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Criminalidade e a governança de grandes metrópoles na América Latina: Cidade do México (México) e São Paulo (Brasil)

RESUMO

Este artigo analisa as formas de governança criminal em duas metrópoles, Cidade do México e São Paulo. Procura responder às seguintes perguntas: como se governa o crime nas cidades? O que se governa? Por que em uma metrópole existe uma organização criminal quase monopólica da coerção, mas na outra não? As fontes de informação incluem documentos oficiais, notícias de imprensa, estatísticas e bibliografia especializada. Resultados indicam que a governança da cidade e a governança do crime estão interconectadas, constituindo microrregimes que controlam territórios, populações, bens, riquezas, usos da força e poder, articulando o local, o regional e o transnacional.

Palavras-chave:
governança urbana; governança criminal; monopólio estatal da violência; Cidade do México; São Paulo

ABSTRACT

This paper analyzes different forms of criminal governance in two metropolises, Mexico City and São Paulo. It answers the questions: Who governs these two cities and how do they do it? What is governed? Why is it that in one metropolis there is an almost monopolistic criminal organization of coercion, but not in the other? Official sources include documents, press archives, statistics and a specialized bibliography. Results indicate that city governance and crime governance are interconnected, constituting micro-regimes that control territories, populations, goods, wealth, uses of force and power, thus bringing together the local, regional and transnational.

Keywords:
urban governance; criminal governance; state monopoly on violence; Mexico City; São Paulo

Introdução1 1 Arturo Alvarado teve apoio do Conacyt e do Institute of Advance Studies de Paris para a busca dos dados e a elaboração deste trabalho. : o problema da vida cotidiana e o crime em cidades da América Latina2 2 Registramos nossos agradecimentos a Camila Nunes Dias, Marcelo Batista Nery, Fernando Salla e Beatriz Oliveira de Carvalho, pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). E a Denis Salazar e José Ángel Fernández (Colmex), pela inestimável colaboração na preparação dos originais.

A maioria das cidades da região da América Latina tem altas taxas de violência e em grande parte delas existem organizações criminais variadas, com diferentes características, tamanhos e formas de controle territorial e populacional. Muitos estudos recentes propõem que as organizações criminosas adquiriram poder suficiente para enfrentar o governo e disputar com ele o controle de territórios e populações (LESSING, 2020LESSING, Benjamin. “Conceptualizing Criminal Governance”. Perspectives on Politics, vol. 19, n. 3, pp. 854-873, 2020.; TREJO e LEY, 2020TREJO, Guillermo; LEY, Sandra. Votes, Drugs, and Violence: The Political Logic of Criminal Wars in Mexico. Cambridge: Cambridge University Press, 2020.; MANSO e DIAS 2018MANSO, Bruno Paes; DIAS, Camila Nunes. A guerra: A ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil. São Paulo: Todavia, 2018.; DURÁN-MARTÍNEZ, 2018;ARIAS, 2017ARIAS, Enrique. Criminal Enterprises and Governance in Latin America and the Caribbean. Nova York: Cambridge University Press, 2017.; RODGERS, 2017RODGERS, Dennis. “Bróderes in Arms: Gangs and the Socialization of Violence in Nicaragua”. Journal of Peace Research, vol. 54, n. 5, pp. 648-660, 2017.; DIAS, 2013; WILLIS, 2013WILLIS, Graham. The Killing Consensus: Homicide Detectives, Police that Kill and Organized Crime in São Paulo, Brazil. Tese (Doutorado em Estudos Urbanos e Regionais) - Massachusetts Institute of Technology, Cambridge, MA, 2013.; VARESE, 2010VARESE, Federico. Organized Crime. Londres: Routledge, 2010.). Mas a tendência não é unívoca nem temporal nem territorialmente. Embora os governos urbanos tenham dificuldades crescentes diante das organizações criminais que supostamente competem com o Estado pelo “monopólio da coerção”, os desafios para governar as metrópoles são mais amplos e não se reduzem ao controle territorial, social ou coercitivo.

