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Na antessala da bancada da bala: Argumentos contra o Estatuto do Desarmamento (2003)

Resumos

As causas para a persistência de patamares elevados de violência na América Latina, e em particular no Brasil, devem ser buscadas na combinação de elementos materiais e simbólicos. O presente texto se concentra nos últimos, analisando como os discursos mobilizados por parlamentares conservadores moldam uma visão de mundo que demanda o uso da força como mecanismo de resolução dos conflitos sociais. Para cumprir esse objetivo, foram selecionadas as falas contrárias ao Estatuto do Desarmamento, legislação de controle de armas aprovada em 2003. No âmbito dessas discussões, começou a tomar forma o grupo que viria a ser conhecido como ‘bancada da bala’, do qual participou o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.

Palavras-chave:
violência; legislativo; discurso; punição; Estatuto do Desarmamento


The causes for the persistence of high levels of violence in Latin America, and particularly in Brazil, must be sought by combining material and symbolic elements. Antechamber of the Bullet Caucus: Arguments against the Statute of Disarmament (2003) focuses on the latter, analyzing how discourses mobilized by conservative parliamentarians shape a worldview that demands the use of force as a mechanism for resolving social conflicts. In order to achieve this objective, the statements against the Disarmament Statute, the arms control legislation approved in 2003, were selected. As part of these discussions, the group that would come to be known as the “bullet caucus” began to took shape, in which the current president of Brazil, Jair Bolsonaro, participated.

Keywords:
violence; legislative; discourse; punishment; anti-guns bill


Introdução

De acordo com o relatório Global Study on Homicide, divulgado pela ONU em julho de 2019, a América Latina é a região mais violenta do mundo1 1 Cabe notar que a medição do número de homicídios é apenas uma das formas de produzir indicadores a respeito das formas de violência nas sociedades contemporâneas. Não obstante, constitui parâmetro importante para comparação entre países. . São aproximadamente 25 homicídios por 100 mil habitantes, diante de uma taxa global de 6,1 por 100 mil habitantes. Apesar de concentrar apenas 8% da população mundial, quase 40% dos homicídios têm lugar ali, a maior parte deles por armas de fogo. Poucos resultam em punição aos responsáveis2 2 São 17,2 por 100 mil homicídios nas Américas, 24,2 por 100 mil na América do Sul e 25,9 por 100 mil na América Central. Dados disponíveis (on-line) em: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/gsh/Booklet2.pdf (acesso em 04/12/2019). . Mesmo em meio a tal realidade, o Brasil consta como caso superlativo. Embora exista enorme dificuldade na obtenção e verificação de alguns dados, os disponíveis já são suficientes para constatar o caráter excepcional da violência brasileira. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020), divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, traz números reveladores nesse sentido. Apenas em 2019 foram 47.773 casos de mortes violentas intencionais no país. Desses, 51% eram jovens de até 29 anos e 74%, pretos ou pardos (FBSP, 2020FBSP. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), ano 14, 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-final.pdf
https://forumseguranca.org.br/wp-content...
). O Estado brasileiro, direta ou indiretamente, é um dos principais responsáveis por esses números. Apesar das necessárias ressalvas aos dados oferecidos pelas forças de segurança pública, é possível afirmar que o Estado foi o responsável direto pela morte de pelo menos 6.357 pessoas em 2019, enquanto 172 policiais morreram de maneira violenta em serviço ou fora dele. A taxa de letalidade policial no Brasil supera países considerados extremamente violentos, como Honduras e África do Sul (FBSP, 2020FBSP. Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), ano 14, 2020. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2020/10/anuario-14-2020-v1-final.pdf
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).

A reprodução e atualização dessa violência no tempo precisa ser explicada em suas múltiplas dimensões, desde seus elementos materiais até os registros simbólicos e representações que garantem as condições para que a violência física seja exercida. A produção de informações confiáveis sobre segurança pública é um passo fundamental nessa direção. Não obstante, a questão da violência não parece decorrer apenas de um problema de informação. Sua reprodução cotidiana não é algo que se processa de maneira subterrânea, desconhecida do conjunto da população e dos responsáveis pelas tomadas de decisão nas diversas esferas do poder público. Todos os dias muitas notícias relatam casos de violência. Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni (2012)ZAFFARONI, Raúl Eugenio. “El crimen de Estado como objeto de la criminología”. In: REY, Sebastián Alejandro; FILARDI, Marcos Ezequiel (coords). Derechos humanos: Reflexiones desde el Sur. Buenos Aires: Infojus, 2012., ao falar dos crimes de Estado na América Latina, “todos sabem da existência de feitos atrozes, mas se omite qualquer ação a respeito; não existe desinformação, mas sim negação dos fatos”3 3 Tradução livre do espanhol. (p. 1). Apesar das ressalvas sobre a qualidade da informação, sua transparência e precisão, o problema mais geral da violência é de conhecimento público.

Em estudo sobre a persistência da violência como traço característico das sociedades latino-americanas, Waldo Ansaldi e Veronica Giordano (2014)ANSALDI, Waldo; GIORDANO, Verónica (coords). América Latina: Tiempos de Violencias. Buenos Aires: Ariel, 2014. afirmam que, para além das causas consideradas estruturais, é preciso apreender também as “chamadas ‘condições subjetivas’: consciência, vontade, medo, avaliação da situação histórica por parte dos sujeitos envolvidos” (p. 19). Tais elementos aparecem em diversas pesquisas no Brasil, como demonstram os balanços da área de sociologia da violência listados por Barreira e Adorno (2010)BARREIRA, César; ADORNO, Sérgio. “A violência na sociedade brasileira”. In: MARTINS, Carlos Benedito (coord). Horizontes das ciências sociais no Brasil: Sociologia. São Paulo: Barcarolla, 2010.. Segundo os autores, os levantamentos realizados por Zaluar (1999)ZALUAR, Alba. “Um debate disperso: Violência e crime no Brasil da redemocratização”. São Paulo em Perspectiva, vol. 13, pp. 3-17, 1999. e Kant de Lima, Misse e Miranda (2000)LIMA, Roberto Kant de et al. “Violência, criminalidade, segurança pública e justiça criminal no Brasil: uma bibliografia”. BIB, n. 50, pp. 45-123, 2000. revelaram que há um grupo de intervenções no campo que se dedica às imagens, representações e discursos que circulam na sociedade brasileira acerca do problema da violência.

Assim como a realidade material, os conceitos são reproduzidos e atualizados a cada dia, preservando certos significados construídos ao longo do tempo, agregando novos à sua composição e deixando de lado os que não fazem mais sentido para os atores sociais e políticos que os mobilizam. Dessa forma, é possível afirmar que tanto no plano material como no simbólico, o lugar da violência precisa ser reconstruído a cada dia em nossa sociedade, integrando-se às atualizações da própria noção de ordem que se fazem em cada período histórico. Isso não significa negar seu longo processo de construção e as marcas que obteve do passado, mas afirmar que tais marcas persistem ao encontrarem lugar para acomodarem-se na realidade em permanente transformação.

Assim, o esforço que se desenvolverá neste texto é o de mapear discursos parlamentares4 4 São estes os parlamentares com falas citadas neste artigo: Alceu Collares (PDT), Alberto Fraga (PMDB), Jair Bolsonaro (PSC), Jeferson Peres (PDT), Marcelo Rottes (convidado da audiência), Ney Suassuna (PMDB), Onyx Lorenzoni (PFL), Pedro Piva (PSDB) e Vicente Cascione (PSDB). sobre a temática da violência que contribuam para a construção e reprodução de um enquadramento da realidade que dê suporte às práticas que se repetem dia após dia em nossa sociedade. Isso será feito por meio da análise dos debates em torno do Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003. Tais discussões versam sobre as condições nas quais alguns parlamentares defendem a relativização do monopólio estatal sobre o emprego da violência física, o que só é possível a partir da constatação de que a sociedade se encontra dividida em uma guerra que opõe cidadãos de bem e bandidos. Neste artigo, serão analisados apenas os discursos enunciados pelos parlamentares contrários ao controle de armas, estabelecendo um recorte no debate.

