provocar disrupções no desempenho socioeconômico do indivíduo e na organização social no bairro (SAMPSON, 2019SAMPSON, Robert J. “Neighbourhood Effects and Beyond: Explaining the Paradoxes of Inequality in the Changing American Metropolis”. Urban Studies, vol. 56, n. 1, pp. 3-32, 2019.).

Enquanto esses métodos conseguem avaliar o quanto uma determinada variável dependente interfere nas condições de vida do indivíduo, a aproximação qualitativa busca responder à questão de como e sob quais condições o contexto sócio-residencial afeta o indivíduo, por meio da análise dos mecanismos pelos quais opera o efeito-território. Small (2004)SMALL, Mario Luis. Villa Victoria: The Transformation of Social Capital in a Boston Barrio. Chicago: The University of Chicago Press, 2004., por exemplo, demonstra que os habitantes pobres da Villa Victoria, um enclave étnico localizado próximo ao bairro de elite de South End em Boston, EUA, se articulam pouco com seus vizinhos ricos, em função do mecanismo de estigmatização territorial e do acesso segmentado aos serviços urbanos. Outrossim, o autor argumenta que a disposição da infraestrutura comercial, social e cultural em Villa Victoria dificulta o estabelecimento de contatos com pessoas extralocais, em decorrência da falta de necessidade de acessar recursos materiais fora do bairro, excetuando-se o lugar de trabalho. Todavia, em vez de atestar a perda generalizada do capital social e institucional desses moradores, o autor evidencia que a comunidade apresenta um forte grau de organização social e articulação política, duas virtudes que, no entanto, perderam sua força entre a geração mais nova de moradores.

Small (Ibid.) pleiteia por uma leitura “condicional” do impacto da concentração de desvantagens estruturais nas condições de vida do indivíduo, que busca identificar os mecanismos pelos quais opera o efeito-território em distintos bairros sem, no entanto, inferir a generalização dos resultados auferidos em um determinado estudo de caso. Essa perspectiva se distancia, por um lado, de uma aproximação “universalista” ao efeito-território — conforme inicialmente postulado por Wilson (1996)WILSON, William J. When Work Disappears: The World of the New Urban Poor. New York: Alfred Knopf, 1996. —, partindo da suposição de que as relações causais inferidas com base em exemplos de estudos de caso isolados se comprovam na totalidade dos bairros. Por outro lado, a proposta se afasta da leitura “particularista” do efeito-território, cujo alcance se esgota na explicação de fatores intervenientes que se verificam apenas em determinado estudo de caso (SMALL, 2004SMALL, Mario Luis. Villa Victoria: The Transformation of Social Capital in a Boston Barrio. Chicago: The University of Chicago Press, 2004.).

Nessa mesma linha de argumentação, Small, Manduca e Johnston (2018)SMALL, Mario Luis; MANDUCA, Robert; JOHNSTON, William. “Ethnography, Neighborhood Effects, and the Rising Heterogeneity of Poor Neighborhoods across Cities”. City and Community, vol. 17, n. 3, pp. 565-89, 2018. também enfatizam que os resultados auferidos com base em pequenas amostras comportam um caráter sugestivo e não conclusivo, já que se fundamentam na percepção subjetiva do indivíduo sobre o efeito-território, e não na análise de dados considerados estatisticamente representativos. Baseando-se nas reflexões epistemológicas do método de estudo de caso extensivo (BURAWOY, 1998BURAWOY, Michael. “The Extended Case Method”. Sociological Theory, vol. 16, n. 1, pp. 4-33, 1998.), Small (2009)SMALL, Mario Luis. “How Many Cases Do I Need?’: On Science and the Logic of Case Selection in Field Based Research.” Ethnography, vol. 10, n. 1, pp. 5-38, 2009. assevera que esses estudos qualitativos proporcionam importantes reflexões para a (re)construção do conceito de efeito-território, já que permitem a identificação de “casos atípicos” (BURAWOY, 1998BURAWOY, Michael. “The Extended Case Method”. Sociological Theory, vol. 16, n. 1, pp. 4-33, 1998.; YIN, 2014YIN, Robert K. Case Study Research: Design and Methods. Londres/Thousand Oaks: Sage Publications, 2014.) que divergem da concepção normativa de isolamento social e desorganização social (SAMPSON, 2012SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012.).

O efeito-território na Europa: uma aproximação bourdieusiana

A abordagem da pobreza na Europa se norteia pelo conceito de exclusão social, que assinala o distanciamento do indivíduo do estado de integração plena na sociedade, atentando-se a aspectos econômicos, político-institucionais, sociais e culturais (HÄUßERMANN, 2003HÄUßERMANN, Hartmut. “Armut in der Großstadt. Die Stadtstruktur verstärkt soziale Ungleichheit”. Informationen zur Raumentwicklung, Berlin, vol. 3/4, pp. 143-157, 2003.; PAUGAM, 2005PAUGAM, Serge. Les formes élémentaires de la pauvreté. Paris: PUF, 2005.; WACQUANT, 2016WACQUANT, Loïc. Urban Outcasts: A Comparative Sociology of Advanced Marginality. Cambrigde: Polity Press, 2016.). Uma série de pesquisas têm apontado um impacto menos significativo do efeito-território nas condições de vida do indivíduo, considerando-se que o modelo de planejamento urbano durante muitos anos promovia uma maior integração social ao mesmo tempo que o sistema de bem-estar social, excetuando-se o modelo liberal anglo-saxão, mitigou os efeito negativos da pobreza e do desemprego (FRIEDRICHS, GALSTER e MUSTERD, 2003FRIEDRICHS, Jürgen; GALSTER, George; MUSTERD, Sako. “Neighborhood Effects on Social Opportunities: The European and American Research and Policy Context”. Housing Studies, New York, vol. 18, n. 6, pp. 797-806, 2003.; VAN HAM et al., 2012VAN HAM, Maarten D. et al. (orgs). Understanding Neighbourhood Dynamics: New Insights for Neighbourhood Effects Research. Dordrecht: Springer, 2012.). Contudo, para a maioria dos países europeus as décadas de 1970 e de 1980 marcaram uma ruptura com a conjuntura econômica positiva e o processo de constante ampliação do sistema de bem-estar social em termos de orçamento e abrangência das prestações sociais. Registra-se, mesmo que de forma substancialmente menos acelerada que nos EUA, um recrudescimento das desigualdades socioeconômicas e, no seu corolário, uma maior polarização espacial entre as camadas sociais baixas e altas, o que se acentua a partir da década de 1990 (GALSTER, 2007GALSTER, George. “Neighbourhood Social Mix as a Goal of Housing Policy: A Theoretical Analysis”. European Journal of Housing Policy, vol. 7, no. 1, pp. 19-43, 2007.; ICELAND, 2014ICELAND, John. Residential Segregation: A Transatlantic Analysis. Washington, D.C.: Migration Policy Institute, 2014.; WACQUANT, 2016WACQUANT, Loïc. Urban Outcasts: A Comparative Sociology of Advanced Marginality. Cambrigde: Polity Press, 2016.).

Particularmente, a exploração das estruturas de segregação residencial a partir de critérios étnicos tem incentivado a realização de uma pluralidade de estudos qualitativos e quantitativos que investigam as dificuldades de integração de determinados grupos de imigrantes majoritariamente não europeus na sociedade-hóspede. Esses estudos abordam a crescente privação de determinados bairros segregados que continham uma população vulnerável já fortemente atingida pelo desemprego e pela pobreza (MUSTERD e OSTENDORF, 2007MUSTERD, Sako; OSTENDORF, Wim J. “Spatial Segregation and Integration in The Netherlands”. In: SCHöNWäLDER, Karen (org). Residential Segregation and the Integration of Immigrants: Britain, The Netherlands, Sweden. Berlim: Social Science Research Center WZB, 2007, pp. 41-60.).

Häußermann, Kronauer e Siebel (2004)HÄUßERMANN, Hartmut; KRONAUER, Martin; SIEBEL, Walter. An den Rändern der Städte: Armut und Ausgrenzung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2004. advertem que a hipótese dos efeitos de concentração da pobreza postulados por Wilson não pode ser transferida de forma acrítica ao contexto urbano europeu. Nesse sentido, Iceland (2014)ICELAND, John. Residential Segregation: A Transatlantic Analysis. Washington, D.C.: Migration Policy Institute, 2014. ressalta que os padrões de segregação residencial obedecem a parâmetros socioeconômicos, e não a critérios étnico-raciais, como nos EUA. Outrossim, Nieszery (2013)NIESZERY, Andrea. Soziale Segregation, Quartierseffekte und Quartierspolitik. Ein deutsch-französischer Vergleich. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade de Berlim, Berlim, 2013. assevera que a discussão na Europa gravita em torno do efeito-território na mobilidade social e econômica do indivíduo, enquanto as pesquisas americanas se concentram nos efeitos de socialização por meio de grupos de pares e modelos de referência. A autora destaca que o conceito de efeito-território, no contexto americano, transcende uma visão essencialmente deficitária do gueto em relação ao conjunto da cidade. Ela enfatiza que estudos explicando a pobreza urbana e as altas taxas de criminalidade dos guetos americanos à luz de um generalizado desvio vis-à-vis a sociedade majoritária da classe média branca, conquanto ajudem a identificar as desvantagens estruturais operando na escala do bairro, podem contribuir para a estigmatização da sua população.

Diante do desafio de uma maior polarização socioespacial das cidades europeias, os governos locais têm implementado distintas políticas de social mixing para atenuar ou impedir processos de segregação residencial de determinados grupos sociais ou étnico-raciais (MUSTERD et al., 2015MUSTERD, Sako; MARCINZAK, Szymon; VAN HAM, Maarten; TAMMARU, Tiit. “Socio-economic Segregation in European Capital Cities: Increasing Separation between Poor and Rich”. Urban Geography, vol. 38, n. 7, pp. 1062-1083, 2015.). Contudo, estudos examinando a situação de “convivência” de grupos socialmente distantes apontam que a proximidade geográfica não favorece automaticamente a maior integração socioeconômica das camadas baixas (BLANC, 2010BLANC, Maurice. “The Impact of Social Mix Policies in France”. Housing Studies, Hoboken, vol. 25, n. 2, pp. 257-272, 2010.), conforme já demonstrado por pesquisadores americanos. Nesse contexto, o debate remete às considerações de Bourdieu (1979)BOURDIEU, Pierre. La distinction: Critique sociale du jugement. Paris: Minuit, 1979. e Chamboredon e Lemaire (1970)CHAMBOREDON, Jean-Claude; LEMAIRE, Madeleine. “Proximité Spatiale et Distance Sociale. Les Grands Ensembles et leur Peuplement”. Revue Française de Sociologie, vol. 11, n. 1, pp. 3-33, 1970., que concordavam que a proximidade geográfica não elimina as relações de dominação em razão da manutenção das hierarquias reificadas pela assimétrica disposição de capital econômico, social e simbólico que define a atuação das classes média e alta em relação às camadas mais baixas.