Para analisar a governança criminosa, adaptamos um esquema proposto por Lessing (2020LESSING, Benjamin. “Conceptualizing Criminal Governance”. Perspectives on Politics, vol. 19, n. 3, pp. 854-873, 2020., p. 7). Ela pode ser entendida como uma situação em que grandes grupos da população vivem sob formas de controle coercitivo de alguma organização ilícita, armada, que reivindica o monopólio do Estado no uso da força em certo território e nele se impõe como autoridade relevante (Ibid.). Essa categoria pode incluir a influência e até a hegemonia criminosa econômica, social e política, afetando a soberania territorial e a legitimidade dos governos e podendo transformar os habitantes em súditos de ao menos dois soberanos. Mas é preciso entendê-la em um contexto amplo de governança dos Estados e das cidades. Para compreender esses processos, discutiremos duas dimensões do problema conceitual do monopólio da violência e da governança urbana.

Quadro 1:
Governança e crime

A governança urbana é um processo de coordenação entre atores e instituições em ambientes fragmentados e incertos (LE GALÈS, 2011; LE GALÈS e UGALDE, 2018). Trata-se de um problema de ação coletiva entre governantes, cidadãos e atores ilícitos e que inclui instituições, diretrizes, regulamentações, práticas políticas e sociais, públicas e privadas que contribuem para a estabilidade e proporcionam elementos para sua legitimidade. A governança democrática é uma forma de regulação da violência legítima e de limitação de outras formas de coerção ilícitas.

Diferentemente da proposta teórica em relação aos governos dos Estados nacionais, as cidades não são equivalentes a esses, nem contam com os mesmos instrumentos institucionais, normativos e de organização de poder. Temos que compreender as diversas reações de seus governos e habitantes às ameaças criminosas, que se movimentam continuamente desde a submissão total à colaboração aberta até outras formas negociadas, bem como outras mais de recusa e busca de resistência. Os governos também respondem a seus habitantes, embora de maneira desigual. As relações com a população urbana estão mediadas por muitas formas de intercâmbio entre estes dois atores, a polícia e os agentes ilícitos.

Propomos responder a duas perguntas que vão além do âmbito criminal: como se governa? O que se governa nas cidades? Estamos diante de um cenário de domínio criminoso das cidades, de seus habitantes e de seus governos, em uma espécie de dupla soberania que revoga a governança democrática? Os governos urbanos têm hoje capacidade de resolver esses desafios diante das profundas mudanças políticas que alteraram as estruturas e a maneira de governar as urbes? Nas atividades diárias, as cidades e particularmente as grandes metrópoles enfrentam muitos problemas de segurança e violência, pelas complexas formas de intervenção de atores lícitos e ilícitos. As estratégias dos governos vão desde o confronto aberto contra associações ilícitas até a evasão ou o conluio, mas sobretudo oscilam entre respostas condicionadas que resultam menos que ideais para resolver a violência. As estratégias policiais e militares empregadas são as principais respostas dos governos ao crime organizado. Seus programas incluem desde práticas de polícia comunitária até estratégias militarizadas de enfrentamento e ocupação dos territórios urbanos. Contudo, em todas as metrópoles as políticas são mistas, resultando em práticas efetivas e legais e em outras menos efetivas ou até ilícitas.

Consideramos que na maioria das metrópoles não há hegemonia de um só grupo, assim como nem todos os casos podem reivindicar uma soberania única, senão compartilhada por vários atores, o que alimenta uma ideia de governança disputada. Ao mesmo tempo que observamos e documentamos a maior influência de atores criminosos, encontramos espaços sob completo controle do governo ou da cidadania, onde funciona um regime legal aceitável (que não é um estado de direito). Inclusive, em certos territórios esses atores exercem funções de controle social, territorial e coercitivo e são rivais do governo.

Estratégia metodológica

O artigo comparará duas metrópoles econômicas e sociais relativamente semelhantes, cujos arranjos políticos e policiais e desafios e conflitos com organizações criminosas são bem distintos. Seu desafio comum é o confronto ativo de organizações criminais de grande escala. As cidades que comparamos são a Cidade do México, no México, e São Paulo, no Brasil - os territórios urbanos mais extensos e dinâmicos do subcontinente. Elas poderiam ser consideradas casos limítrofes no sentido da presença ou ausência de disputa pelo controle territorial e político do governo por parte dessas corporações ilícitas. Enquanto em São Paulo há um debate sobre a influência de uma organização sobre o governo (a soberania), em contraste, na Cidade do México não há um domínio criminoso com seu poder, sua soberania sobre o governo, embora a dispersão e a multiplicidade de formas organizadas de violência criminosa produzam igualmente desafios para governar. Sequer há um monopólio da violência estatal por parte dos governos.