A escolha pelo olhar para a política institucional, e mais especificamente para os debates parlamentares, foi motivada pela ideia de que nesse espaço podem ser encontradas amostras de uma grande variedade de discursos que circulam socialmente. A apreensão e determinação de sua origem parecem tarefas quase impossíveis. Nesse sentido, os debates que se processam no Congresso cristalizam, representam e ao mesmo tempo oferecem novas ferramentas para o debate público, para o conjunto de discursos que circula no dia a dia e opera a legitimação de certas práticas e estruturas sociais, enquanto desautoriza outras. Como o objetivo aqui não é a compreensão de uma doutrina ou do pensamento de algum autor, mas a apreensão de discursos que circulam de maneira menos organizada na sociedade, foi importante tentar encontrar um lugar de fixação desses discursos, ou seja, um conjunto de fontes em que eles pudessem ser observados com clareza, mesmo que sua circulação seja mais ampla. Nenhum dos discursos analisados defende de maneira aberta e direta o emprego da violência física contra cidadãos, mas eles operam uma concepção reduzida de cidadania que deixa uma parcela da população destituída dessa condição, tornando mais difícil seu reconhecimento como sujeitos de direitos. Nesse sentido, o que os discursos aqui apresentados fazem é estabelecer/reverberar as condições para a criação de uma cultura em que a violência seja possível e até mesmo necessária.

O caso selecionado é de particular importância, se observado o contexto político atual. Foi justamente no âmbito daqueles debates, no começo do século XXI, que começou a tomar forma o grupo que viria a ser conhecido no Congresso brasileiro como a “bancada da bala”. Tal grupo se caracterizou por intervir no debate público demandando sempre soluções violentas para os conflitos sociais. Se num primeiro momento constituíram fração minoritária do parlamento, ocupando posição lateral na agenda política, nos últimos anos avançaram enormemente, chegando à Presidência da República na figura de Jair Bolsonaro, um de seus principais expoentes. Assim sendo, o olhar para os debates em torno do Estatuto do Desarmamento lança luz sobre o processo de constituição da identidade política de um grupo que ocuparia posição de enorme relevância na vida do país. Para além disso, pode contribuir para compreender como são produzidos e circulados discursos centrados nas ideias de endurecimento penal, solução violenta dos conflitos sociais e hierarquização da cidadania, comuns não apenas à realidade brasileira, mas também de outros países da América Latina. Após uma breve nota teórico-metodológica sobre a relação entre poder, lei e violência, passaremos à discussão dos debates em torno do estatuto.

Leis, enquadramentos e o lugar do outro

O principal argumento mobilizado pelos parlamentares contrários ao controle de armas no Brasil passa pela afirmação de que o país se encontra em estado de guerra e seus cidadãos de bem, em uma situação de permanente ameaça. Nesse sentido, eles se posicionam como soldados em uma frente de batalha, ainda que simbólica, fundamental para o resultado dos enfrentamentos que marcam a vida social. Por esse motivo, uma breve nota teórico-metodológica, a partir das reflexões de Michel Foucault e Judith Butler, contribui para melhor compreender como os discursos e a lei, entendida como estratégia, têm um papel na defesa do lugar ocupado pela violência em nosso arranjo social.

Ao pensar as relações entre lei, penalidade e poder, Foucault afirma que as leis são sempre formuladas como prescrições de um grupo em relação a outro, considerado perigoso. Essa perspectiva pode ser notada nos debates aqui analisados, em que os parlamentares sempre atentam para a definição dos grupos que serão objetos da lei penal - bandidos, criminosos, jovens infratores. É contra os inimigos que se formulam as leis, e não para combater atos infracionais cometidos pelos pares que podem errar. Se os criminosos passam a ser entendidos como indivíduos que rompem com a sociedade e agridem seus valores fundamentais, como colocado pelo autor, cabe pensar na produção de leis como a reafirmação desses valores e a demarcação de linhas divisórias entre os que os defendem e aqueles que os ameaçam. Essa linha divisória entre os que reafirmam os valores fundamentais da sociedade e os que agridem é determinada, no momento de consolidação do capitalismo, pela relação que os indivíduos têm com a produção.

A percepção dos criminosos como inimigos sociais e o uso das leis como táticas de enfrentamento a eles ilustra a noção de que o poder se exerce, segundo Foucault, em meio a uma guerra civil permanente5 5 Revel (2008) alerta que Foucault usa essa noção de guerra civil em um momento específico de sua obra (1975-1977). . O autor entende que o poder6 6 É sempre preciso alertar para a variação nos sentidos do conceito de poder ao longo do pensamento de Foucault. Outras obras e cursos do autor mobilizam essa noção de maneira diferente da empregada nas referências aqui discutidas. se forja em meio à guerra, e não no momento em que ela cessa. A guerra civil, em sua opinião, é a matriz de todas as lutas pelo poder, das lutas “a propósito do poder e contra ele” (FOUCAULT, 2015FOUCAULT, Michel. A sociedade punitiva: Curso no Collège de France (1972-1973). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015., p. 13). A organização dos Estados e a estrutura jurídica do poder não nasceriam no momento em que a guerra é interrompida, nem mesmo como forma final de imposição da vitória de um grupo sobre o outro. Essas estruturas conviveriam em uma guerra contínua, que não deixa de se processar para que o poder se exerça, mas, antes, representa o próprio contexto no qual ele é exercido.

Mas isto não quer dizer que a sociedade, a lei e o Estado sejam como que o armistício nessas guerras, ou a sanção definitiva das vitórias. A lei não é pacificação, pois, sob a lei, a guerra continua a fazer estragos no interior de todos os mecanismos de poder, mesmo os mais regulares. A guerra é que é o motor das instituições e da ordem: a paz, na menor de suas engrenagens, faz surdamente a guerra. Em outras palavras, cumpre decifrar a guerra sob a paz: a guerra é a cifra mesma da paz. Portanto, estamos em guerra uns contra os outros; uma frente de batalha perpassa a sociedade inteira, continua e permanentemente, e é essa frente de batalha que coloca cada um de nós num campo ou no outro. Não há sujeito neutro. Somos forçosamente adversários de alguém (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005., p. 59).

É importante observar que a afirmação de que não existe sujeito neutro e de que estamos sempre em uma relação de adversidade com outros não implica assumir a guerra civil permanente como um dado da natureza dos indivíduos. A guerra civil permanente não teria, portanto, qualquer relação com a suposta existência de uma natureza humana, sendo mais bem retratada como disputa entre atores coletivos, como “parentes, clientelas, religiões, etnias, comunidades linguísticas, classes etc.” (FOUCAULT, 2015FOUCAULT, Michel. A sociedade punitiva: Curso no Collège de France (1972-1973). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015., p. 27). Mas a guerra civil não apenas é travada por atores coletivos como ela mesma constitui esses grupos. Ela “é o processo através do qual e pelo qual se constituem diversas coletividades novas, que não tinham vindo à tona até então” (FOUCAULT, 2015FOUCAULT, Michel. A sociedade punitiva: Curso no Collège de France (1972-1973). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2015., p. 27).

Ainda que exercer o poder signifique travar a guerra civil, como colocado na passagem acima, isso não quer dizer que as táticas empregadas para o seu exercício se baseiem sempre em instrumentos de coerção apoiados na violência física. A existência de uma dinâmica de guerra entre grupos dá lugar, segundo Foucault, a muitas estratégias de exercício do poder, das quais a construção dos sistemas penais é um exemplo. Mas, se a identificação de um inimigo não permite sua eliminação física pelo simples fato de ser identificado como um inimigo, é preciso compreender em que condições e de que maneira os inimigos do poder podem ser enfrentados. Uma das formas destacadas por Foucault pode ser encontrada no discurso que percebe o criminoso como inimigo da sociedade, transferindo para ela a responsabilidade de resolver o problema dos que a ameaçam. Em um contexto em que a universalidade da cidadania é ligada, no discurso, à própria condição humana e ao pertencimento a uma nação, torna-se impossível identificar e eliminar fisicamente os grupos adversários. Como explicado anteriormente, as táticas empregadas por um grupo para exercer o poder nesse ambiente de guerra civil são outras e complexas. Nesse sentido, é preciso compreender as condições que tornam aceitável matar ou deixar morrer. A chave para essa questão se encontra, segundo Foucault (2005)FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005., no tema do racismo, observado como “estratégia global de todos os conservadorismos sociais” (p. 73). Em um cenário no qual os fins do governo se relacionam com o prolongamento da vida da população, marca das formas de governo baseadas no biopoder, as condições para a eliminação física de alguém dependem de sua classificação como ameaça a esses fins.