Pesquisas mais contemporâneas avaliando o efeito das políticas de social mixing destacam a prevalência de articulações sociais entre pessoas pertencendo à mesma classe e a falta de percepções compartilhadas sobre a coesão e solidariedade intracomunitária, devido ao uso diferenciado dos espaços de lazer, do sistema educativo e do transporte público/privado (BUTLER e ROBSON, 2003BUTLER, Tim; ROBSON, Garry. “Plotting the Middle Classes: Gentrification and Circuits of Education in London”. Housing Studies, vol. 18, n. 1, pp. 5-28, 2003.; DAVIDSON, 2010DAVIDSON, Mark. “Love thy Neighbour? Social mixing in London’s gentrification frontiers”. Environment and Planning, Thousand Oaks, vol. 42, n. 3, pp. 524-544, 2010.). Retomando o conceito de Husserl (1970)HUSSERL, Edmund. The Crisis of European Science and Transcendental Phenomenology: An Introduction to Phenomenological Philosophy. Evanston: Northwestern University Press, 1970. dos “mundos de viver”, Davidson (2010)DAVIDSON, Mark. “Love thy Neighbour? Social mixing in London’s gentrification frontiers”. Environment and Planning, Thousand Oaks, vol. 42, n. 3, pp. 524-544, 2010. argumenta que as articulações entre moradores de bairros pobres e habitantes dos condomínios vizinhos de elite se atrelam às percepções subjetivas sobre as possibilidades de participação socioeconômica e às próprias barreiras do ambiente construído.

Há um crescente consenso de que as tendências recentes de uma maior polarização socioespacial das cidades europeias requerem uma intervenção mais regulatória do Estado no mercado laboral e habitacional. Esta deve ser flanqueada por políticas setoriais, capazes de promover maior igualdade no acesso às oportunidades de integração socioeconômica (GALSTER, 2007GALSTER, George. “Neighbourhood Social Mix as a Goal of Housing Policy: A Theoretical Analysis”. European Journal of Housing Policy, vol. 7, no. 1, pp. 19-43, 2007.). Sampson (2012)SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012. classifica essa aproximação às desigualdades sociais como indirect approach, centrando-se nos obstáculos enfrentados pelo indivíduo pobre de participar nos sistemas econômico, social e simbólico da sociedade dominante.

Fundamentando-se nessa aproximação mais holística ao efeito-território, a proposta metodológica de Häußermann (2003)HÄUßERMANN, Hartmut. “Armut in der Großstadt. Die Stadtstruktur verstärkt soziale Ungleichheit”. Informationen zur Raumentwicklung, Berlin, vol. 3/4, pp. 143-157, 2003. se assenta em uma classificação em três dimensões analíticas: material, social, e simbólica, pressupondo-se que elas operam simultaneamente. A Tabela 1 sintetiza os principais fatores intervenientes das três dimensões analíticas e os potenciais efeitos positivos e negativos que decorrem do efeito-território.

Tabela 1
As dimensões do efeito-território conforme o modelo de Häußermann (2003)HÄUßERMANN, Hartmut. “Armut in der Großstadt. Die Stadtstruktur verstärkt soziale Ungleichheit”. Informationen zur Raumentwicklung, Berlin, vol. 3/4, pp. 143-157, 2003.

A dimensão material remete às desvantagens interferindo nas condições de vida e na mobilidade social do indivíduo em função da composição socioeconômica da população do bairro e da localização geográfica no espaço urbano, no que tange ao acesso ao mercado de trabalho e ao transporte público. Outrossim, assinala as deficiências qualitativas e quantitativas na estrutura física do habitat, no equipamento urbano (escolas, creches, parques, áreas de lazer etc.) e na infraestrutura comercial, social e cultural (lojas, associações sociais, culturais, religiosas etc.).

Já a dimensão social do efeito-território analisa a composição e os padrões de mobilização das redes sociais e institucionais para obter determinados recursos (não) materiais, levando em consideração a importância de grupos de pares e modelos de referência social em processos de socialização particularmente de crianças e adolescentes pobres, cuja margem de atuação se restringe mais ao espaço geográfico do bairro. Finalmente, na dimensão simbólica, analisa-se o impacto negativo na mobilidade socioeconômica e nas condições de vida do indivíduo em decorrência da estigmatização do bairro por não residentes e pela mídia. Ademais, aborda-se questões atinentes à percepção subjetiva dos moradores acerca da sua vulnerabilidade social e da inserção do seu bairro de residência em seu entorno geográfico.

A aplicação dessa proposta metodológica se deu a partir da pesquisa de Nieszery (2013)NIESZERY, Andrea. Soziale Segregation, Quartierseffekte und Quartierspolitik. Ein deutsch-französischer Vergleich. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade de Berlim, Berlim, 2013., conduzida em distintas cidades alemãs e francesas. No que tange à dimensão material, a autora conclui que o impacto do efeito-território varia em função do grau de fragmentação socioespacial das cidades, observando-se que um maior isolamento geográfico da habitação social acarreta uma série de desvantagens para a integração socioeconômica da sua população.

Todavia, não se comprova: expressiva polarização espacial entre as classes sociais nem tendência de desconcentração de postos de emprego suscetíveis de (re)produzir o antagonismo entre, por um lado, os bairros do centro da cidade e, por outro lado, os bairros suburbanos e os municípios metropolitanos estadunidenses (SAMPSON, 2012SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012.); desarticulação dos bairros “desvantajosos” com o resto da cidade em termos de acesso ao transporte público e à infraestrutura urbana (MUSTERD e ANDERSSON, 2006MUSTERD, Sako; ANDERSSON, Roger. “Employment, Social Mobility and Neighborhood Effects: The Case of Sweden”. International Journal of Urban and Regional Research, Hoboken, vol. 30, no.1, pp. 120-140, 2006.); tendências à desinstitucionalização ou retração do suporte público-institucional nesses bairros (WACQUANT, 2016WACQUANT, Loïc. Urban Outcasts: A Comparative Sociology of Advanced Marginality. Cambrigde: Polity Press, 2016.).

Porém, concorda-se que determinadas deficiências em termos de estrutura física da moradia e de infraestrutura social interferem na dimensão simbólica, ao impactar a avaliação subjetiva do bairro quanto à sua disponibilidade, influenciando substancialmente a constituição das redes sociais, a coesão social e a segurança comunitária (Ibid.). Nieszery (2013)NIESZERY, Andrea. Soziale Segregation, Quartierseffekte und Quartierspolitik. Ein deutsch-französischer Vergleich. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade de Berlim, Berlim, 2013. frisa que quanto maior for o declínio da estrutura física e da infraestrutura comercial, social e cultural, maior será dificuldade na constituição de redes internamente mais diversificadas e territorialmente dispersas, ressalvando que a deterioração da estrutura física do bairro não se traduz automaticamente em redes sociais menores, particularmente no caso de grupos imigrantes que exploram as distintas formas de empreendedorismo étnico.

No que tange à dimensão social do efeito-território, a autora argumenta que para a maioria dos indivíduos entrevistados morando em bairros considerados “desvantajosos” não há uma superposição entre espaço social e o recorte geográfico do bairro. Portanto, não se evidencia o confinamento do indivíduo pobre ao contexto social local, com respeito à estrutura das suas redes sociais e aos processos de socialização. Na dimensão simbólica, constata-se que o aumento da pobreza e sua concentração espacial potencialmente produzem maior estigmatização dos habitantes, evidenciando-se uma série de situações paralelas aos moradores dos guetos americanos (SAMPSON, 2019SAMPSON, Robert J. “Neighbourhood Effects and Beyond: Explaining the Paradoxes of Inequality in the Changing American Metropolis”. Urban Studies, vol. 56, n. 1, pp. 3-32, 2019.). A maioria dos estudos atestam o declínio da reputação do bairro e a discriminação territorial dos seus habitantes sem que, no entanto, se comprove desvantagens substanciais para a mobilidade econômica.

Para Nieszery (2013)NIESZERY, Andrea. Soziale Segregation, Quartierseffekte und Quartierspolitik. Ein deutsch-französischer Vergleich. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade de Berlim, Berlim, 2013. o conceito de efeito-território tem uma série de potenciais para descrever e explicar os processos de exclusão social na escala microssocial a partir da reconstrução da percepção subjetiva do indivíduo acerca do contexto sócio-residencial em que ele se insere. Seguindo esse raciocínio, a análise do efeito-território a partir das três dimensões estreitamente interligadas pode proporcionar valiosos insights sobre as causalidades entre os distintos processos e mecanismos que operam na escala do bairro e impulsionar a elaboração de políticas urbanas socialmente mais integrativas.

A abordagem do efeito-território no Brasil

No que diz respeito à abordagem do efeito-território no Brasil, uma série de estudos quantitativos confirmam um impacto negativo no nível de renda, no acesso ao mercado de trabalho e na modalidade formal/informal do emprego, que acomete particularmente as populações pobres vivendo em bairros periféricos (ANDRADE e SILVEIRA, 2013ANDRADE, Luciana Teixeira; SILVEIRA, Leonardo Souza. “Efeito-território: Explorações em torno de um conceito sociológico”. Civitas, Porto Alegre, vol. 13, n. 2, pp. 381-402, 2013.; BORGES e CARVALHO, 2017BORGES, Ângela; CARVALHO, Inaiá Maria Moreira. “Revisitando os efeitos de lugar: segregação e acesso ao mercado de trabalho em uma metrópole brasileira”. Caderno CRH, Salvador, vol. 30, n. 79, pp. 121-135, 2017.; RIBEIRO, 2016RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. “Metamorfoses da ordem urbana da Metrópole Brasileira: o caso do Rio de Janeiro”. Sociologias, Porto Alegre, vol. 18, pp. 120-160, 2016., 2017RIBEIRO, Luiz César de Queiroz (orgs). Urban Transformations in Rio de Janeiro Development, Segregation, and Governance. Berlim: Springer, 2017.). Ribeiro et al. (2010)RIBEIRO, Luiz César de Queiroz et al. (orgs). Desigualdades urbanas, desigualdades escolares. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010. asseveram que a falta de investimentos públicos em instituições de educação nesses locais se traduz em maior distorção idade-série, baixo desempenho escolar e frequente abandono da escola. Os autores apontam a ausência de modelos de referência social suscetíveis de valorizar a educação como caminho formal para a integração econômica, o que estimula a adesão a modelos criminosos de provisão de renda. Há poucos contatos com pessoas e instituições da classe média, situação que prejudica o acesso a informações sobre empregos (RIBEIRO, 2008).