Uma maneira de entender as variedades e diferenças da governança criminosa será explorar em profundidade os problemas e fatos criminosos em escalas socioespaciais distintas, cotejando diferentes bairros e territórios. Mostraremos que sua distribuição interna é profundamente heterogênea e nem sempre está articulada; às vezes obedece a atores e causas locais, e em muitas ocasiões ultrapassa as fronteiras territoriais para criar suas próprias arenas de ação. Fatores como desigualdade, segregação socioespacial e acumulação de desvantagens estão presentes nessas urbes e se associam com as distintas formas de violência. Os espaços sociais são classificados de acordo com um conjunto básico de variáveis. Também são classificados os distintos espaços onde se distribui a violência criminal3 3 Os dados foram compilados e tratados por Marcelo Batista Nery, pesquisador e coordenador de Transferência de Tecnologia do NEV-Cepid/USP, e Jose A. Fernández (Colmex). Os dados provêm de registros públicos das agências estatais de estatísticas: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) do Brasil e o Instituto Nacional de Estadística y Geografía (Inegi) do México para 2010 e 2019. As variáveis são: 1. Perfil do território; 2. Perfil populacional; 3. Condições habitacionais; 4. Condições sanitárias e de higiene; 5. Mobilidade urbana, Segurança pública, Lei e Ordem, Desorganização social; 6. Eficácia coletiva e coesão social (BATISTA, ALVES e ADORNO, 2020; NERY, SOUZA e ADORNO, 2019). A classificação dos estratos do México inclui: 1. PEA ocupada; 2. Trabalhadores por conta própria; 3. Moradias próprias; 4. Moradias com água encanada; 5. Índice de pessoas por quartos; 6. População de 15 anos e mais com educação pós-primária; 7. População com renda alta (mais de 5 salários mínimos); 8. População urbana. As unidades de análises são as áreas geoestatísticas básicas da cidade (ageb) (SCHTEINGART e RUBALCAVA, 2012, p. 76 e ss.) .

Ambas as cidades têm altos níveis de violência. Para conhecer o balanço micro e macro, compararemos quatro temas: 1) as diferentes formas e estratégias de organizações criminais para adquirir controle do mercado, do território e das populações (em alguns casos para dominar os governos); 2) as relações com as polícias da urbe; 3) o comportamento de seus governos e sua relação com os habitantes e os atores ilícitos; e 4) as diferentes respostas sociais das comunidades. As polícias de cada cidade são as maiores e mais poderosas instituições de segurança da região, tendo estruturas e práticas diferentes diante do crime organizado.

Governança criminal, governança urbana e monopólio estatal da violência

Entre outros aspectos, o conceito de governança criminal diz respeito a um tema largamente abordado pela sociologia política, o monopólio estatal da violência. Embora no pensamento político moderno já houvesse reflexão sobre o tema (Hobbes, Locke, Kant), foi com Max Weber que a fórmula se tornou bastante conhecida. Em Economia e sociedade (1974WEBER, Max. Economía y Sociedad: Esbozo de sociología comprensiva. México: FCE, 1974.), ele aprofunda ainda mais o conceito de Estado: “Por Estado deve entender-se um instituto político de atividade contínua, quando e na medida que seu quadro administrativo mantenha com êxito a pretensão ao monopólio legítimo da coação física para a manutenção da ordem vigente” (pp. 43-44).