Essa questão é abordada por Judith Butler (2016)BUTLER, Judith. Quadros de Guerra? Quando a vida é passível de luto? 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016., a partir de um deslocamento do eixo de análise. Se as considerações sobre a biopolítica que marcaram as abordagens de Foucault e de Agamben (2007)AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: O poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. pensavam a questão da violência partindo do poder, do soberano ou do Estado em direção ao indivíduo, a proposta de Butler é pensar, no nível cultural, como se formam as disposições éticas e afetivas que resultam em distintas apreensões da violência cometida contra diferentes sujeitos. Dito de maneira simplificada, ela se propõe a compreender como determinadas vidas são consideradas dignas de luto e outras não. Pensando nesse tema a partir do contexto das guerras desencadeadas pelos EUA no Oriente Médio, em meio à chamada guerra contra o terror, Butler busca entender por que determinadas mortes causam enorme comoção pública enquanto outras parecem não afetar o curso normal da vida das pessoas não diretamente envolvidas com o caso. A questão para Butler, portanto, é a seguinte: por que algumas vidas são dignas de luto e outras não? Em sua opinião, a diferença na maneira como cada morte é apreendida socialmente resulta de um enquadramento, ou seja, da produção de uma maneira de ver o mundo que não percebe determinadas vidas como vidas que devem ser choradas. A noção de vida digna de luto se relaciona diretamente com a noção de vidas dignas de viver, trabalhada por Agamben. É somente na medida em que uma vida é digna de viver que ela pode ser considerada como perdida e, assim, como digna de luto. De acordo com Butler (2016)BUTLER, Judith. Quadros de Guerra? Quando a vida é passível de luto? 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016., as vidas que estão fora dos enquadramentos epistemológicos que determinam os tipos de vida que são valorizáveis “nunca serão vividas e nem perdidas no sentido dessas palavras” (p. 13. Agamben e Butler coincidem, então, na ideia de que a qualidade de uma vida não pode ser determinada pelo fenômeno natural de um nascimento ou por quaisquer outros tipos de parâmetro exclusivamente biológico, mesmo porque esses também se relacionam com critérios políticos. Os limites que dizem quais vidas são dignas de viver, dignas de luto, são variáveis, uma vez que dependem de alguma formulação do soberano ou da produção de enquadramentos epistemológicos7 7 Os debates sobre enquadramento, assim como as reflexões acerca do discurso, são extensos no campo das ciências sociais. Sem refutar a importância de autores como Bateson (2002) ou Goffman (1974), optou-se aqui por um recorte mais instrumental, que apresentasse algumas ideias facilmente identificáveis posteriormente no curso da análise das fontes selecionadas. , no nível da cultura, que nos permitem apreender a vida nessa condição. A resposta à pergunta sobre o que é uma vida depende de operações de poder, que estabelecem filtros, seleções e critérios para chegar a uma definição.

A partir de tais reflexões, as estratégias de argumentação mobilizadas pelos parlamentares críticos do Estatuto do Desarmamento, analisadas em seguida, se tornam mais inteligíveis. É o argumento centrado na ideia de uma guerra aberta na sociedade entre bandidos e ordeiros que demanda a mobilização de todos os recursos disponíveis para a eliminação dos primeiros. Seja pensando na lei como estratégia ou na produção de discursos que circulam narrativas cujos enquadramentos destituem a dignidade da vida de setores da população, o que se verifica nas fontes estudadas é um movimento que aponta para a definição dos terrenos nos quais a violência deve ser considerada legítima.

Argumentos conservadores contra o Estatuto do Desarmamento (2003) e a afirmação da guerra

Parte expressiva dos trabalhos que se dedicaram aos discursos em torno da questão do armamento civil no Brasil dedicaram seu olhar para a campanha do referendo de 2005 (ESTEVES, 2007ESTEVES, Eulícia. O Brasil diz sim às armas de fogo: Uma análise sobre o referendo do desarmamento. Dissertação (Mestrado em ) - Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2007.; CARVALHO e ESPÍNDULA, 2016CARVALHO, Lauriston de Araújo; ESPÍNDULA, Daniel Henrique Pereira. “Discussões em torno do referendo sobre o comércio de armas de fogo e munição na Folha de S. Paulo”. Opinião Pública, vol. 22, n. 2, pp. 446-465, 2016.). Naquela ocasião, os cidadãos brasileiros foram chamados às urnas para votar acerca de alguns dispositivos presentes em legislação aprovada dois anos antes no Congresso Nacional. Embora dispusesse apenas sobre um dos aspectos aprovados na lei, a proibição da comercialização de armas e munições no país, o referendo ganhou enorme centralidade na agenda pública brasileira no ano de sua realização. Para os fins deste trabalho, deixaremos de lado a campanha pública de 2005 e os atores sociais e políticos que organizaram posições antagônicas naquele momento. Concentraremos nossa atenção no período anterior, no próprio processo de deliberação que deu origem ao Estatuto do Desarmamento, aprovado em 2003. Para tanto, o procedimento de pesquisa aqui adotado consistiu na leitura sistemática das atas de todas as reuniões em que foi discutida essa matéria no âmbito legislativo8 8 As reuniões em que foram feitas falas citadas neste texto estão listadas na Tabela 1, em um anexo deste artigo. . Em outras palavras, todas as sessões de comissões, subcomissões e plenário das duas casas congressuais em que se deliberou sobre o tema do desarmamento civil foram lidas e organizadas de maneira a separar os posicionamentos contrários à matéria e, assim, organizar os argumentos empregados por seus detratores.

Apesar do caráter polêmico observado nos discursos aqui analisados, o debate sobre o Estatuto do Desarmamento foi objeto de relativo consenso nas votações que o aprovaram. A grande maioria dos partidos de peso nas duas casas legislativas apoiaram o projeto, governistas e oposicionistas - tanto no segundo governo Fernando Henrique Cardoso, quando começa a tramitação, como no primeiro governo Lula, quando o projeto foi aprovado. No caso das discussões sobre o desarmamento é difícil, pelo menos nos primeiros momentos, falar em blocos de atuação política bem definidos. A mudança de legislatura em meio ao processo de tramitação (1999-2003) e a passagem por duas casas legislativas torna complicado falar de maneira mais assertiva na formação de um bloco de parlamentares que atuasse unificado na defesa de uma posição conservadora. A posição das lideranças de partido, na grande maioria dos casos, convergiu para a aprovação do texto, ainda que divergindo em aspectos pontuais. As falas dos parlamentares abertamente contrários à matéria foram minoritárias e as figuras que as enunciaram estiveram distribuídas entre diferentes legendas. Não obstante, nas discussões sobre o desarmamento começa a se delinear aquela que depois viria a ser conhecida como a bancada da bala, especialmente na Câmara. Os deputados federais que criticavam o projeto começaram a ser classificados por seus adversários, tanto dentro como fora do parlamento, como lobistas das indústrias fabricantes de armas no país.

Dado o apoio da maioria dos partidos ao projeto, muitas vezes os críticos ao desarmamento civil apresentavam suas oposições na forma de reparos pontuais ao conjunto do texto, em vez de enfrentá-lo globalmente. A principal linha de crítica adotada por alguns parlamentares à iniciativa partia de uma separação entre dois grupos bem definidos na população brasileira: cidadãos de bem e bandidos.

O processo de tramitação

O processo de tramitação da lei que se transformaria no Estatuto do Desarmamento, em dezembro de 2003, começa no ano de 1999, quando o então senador Gerson Camata9 9 Assassinado a tiros em 2018 (RODRIGUES e MARCONDES, 26/12/2018). apresenta o projeto de lei no 292/99. No entanto, antes dessa data houve uma profusão de iniciativas nas duas casas legislativas com o objetivo de restringir em alguma medida o porte, o comércio e a posse de armas por parte da população civil. Segundo Rubem César Fernandes (2005)FERNANDES, Rubem César. Brasil: As armas e as vítimas. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2005., desde o decreto presidencial no 24.602, de 1934, houve uma série de normativas estabelecidas pelo Estado para a produção, comercialização, posse e porte de armas no Brasil. Essa primeira legislação versava apenas sobre a fabricação de armas e munições de guerra, vedando-as a particulares. Em 1980, a portaria ministerial no 1.261, de 17 de outubro, estabelecia a necessidade de registro das armas adquiridas por cidadãos pelas secretarias estaduais de Segurança Pública. Seis anos depois, começou a tramitar no Congresso o projeto de lei que previa a criação de um sistema de registro unificado de armas no país.