Enquanto esses resultados corroboram em grandes linhas a hipótese do isolamento social postulado por Wilson, Marques (2016)MARQUES, Eduardo C. L. “Urban Poverty, Segregation and social networks in São Paulo and Salvador, Brazil”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 39, n. 6, pp. 1067-83, 2016. demonstra, por meio de um estudo quantitativo conduzido em diferentes bairros pobres e periféricos de São Paulo e Salvador, que o efeito da segregação pode tornar a sociabilidade do indivíduo mais dispersa e diversificada, dado o imperativo de acessar recursos extralocais. Entretanto, o autor destaca a escassez de articulações extrapolando a própria classe social, ressalvando que essa situação não dificulta necessariamente a integração do indivíduo pobre no mercado laboral formal.

Outro grupo de estudos se debruça sobre a relação de proximidade geográfica entre grupos socialmente distantes e as oportunidades de integração socioeconômica das camadas baixas, destacando-se três vertentes de pesquisas.

A primeira delas se concentra nas favelas inseridas nas regiões centrais da cidade — o que corresponde a uma configuração “consolidada” de vizinhança entre pobres e ricos — e assinala que as vantagens locais beneficiam a integração socioeconômica da população pobre, particularmente no setor da construção civil e dos serviços pessoais. Nessas configurações espaciais “consolidadas”, as articulações entre grupos socialmente distantes se viam estimuladas pelo uso compartilhado dos serviços urbanos locais. Ademais, o espaço público muitas vezes foi utilizado como lugar de venda informal de produtos, como frutas, verduras, comida rápida e bebidas, atentando à demanda dos moradores vizinhos da classe média e alta (KOWARICK, 2009KOWARICK, Lúcio. Viver em risco: Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34, 2009.).

A segunda vertente trata das configurações de proximidade entre grupos socialmente distantes que emergiam nos vetores de expansão da classe média e alta. Elas correspondem à uma configuração “semi-consolidada” de vizinhança. Nesses locais, observa-se um enfraquecimento da transmissão de modelos de rol da classe média e o declínio das articulações (não) empregatícias entre os grupos socialmente distantes em função da bifurcação entre um sistema público e privado de serviços urbanos e do evitamento do espaço público pelas classes média e alta. Essa dinâmica foi acompanhada pela privatização do espaço público e pelo crescente isolamento das classes média e alta em condomínios fechados altamente protegidos (CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.). Não obstante, a alta demanda de mão de obra no setor da construção civil atrai ainda muitas famílias pobres que se assentavam em proximidade ao condomínios fechados (COY e PÖHLER, 2002COY, Martin; PÖHLER, Martin. “Condominios fechados und die Fragmentierung der brasilianischen Stadt. Typen, Akteure, Folgewirkungen”. Geographica Helvetica, Zurique, vol. 57. n. 4, pp. 264-277, 2002.).

Entretanto, os espaços públicos localizados nas imediações dos condomínios fechados estão cada vez mais sendo controlados por vigilantes privados ou agentes policiais. Essa privatização do espaço público contribuiu significantemente para reduzir as possibilidades de integração econômica das classes baixas a partir do mercado informal (BORSDORF, HIDALGO e VIDAL-KOPPMANN, 2016). Nessas configurações espaciais, as clivagens socioeconômicos se traduziram em conflitos e tensões entre os condomínios fechados e as populações pobres circunferentes, considerando-se também que nessas regiões, já menos centrais, prevalecem níveis mais altos de violência e crime (CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.). Por exemplo, Ribeiro (2008), analisando as articulações sociais em espaços públicos entre os grupos sociais de alta renda e as populações pobres das favelas da Zona Sul, Rio de Janeiro. Esse evitamento resulta, em grande medida, de sua associação com o tráfico de drogas e com um “parasitismo social” que constrange sua integração no mercado laboral formal, dificulta suas articulações com pessoas extralocais e influencia sua percepção sobre segregação.

Estudos conduzidos na periferia do Bairro da Paz, Salvador, cercada pelo bairro da classe média-alta Patamares, apontam, por um lado, as possibilidades de integração socioeconômica mais amplas em razão da alta demanda dos condomínios fechados em serviços pessoais e do engajamento financeiro dos seus moradores em programas culturais e educacionais no Bairro da Paz (GLEDHILL e HITA, 2009); por outro lado, sublinham o caráter funcional das articulações interclasse e enfatizam a persistência das hierarquias sociais nas relações empregatícias, dado o caráter subalterno dos serviços pessoais desempenhados nos condomínios fechados.

Já a terceira vertente de pesquisas se concentra nas configurações espaciais de vizinhança entre grupos socialmente distantes que emergiram como resultado da construção de condomínios fechados das classes média e alta nas franjas urbanas das grandes cidades latino-americanas desde a década de 1990, um fenômeno estudado particularmente nas cidades chilenas, mexicanas, argentinas e colombianas (BORSDORF, HIDALGO e VIDAL-KOPPMANN, 2016; JANOSCHKA e BORSDORF, 2004JANOSCHKA, Michael; BORSDORF, Axel. “Condomínios fechados and barrios privados: The Rise of Private Residencial Neighbourhoods”. In: GLASZE, Georg; WEBSTER, Chris; FRANTZ, Klaus (orgs). Private Neighbourhoods: Global and local Perspectives. Londres: Routledge, 2004, pp. 92-108.; RUIZ-TAGLE, 2016RUIZ-TAGLE, Javier. “La Persistencia de la segregación y la desigualdad en barrios socialmente diversos: Un estudio de caso en la Florida”. Revista Eure, vol. 42, n. 125, pp. 81-108, 2016.; SABATINI e SALCEDO, 2007SABATINI, Francisco; SALCEDO, Rodrigo. “Gated Communities and the Poor in Santiago, Chile: Functional and Symbolic Integration in a Context of Aggressive Capitalist Colonization of Lower-Class Areas”. Housing Policy Debate, vol. 18, n. 3, pp. 577-606, 2007.; THIBERT e OSORIO, 2014THIBERT, Joel; OSORIO, Giselle Andrea. “Urban Segregation and Metropolitics in Latin America: The Case of Bogotá, Colombia”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 38, n. 4, pp. 1319-1343, 2014.). Essas configurações “emergentes” de vizinhança podem ser encontradas nas áreas periféricas das grandes cidades, majoritariamente habitadas pelas classes (médias-)baixas mas também em áreas periféricas onde predominam as moradias da habitação social da classe baixa. Em alinhamento com Sabatini e Salcedo (2007)SABATINI, Francisco; SALCEDO, Rodrigo. “Gated Communities and the Poor in Santiago, Chile: Functional and Symbolic Integration in a Context of Aggressive Capitalist Colonization of Lower-Class Areas”. Housing Policy Debate, vol. 18, n. 3, pp. 577-606, 2007., a construção de condomínios fechados de alto padrão nessas regiões induziu a dispersão das classes baixas no espaço e contribuiu para a diminuição da escala de segregação na Região Metropolitana de Santiago, no Chile. Os autores afirmam que a construção de condomínios de luxo nas franjas urbanas aumentou as oportunidades de emprego para as classes baixas e atraiu investimentos públicos e privados em serviços urbanos locais. Esse processo se traduziu na maior valorização dos bairros pobres circunferentes, em termos tanto de valor de terra como de percepção da população pobre de estar socialmente integrada. Por outro lado, os estudos de Ruiz-Tagle (2016)RUIZ-TAGLE, Javier. “La Persistencia de la segregación y la desigualdad en barrios socialmente diversos: Un estudio de caso en la Florida”. Revista Eure, vol. 42, n. 125, pp. 81-108, 2016., conduzidos também em Santiago de Chile, mostram que as chances de integração econômica a partir do setor de serviços diminuíram drasticamente em função da estigmatização territorial. Os moradores dos condomínios fechados vizinhos preferem contratar seus funcionários dos bairros pobres mais distantes, fato que anula as vantagens locais para a população pobre.

Sintetizando, cabe ressaltar que a análise do efeito-território na sociologia urbana brasileira se baseia preponderantemente nas propostas teórico-metodológicas de autores americanos (SAMPSON, 2012SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012.; SMALL e FELDMAN, 2012SMALL, Mario Luis; FELDMAN, Jessica. “Ethnographic Evidence, Heterogeneity, and Neighbourhood Effects after Moving to Opportunity”. In: Neighbourhood Effects Research: New Perspectives. Berlim: Springer, 2012, pp. 57-77.). Recorre-se majoritariamente a métodos quantitativas, enfatizando-se um ou dois aspectos separados do efeito-território:

- Confirma-se a interferência do efeito-território no acesso ao mercado laboral, no desempenho escolar e nas redes sociais, tendo uma relevância empírica de segunda ordem em relação aos atributos sociodemográficos atrelados à escala do indivíduo e da família;

- Observa-se um enfoque na análise do efeito-território em bairros pobres e altamente segregados localizados nas regiões periféricas das cidades;

- Concorda-se que a polarização do sistema ocupacional, educativo e residencial em conjunção com a acumulação de desvantagens estruturais condensadas na escala do bairro (estigmas, violência, criminalidade, desorganização social) se traduz em maiores constrangimentos de mobilizar os ativos e recursos necessários para mitigar ou eventualmente superar a vulnerabilidade social;

- Evidencia-se o esgotamento das estruturas de suporte interfamiliar e intracomunitária, levando em consideração diversos fatores intervenientes, como estrutura do mercado de trabalho, ciclo de vida, composição familiar, estabilidade dos cônjuges, distribuição das relações domésticas, capital social, entre outros.

Em vez de concentrar-se em uma variável específica, este trabalho parte da multidimensionalidade do efeito-território, em alinhamento com os postulados de Bourdieu (1979)BOURDIEU, Pierre. La distinction: Critique sociale du jugement. Paris: Minuit, 1979.. Nesse sentido, assume-se que o contexto sócio-residencial não interfere apenas no acesso ao mercado de trabalho e desempenho escolar, senão que também influencia os padrões de sociabilidade e a percepção subjetiva do indivíduo (HÄUßERMANN, 2003HÄUßERMANN, Hartmut. “Armut in der Großstadt. Die Stadtstruktur verstärkt soziale Ungleichheit”. Informationen zur Raumentwicklung, Berlin, vol. 3/4, pp. 143-157, 2003.). Para testar a hipótese das geografias de oportunidades (GALSTER, 2007GALSTER, George. “Neighbourhood Social Mix as a Goal of Housing Policy: A Theoretical Analysis”. European Journal of Housing Policy, vol. 7, no. 1, pp. 19-43, 2007.), compara-se o impacto do efeito-território em bairros pobres cercados por bairros das classes média e alta com bairros periféricos inseridos em regiões homogeneamente pobres.

Reflexões acerca do conceito de efeito-território a partir de um estudo de caso

Considerações metodológicas e áreas de estudo

Para a condução do nosso estudo de caso em Salvador, recorre-se à referida proposta metodológica de Häußermann (2003)HÄUßERMANN, Hartmut. “Armut in der Großstadt. Die Stadtstruktur verstärkt soziale Ungleichheit”. Informationen zur Raumentwicklung, Berlin, vol. 3/4, pp. 143-157, 2003.. Nos cincos bairros onde foram conduzidas as entrevistas observa-se a superposição de uma série de desvantagens estruturais: baixos níveis de renda e de escolaridade e alta taxa de homicídios. A concentração espacial dessas desvantagens pode ser visualizada nas figuras 1 to 2, que retratam as fortes disparidades com respeito ao nível médio de renda familiar e a desigual distribuição espacial das taxas de homicídios.