Essas formulações foram redigidas em um contexto histórico muito definido - o do processo civilizatório moderno no Ocidente - e no período imediatamente posterior ao final da Primeira Guerra Mundial e nos primórdios da República de Weimar. Em primeiro lugar, Weber tinha clareza sobre os desafios que se apresentavam à reconstrução da nação alemã fraturada pela derrota na guerra. Em segundo, aquelas formulações se circunscrevem ao Estado no Ocidente, não alcançando outras formas de dominação, legítimas ou não, assentadas ou não sob território determinado, com ou não singular quadro administrativo e constituído a partir de coalizações de poder que resultaram em formas igualmente singulares de dominação. Em terceiro lugar, Weber considera que o Estado ocidental moderno expropria dos particulares (civis) o direito de uso da violência para a solução de seus conflitos sociais e interpessoais. Sob essa perspectiva, o Estado ocidental moderno consiste em uma relação de dominação de uns sobre outros por meio do recurso legítimo à violência, justamente porque autorizada pelo direito e aplicada por leis. Por fim, Weber sugere que o mais importante é a pretensão de lográ-lo por meio de um quadro burocrático racional-legal. Em decorrência, o Estado ocidental moderno tem como tarefa convencer os dominados da legitimidade do monopólio estatal das armas (forças armadas e polícias) assim como dos monopólios correlatos: o da aplicação das leis e da justiça e o da cobrança de tributos (fiscal), premissas correlatas à moderna ideia de soberania política.

Essas ideias foram pouco a pouco adaptadas para explicar aspectos dos desafios representados pelo crescimento do crime urbano e da emergência do crime organizado nas sociedades contemporâneas. Como tais, vêm sendo contestadas de diferentes modos. Michel Wieviorka (1997WIEVIORKA, Michel. “O novo paradigma da violência”. Tempo Social, São Paulo, vol. 9, pp. 5-41, 1997.) entende que não há mais razões para apostar na fórmula weberiana, dadas as profundas transformações societárias subjacentes aos processos de mundialização. Outros analistas apontam a transferência de funções de vigilância, próprias dos agentes policiais, para agentes privados, a internacionalização das polícias borrando fronteiras nacionais e a expansão da segurança privada como fatores responsáveis pelo enfraquecimento tanto do monopólio estatal legítimo da coerção como da soberania política.

Uma hipótese interessante é desenvolvida por Norbert Elias. No segundo volume de O processo civilizador (1993ELIAS, Norbert. O processo civilizador: Formação do Estado e civilização. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.), o autor dedica-se ao processo que denominou sociogênese do Estado moderno, por meio do qual convergiram a centralização do poder, o controle estatal dos governos e a formação dos monopólios e quase-monopólios. Segundo suas análises pormenorizadas dos processos históricos, em quatro séculos poucos monarcas se transformam em controladores monopolistas de enormes meios financeiros e militares. No curso dessa transição, os mecanismos de formação dos monopólios privados são sempre os mesmos, consistindo em casamentos e compra ou conquista de terras, que fazem com que uma das casas reais adquira cada vez mais terras e obtenha predomínio sobre as casas vizinhas.

O aprofundamento desses processos levou à gradual transformação dos monopólios privados em públicos. Vai se instituindo uma dependência funcional entre o monarca em relação aos servidores ou súditos, culminando na transferência do poder sobre a terra e do poder militar de uma única família para um corpus funcional e administrativo que controla, regula e estabelece equilíbrio entre partes em conflito em nome de um órgão central, o Estado. Com essa transformação, os monopólios diferenciam-se. O monopólio da força, da aplicação das leis e da justiça passa a ser prerrogativa estatal; o monopólio da riqueza permanece sob mãos privadas. Desse modo, não há homogeneidade no exercício dos monopólios. No interior do próprio Estado, os monopólios podem conhecer diferentes graus de eficiência e eficácia.

Seguindo as proposições elisianas, é possível pensar que em nossas sociedades latino-americanas, cujas configurações históricas e sociais singulares conheceram e vêm conhecendo a emergência e expansão de diferentes formas de governança criminal, o monopólio da violência e da aplicação da justiça permaneceu retido no âmbito privado; ou, quando menos, mesclaram-se elementos essenciais dos monopólios privados e do monopólio público da violência e da aplicação da justiça. Exemplos podem ser encontrados no modo como as polícias reprimem e investigam os crimes, na maneira como as organizações criminais governam porções do território e exploram com fins privados funções próprias do Estado (como cobranças de impostos, taxas e pedágios) e ainda na forma como as polícias criam espaços de autonomia para se proteger e executar ações privadas, inclusive fora da lei.