Em fevereiro de 1997, o Congresso Nacional aprovou a lei no 9.437, depois de um longo período de tramitação, que estabelecia o Sistema Nacional de Armas (Sinarm). Essa foi a primeira iniciativa aprovada no governo FHC no sentido de diminuir a circulação de armas de fogo no país. Entretanto, o diagnóstico de que o alto número de mortes por armas de fogo deveria ser enfrentado com medidas que restringissem ainda mais o acesso da população civil às armas levou o governo a articular nova ofensiva no parlamento para aprovar uma legislação restritiva. Assim sendo, além do projeto de lei no 292/99, foram apresentados no Senado Federal, ainda em 1999, dois outros projetos, o no 386, de autoria do senador Djalma Falcão e o no 614, de autoria do senador José Roberto Arruda, então líder do governo naquela casa. Naquele momento, o ministro da Justiça era Renan Calheiros, que, mais adiante, ao voltar ao Senado, se tornaria um dos importantes articuladores pela aprovação do novo texto, na condição de relator da matéria na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

O Estatuto do Desarmamento tramitou pelas comissões regulares das duas casas. No Senado, o texto passou pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) e pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Mais adiante, a partir de 2003, a matéria passou também pela recém-criada Subcomissão Permanente de Segurança Pública (SSPJ), antes de ir ao plenário. Já na Câmara, a matéria foi apreciada pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Violência e Narcotráfico (CSPCCOVN) e pela Comissão de Constituição e Justiça e Redação (CCJR) daquela casa. Nesse processo foram ouvidos diversos atores, e não apenas parlamentares, todos constituindo importantes fontes desta pesquisa.

Os esforços para a aprovação de um novo regulamento para o porte, a posse, o comércio e o fabrico de armas de fogo avançaram mais rapidamente a partir de 2003, quando se formulou um substitutivo em comissão mista e aprovou-se um texto no plenário do Senado10 10 Para um olhar em maior detalhe sobre o processo de tramitação do que viria a ser o Estatuto do Desarmamento, ver Benetti (2017). . Os deputados críticos ao desarmamento civil buscaram diversos expedientes para alongar os debates e postergar as votações. A desigualdade na correlação das forças parlamentares envolvidas nas disputas sobre o tema levou os deputados e senadores críticos ao desarmamento civil a adotar uma postura de tentar reformar o texto nos diversos espaços de discussão, diminuindo a extensão das restrições ao acesso da população às armas, em vez de combater frontalmente a iniciativa. Um exemplo disso, discutido adiante, é a defesa de que o porte de armas fosse restringido, enquanto a posse - a prerrogativa de ter uma arma em casa - permanecesse possível.

Os defensores do Estatuto do Desarmamento julgavam que a nova legislação deveria incidir sobre três aspectos: fabrico e comércio, posse e porte de armas. Desses, apenas o último foi amplamente aceito no parlamento, enquanto as restrições impostas aos dois primeiros foram objeto de enorme polêmica. Por fim, cabe destacar que, embora as posições dos parlamentares se apresentassem publicamente através de suas falas nos diversos espaços de deliberação, muitos dos acordos que definiram o ritmo da tramitação e os pontos a serem incluídos ou retirados do texto final foram costurados entre as lideranças dos partidos e as mesas diretoras das duas casas, em reuniões cujo conteúdo não se encontra disponível ao público. A ausência de registro ou publicização dos acordos e deliberações entre os atores políticos envolvidos na aprovação da matéria revela parte do funcionamento real dos espaços de representação, nos quais algumas das reuniões públicas servem apenas como momento de formalização de decisões tomadas em outros fóruns11 11 Cabe ressaltar que, no caso do Estatuto do Desarmamento, há uma importante particularidade no contexto da tramitação: o condicionamento de parte da legislação, relativa ao comércio, à consulta popular por meio de referendo. O referendo de 2005 é tema de farta bibliografia e a reprodução, no espaço público, de muitos dos argumentos aqui analisados confirma a hipótese do trabalho de que esses discursos se apresentam em diversos espaços sociais, podendo ser apreendidos por meio do debate parlamentar. .

Os argumentos

Os argumentos apresentados pelos parlamentares contrários ao desarmamento civil podem ser agrupados em duas categorias: aqueles que são acessórios e trazidos ao debate com menor recorrência e outros de fundo, que aparecem em quase todas as falas contrárias ao projeto, evidenciando a visão de mundo daqueles que os mobilizam.

No primeiro caso, dos argumentos considerados acessórios, discute-se, por exemplo, a relevância da lei diante de uma legislação aprovada em 1997 sobre o tema. Os parlamentares também discutem a incidência da lei sobre um conjunto de particularidades brasileiras, que devem ser levadas em conta em um caso como esse. Os recursos às estatísticas e análises comparadas com outros países tampouco são apresentados como uma necessidade de qualquer produção legislativa. Antes, trata-se de compreender como, nesse caso particular, as estatísticas e os exemplos estrangeiros podem aconselhar a adoção ou não de determinada política. Por fim, o argumento centrado nas perdas econômicas é utilizado com frequência bastante menor do que os demais, não figurando como elemento central da oposição ao estatuto.

A segunda categoria de estratégias discursivas apresentada aqui diz respeito aos argumentos que aparecem com maior frequência nas discussões parlamentares e, além disso, parecem estruturar uma narrativa mais global sobre o que é nossa sociedade e como devem ser resolvidos seus problemas. Embora empregados na discussão sobre o Estatuto do Desarmamento, tais estratégias de argumentação remetem a valores considerados fundamentais pelos parlamentares contrários à lei. Assim sendo, tanto a necessidade de proteção da família e da propriedade como a ideia de uma sociedade legítima em guerra contra os criminosos poderiam servir como ponto de partida para a discussão de outras matérias, especialmente no campo da segurança pública.

Da defesa da família, da propriedade e do direito individual

Todas as estratégias de argumentação empregadas pelos parlamentares contrários ao desarmamento civil apontam para a divisão da sociedade entre cidadãos de bem/honestos e bandidos/criminosos. Nessa clivagem, poucos são os momentos em que os críticos do desarmamento partem para uma definição mais concreta do que significa ser um ou outro. Em todos os casos a argumentação se preocupa em saber o que acontecerá com os cidadãos de bem no caso da aprovação da nova regulamentação sobre a posse, o porte, o comércio e o fabrico de armas no país. Entre os argumentos mobilizados, os que dizem respeito ao direito de legítima defesa são os que melhor evidenciam o conteúdo da ordem a ser defendida e uma posição político-filosófica em favor de certo tipo de indivíduo, que resultará na construção de um enquadramento marcado pela lógica da guerra. Assim sendo, os argumentos sobre o que é legítimo defender dizem sobre os fundamentos mesmos da sociedade que se quer preservar. O apelo ao direito de legítima defesa pode ser dividido analiticamente em dois, ainda que interdependentes e na maioria dos casos empregados em conjunto: primeiramente fala-se no direito individual de cada cidadão e, em seguida, ressalta-se que ele tem o direito de usar todos os meios disponíveis para proteger sua família e sua propriedade.

O Estado deve se organizar melhor para defender o patrimônio do cidadão comum. Por patrimônio entenda-se casa, fazenda, família ou seu pequeno negócio, para cuja vigilância esse cidadão comum não poderá jamais contratar uma empresa de segurança de grande porte, ficando inclusive à mercê de um lobby extraordinário dessas empresas (Piva, ASCCCJCRE, 11/01/2000).

O direito de cada indivíduo à autoproteção decorre tanto da impossibilidade teórica e prática de que o Estado o proteja em todos os momentos de sua vida como da constatação de uma falência institucional no caso particular brasileiro. Em ambos os casos, ressalta-se que o indivíduo deve ter o direito de escolher como se proteger e não cabe ao Estado definir os termos em que essa defesa se dará.

De acordo com a primeira hipótese, ainda que o Estado funcionasse perfeitamente, ele não poderia proteger o espaço privado da vida de cada indivíduo, o que decorreria da própria separação entre público e privado. Não é possível e nem desejável conceber a ideia de que cada casa deve ser protegida por um agente público, sob pena de anulação da privacidade. A partir dessa lógica, no espaço privado de sua vida, o indivíduo deve dispor de todos os meios possíveis para se proteger das eventuais ameaças que venha a sofrer. Esse argumento, em algumas ocasiões, mobilizou a legítima defesa como um direito natural, que seria perseguido e assegurado pelos indivíduos a si mesmos independentemente das regulações que o Estado possa vir a formular.

É uma violência institucional proibir-se que um cidadão que saiba atirar e que preencha os requisitos legais tenha uma arma em sua casa. A polícia tem que proteger o espaço público. A casa é um espaço privado. A polícia não pode estar dentro da casa (PERES, APSF, 24/07/2003).

Diferente é a segunda hipótese, da falência institucional supostamente observável no contexto especifico brasileiro. Ela identifica que a necessidade de assegurar aos indivíduos o direito de autoproteção decorre da incapacidade das instituições de segurança pública de fazê-lo. Em outras palavras, é por conta da particular trajetória brasileira de falência institucional - evidenciada pelos índices de impunidade, pela ineficiência das polícias e pela ausência de autoridade - que seria necessário ao indivíduo contar com todos os meios possíveis para sua defesa.