Figura 1
Distribuição dos grupos sociais a partir do critério de renda mensal em Salvador

Figura 2
Distribuição espacial das taxas de homicídios em Salvador

Essas disparidades se manifestam na escala macrourbana no antagonismo entre “centro” — abrangendo o Centro e a Orla Atlântica, localizados no sul e no sudoeste da cidade — e a “periferia” — englobando o Subúrbio Ferroviário/Ilhas e o Miolo Urbano, localizados no nordeste e no noroeste de Salvador (CARVALHO e ARANTES, 2021CARVALHO, Inaiá M. M.; ARANTES, Rafael. “‘Cada qual no seu quadrado’: Segregação socioespacial e desigualdades raciais na Salvador contemporânea”. Revista Eure, Santiago de Chile, vol. 47, n. 142, pp. 49-72, 2021.). Já na escala microurbana, o município se caracteriza por uma organização socioespacial mais fragmentada, marcada pela contiguidade entre bairros abrigando uma população de alto status socioeconômico e bairros populares, confirmando-se as tendências de desenvolvimento espacial já evidenciadas em outras cidades latino-americanas (JANOSCHKA, HIDALGO e SALINAS, 2016; RUIZ-RIVERA e VAN LINDERT, 2016RUIZ-RIVERA, Naxhelli; VAN LINDERT, Paul (orgs). “Special Issue: Urban Segregation in Latin America”. Habitat International, Hoboken, vol. 54, n. 1, pp. 1-94, 2016.; THIBERT e OSORIO, 2015).

Localizado na região noroeste do Subúrbio Ferroviário, o bairro de São João do Cabrito cresceu demograficamente em torno do complexo habitacional Vila Operária, construído nas imediações da Fábrica Têxtil São Braz, desativada em 1959. São João do Cabrito, circundado por outros bairros pobres, representa uma localidade paradigmática da região periférica soteropolitana do Subúrbio Ferroviário e se caracteriza por deficiências persistentes em termos de qualidade dos serviços urbanos locais, pela escassez de postos de emprego e por altas taxas de crimes violentos ligados ao tráfico de drogas. Já o bairro Fazenda Grande II/Jaguaripe I, localizado no Miolo Urbano, cresceu demograficamente por meio da construção de prédios destinados à classe média-baixa na década de 1970 e da invasão dos terrenos vazios no seu entorno geográfico por populações pobres. O bairro reflete paradigmaticamente o processo dualista de ocupação “formal” e “informal” de terrenos vazios nas franjas urbanas de Salvador e o laissez-faire intrínseco às políticas urbanas naquela época com respeito à regularização fundiária nessa região.

Entretanto, os bairros Calabar, Bate Facho e Vila Verde se inserem em distintos vetores de expansão das classes média e alta em Salvador e representam paradigmaticamente as anteriormente delineadas três diferentes configurações de vizinhança entre os grupos socialmente distantes: “consolidadas”, “semi-consolidadas” e “consolidadas”.

Figura 3
Vetores de expansão das classes média e alta em Salvador

Calabar e Bate Facho compartilham a mesma trajetória: seu crescimento demográfico se atrela ao grande fluxo de imigração de famílias procedentes do interior pauperizado da Bahia, que chegaram em Salvador entre as décadas de 1940 e 1990. O processo de ocupação informal das terras vazias ocorreu principalmente nas regiões com alto grau de exposição a riscos de desabamento e alagamentos, como as encostas e os vales não drenados. O processo de adensamento demográfico se acelerou em decorrência da forte demanda de mão de obra barata tanto no setor de construção civil quanto no setor de serviços pessoais, que emanava dos bairros vizinhos das classes média e alta.

Dada a sua inserção estratégica em uma região majoritariamente habitada pelas classes média e alta, as populações do Calabar e Bate Facho tiveram que enfrentar várias tentativas de expropriação por parte das grandes empresas imobiliárias que planejavam construir grandes prédios de apartamentos destinados a famílias de alto status econômico. Em conjunção com a forte subida da taxa de crimes ligados ao tráfico de drogas e o aumento dos controles policias nas entradas e dentro do bairro, esses conflitos de posse de terra contribuíram para exacerbar as tensões entre os grupos socialmente distantes vivendo em proximidade geográfica. Por último, o bairro de Vila Verde, localizado nas franjas do Miolo Urbano, reflete a tendência mais recente de “reaproximação espacial” entre grupos socialmente distantes.

A transformação socioespacial das franjas periféricas da cidade segue a estratégia da criação de novos polos de concentração espacial das camadas altas, que compreendem tanto a construção de condomínios fechados de alto padrão quanto a instalação de zonas de entretenimento e corporate business towers — como o Hangar Business Park — e investimentos públicos-privados em infraestrutura viária. Além do que aqui pode será denominado Polo Alphaville 2, localizado fora do tradicional vetor de expansão das classes média e alta, discerne-se o Polo Horto Bela Vista, localizado na fronteira entre o Miolo Urbano e a região do Centro de Salvador, conforme ilustrado pela Figura 4:

Figura 4
O Polo Alphaville 2 e o Polo Horto Bela Vista em Salvador

Considerando-se a concentração de desvantagens estruturais na escala do bairro assim como o grau de vulnerabilidade social das populações dos cinco bairros - conforme apresentado pela Tabela 2 — levanta-se a hipótese que existe um maior impacto negativo do efeito-território nas condições de vida dos moradores dos bairros periféricos São João do Cabrito e Fazenda Grande II/Jaguaripe, inseridos em regiões homogeneamente mais pobres (cf. Figuras 1 to 2).

Tabela 2
Perfil sociodemográfico e vulnerabilidade das populações dos cinco bairros

No total, foram conduzidas cem entrevistas semiestruturadas entre julho e outubro de 2018, cada uma com aproximadamente uma hora de duração, em distintos locais e em diferentes horários, abordando-se as pessoas na rua ou as visitando em suas respetivas casas por meio da intermediação de líderes comunitários. Procurava-se selecionar um número equânime de entrevistados representando as três faixas etárias: menos que 18 anos, de 18 a 65 anos e mais que 65 anos, no intuito de facilitar a comparação entre os cinco locais (cf. Tabela 3).

Tabela 3
Perfil socioeconômico dos entrevistados

A escolha intencional de uma maior proporção de entrevistados da faixa entre 18 e 65 anos na amostra se justifica à luz da assunção que eles já se encontram inseridos no mercado de trabalho formal/informal. Pressupõe-se que podem fornecer importantes informações sobre suas relações empregatícias com os condomínios fechados vizinhos, um dos aspectos chave deste estudo.

Realizou-se uma primeira rodada de dez entrevistas que seguia uma estrutura de questões mais aberta e já oferecia primeiros insights sobre o contexto sócio-residencial dos entrevistados. Esse procedimento facilitou a elaboração do questionário final8 8 O questionário se encontra no anexo deste artigo. , que serviu como ponto de partida para a segunda rodada de entrevistas, enfatizando-se os aspectos considerados mais relevantes. A estrutura semiaberta das entrevistas nos permitia cobrir um maior espectro de assuntos relacionados ao efeito-território, que variavam principalmente em função do ciclo de vida do entrevistado, e de identificar as estruturas comuns na construção social da sua realidade (LUCKMANN e BERGER, 1991LUCKMANN, Thomas; BERGER, Peter L. The Social Construction of Reality: A Treatise in the Sociology of Knowledge. Londres: Penguin Books, 1991.). Posteriormente as entrevistas foram transcritas e submetidas à análise de discurso (incluindo-se a primeira rodada).

Seguindo as considerações epistemológicas de Burawoy (1998)BURAWOY, Michael. “The Extended Case Method”. Sociological Theory, vol. 16, n. 1, pp. 4-33, 1998. sobre o estudo de caso, partimos da hipótese de que a análise de pequenas amostras, como a nossa, pode promover importantes insights sobre “casos atípicos” (SMALL, 2009SMALL, Mario Luis. “How Many Cases Do I Need?’: On Science and the Logic of Case Selection in Field Based Research.” Ethnography, vol. 10, n. 1, pp. 5-38, 2009.) que permitem a reconstrução do conceito de efeito-território no contexto brasileiro. O mérito da aproximação qualitativa ao efeito-território se torna particularmente relevante se for levado em consideração que as distintas articulações entre os grupos socialmente distantes vivendo em proximidade geográfica não podem ser adequadamente analisadas à base de dados censitários (Idem, 2004, 2009).

Discutindo os mecanismos do efeito-território

O estudo corrobora que o impacto negativo do efeito-território nas condições de vida dos entrevistados varia em função dos seguintes fatores: distância geográfica do mercado de trabalho, índice de vulnerabilidade social da população (cf. Tabela 2) e concentração de desvantagens estruturais (cf. figuras 1 to 2) na escala do bairro, observando-se uma maior incidência nos bairros periféricos São João do Cabrito e Vila Verde. Evidenciam-se estreitas causalidades entre as dimensões material, social e simbólica do efeito-território, sendo que, por exemplo, deficiências em termos de segurança pública impactam negativamente a procura de emprego, os padrões de sociabilidade, a capacidade de collective efficacy e a percepção dos entrevistados acerca do seu bairro de residência. Inferindo a partir dos resultados empíricos, serão discutidos a seguir três mecanismos que podem explicar a variabilidade do impacto do efeito-território nas cinco localidades analisadas: 1) alterações no sistema primário de suporte, 2) impacto do crime e 3) estigmatização da população.

O primeiro mecanismo se atrela tanto a fatores espaciais, abrangendo a concentração de altos níveis de desemprego e o declínio dos recursos institucionais, quanto a transformações macrossociais, englobando a reestruturação do mercado laboral, as mudanças na composição da família e um generalizado declínio da mobilização coletiva dos moradores em favor de um ethos mais individualista. Com exceção do Bate Facho e da Fazenda Grande II/Jaguaripe, os entrevistados afirmam que os vizinhos raramente prestam algum tipo de suporte material e social, apontando a quebra de confiança com pessoas que se envolveram com o tráfico de drogas.

O enfraquecimento do sistema primário de suporte e reciprocidade também deve ser explicado à luz do aumento da participação da força de trabalho feminino no mercado de trabalho (CARR, 2003CARR, Patrick J. “The New Parochialism: The Implications of the Beltway Case for Arguments Concerning Informal Social Control”. American Journal of Sociology, vol. 108, n. 6, pp. 1249-1291, 2003.). Obteve-se uma avaliação mais positiva acerca da vitalidade do sistema primário de suporte no Bate Facho — com altos níveis de desemprego e onde uma grande parte das mães se encontra em casa durante o dia — que contrasta com o enfraquecimento dessa estrutura de suporte em São João do Cabrito, bairro que acusa maiores taxas de ocupação profissional do segmento feminino.