Com base nesses argumentos e em estudos sobre a emergência e expansão de diferentes formas de governança criminal, pode-se afirmar que o pressuposto segundo o qual os Estados latino-americanos construíram suas formas de dominação baseados no monopólio estatal da violência há que ser revisto. O Estado continua sendo estratégico para todos, como a instituição com mais estrutura e que permite sistemas de governança lucrativos.

Governança urbana

A governança de cidades é produto de dinâmicas de dominação e resistência, um equilíbrio instável constituído a partir das melhores respostas de cada ator. As políticas urbanas não produzem decisões e resultados coerentes devido a contradições e conflitos entre os diferentes atores e instituições. É um processo de coordenação contraditório, com desafios permanentes sobre como se governa e também sobre o que está em jogo, o que se governa em várias escalas, micro, macro, no bairro ou na metrópole, entre as organizações criminosas, os cidadãos e o governo. Nesse sentido, a governança do crime é um equilíbrio instável, disruptivo, que afeta a legitimidade, a soberania e o controle monopólico dos recursos coercitivos. Para os cidadãos também gera problemas de acordos, submissão ou resistência.

Também há que se levar em conta que muitas formas de organização social e econômica produzem mecanismos de governança distintos dos estatais, como as organizações mafiosas (VARESE, 2010VARESE, Federico. Organized Crime. Londres: Routledge, 2010.), alguns bandos (RODGERS, 2017RODGERS, Dennis. “Bróderes in Arms: Gangs and the Socialization of Violence in Nicaragua”. Journal of Peace Research, vol. 54, n. 5, pp. 648-660, 2017.), grupos de cidadãos auto-organizados em comunidades (DIAZ, 2019DÍAZ, Arturo. Economías de la inseguridad: Violencia, estado y (des) orden local. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - El Colegio de México, Cidade do México, 2019.), organizações de presos (PAES e DIAS, 2018), organizações policiais (ALVARADO, 2012ALVARADO, Arturo. El tamaño del infierno. México: El Colegio de México, 2012.) ou redes locais em bairros (ARIAS, 2017ARIAS, Enrique. Criminal Enterprises and Governance in Latin America and the Caribbean. Nova York: Cambridge University Press, 2017.). A maioria atua de maneira paralela ao poder público ainda quando em ocasiões enfrenta o Estado. Portanto, surgem várias diferenças, mas sobretudo se mostra uma cisão entre a cidade considerada como uma comunidade política representativa e a urbe como um conjunto de processos socioespaciais que obrigam a repensar as perguntas sobre quem governa, quem é o soberano e qual é o controle legítimo da violência.

As cidades operam de forma diferente dos Estados e dos regimes políticos formais, nacionais, não só porque têm que manter governos representativos, responsáveis, soberanos e legítimos, mas porque devem satisfazer não só aos seus cidadãos, mas também articular outros interesses, que surgem de agências e corporações que intervêm em temas micro, locais ou transnacionais. Portanto, os problemas de soberania, controle territorial e pretensão do monopólio da violência se somam e se articulam nos processos urbanos, com resultados complexos em termos de domínios públicos.

Análise de dois casos, Cidade do México e São Paulo

Cidade do México, caracterização e dinâmicas socioterritoriais na metrópole

A Cidade do México, capital da nação mexicana, é uma das mais povoadas e dinâmicas da região, com nove milhões de habitantes em seu território e cerca de 22 milhões em sua área metropolitana. É centro da política, da economia, dos serviços e do comércio, contribuindo com 17% da economia nacional; trata-se de um espaço urbano policêntrico, muito informal, desigual e fragmentado, com cerca de 46% de empregos nesse setor. A configuração do espaço metropolitano central é resultado de lutas e competições por imprimir uma marca no espaço coletivo construído, onde intervêm proprietários ricos, corporações financeiras internacionais, moradores pobres, comerciantes informais, governos locais e as polícias. Nesse local, o formal se entretece e convive com a informalidade que gera poderes e compete com e integra governos. Por exemplo, o opulento Centro Histórico se divide em dois setores: um formal, rico e poderoso, corporativo internacional, hiper-regulado e seguro; outro informal, com forte componente de atividades ilícitas.