Em nome da legítima defesa, quer nas constituições, quer no ordenamento jurídico, legal e penal, o cidadão pode recorrer às últimas conseqüências na defesa da vida. Isso está legitimado. Vamos deslegitimar isso? Com o quê? Sob que argumento? De um Estado incapaz de prover justiça? De um Estado incompetente de controlar o contrabando? A palavra mágica é desarmar o cidadão de bem (LORENZONI, ACCJC, 22/10/2003).

Ambas as afirmativas - a da impossibilidade lógica de proteção estatal sobre o espaço privado e a da falência institucional brasileira - trazem consigo o pressuposto de que os cidadãos vivem em estado de permanente ameaça. E a ideia de ameaça se refere sempre a alguma coisa. Nesse caso particular, o que é ameaçado são os valores que fundamentam a própria organização da sociedade: a vida, a família e a propriedade. Por se tratarem de valores fundamentais, os indivíduos buscarão todos os meios para protegê-los, por mais que o Estado possa tentar limitar o acesso a eles. Nesse sentido, aparece novamente o argumento da futilidade elaborado por Hirschman (1991)HIRSCHMAN, Albert O. The rhetoric of reaction. Harvard University Press, 1991., uma vez que, mesmo diante de uma eventual proibição, os indivíduos que se sentem ameaçados seguirão recorrendo às armas para garantir a proteção dos valores que consideram fundamentais, seja por meios legais ou recorrendo ao comércio ilegal, que inevitavelmente se fortaleceria e se organizaria.

A defesa da vida, da família e da propriedade foi frequentemente entremeada com a evocação de noções de honra e dignidade. Nesse ponto, a possibilidade de ao menos tentar proteger os valores considerados fundamentais é o que confere ao indivíduo a condição de ter uma vida digna e honrada. Aqui é importante ressaltar que o apelo dialoga claramente com uma concepção de família centrada no papel provedor e garantidor do homem. Não à toa, o indivíduo que deve ter seu direito de autoproteção e defesa da família é sempre o masculino, o que se comprova pelos exemplos listados pelos parlamentares na defesa desse argumento. Proteger o espaço domiciliar significa, antes de tudo, ter os meios necessários para garantir que a mulher ou a filha não será estuprada. Fica evidente que a violação do corpo feminino é a violação do próprio sentido de família que dá sentido à vida do homem, titular da proteção e da segurança.

E não podemos tirar o legítimo direito do ser humano de, se a sua família estiver sendo atacada, se a sua filha ou a sua mulher estiver sendo submetida aos mais atrozes atos de beligerância e de criminalidade, defendê-la, defender a sua vida, defender a sua honra, defender a sua dignidade, defender o seu patrimônio, defender a sua mulher e os seus filhos. (...) Como é que se vai tirar o direito do cidadão de defender a sua família? Há pouco tempo ouvimos a notícia de que um criminoso invadiu uma casa e obrigou uma mulher a praticar sexo oral com ele diante do marido. Ora, o cidadão, num caso como esse, tem de ter pelo menos o direito, Sr. Relator, de morrer lutando para defender sua família. Mas tiram-lhe a arma! (COLLARES, ACCJC, 21/10/2003).

As constantes referências ao crime de estupro12 12 É importante ressaltar que a imagem do estuprador construída no discurso conservador contrasta com a realidade das estatísticas disponíveis sobre esse crime na realidade brasileira. Em 84% dos casos, os estupradores são pessoas conhecidas das vítimas e atuam ao largo da possibilidade de proteção sugerida pelos detratores do Estatuto do Desarmamento (CUACOSKI, 17/12/2020). como aquele que mais ameaça a vida dos cidadãos de bem permitem retomar a ideia de que nem toda violência corresponde a uma relação instrumental de meios e fins, sustentada por Segato (2014)SEGATO, Laura Rita. Las nuevas formas de la guerra y el cuerpo de las mujeres. Puebla: Pez en el Árbol, 2014.. As formas de violência que se inscrevem no corpo feminino têm, muitas vezes, o sentido de uma mensagem, de uma afirmação sobre a incapacidade do outro de proteger aquilo que considera seu bem mais frágil. A maneira como o estupro é abordado, a partir de uma gramática baseada nas noções de honra e dignidade, o coloca em um patamar diferente das demais ameaças listadas pelos opositores do desarmamento civil. É a partir da valorização da casa, das propriedades e da família - cujo ideal é encarnado na mulher que deve ser protegida da violação - que se define o que deve ser considerado ameaçador e que, dessa forma, implica a necessidade de que o indivíduo possa se armar e se defender. Assim sendo, as ameaças trazidas ao debate sobre o desarmamento sempre se relacionam em alguma medida com o tema da família e da propriedade.

Da guerra deflagrada: cidadãos de bem x bandidos

Os argumentos apresentados contra o desarmamento civil convergem para a noção de que a sociedade encontra-se dividida em dois lados estanques e irreconciliáveis: cidadãos de bem e bandidos. As denominações utilizadas para a definição de cada parte variam, mas a estrutura da argumentação permanece a mesma. Assim, fala-se em cidadãos de bem, honestos, ordeiros, legítimos, comuns ou apenas cidadãos quando se faz referência àqueles que viveriam suas vidas de acordo com os valores morais e as regras legais. Por outro lado, os bandidos, criminosos, marginais, assaltantes, estupradores e traficantes seriam os que vivem à margem das normas que estabelecem como deve ser a vida em sociedade. A dicotomia entre cidadãos de bem e bandidos - e suas variações - pode ser mais bem compreendida a partir das reflexões de Koselleck (2006)KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Editora PUC-Rio, 2006. sobre os contraconceitos antitéticos e assimétricos. De acordo com o historiador, as condições de possibilidade para a ação política e social são dadas pela produção de identidades, de espaços de pertencimento e reconhecimento. A delimitação de um grupo é, portanto, condição para a ação política ou social e depende de certas operações no campo da linguagem, o que não significa que se resume a ele. Diversas são as maneiras de produzir semanticamente as diferenças entre “nós” e “eles”, constante da delimitação de qualquer grupo político ou social. Em sua reflexão, Koselleck se concentra em pares conceituais ou polaridades em que o recurso a um conceito implica necessariamente a diminuição/anulação da outra parte. Por isso o uso da ideia de assimetria associada à de antítese no tratamento desses pares, quando a afirmação de um grupo por meio de determinado conceito pressupõe a classificação dos que estão fora do grupo por meio de um conceito discriminatório e excludente.

O que caracteriza os conceitos antitéticos desiguais é que eles determinam uma posição seguindo critérios tais que a posição adversária, deles resultante, só pode ser recusada. Nisto reside sua eficácia política, mas ao mesmo tempo também a dificuldade para serem aplicados ao conhecimento científico (KOSELLECK, 2006KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Editora PUC-Rio, 2006., p. 195).

Uma estrutura semântica similar à descrita por Koselleck pode ser observada nos discursos que mobilizam a polaridade cidadão de bem/bandido. Também nesse caso fica estabelecida uma dupla de conceitos em que a polaridade positiva tem pretensões de universalidade, mas, ao mesmo tempo, a partir de sua qualificação, exclui um grupo de sujeitos que seria, então, eliminável. Esse “outro” - o bandido - é sempre uma classificação do grupo que se define na polaridade positiva - os cidadãos de bem.

Já nas primeiras sessões legislativas que trataram do desarmamento civil, os críticos do projeto apresentaram suas objeções a partir dessa polaridade. No entanto, em quase nenhum momento é possível observar um esforço para conferir clareza a essa distinção, apresentando que características definiriam os dois grupos ou mesmo a composição sociológica de ambos. Na realidade, os conceitos de cidadão de bem/bandido parecem, pelo menos nesse momento, corresponder a estruturas vazias preenchidas pelas relações de força em um caso particular.

Tomada como dada pelos críticos do desarmamento - e frequentemente por seus apoiadores também -, a divisão da sociedade refletiria a dualidade da realidade em que vivemos. Em lugares próximos, e às vezes no mesmo espaço, conviveriam ou se encontrariam pessoas integradas em ordens diferentes. De um lado, os cidadãos de bem, honestos e ordeiros, que viveriam de acordo com a lei e os valores morais comuns a todos. Do outro, os bandidos, que eram retratados apenas pela ausência das características que definem o cidadão de bem, ou seja, pautavam sua vida pelo ataque aos valores e leis que presidiam a vida dos mesmos.