Evidenciando maiores convergências com o contexto urbano americano (SAMPSON, 2019SAMPSON, Robert J. “Neighbourhood Effects and Beyond: Explaining the Paradoxes of Inequality in the Changing American Metropolis”. Urban Studies, vol. 56, n. 1, pp. 3-32, 2019.), o Bate Facho demonstra que a baixa capacidade de mobilização política — de crucial importância para a reinvindicação de investimentos públicos em infraestrutura e serviços públicos locais — prejudica a integração socioeconômica da população, principalmente considerando a falta de escolas e creches locais. Particularmente no caso de São João do Cabrito se confirma o efeito negativo da privação dos recursos institucionais. Por um lado, esse vacuum institucional deixado pelo Estado foi sendo preenchido pelas igrejas, que promovem uma série de recursos (não) materiais ao seus membros. Contudo, as igrejas evangélicas falham em fortalecer a capacidade de coesão interna da comunidade, dada a forte concorrência entre as distintas congregações. Por outro lado, a ausência do Estado foi preenchida por estruturas criminosas que se infiltraram na organização social da comunidade. Essa situação se comprova também no caso de Vila Verde, enquanto a grande vitalidade do sistema primário de suporte observado no Bate Facho beneficia o acesso a recursos (não) materiais em situações de emergência e fortalece a capacidade de collective efficacy da comunidade. É importante ainda ressaltar a importância das distintas associações comunitárias e ONGs distribuídas nos bairros analisados, que proporcionam uma rede de apoio às famílias mais pobres e se contrapõem às tendências de enfraquecimento do sistema primário de suporte. O papel-chave que incumbe aos líderes comunitários se torna particularmente evidente no caso de Calabar, com uma forte tradição de reinvindicação política e mobilização coletiva.

O segundo mecanismo remete ao impacto do crime na integração econômica do indivíduo, em seus padrões de sociabilidade, nas formas de organização social da comunidade e na imagem territorial do bairro. Virtualmente todos os entrevistados — excetuando-se os moradores do bairro Fazenda Grande II/Jaguaripe — declaram estar sofrendo o impacto do crime em suas rotinas diárias. Sendo assim, a violência estrutura o quotidiano de parte da população moradora desses bairros, onde dominam os grupos armados no controle social. A exposição a grupos de pares afiliados ao tráfico de drogas afeta principalmente os segmentos mais jovens de Vila Verde e São João. Já no Calabar e no Bate Facho são, respectivamente, as instituições públicas e privadas e o sistema de suporte entre os vizinhos que logram mitigar esse efeito.

Essa primeira observação se alinha ao argumento de Carr (2003)CARR, Patrick J. “The New Parochialism: The Implications of the Beltway Case for Arguments Concerning Informal Social Control”. American Journal of Sociology, vol. 108, n. 6, pp. 1249-1291, 2003., que postula que o controle social informal também pode ser eficiente em bairros não caracterizadas por densos vínculos sociais, mas onde organizações comunitárias facilitam a ação do controle do crime. Esses resultados frisam a importância da esfera paroquial do controle social informal (HUNTER, 1985HUNTER, Albert D. “Private, Parochial and Public Social Orders: The Problem of Crime and Incivility in Urban Communities”. In: SUTTLES, Gerald D.; ZALD, Mayer (orgs). The Challenge of Social Control. Norwood, NJ: Ablex Publishers, 1985, pp. 230-242.) na prevenção do crime no bairro, considerando-se que a variabilidade entre os cinco bairros analisados se atrela à existência e atuação de associações filantrópicas locais. Já a segunda observação aponta a grande relevância dos vínculos primários tecidos no âmago da família e vizinhança em bairros que apresentam deficiências em termos de acesso a serviços urbanos e onde carece de infraestrutura social e cultural, se esses fatores se conjugam com baixos níveis de violência, como observado no Bate Facho. No entanto, a esfera privada do controle social informal se vê substancialmente enfraquecida em São João do Cabrito, acusando altos níveis de violência — essa dinâmica se vê agravada pela falta de associações filantrópicas e pelo baixo grau de mobilização política da comunidade.

O controle social informal assentado na esfera paroquial alcança um maior grau de eficiência em comunidades menos pobres onde os segmentos com maior poder aquisitivo também contribuem na manutenção das instituições locais, conforme demonstram os casos de Fazenda Grande II e Calabar. Em diferença ao contexto urbano americano, iniciativas de prevenção ao crime partindo da esfera pública do controle social informal não desempenham um papel de destaque no combate ao crime nas comunidade mais pobres. Nesse caso, o crime e o medo disseminado pelos traficantes minam a cooperação com a polícia local e produzem o retraimento do indivíduo da vida comunitária, ao mesmo tempo que favorecem ações individualistas de autoproteção, como a instalação de dispositivos de proteção na casa e o evitamento de determinadas localidades disputadas pelo tráfico de drogas. Essa falta da capacidade de desenvolver estratégias junto aos órgãos públicos — neste caso com a polícia — se revela particularmente em São João do Cabrito, onde se obtiveram os indicadores mais elevados de reprovação das ações de intervenção da polícia.

O estudo também evidencia que a prevalência de redes primárias tecidas no âmago da família e da vizinhança podem impedir o estabelecimento do controle social informal: embora exista muita conectividade entre os moradores com base em redes sociais densas, não se comprova automaticamente um maior grau de controle social informal ou de monitoramento de comportamentos desviantes. O alcance limitado das redes sociais densas tecidas entre membros íntimos de vizinhança na sua função de promover o controle social informal também é apontado por Zaluar e Ribeiro (2010) no contexto do subúrbio carioca. As autoras mostram que os vínculos sociais facilitam a integração social na escala local no bairro ao mesmo tempo que fomentam a emergência de estruturas informais que impedem os esforços dos habitantes de se livrar de grupos de delinquentes.

A pesquisa revela ainda que a situação de contiguidade espacial entre grupos socialmente distantes pode agudizar os conflitos entre rico e pobre em função do maior controle nas regiões “fronteiriças”, exercido tanto pela polícia como pelos vigilantes privados dos condomínios. Nesse caso, foi reportada uma série de abusos de poder e de práticas discriminatórias ocorrendo nos espaços públicos localizados entre os bairros pobres e os de classe média e alta. Situações de conflito foram relatadas particularmente em Bate Facho, onde a polícia foi responsabilizada por ter matado dois jovens que supostamente teriam “invadido” o espaço de entrada de dois condomínios de luxo no Imbui. Nesse caso, a violência se superpõe ao crescente número de mortes de pessoas inocentes por bala perdida que se produzem nas recorrentes incursões policiais em São João de Cabrito, Bate Facho e Vila Verde e que, em sua grande maioria, não chegam a ser investigadas. Ao mesmo tempo que existe um controle reforçado nos espaços públicos e nas “áreas intermediárias” localizadas entre os bairros pobres e os de classe média e alta, é importante considerar que são particularmente os moradores dos bairros de elite que compram as drogas ilícitas nos seus bairros vizinhos, em pontos de venda considerados de seguro de acesso.

O terceiro mecanismo se atrela à estigmatização territorial da população. A forte associação entre atributos sociais e espaciais na avaliação do “outro” favorece a reprodução de distintas práticas de discriminação territorial, uma situação que afeta negativamente a procura de emprego e a interação com indivíduos não residentes do bairro.

Conquanto vivendo em proximidade geográfica, barreiras físicas mantêm as distâncias sociais entre os moradores dos três bairros populares e os habitantes dos condomínios fechados vizinhos: muros, cercas, entradas protegidas e vigilantes privados patrulhando as ruas adjacentes aos condomínios fechados impedem o acesso a não residentes. O ambiente construído, como a Avenida Centenário (Calabar), e barreiras naturais, como a densa floresta tropical que separa o bairro Vila Verde do condomínio de luxo Alphaville 2, dificultam as trocas de sociabilidade entre os grupos socialmente distantes. No entanto, é oportuno diferenciar o Calabar, inserido em uma região que oferece uma ampla gama de espaços públicos e de lazer, do Vila Verde. Neste, a ausência de espaços públicos e o alto grau de isolamento espacial do Alphaville 2 virtualmente impossibilitam as articulações entre grupos socialmente distantes. Já no Bate Facho, muitos moradores atravessam livremente o Imbui para se deslocar para os pontos de metrô e de ônibus margeando a Av. Luis Viana Filho.

Nos três bairros populares em apreço, as fronteiras assumem um caráter mais simbólico: um ponto de ônibus, um posto de gasolina, um bar ou um prédio abandonado são delimitações facilmente reconhecidas pelos moradores. No entanto, apesar da ausência de barreiras físicas ou de pessoas armadas controlando a entrada dos bairros, não residentes raramente entram nesses bairros, conforme apontado pela maioria dos entrevistados.

Em nosso estudo qualitativo, a proximidade a bairros de classe média e alta foi tratada como variável condicional (SMALL, 2004SMALL, Mario Luis. Villa Victoria: The Transformation of Social Capital in a Boston Barrio. Chicago: The University of Chicago Press, 2004., 2009SMALL, Mario Luis. “How Many Cases Do I Need?’: On Science and the Logic of Case Selection in Field Based Research.” Ethnography, vol. 10, n. 1, pp. 5-38, 2009.), suscetível de alterações ao longo do tempo, como demonstra o caso do Bate Facho. Por um lado, o estudo apontou que, apesar da proximidade a serviços urbanos de alta qualidade, permanecem os mecanismos de segmentação social, como a bifurcação entre um sistema público e outro privado com respeito aos cuidados de saúde, educação e segurança. Nesse sentido, o potencial mitigador que emana da proximidade a bairros de classe média e alta varia em função das possibilidades do uso compartilhado do espaço urbano e do grau de isolamento físico dos condomínios fechados. Apenas no Calabar se comprova a hipótese das geografias de oportunidades (GALSTER, 2007GALSTER, George. “Neighbourhood Social Mix as a Goal of Housing Policy: A Theoretical Analysis”. European Journal of Housing Policy, vol. 7, no. 1, pp. 19-43, 2007.). Essas oportunidades se limitam essencialmente à dinamização das articulações interclasse — pelo uso compartilhado de determinados espaços de lazer e áreas públicas — que beneficia a integração econômica dos seus moradores, nomeadamente por meio da venda informal de bens não duráveis. Contudo, essa vantagem locacional está mais atrelada à localização estratégica do bairro em proximidade ao centro da cidade, que recebe maiores investimentos em serviços públicos, do que ao uso desses serviços junto aos estratos sociais mais altos — que recorrem a serviços privados. Convém ressaltar que não se comprovaram as geografias de oportunidades em relação ao fortalecimento do controle social informal da população local e à exposição a modelos de referência social da classe média, dada a falta de trocas de sociabilidade entre os grupos socialmente distantes, abstraindo-se da esfera empregatícia. Nesse último caso, o estudo demonstra que o setor de serviços desempenhados nos condomínios de elite vizinhos ainda constitui uma grande oportunidade de integração econômica. No entanto, convém destacar que as pessoas que declararam trabalhar nesse setor não desempenham sua atividade profissional necessariamente nos bairros vizinhos de classe média e alta, precisando em muitas ocasiões se deslocar para bairros mais distantes. A maior proporção de pessoas trabalhando fora do bairro se alcança em Calabar, bairro estrategicamente localizado na região central da cidade, enquanto a menor proporção de pessoas trabalhando fora do seu bairro se evidencia no caso de Fazenda Grande II/Jaguaripe, onde a infraestrutura comercial local proporciona amplas oportunidades de integração econômica.