Durante 30 anos a cidade foi rotulada como uma das urbes mais violentas da região. Além disso, o crime se expandiu nos anos 1990, quando emergiram as várias corporações criminosas no país. Somente depois de diversas políticas e reformas das leis e da polícia, o governo de esquerda conseguiu reduzir e controlar a violência, o que durou até meados da década passada, quando então a violência retomou seu crescimento (ALVARADO, 2012ALVARADO, Arturo. El tamaño del infierno. México: El Colegio de México, 2012.; DÍAZ, 2018DÍAZ, Mario. Distribución diferencial del delito en la Ciudad de México. Tese (Doutorado em Sociologia) - El Colegio de México, Cidade do México, 2018.; FERNÁNDEZ, 2021FERNÁNDEZ, José. Violencia en la Ciudad de México: Controles sociales y eficacia colectiva en la localización geográfica de la violencia. Tese (Doutorado em Estudos Demográficos, Urbanos e Ambientais) - El Colegio de México, Cidade do México, 2021 (en proceso).). Essa violência urbana, contudo, não cede; é imparável em território nacional, causada pelo conflito entre atores armados e também contra as polícias. Antes regional, o que produzia a ilusão de que a capital era um território governável, ela se converteu em nacional. Seu aumento está associado ao que entendemos pela transformação dos grupos criminosos em organizações industriais do crime. Desse modo, a cidade passou de poucos grupos de criminosos a uma situação com presença de dois tipos de organizações: duas organizações transnacionais - a de Sinaloa (CS) e o Cartel de Jalisco Nova Geração (CJNG) - e as várias organizações locais, responsáveis pela maioria dos delitos dos quais os cidadãos são vítimas, como homicídio, extorsão, sequestro e distribuição de drogas. Isso modificou as articulações e agora as incursões diretas das organizações. O momento mais espetacular foi o atentado, em junho de 2020, contra Omar García, secretário de Segurança Pública da cidade, organizado supostamente pelo CJNG e que demonstrou seu poder e a atitude aberta de conflito contra o governo.

Descrição da metrópole, aspectos macro e micro

Seguindo o argumento de Nery, Souza e Adorno (2019NERY, Marcelo Batista; SOUZA, Altay Alves Lino de; ADORNO, Sérgio. “Os padrões urbano-demográficos da capital paulista”. Estudos Avançados, vol. 97, n. 33, pp. 7-36, 2019., p. 8), a Cidade do México não está perfeitamente dividida entre bairros ricos e pobres. É certo que reflete a profunda desigualdade econômica e social em muitos dos seus traços fundamentais, que há uma clara segregação entre grupos sociais, enquanto em vários lugares se separam e se concentram certos grupos homogêneos. Em alguns bairros convivem ricos e pobres e em algumas áreas de maior porosidade há comunicação entre seus moradores, serviços e usos do território. Mais do que uma rede coerente, trata-se de um conjunto de bairros e demarcações segmentadas pela infraestrutura, por políticas públicas com limites territoriais e pelas ações de seus habitantes.

Para construir uma classificação, partimos de Schteingart e Rubalcava (2012SCHTEINGART, Martha; RUBALCABA, Rosa María. Ciudades divididas: Desigualdad y segregación social en México. México: El Colegio de Mexico, 2012., p. 80), que fazem uma análise por fatores nos quais agrupam as unidades em áreas geoestatísticas básicas (ageb) da cidade em seis estratos: 1) alto, 2) médio alto, 3) médio, 4) médio baixo, 5) baixo e 6) muito baixo - os últimos dois concentram as piores condições. A distribuição assemelha-se à desigualdade da cidade.