Todos nós sabemos que há dois Brasis: um, de pessoas ordeiras, que obedecem à lei; outro, de marginais, onde existe pena de morte, todo tipo de crime, do narcotráfico à execução, até o uso do famoso “micro-ondas”, em que, como vimos, o jornalista Tim Lopes foi colocado (SUASSUNA, APSF, 24/07/2003).

O problema identificado pelos críticos do desarmamento seria, então, decorrente do fato de que a medida atingia apenas aqueles que já viviam de acordo com a lei. Nesse sentido, uma vez que mirava o alvo errado, a proposta podia ser refutada de acordo com os argumentos da perversidade ou da futilidade, seguindo as reflexões de Hirschman (1992). Isso porque a percepção de que a sociedade se divide em duas partes, nesse caso, vem sempre associada à ideia de que ambas estão em estado permanente de guerra. Embora todos os casos de conceitos assimétricos analisados por Koselleck impliquem o estabelecimento de um polo positivo e de outro depreciado, no caso do par cidadão de bem/bandido o pressuposto é o de que a coexistência de ambos é impossível.

Chama atenção o fato de que os discursos que se apoiam na lógica da guerra permanente entre cidadãos de bem e bandidos raramente se dedicam a definir os critérios de pertencimento a um ou outro lado. Pelas denominações de grupo utilizadas, poder-se-ia imaginar que o universo dos criminosos/bandidos seria composto por todos aqueles que cometeram/cometem crimes. No entanto a violação da lei não parece ser um critério definitivo para o enquadramento de um indivíduo como pertencente ao grupo dos criminosos/bandidos. Em mais de uma ocasião, os parlamentares se referiram à possibilidade de que um cidadão de bem/honesto/ordeiro eventualmente cometa um crime, sem que dessa maneira passe a ser classificado como bandido/criminoso. Nessa hipótese, ele é apenas um cidadão de bem que cometeu um ato ilegal, sem que sua posição no mundo passe a ser definida por isso.

Aos cidadãos que se sentirem abandonados pelo poder público, restará uma opção: a de mover-se ao encontro da ilegalidade, buscando junto aos traficantes de armas os meios para garantir sua segurança e a de suas famílias, o que não deixa de ser um paradoxo, evidentemente. Não resta dúvida de que, ao fazê-lo, o cidadão de bem, até então um amante da lei e da ordem, ingressará nas hostes dos inimigos do Estado, criando-se, assim, a semente perigosa da perversão da ordem democrática, pois o braço armado do Estado passará a investir contra seus concidadãos como se estes bandidos fossem (TORRES, ASCCCJCRE, 13/01/2000).

Os críticos do desarmamento civil admitem, portanto, o paradoxo de que cidadãos de bem possam cometer atos de ilegalidade no contexto da guerra que travam para defender-se dos bandidos. A divisão do mundo entre as partes não esteve limitada aos discursos de parlamentares contrários ao desarmamento civil. Ela foi aceita como ponto de partida para os debates mesmo entre a maioria daqueles que defendiam a nova legislação.

Eventualmente, parlamentares mais radicais, como o atual presidente Jair Bolsonaro, explicitaram as consequências máximas da operação do discurso na lógica da guerra. Tendo em vista que o país se divide em cidadãos de bem e bandidos e que estes últimos, por definição, têm o objetivo permanente de atacar os primeiros, não resta opção que não um confronto aberto que resulte na eliminação dos adversários. Por mais que a maioria dos parlamentares evite a linguagem e as expressões usadas por Bolsonaro, o horizonte possível estabelecido pela lógica discutida aqui é o da eliminação dos criminosos/bandidos - ainda que não necessariamente por meio de execuções, como defendia o então deputado.

Agora há pouco, li o relatório do nobre deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, dizendo que as armas de fogo fazem aproximadamente 40 mil vítimas por ano. É mais uma mentira que se joga na mídia. Desses 40 mil, sr. presidente, pelo menos 30 mil tinham de ter morrido há muito tempo. São marginais que enfrentaram a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Polícia Federal, marginais que morreram tentando assaltar banco, sequestrar etc. Entre esses 40 mil, há pelo menos 30 mil canalhas que tinham de ter morrido há muito tempo. E jogam para a população como se fossem 40 mil inocentes que faleceram nesses embates. Nesses 40 mil, estão aqueles 111 canalhas de Carandiru e eu gostaria que tivesse passado para 41 mil, mais mil lá dentro. Teríamos aberto mais vagas nas penitenciárias. Ninguém chorou por aqueles marginais. Esses números são tendenciosos. Quero saber quantos inocentes morreram em função disso. Não nessa situação, como está aqui (BOLSONARO, ACCJC, 22/10/2003).

Por mais que os discursos críticos ao desarmamento tenham evitado formular uma definição clara de que critérios devem ser utilizados para saber quem são os bandidos, eles afirmaram recorrentemente que as causas da violência deviam ser buscadas em sua ação, o que tornava difícil que as soluções fossem encontradas pela via legislativa. Os diplomas legais seriam insuficientes para inibir o comportamento daqueles que já não se orientam por eles. Assumir que os bandidos são aqueles não integrados à ordem e que podem ser considerados diretamente responsáveis pela violência significou, nesse contexto, afirmar que as leis não são os instrumentos adequados para lidar com esse problema. Se um dos lados em guerra não responderá aos estímulos produzidos dentro da institucionalidade, é necessário que a proteção dos cidadãos de bem recorra aos meios mais eficazes, como o atuar extralegal das instituições armadas do Estado, por exemplo. A lógica da guerra pode abrir espaço para a defesa da exceção como instrumento legítimo de proteção mobilizado pelos agentes do Estado contra os sujeitos considerados ameaçadores13 13 Cabe reparar, no entanto, que os parlamentares que formariam a bancada da bala nas legislaturas seguintes têm como uma de suas marcas a demanda por leis punitivas cada vez mais duras. Nesse sentido, pode-se observar uma contradição entre o argumento apresentado aqui - de que a via legislativa seria uma resposta ineficaz à violência, dado que os bandidos não estão integrados à ordem e não respondem aos diplomas legais - e a prática parlamentar de demandar sempre a criminalização de comportamentos considerados inadequados e, principalmente, o endurecimento das punições aos criminosos. .

Nos debates sobre o desarmamento civil, as causas da violência podiam ser encontradas na debilidade moral de parcelas da população e nos problemas culturais que marcariam a sociedade brasileira.

Temos de corrigir graves problemas culturais, sociais, institucionais no Brasil com retoques emergenciais. Em vez de fazer uma nova lei, deveríamos erguer uma prece, fazer orações. Talvez o efeito fosse melhor. Ouvi afirmações absolutamente absurdas, do ponto de vista do contexto em que vivemos. O Brasil não é só o país onde há maior índice de criminalidade entre os jovens, mas também onde crianças e jovens se atiram à atividade sexual e às drogas. Uma pesquisa revela que a erotização da criança brasileira é a maior do mundo. Por que o Brasil está incluído entre os países com altos índices de mortes, onde as crianças matam mais e os jovens são mais erotizados precocemente? Temos, infelizmente, a cultura permissiva da banalização da vida humana e dos valores que deveriam ser defendidos por todos quantos despontam de repente com as bandeiras de uma cruzada na mão em defesa do desarmamento da sociedade brasileira (CASCIONE, ACSPCCOVN, 16/09/2003).

Tais características socioculturais seriam responsáveis pela formação de indivíduos desprovidos de apego aos valores morais e aos diplomas legais que organizam a vida social. Nesse ponto, a ideia de que a sociedade está dividida entre cidadãos plenamente integrados à ordem e indivíduos e/ou grupos marginais que devem ser combatidos e, no limite, eliminados encontra a antiga perspectiva sobre o caráter amorfo da formação social brasileira, que aparece recorrentemente nas formulações de intérpretes do Brasil. Nessa narrativa, a fragilidade moral de nossa sociedade, o desapego de muitos em relação às leis, o mau funcionamento de nossas instituições seriam razões para o quadro de desintegração que produz indivíduos movidos apenas pelo enfrentamento dos que escolheram viver segundo a (frágil) ordem vigente. As questões que emergem como problemas na sociedade brasileira decorreriam, portanto, de um processo de modernização incompleto, incapaz de produzir uma sociedade funcional nos termos da modernidade central. Assim, ao povo, aos costumes e às instituições brasileiras faltariam certas características presentes em outros países. Em tal quadro, a degeneração avançou a um ponto em que se constituíram dois grupos na sociedade, sendo um deles justamente o causador da violência, totalmente alheio ao ordenamento jurídico.