Por outro lado, o estudo evidencia que a relação de imbricação funcional pelo viés empregatício não pode ser interpretada como resultado “invariável” da proximidade geográfica entre grupos socialmente distantes, conforme assumido por Sabatini e Salcedo (2007)SABATINI, Francisco; SALCEDO, Rodrigo. “Gated Communities and the Poor in Santiago, Chile: Functional and Symbolic Integration in a Context of Aggressive Capitalist Colonization of Lower-Class Areas”. Housing Policy Debate, vol. 18, n. 3, pp. 577-606, 2007.. Conforme as pessoas entrevistadas, grande parte da população do Calabar e do Bate Facho se beneficiou no passado de uma elevada demanda de mão de obra não qualificada tanto na construção civil dos prédios de condomínios da classe média e alta como no ramo dos serviços pessoais. Todavia, os moradores entrevistados atestam um enfraquecimento dessa relação “simbiótica” que — em contraste com os contextos americano e europeu — havia promovido a integração de famílias pobres no mercado laboral formal e informal. Nesse contexto, elencaram-se dois principais motivos que contribuíram para o declínio das relações econômicas entre ricos e pobres: a subida das taxas de crime violento e a gradativa exclusão dos moradores pobres dos espaços públicos.

O estudo comprova que distintos mecanismos e processos operando na escala do bairro interferem nas condições de vida de forma heterogênea, tratando-se, portanto, de uma condicionalidade do efeito-território que se revela particularmente em estudos comparativos em que as desvantagens estruturais que impactam a vida dos indivíduos são similares. Por exemplo, as estruturas do crime organizado interferem a princípio nos três bairros e podem ser consideradas um dos principais mecanismos operacionais de um efeito-território. No entanto, seu impacto se vê condicionado pela prevalência de recursos institucionais (Calabar), pela presença de redes densas e coesas de vizinhança (Bate Facho) ou pela ausência desses dois elementos atenuantes (São João do Cabrito).

A aproximação condicional à pobreza estipula que bairros comportando uma população de perfil socioeconômico baixo não são internamente homogêneos. Do mesmo modo, os indivíduos não se vêem afetados igualmente pelo contexto sócio-residencial em que se inserem. No entanto, a associação causal entre os fatores atrelados à escala do bairro e os que se reportam ao próprio indivíduo não pode ser considerada arbitrária, conforme comprovamos em nosso estudo de caso comparativo, mas se norteia por determinadas estruturas similares (SMALL e NEWMAN, 2001SMALL, Mario Luis; NEWMAN, Katherine. “Urban Poverty After the Truly Disadvantaged: The Rediscovery of the Family, the Neighborhood, and Culture”. Annual Review of Sociology. Palo Alto, vol. 27, pp. 23-45, 2001.; SMALL e FELDMAN, 2012SMALL, Mario Luis; FELDMAN, Jessica. “Ethnographic Evidence, Heterogeneity, and Neighbourhood Effects after Moving to Opportunity”. In: Neighbourhood Effects Research: New Perspectives. Berlim: Springer, 2012, pp. 57-77.). Por exemplo, a escassez de recursos institucionais em um bairro afeta de forma diferenciada as condições de vida dos seus moradores, mas ainda apresenta estruturas similares se for contrastado com um bairro tendo mais recursos institucionais. Considerada sob a premissa da condicionalidade do efeito-território, a pobreza do bairro pode ser associado ou à escassez de recursos institucionais ou à sua prevalência.

A análise comparativa entre, de um lado, bairros populares cercados por bairros de elite e, de outro, bairros populares localizados nas regiões periféricas de Salvador sugere que o papel explicativo do “efeito de alavanca” da proximidade espacial a bairros das classes média e alta para a integração socioeconômica dos indivíduos pobres deve ser relativizado. A pesquisa demonstra que as variações encontradas em relação ao impacto do efeito-território remetem principalmente às disparidades intrínsecas à própria organização socioespacial da cidade, dizendo respeito ao acesso a mercados de trabalho e serviços urbanos de alta qualidade.

Esses achados empíricos têm importantes implicações para a elaboração de políticas que, em vez de guiar-se pelas premissas dos people-based ou place-based policies, deveriam se assentar em uma aproximação mais holística às desigualdades sociais, ou seja, em alinhamento com o indirect approach (SAMPSON, 2012SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012.). Em particular, a segmentação social — que favorece a reprodução de distintas práticas de discriminação e preconceitos que resultam da ausência de contato com o “outro” — precisa ser examinada a partir de fatores que abstraem da dimensão microssocial (BUTLER e ROBSON, 2003BUTLER, Tim; ROBSON, Garry. “Plotting the Middle Classes: Gentrification and Circuits of Education in London”. Housing Studies, vol. 18, n. 1, pp. 5-28, 2003.; WACQUANT, 2016WACQUANT, Loïc. Urban Outcasts: A Comparative Sociology of Advanced Marginality. Cambrigde: Polity Press, 2016.).

Abrem-se, assim, interessantes caminhos para aprofundar nosso entendimento acerca das articulações entre grupos socialmente distantes vivendo em proximidade espacial com base no conceito de “mundos de viver” de Husserl (1970)HUSSERL, Edmund. The Crisis of European Science and Transcendental Phenomenology: An Introduction to Phenomenological Philosophy. Evanston: Northwestern University Press, 1970., atentando-se para o fato que as articulações entre os moradores dos três bairros e os habitantes dos condomínios vizinhos de elite se atrelam às percepções subjetivas sobre as possibilidades de participação socioeconômica e às próprias barreiras do ambiente construído (DAVIDSON, 2010DAVIDSON, Mark. “Love thy Neighbour? Social mixing in London’s gentrification frontiers”. Environment and Planning, Thousand Oaks, vol. 42, n. 3, pp. 524-544, 2010.). Marcuse e Van Kempen (2000)MARCUSE, Peter; VAN KEMPEN, Ronald. “Conclusion”. In: MARCUSE, Peter; VAN KEMPEN, Ronald (orgs). Globalizing Cities: A New Spatial Order? Malden: Blackwell Publishing, 2000, pp. 249-275. introduziram o conceito de layered city para descrever as estruturas de segregação em grandes cidades, que remete à superposição de distintas formas de apropriação espacial e temporal de esferas de vida (layers) pelo indivíduo. Em nosso estudo, os moradores dos bairros Calabar, Bate Facho e Vila Verde e os habitantes dos condomínios vizinhos convergem fisicamente na esfera de trabalho (funcionários dos condomínios, dos shoppings e hotéis), enquanto se mantêm inalteradas as distâncias nas demais esferas, como lugar de moradia, acesso a serviços urbanos e de lazer etc. O conceito de layered city aponta que as configurações de proximidade espacial entre grupos socialmente distantes, surgidas no processo de crescimento espacial das cidades brasileiras, não favorece automaticamente a integração socioeconômica das camadas baixas.

Considerações finais

Neste estudo, examinou-se o impacto do efeito-território na integração socioeconômica dos moradores de cinco bairros populares de Salvador, Bahia, partindo-se de uma leitura comparativa das contribuições teórico-metodológicas acerca desse conceito na sociologia americana, europeia e brasileira.

Recorrendo ao método do estudo de caso estendido (BURAWOY, 1998BURAWOY, Michael. “The Extended Case Method”. Sociological Theory, vol. 16, n. 1, pp. 4-33, 1998.; YIN, 2014YIN, Robert K. Case Study Research: Design and Methods. Londres/Thousand Oaks: Sage Publications, 2014.), a pesquisa se concentrou na análise das articulações entre grupos socialmente distantes vivendo em proximidade geográfica. Conforme demonstrado pelas figuras 1 to 2, uma maior fragmentação da organização socioespacial — que também se comprova em outras cidades latino-americanas (CALDEIRA, 2000CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.; JANOSCHKA, HIDALGO e SALINAS, 2016; LÓPEZ-MORALES, 2015LÓPEZ-MORALES, Ernesto. “Gentrification in the Global South”. City, vol. 19, n. 4, pp. 564-573, 2015.; RUIZ-RIVERA e VAN LINDERT, 2016RUIZ-RIVERA, Naxhelli; VAN LINDERT, Paul (orgs). “Special Issue: Urban Segregation in Latin America”. Habitat International, Hoboken, vol. 54, n. 1, pp. 1-94, 2016.) — também pode ser evidenciada no caso de Salvador. Esse padrão de segregação na escala “microssocial” (SABATINI, CÁCERES e CERDA, 2001SABATINI, Francisco, CÁCERES, Gonzalo; CERDA, Jorge. “Segregación residencial en las principales ciudades chilenas: Tendencias de las tres últimas décadas y posibles cursos de acción”. Scripta Nova, Barcelona, vol. 8, n. 146, pp. 21-42, 2001.) deve ser compreendido tanto como característica intrínseca ao desdobramento espacial da cidade desde o período colonial, quanto como resultado mais recente da construção de condomínios fechados de elite em regiões majoritariamente habitadas pelas classes baixas (cf. Figura 4). Diferentemente dos contextos americano e europeu, as configurações de proximidade espacial entre grupos socialmente distantes emergiram sem a intervenção do governo municipal, por meio de políticas de dessegregação ou de social mixing; convém ressaltar que grande parte da população pobre de Salvador ainda se concentra nas regiões periféricas da cidade (CARVALHO e ARANTES, 2021CARVALHO, Inaiá M. M.; ARANTES, Rafael. “‘Cada qual no seu quadrado’: Segregação socioespacial e desigualdades raciais na Salvador contemporânea”. Revista Eure, Santiago de Chile, vol. 47, n. 142, pp. 49-72, 2021.; CARVALHO e PEREIRA, 2014CARVALHO, Inaiá M. M.; PEREIRA, Gilberto Corso (orgs). Salvador: Transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2014.), conforme demonstra o caso de São João do Cabrito.