A partir dessa percepção do que causa a violência e de como se organiza a sociedade, os parlamentares que criticam o desarmamento civil começaram a constituir uma identidade de grupo cada vez mais clara. Em todos os debates parlamentares, é possível observar a formação de blocos ou a atuação de grupos já formados, mas nesse caso a identificação mútua que vai se produzindo estabelece os fundamentos para a organização de um grupo que seguiria atuante até o presente momento. Ao refutarem a classificação de bancada das armas, os parlamentares críticos ao desarmamento começam a se afirmar como bancada em favor da vida ou dos cidadãos de bem. Em 2003, a existência de uma bancada da bala não era assunto corrente nos meios de comunicação e nas pesquisas acadêmicas sobre o perfil do Congresso, embora muitos dos parlamentares identificados com as pautas corporativas das instituições armadas do Estado já estivessem atuantes. Parlamentares alinhados à concepção de mundo construída nos espaços das instituições armadas do Estado, particularmente militares, existem desde antes do retorno à democracia, mantendo presença em todas as legislaturas. Da mesma forma, discursos contrários aos direitos humanos ocuparam lugar de destaque na institucionalidade política e nos meios de comunicação desde antes da transição para a democracia (CALDEIRA, 1991CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Direitos humanos ou “privilégios de bandidos”. Novos Estudos Cebrap, vol. 30, n. 1991, pp. 162-74, 1991.).

Entretanto, a partir dos anos 2000 e especialmente a partir dos debates em torno do desarmamento civil, esses parlamentares começam a se identificar como grupo, formando uma bancada que atuaria em conjunto nas legislaturas seguintes. Cabe notar que em 2003, ano de aprovação do estatuto, um dos líderes da oposição à medida, o deputado Alberto Fraga (PFL-DF), registrou na Câmara dos Deputados a Frente Parlamentar em Defesa da Segurança Pública, que seria registrada novamente em todas as legislaturas seguintes. Ainda na mesma legislatura, Fraga registrou a Frente Parlamentar pelo Direito à Legítima Defesa, que desempenharia papel central na articulação da campanha do Não no referendo de 2005. Se no contexto do Estatuto do Desarmamento a maioria das falas ainda caminha no sentido de refutar a relação entre esses parlamentares e possíveis lobistas, é perceptível que alguns começam a construir uma identidade de grupo, mesmo que na rejeição dos rótulos a eles conferidos pelos adversários políticos.

Prefiro carregar a pecha de pertencer à bancada da bala, em vez de me alinhar à bancada da subserviência (FRAGA, APCD, 23/10/2013).

Entendidos como espaços de cristalização, formalização e organização de discursos que circulam socialmente, os debates parlamentares aqui analisados têm efeitos que transcendem o campo discursivo, como, por exemplo, a formação de grupos como a bancada da bala. A formação de uma identidade coletiva interessa, nesse caso, pela relação que estabelece com o núcleo da argumentação sobre a impertinência do desarmamento civil e a necessidade de enfrentamento dos bandidos.

Apoiados na ideia de que a sociedade se divide entre cidadãos de bem e bandidos em constante enfrentamento, os críticos do desarmamento civil lançaram uma série de suspeitas sobre seus adversários no Congresso e na sociedade civil, valendo-se de uma estratégia empregada contra eles mesmos, acusados de lobistas dos fabricantes de armas. Nesses casos, a forma interrogativa foi utilizada com frequência, deixando inconclusas certas ilações. Ao levantar a hipótese de que as ONGs e os demais atores da sociedade civil que defendiam o desarmamento não eram claros e transparentes em relação aos interesses que os moviam, os críticos da matéria faziam supor que tinham algum tipo de ligação com o outro lado da guerra que percebiam como estruturante da sociedade. Seriam as ONGs honestas e de bem ou apenas defensoras de traficantes, assaltantes e outros criminosos? A que interesses serviriam?

Se há a bancada da arma, a bancada da bala, a bancada do gatilho, por que não me é legítimo dizer que a bancada dos sequestradores, dos assaltantes e dos interesses internacionais no mercado de armas do Brasil ou mercados que o Brasil conquistou lá fora, em processo de reciprocidade, não podem estar bancando o jogo? (LORENZONI, ACCJC, 22/10/2003).

A preocupação de Bourdieu (2014)BOURDIEU, Pierre. Sobre el Estado: Cursos en el Collège de France (1989-1992). Buenos Aires: Anagrama, 2014. em complementar a clássica assertiva de Weber sobre o Estado como detentor monopólio da violência legítima derivou de sua constatação da centralidade ocupada pelo tema da violência simbólica na constituição do Estado. Nas discussões sobre o desarmamento, o que se observa é que os operadores políticos da ordem não se preocupam com o possível exercício da violência física por particulares, mas com a determinação das condições em que tal violência pode ser exercida. No debate sobre o desarmamento civil, o que esteve em jogo foi a determinação de um conjunto de condições nas quais os indivíduos podem e devem empregar a violência física a despeito das instituições estatais. Assim sendo, por mais que reconheçam a possibilidade de a violência física não ser absolutamente monopolizada, os agentes políticos não concebem que o Estado não determine as condições de seu uso, o que representa a manutenção do monopólio da violência simbólica. É a lógica da guerra que autoriza a relativização do monopólio estatal sobre a violência física, na medida em que o Estado existiria, em primeiro lugar, para garantir a família e a propriedade. Diante da impossibilidade/incapacidade de fazer isso, os indivíduos devem poder fazê-lo.

Os elementos que movem a aprovação ou rejeição de medidas parlamentares não podem ser conhecidos apenas pelos discursos mobilizados nas comissões ou no plenário. Certamente há inúmeras movimentações de bastidores e jogos de interesse que transcendem o espaço das duas casas congressuais para encontrar poderosos atores sociais interessados ou não no avanço de determinada matéria. No caso do Estatuto do Desarmamento, o Instituto Sou da Paz14 14 Ver (on-line): https://soudapaz.org/noticias/pesquisa-aponta-propostas-para-aprimorar-controle-de-armas/. Acessado em: 02/08/2022. , em publicação recente, identificou uma tendência de queda na taxa de crescimento de homicídios por 100 mil habitantes no Brasil. Se antes essa taxa crescia 6,9% ao ano, a partir de 2004 o crescimento ficou na casa de 0,3% ao ano, em média. Isso levou o Sou da Paz a estimar que aproximadamente 160 mil vidas deixaram de ser perdidas até 2016 por conta da aprovação do estatuto. Não obstante, são diversas as iniciativas no sentido de revogá-lo ou flexibilizá-lo, desde a ação direta de inconstitucionalidade no 3112, impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o estatuto, até as recentes iniciativas parlamentares, especialmente desde a legislatura (2015-2019). Entre os muitos projetos de lei que buscam expandir o porte de armas para categorias especificas ou aumentar a quantidade de armas e munições permitidas às categorias que já podem portar armamento, o mais abrangente é o de número 3.722/2012, apresentado pelo pemedebista Rogério Peninha Mendonça (SC).

Após a posse de Jair Bolsonaro (sem partido) na Presidência da República, houve significativo impulso na direção do desmonte do Estatuto do Desarmamento. De acordo com o Instituto Igarapé (09/2021)INSTITUTO IGARAPÉ. A flexibilização do acesso a armas e munições em análise pelo STF: Um panorama geral da votação. Boletim 01 - Descontrole no alvo. Instituto Igarapé, set. 2021. Disponível em: https://igarape.org.br/wp-content/uploads/2021/09/2021-09-17-v2-boletim-1-Descontrole-no-alvo.pdf
https://igarape.org.br/wp-content/upload...
, somente entre janeiro de 2019 e setembro de 2021 mais de 30 medidas foram editadas pelo governo federal com o objetivo de ampliar a circulação de armas no país. O tema, central no discursos político da plataforma vencedora em 2018, reaparece constantemente nas falas do atual presidente e em atos normativos de seu governo. Tais atos têm sido objeto de diferentes questionamentos junto ao STF e suas consequências nos indicadores de violência ainda não puderam ser completamente medidas.

Conclusão

Embora as plataformas punitivas sempre tenham feito parte da agenda legislativa conservadora na Nova República, a identificação de uma bancada da bala no parlamento tem seu pontapé lançado nos debates sobre o desarmamento. Naquele momento, alguns dos deputados federais que se opunham ao desarmamento civil começaram a se articular para formar uma frente de atuação. Nesse contexto, formalizaram uma frente parlamentar em defesa da segurança pública e, mais adiante, outra pelo direito à legítima defesa.

Partindo, por exemplo, das radiografias parlamentares do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), é possível verificar a expansão do número de representantes oriundos de profissões ligadas ao tema da segurança desde a legislatura 1991-1995, com quatro deputados representantes de carreiras militares, até a mais recente (2015-2019), com 22 deputados ligados ao ramo da segurança, divididos em oito profissões. Entretanto, a evolução dos profissionais ligados ao campo da segurança que obtêm mandatos parlamentares é insuficiente para definir a bancada da bala. O perfil desses parlamentares transcende uma reunião dos profissionais ligados à área da segurança e é determinado também por suas redes de financiamento, bases eleitorais e propostas legislativas. No caso do Estatuto do Desarmamento, o universo de opositores ou apoiadores da medida transcendia o grupo que passou a ser denominado como bancada da bala. Faganello (2015)FAGANELLO, Marco Antonio. “Bancada da bala: Uma onda na maré conservadora”. In: VELASCO E CRUZ, Sebastião; KAYSEL, André; CODAS, Gustavo (orgs). Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2015, pp. 145-161. lembra que “a direção política e social da direita brasileira contemporânea é o produto resultante de diversas forças, que estão em justaposição, mas acenam em direções próprias” (p. 146). Nesse sentido, por mais que tenha papel de protagonismo na discussão de certos temas, a bancada da bala depende de suas relações com outros indivíduos ou grupos de interesse conservadores para avançar suas agendas, como ocorreu nos debates aqui apresentados. Ainda segundo o autor, a bancada da bala se caracteriza pela prioridade conferida às questões securitárias e pela defesa de “medidas repressivas no combate à criminalidade e compõe-se majoritariamente por ex-policiais militares e delegados da polícia civil” (FAGANELLO, 2015FAGANELLO, Marco Antonio. “Bancada da bala: Uma onda na maré conservadora”. In: VELASCO E CRUZ, Sebastião; KAYSEL, André; CODAS, Gustavo (orgs). Direita, volver! O retorno da direita e o ciclo político brasileiro. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2015, pp. 145-161., p. 147).

Apesar da necessidade de estudos mais aprofundados sobre a formação das novas direitas brasileiras e da bancada da bala - traçando suas origens históricas e sociológicas, suas principais inspirações teóricas, suas zonas de influência na sociedade e seus espaços de interseção -, é possível identificar um traço que as aproxima e converge com os principais argumentos analisados neste texto: a compreensão da nossa sociedade sob a lógica da guerra, a partir de um discurso de forte apelo moral. O “argumento moral” estabelece uma visão de mundo que opõe bem e mal, em um registro em que não restam opções que não a eliminação do mal, física ou simbolicamente. A partir dessa constatação, é necessário questionar quem deve ser eliminado ou, em outras palavras, que grupos ou indivíduos são percebidos como ameaças segundo a lógica da guerra que deriva do argumento moral transversal aos discursos analisados.

Percebemos, portanto, que os discursos, mais que meras representações de uma realidade pré-existente, ensejam a construção de novas identidades e grupos. Foi o encontro entre parlamentares que ocupavam posição minoritária no contexto dos debates sobre desarmamento que permitiu a articulação do que hoje entendemos ser a bancada da bala. Nesse sentido, é possível perceber efeitos de médio e longo prazo dos discursos enunciados naquele momento, ultrapassando sua capacidade de incidir decisivamente sobre o texto da lei em discussão. Suas marcas na política contemporânea brasileira se sentem de maneira cada vez mais incontornável.

Notas

  • 1
    Cabe notar que a medição do número de homicídios é apenas uma das formas de produzir indicadores a respeito das formas de violência nas sociedades contemporâneas. Não obstante, constitui parâmetro importante para comparação entre países.
  • 2
    São 17,2 por 100 mil homicídios nas Américas, 24,2 por 100 mil na América do Sul e 25,9 por 100 mil na América Central. Dados disponíveis (on-line) em: https://www.unodc.org/documents/data-and-analysis/gsh/Booklet2.pdf (acesso em 04/12/2019).
  • 3
    Tradução livre do espanhol.
  • 4
    São estes os parlamentares com falas citadas neste artigo: Alceu Collares (PDT), Alberto Fraga (PMDB), Jair Bolsonaro (PSC), Jeferson Peres (PDT), Marcelo Rottes (convidado da audiência), Ney Suassuna (PMDB), Onyx Lorenzoni (PFL), Pedro Piva (PSDB) e Vicente Cascione (PSDB).
  • 5
    Revel (2008)REVEL, Judith. El vocabulário de Foucault. Buenos Aires: Atuel, 2008. alerta que Foucault usa essa noção de guerra civil em um momento específico de sua obra (1975-1977).
  • 6
    É sempre preciso alertar para a variação nos sentidos do conceito de poder ao longo do pensamento de Foucault. Outras obras e cursos do autor mobilizam essa noção de maneira diferente da empregada nas referências aqui discutidas.
  • 7
    Os debates sobre enquadramento, assim como as reflexões acerca do discurso, são extensos no campo das ciências sociais. Sem refutar a importância de autores como Bateson (2002)BATESON, Gregory. “Uma teoria sobre brincadeira e fantasia”. In: RIBEIRO, Branca Telles; GARCEZ, Pedro M. (orgs). Sociolingüística interacional. 2.ed. São Paulo: Loyola, 2002, pp. 85-105. ou Goffman (1974)GOFFMAN, Erving. Frame analysis: An essay on the organization of experience. Harvard University Press, 1974., optou-se aqui por um recorte mais instrumental, que apresentasse algumas ideias facilmente identificáveis posteriormente no curso da análise das fontes selecionadas.
  • 8
    As reuniões em que foram feitas falas citadas neste texto estão listadas na Tabela 1, em um anexo deste artigo.
  • 9
    Assassinado a tiros em 2018 (RODRIGUES e MARCONDES, 26/12/2018RODRIGUES, André; MARCONDES, Luiza. “Gerson Camata, ex-governador do Espírito Santo, é morto com um tiro, em Vitória: O assassino é um ex-assessor de Camata. Ele confessou o crime e foi preso. A motivação foi uma ação judicial movida por Camata que gerou o bloqueio de R$ 60 mil na conta bancária do suspeito”. G1, Espírito Santos, 26 dez. 2018. Disponível em: https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2018/12/26/gerson-camata-ex-governador-do-espirito-santo-e-morto-a-tiros-em-vitoria.ghtml
    https://g1.globo.com/es/espirito-santo/n...
    ).
  • 10
    Para um olhar em maior detalhe sobre o processo de tramitação do que viria a ser o Estatuto do Desarmamento, ver Benetti (2017)BENETTI, Pedro Rolo. Em defesa da ordem: Debates parlamentares sobre a violência no Brasil da Nova República. Tese (Doutorado em Ciência Política) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2017..
  • 11
    Cabe ressaltar que, no caso do Estatuto do Desarmamento, há uma importante particularidade no contexto da tramitação: o condicionamento de parte da legislação, relativa ao comércio, à consulta popular por meio de referendo. O referendo de 2005 é tema de farta bibliografia e a reprodução, no espaço público, de muitos dos argumentos aqui analisados confirma a hipótese do trabalho de que esses discursos se apresentam em diversos espaços sociais, podendo ser apreendidos por meio do debate parlamentar.
  • 12
    É importante ressaltar que a imagem do estuprador construída no discurso conservador contrasta com a realidade das estatísticas disponíveis sobre esse crime na realidade brasileira. Em 84% dos casos, os estupradores são pessoas conhecidas das vítimas e atuam ao largo da possibilidade de proteção sugerida pelos detratores do Estatuto do Desarmamento (CUACOSKI, 17/12/2020CUACOSKI, Stéffany. “Cultura do estupro: 85% das vítimas no Brasil são mulheres e 70% dos casos envolvem crianças ou vulneráveis”. Humanista, Segurança, 17 dez. 2020. Disponível em: https://www.ufrgs.br/humanista/2020/12/17/cultura-do-estupro-85-das-vitimas-no-brasil-sao-mulheres-e-70-dos-casos-envolvem-criancas-ou-vulneraveis/
    https://www.ufrgs.br/humanista/2020/12/1...
    ).
  • 13
    Cabe reparar, no entanto, que os parlamentares que formariam a bancada da bala nas legislaturas seguintes têm como uma de suas marcas a demanda por leis punitivas cada vez mais duras. Nesse sentido, pode-se observar uma contradição entre o argumento apresentado aqui - de que a via legislativa seria uma resposta ineficaz à violência, dado que os bandidos não estão integrados à ordem e não respondem aos diplomas legais - e a prática parlamentar de demandar sempre a criminalização de comportamentos considerados inadequados e, principalmente, o endurecimento das punições aos criminosos.
  • 14

Referências

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Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    01 Fev 2022
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