Essa proximidade espacial a bairros das classes média e alta favorece a integração socioeconômica das populações pobres no seu entorno? O estudo sugere uma interpretação cautelosa dessa relação “virtuosa” de proximidade entre grupos socialmente distantes, dado que apenas sob determinadas condições (SMALL, 2004SMALL, Mario Luis. Villa Victoria: The Transformation of Social Capital in a Boston Barrio. Chicago: The University of Chicago Press, 2004., 2009SMALL, Mario Luis. “How Many Cases Do I Need?’: On Science and the Logic of Case Selection in Field Based Research.” Ethnography, vol. 10, n. 1, pp. 5-38, 2009.) as chances de integração socioeconômica se vêem potenciadas.

Não obstante a maior “dispersão espacial” da pobreza em certas regiões da cidade, que se produziu a partir da construção de condomínios fechados de elite em regiões habitadas pelas camadas baixas, uma ampliação das geografias de oportunidades apenas se evidencia no bairro Calabar, localizado em uma região central da cidade onde há tradicionalmente maior inserção socioeconômica dos habitantes. Entretanto, as articulações sociais e econômicas entre os grupos socialmente distantes diminuem significantemente no caso do Bate Facho e se tornam praticamente inexistentes em Vila Verde, nomeadamente por dois motivos: 1) a falta de espaços públicos, que se conjuga com o forte isolamento físico dos condomínios fechados, e 2) elevadas taxas de criminalidade, que contribuem para a estigmatização territorial das populações locais.

O estudo sugere a ampliação de pesquisas qualitativas que examinem as consequências das recentes alterações nos padrões de segregação residencial a partir das articulações econômicas, sociais e simbólicas entre grupos socialmente distantes em diferentes cidades brasileiras ou latino-americanas para verificar se mecanismos e processos similares operam em outros contextos de segregação residencial. No panorama de estudos brasileiros, persiste uma lacuna de análise das distintas articulações entre grupos socialmente distantes em regiões periféricas onde se observa uma crescente construção de condomínios fechados de elite (RUIZ-TAGLE, 2016RUIZ-TAGLE, Javier. “La Persistencia de la segregación y la desigualdad en barrios socialmente diversos: Un estudio de caso en la Florida”. Revista Eure, vol. 42, n. 125, pp. 81-108, 2016.). Nesse caso, a comparação entre o bairro Vila Verde, localizado ao lado do Alphaville 2, e os bairros pobres Iapi ou Pau Miúdo, ambos acusando altas taxas de homicídios e localizados nas imediações do Polo Horto Bela Vista (cf. Figura 5), poderia oferecer importantes insights sobre as possibilidades de integração socioeconômica das populações pobres vis-à-vis seu entorno geográfico, tangenciado por importantes transformações socioespaciais.

Figura 5
Novos polos de concentração da classe média e alta em Salvador

Seria interessante também integrar no estudo qualitativo entrevistas com moradores dos condomínios de elite, para avaliar como eles percebem a situação de contiguidade entre ricos e pobres no seu dia a dia.

Notas

  • 1
    O conceito de efeito-território se define como as desvantagens socioeconômicas que impactam negativamente as condições de vida do indivíduo em função de sua inserção em determinado contexto sócio-residencial (WILSON, 1996WILSON, William J. When Work Disappears: The World of the New Urban Poor. New York: Alfred Knopf, 1996.).
  • 2
    A hipótese das geografias de oportunidades (GALSTER, 2007GALSTER, George. “Neighbourhood Social Mix as a Goal of Housing Policy: A Theoretical Analysis”. European Journal of Housing Policy, vol. 7, no. 1, pp. 19-43, 2007.) pressupõe que a proximidade de populações pobres a grupos sociais de maior status econômico: 1) beneficia as articulações interclasse; 2) promove o acesso a informações sobre vagas de emprego; 3) reforça o controle social informal da comunidade; 4) favorece a exposição a modelos de referência social da classe média; e 5) proporciona melhor acesso a serviços urbanos de alta qualidade.
  • 3
    Adotamos aqui a definição de “estudo de caso” de Yin (2014)YIN, Robert K. Case Study Research: Design and Methods. Londres/Thousand Oaks: Sage Publications, 2014.. É importante ressaltar que, seguindo a premissa da condicionalidade do efeito-território (SMALL, 2004SMALL, Mario Luis. Villa Victoria: The Transformation of Social Capital in a Boston Barrio. Chicago: The University of Chicago Press, 2004., 2009SMALL, Mario Luis. “How Many Cases Do I Need?’: On Science and the Logic of Case Selection in Field Based Research.” Ethnography, vol. 10, n. 1, pp. 5-38, 2009.), nossa pesquisa qualitativa não postula a “universalidade” dos resultados obtidos a partir das entrevistas semiestruturadas. Em vez disso, visa reconstruir, a partir da percepção dos entrevistados, em que medida o contexto sócio-residencial impacta suas condições de vida, em que medida a proximidade a bairros de classe média e alta favorece a integração socioeconômica. Trata-se de um número reduzido de cem entrevistas que não alcançam representatividade suficiente em relação ao número total de habitantes em cada bairro, fato que inviabiliza fazer generalizações para as populações inteiras dos cinco locais estudados. Não obstante, por tratar-se de entrevistas norteadas por um roteiro de questões unificado (guiadas pela mesma hipótese de trabalho), essa situação de pesquisa pode ser repetida em outros bairros, conferindo maior rigor científico ao método aplicado.
  • 4
    Alternativamente, Massey (2007)MASSEY, Douglas S. Categorically Unequal: The American Stratification System. Nova York: Russell Sage Foundation, 2007. investivaga os mecanismos seculares de segregação racial reproduzidos no mercado imobiliário e nas políticas de habitação, elucidando as relações causais entre a concentração espacial de famílias pobres afro-americanas nos guetos e a discriminação racial. Convém ressaltar que neste estudo parte-se de uma leitura da segregação residencial baseada em critérios socioeconômicos.
  • 5
    Conforme Sampson (2012)SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012., o conceito collective efficacy combina coesão social — a maneira como os vizinhos confiam uns nos outros e compartilham valores — e a confiança mútua com a expectativa compartilhada de controle social informal, conceito compreendido como a maneira em que os vizinhos podem contar com o apoio uns dos outros para manter a ordem pública e monitorar e vigiar as crianças e adolescentes conforme práticas, normas e sanções coletivamente estabelecidas.
  • 6
    Conforme Hunter (1985)HUNTER, Albert D. “Private, Parochial and Public Social Orders: The Problem of Crime and Incivility in Urban Communities”. In: SUTTLES, Gerald D.; ZALD, Mayer (orgs). The Challenge of Social Control. Norwood, NJ: Ablex Publishers, 1985, pp. 230-242., as estratégias de prevenção do crime utilizadas pela comunidade alcançam um maior grau de eficiência se os três niveis de controle social informal — privado, paroquial e público —atuam concomitantemente.
  • 7
    O conceito de collective efficacy não integra a proposta original de Häußermann (2003)HÄUßERMANN, Hartmut. “Armut in der Großstadt. Die Stadtstruktur verstärkt soziale Ungleichheit”. Informationen zur Raumentwicklung, Berlin, vol. 3/4, pp. 143-157, 2003.. No entanto, em nosso estudo de caso o levamos em consideração, já que se pressupõe o forte impacto do crime violento ligado ao tráfico de drogas nas condições de vida dos indivíduos.
  • 8
    O questionário se encontra no anexo deste artigo.

Referências

  • ANDRADE, Luciana Teixeira; SILVEIRA, Leonardo Souza. “Efeito-território: Explorações em torno de um conceito sociológico”. Civitas, Porto Alegre, vol. 13, n. 2, pp. 381-402, 2013.
  • ALMEIDA, Ronaldo; D’ANDREA, Tiaraju. “Pobreza e redes sociais em uma favela paulistana”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 28, pp. 94-106, 2004.
  • BLANC, Maurice. “The Impact of Social Mix Policies in France”. Housing Studies, Hoboken, vol. 25, n. 2, pp. 257-272, 2010.
  • BOLT, Gideon; PHILIPS, Deborah; VAN KEMPEN, Ronald. “Housing Policy, (De)segregation and Social Mixing: An International Perspective”. Housing Studies, Hoboken, vol. 25, n. 2, pp. 129-135, 2010.
  • BORGES, Ângela; CARVALHO, Inaiá Maria Moreira. “Revisitando os efeitos de lugar: segregação e acesso ao mercado de trabalho em uma metrópole brasileira”. Caderno CRH, Salvador, vol. 30, n. 79, pp. 121-135, 2017.
  • BORSDORF, Axel; HIDALGO, Rodrigo; VIDAL-KOPPMANN, Sonia. “Social Segregation and Gated Communities in Santiago de Chile and Buenos Aires: A comparison”. Habitat International, vol. 15, pp. 1-10, 2015.
  • BOURDIEU, Pierre. La distinction: Critique sociale du jugement. Paris: Minuit, 1979.
  • BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
  • BURAWOY, Michael. “The Extended Case Method”. Sociological Theory, vol. 16, n. 1, pp. 4-33, 1998.
  • BUTLER, Tim; ROBSON, Garry. “Plotting the Middle Classes: Gentrification and Circuits of Education in London”. Housing Studies, vol. 18, n. 1, pp. 5-28, 2003.
  • CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: Crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.
  • CHASKIN, Robert J.; JOSEPH, Mark L. “‘Building “Community’ in Mixed-Income Developments Assumptions, Approaches, and Early Experiences”. Urban Affairs Review, Thousand Oaks, vol. 45, n. 3, pp. 299-335, 2010.
  • CARR, Patrick J. “The New Parochialism: The Implications of the Beltway Case for Arguments Concerning Informal Social Control”. American Journal of Sociology, vol. 108, n. 6, pp. 1249-1291, 2003.
  • CARVALHO, Inaiá M. M.; ARANTES, Rafael. “‘Cada qual no seu quadrado’: Segregação socioespacial e desigualdades raciais na Salvador contemporânea”. Revista Eure, Santiago de Chile, vol. 47, n. 142, pp. 49-72, 2021.
  • CARVALHO, Inaiá M. M.; PEREIRA, Gilberto Corso (orgs). Salvador: Transformações na ordem urbana. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2014.
  • CASTELLS, Manuel. A questão urbana Rio de Janeiro: Paz e Terra,1983
  • CHAMBOREDON, Jean-Claude; LEMAIRE, Madeleine. “Proximité Spatiale et Distance Sociale. Les Grands Ensembles et leur Peuplement”. Revue Française de Sociologie, vol. 11, n. 1, pp. 3-33, 1970.
  • CHESHIRE, Paul. Segregated Neighbourhoods and Mixed Communities Rowntree Foundation: York, 2007.
  • CLAMPET-LUNDQUIST, Susan; MASSEY, Douglas S. “Neighborhood Effects on Economic SelfSufficiency: A Reconsideration of the Moving to Opportunity Experiment”. American Journal of Sociology, vol. 114, n. 1, pp. 107-143, 2008.
  • COY, Martin; PÖHLER, Martin. “Condominios fechados und die Fragmentierung der brasilianischen Stadt. Typen, Akteure, Folgewirkungen”. Geographica Helvetica, Zurique, vol. 57. n. 4, pp. 264-277, 2002.
  • DAVIDSON, Mark. “Love thy Neighbour? Social mixing in London’s gentrification frontiers”. Environment and Planning, Thousand Oaks, vol. 42, n. 3, pp. 524-544, 2010.
  • FRIEDRICHS, Jürgen; GALSTER, George; MUSTERD, Sako. “Neighborhood Effects on Social Opportunities: The European and American Research and Policy Context”. Housing Studies, New York, vol. 18, n. 6, pp. 797-806, 2003.
  • GALSTER, George. “Neighbourhood Social Mix as a Goal of Housing Policy: A Theoretical Analysis”. European Journal of Housing Policy, vol. 7, no. 1, pp. 19-43, 2007.
  • GLEDHILL, John; HITA, Maria Gabriela. “Requalificação urbana e despejos em centros novo e anitigo de Salvador”. Caderno CRH, Salvador, vol. 31, n. 82, pp. 39-58, 2018.”
  • HARVEY, David. Justice, Nature and the Geography of Difference Oxford: Blackwell, 1996.
  • HÄUßERMANN, Hartmut. “Armut in der Großstadt. Die Stadtstruktur verstärkt soziale Ungleichheit”. Informationen zur Raumentwicklung, Berlin, vol. 3/4, pp. 143-157, 2003.
  • HÄUßERMANN, Hartmut; KRONAUER, Martin; SIEBEL, Walter. An den Rändern der Städte: Armut und Ausgrenzung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2004.
  • HUNTER, Albert D. “Private, Parochial and Public Social Orders: The Problem of Crime and Incivility in Urban Communities”. In: SUTTLES, Gerald D.; ZALD, Mayer (orgs). The Challenge of Social Control Norwood, NJ: Ablex Publishers, 1985, pp. 230-242.
  • HUSSERL, Edmund. The Crisis of European Science and Transcendental Phenomenology: An Introduction to Phenomenological Philosophy. Evanston: Northwestern University Press, 1970.
  • ICELAND, John. Residential Segregation: A Transatlantic Analysis. Washington, D.C.: Migration Policy Institute, 2014.
  • JANOSCHKA, Michael; BORSDORF, Axel. “Condomínios fechados and barrios privados: The Rise of Private Residencial Neighbourhoods”. In: GLASZE, Georg; WEBSTER, Chris; FRANTZ, Klaus (orgs). Private Neighbourhoods: Global and local Perspectives. Londres: Routledge, 2004, pp. 92-108.
  • JANOSCHKA, Michael; SEQUERA, Jorge; SALINAS, Luis. “Gentrification in Spain and Latin America: A critical dialogue”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 38, n. 4, pp.: 1234-1265, 2014.
  • KEANRS, Ade; MASON, Phil. Mixed Tenure Communities and Neighbourhood Quality, Housing Studies, vol. 22, n. 5, pp. 661-691, 2007.
  • KOWARICK, Lúcio. Viver em risco: Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São Paulo: Editora 34, 2009.
  • LÓPEZ-MORALES, Ernesto. “Gentrification in the Global South”. City, vol. 19, n. 4, pp. 564-573, 2015.
  • LUCKMANN, Thomas; BERGER, Peter L. The Social Construction of Reality: A Treatise in the Sociology of Knowledge. Londres: Penguin Books, 1991.
  • LUDWIG, Jens et al “What Can We Learn about Neighborhood Effects from the Moving to Opportunity Experiment?”. American Journal of Sociology, vol. 114, n. 1, pp. 144-188, 2008.
  • MARCUSE, Peter; VAN KEMPEN, Ronald. “Conclusion”. In: MARCUSE, Peter; VAN KEMPEN, Ronald (orgs). Globalizing Cities: A New Spatial Order? Malden: Blackwell Publishing, 2000, pp. 249-275.
  • MARQUES, Eduardo C. L. “Urban Poverty, Segregation and social networks in São Paulo and Salvador, Brazil”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 39, n. 6, pp. 1067-83, 2016.
  • MASSEY, Douglas S. Categorically Unequal: The American Stratification System. Nova York: Russell Sage Foundation, 2007.
  • MUSTERD, Sako; ANDERSSON, Roger. “Housing Mix, Social Mix and Social Opportunities”. Urban Affairs Review, vol. 40, n, 6, pp. 761-790, 2005.
  • MUSTERD, Sako; ANDERSSON, Roger. “Employment, Social Mobility and Neighborhood Effects: The Case of Sweden”. International Journal of Urban and Regional Research, Hoboken, vol. 30, no.1, pp. 120-140, 2006.
  • MUSTERD, Sako; OSTENDORF, Wim J. “Spatial Segregation and Integration in The Netherlands”. In: SCHöNWäLDER, Karen (org). Residential Segregation and the Integration of Immigrants: Britain, The Netherlands, Sweden. Berlim: Social Science Research Center WZB, 2007, pp. 41-60.
  • MUSTERD, Sako; MARCINZAK, Szymon; VAN HAM, Maarten; TAMMARU, Tiit. “Socio-economic Segregation in European Capital Cities: Increasing Separation between Poor and Rich”. Urban Geography, vol. 38, n. 7, pp. 1062-1083, 2015.
  • NIESZERY, Andrea. Soziale Segregation, Quartierseffekte und Quartierspolitik. Ein deutsch-französischer Vergleich Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade de Berlim, Berlim, 2013.
  • PAUGAM, Serge. Les formes élémentaires de la pauvreté Paris: PUF, 2005.
  • RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. “Segregação residencial e segmentação social: O ‘efeito-vizinhança’ na reprodução da pobreza nas metrópoles brasileiras”. Cadernos Metrópole, São Paulo, vol. 13, n. 1, pp. 47-70, 2005.
  • RIBEIRO, Luiz César de Queiroz. “Metamorfoses da ordem urbana da Metrópole Brasileira: o caso do Rio de Janeiro”. Sociologias, Porto Alegre, vol. 18, pp. 120-160, 2016.
  • RIBEIRO, Luiz César de Queiroz et al (orgs). Desigualdades urbanas, desigualdades escolares Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010.
  • RIBEIRO, Luiz César de Queiroz (orgs). Urban Transformations in Rio de Janeiro Development, Segregation, and Governance Berlim: Springer, 2017.
  • RUIZ-RIVERA, Naxhelli; VAN LINDERT, Paul (orgs). “Special Issue: Urban Segregation in Latin America”. Habitat International, Hoboken, vol. 54, n. 1, pp. 1-94, 2016.
  • RUIZ-TAGLE, Javier. “La Persistencia de la segregación y la desigualdad en barrios socialmente diversos: Un estudio de caso en la Florida”. Revista Eure, vol. 42, n. 125, pp. 81-108, 2016.
  • SABATINI, Francisco, CÁCERES, Gonzalo; CERDA, Jorge. “Segregación residencial en las principales ciudades chilenas: Tendencias de las tres últimas décadas y posibles cursos de acción”. Scripta Nova, Barcelona, vol. 8, n. 146, pp. 21-42, 2001.
  • SABATINI, Francisco; SALCEDO, Rodrigo. “Gated Communities and the Poor in Santiago, Chile: Functional and Symbolic Integration in a Context of Aggressive Capitalist Colonization of Lower-Class Areas”. Housing Policy Debate, vol. 18, n. 3, pp. 577-606, 2007.
  • SAMPSON, Robert J. Great American City: Chicago and the Enduring Neighborhood Effect. Chicago: University Press, 2012.
  • SAMPSON, Robert J. “Neighbourhood Effects and Beyond: Explaining the Paradoxes of Inequality in the Changing American Metropolis”. Urban Studies, vol. 56, n. 1, pp. 3-32, 2019.
  • SAMPSON, Robert J.; RAUDENBUSH, Stephen W.; EARLS, Felton. “Neighborhoods and Violent Crime: A Multilevel Study of Collective Efficacy”. Science, vol. 277, n. 5328, pp. 918-924, 1997.
  • SHAW, Clifford R.; MCKAY, Henry D. Juvenile Delinquency and Urban Areas Chicago: University of Chicago Press, 1942.
  • SKOGAN, Wesley G. “Collective Action, Structural Disadvantage and Crime”. Journal of Police Studies, vol. 25, n. 4, pp. 135-152, 2012.
  • SMALL, Mario Luis. “How Many Cases Do I Need?’: On Science and the Logic of Case Selection in Field Based Research.” Ethnography, vol. 10, n. 1, pp. 5-38, 2009.
  • SMALL, Mario Luis. Villa Victoria: The Transformation of Social Capital in a Boston Barrio. Chicago: The University of Chicago Press, 2004.
  • SMALL, Mario Luis; FELDMAN, Jessica. “Ethnographic Evidence, Heterogeneity, and Neighbourhood Effects after Moving to Opportunity”. In: Neighbourhood Effects Research: New Perspectives. Berlim: Springer, 2012, pp. 57-77.
  • SMALL, Mario Luis; NEWMAN, Katherine. “Urban Poverty After the Truly Disadvantaged: The Rediscovery of the Family, the Neighborhood, and Culture”. Annual Review of Sociology. Palo Alto, vol. 27, pp. 23-45, 2001.
  • SMALL, Mario Luis; MANDUCA, Robert; JOHNSTON, William. “Ethnography, Neighborhood Effects, and the Rising Heterogeneity of Poor Neighborhoods across Cities”. City and Community, vol. 17, n. 3, pp. 565-89, 2018.
  • THIBERT, Joel; OSORIO, Giselle Andrea. “Urban Segregation and Metropolitics in Latin America: The Case of Bogotá, Colombia”. International Journal of Urban and Regional Research, vol. 38, n. 4, pp. 1319-1343, 2014.
  • VAN HAM, Maarten D. et al (orgs). Understanding Neighbourhood Dynamics: New Insights for Neighbourhood Effects Research. Dordrecht: Springer, 2012.
  • WACQUANT, Loïc. Urban Outcasts: A Comparative Sociology of Advanced Marginality. Cambrigde: Polity Press, 2016.
  • WILSON, William J. When Work Disappears: The World of the New Urban Poor. New York: Alfred Knopf, 1996.
  • YIN, Robert K. Case Study Research: Design and Methods. Londres/Thousand Oaks: Sage Publications, 2014.
  • ZALUAR, Alba; RIBEIRO, Ana Paula Alves. “Teoria da eficácia coletiva e violência: O paradoxo do subúrbio carioca”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, vol. 1, n. 84, pp. 175-196, 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Abr 2021
  • Aceito
    03 Nov 2021
Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, 1, Sala 109, Cep: 20051-070, Rio de Janeiro - RJ / Brasil , (+55) (21) 3559.1926 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: coordenacao.dilemas@gmail.com