O estrato alto inclui hoje quatro das 16 demarcações territoriais da capital e não contém estratos muito baixos - 66,8% das ageb pertencem aos estratos alto e muito alto (Ibid., p. 81). Os valores altos tendem a situar-se e a agrupar-se na zona oeste da demarcação Miguel Hidalgo, parcialmente em Benito Juárez e em Álvaro Obregón. Por sua vez, as do estrato muito baixo se localizam mais nas zonas leste e norte da zona urbana, mesmo quando estão contíguas com estratos médios, dado que 83% das mesmas se concentram no estrato muito baixo:

Mapa 1:
Distribuição dos homicídios na Cidade do México

No meio desses polos a população é distribuída entre os estratos médios, médio baixo e baixo (ver mapas 3.2, 3.3. e 3.4 em SCHTEINGART e RUBALCABA, 2012SCHTEINGART, Martha; RUBALCABA, Rosa María. Ciudades divididas: Desigualdad y segregación social en México. México: El Colegio de Mexico, 2012., p. 81). A qualidade da moradia e dos serviços públicos, o emprego e a renda e a segurança são distribuídos de maneira desigual entre esses grupos. Há áreas muito segregadas e isoladas, outras misturadas. Assim, por exemplo, podemos descrever as condições microterritoriais dentro da demarcação Cuauhtémoc no centro da cidade, onde há várias ageb de estrato alto junto às de médio, mas onde também se localizam velhos bairros populares com altos níveis de marginalidade e carências (aqueles onde se concentram os homicídios); essa zona inclui estratos altos contíguos a estratos muito baixos, e alguns deles ultrapassam os limites da demarcação para criar territórios comuns (por exemplo, as colônias Morelos 1 e 2, nessa demarcação, e Venustiano Carranza).

As condições da vida urbana e o crime

Vamos mostrar os padrões espaço-temporais de ocorrência de homicídios dolosos. Para a Cidade do México, vários estudos (ALVARADO, 2012ALVARADO, Arturo. El tamaño del infierno. México: El Colegio de México, 2012.; DÍAZ, 2018DÍAZ, Mario. Distribución diferencial del delito en la Ciudad de México. Tese (Doutorado em Sociologia) - El Colegio de México, Cidade do México, 2018.; FERNÁNDEZ, 2021FERNÁNDEZ, José. Violencia en la Ciudad de México: Controles sociales y eficacia colectiva en la localización geográfica de la violencia. Tese (Doutorado em Estudos Demográficos, Urbanos e Ambientais) - El Colegio de México, Cidade do México, 2021 (en proceso).) analisam a distribuição espacial dos homicídios e projetam cinco grupos, de acordo com as taxas por 100 mil habitantes (ver Mapa 1). A tendência de delitos por homicídios da cidade oscilou ao longo dos últimos 20 anos em uma faixa de taxas entre 14 e 16 homicídios por 100 mil habitantes, com um pico (2019 com uma taxa de 19,1). Quanto à distribuição espacial, há uma enorme dispersão e um conjunto pequeno que concentra (FERNÁNDEZ, 2021, pp. 8, 72-85).

Os homicídios tendem a se concentrar em alcaldías do centro da cidade (Cuauhtémoc com alguns clusters em Venustiano Carranza, Iztapalapa Coyoacán e Tlalpan). Nessas localidades, concentram-se as ageb classificadas como de estratos baixo e muito baixo (SCHTEINGART e RUBALCAVA, 2012SCHTEINGART, Martha; RUBALCABA, Rosa María. Ciudades divididas: Desigualdad y segregación social en México. México: El Colegio de Mexico, 2012.), com exceção do Centro Histórico, que combina e funde estratos de excelentes condições com outros de grandes carências. Os alcaldías Cuauhtémoc, V. Carranza, Gustavo A. Madero e Azcapotzalco coincidem em estratificação socioespacial baixa e têm uma taxa maior de homicídio. Há uma longa faixa ao redor dos bairros entre os alcaldías Cuauhtémoc e Venustiano Carranza, com taxas entre 18 e 22 homicídios (os bairros de Tepito, Merced y Mixcalco em Morelos 1 e 2; em uma ageb chegaram a ocorrer 31 óbitos). O segundo grupo inclui cinco localidades com taxas entre 12 e 18,5 assassinatos (Gustavo Madero, Azcapotzalco, Iztapalapa, Tláhuac e Álvaro Obregón); o terceiro grupo de quatro demarcações tem taxas entre 9 e 12,2 (Azcapotzalco, Miguel Hidalgo, La Magdalena, Xochimilco); o quarto grupo com dois casos e taxas entre 6,22 e 9,1 (Miguel Hidalgo, Milpa Alta) e o quinto com taxas entre 5,3 e 6,2 (em Juárez e Cuajimalpa).

As ageb com altas taxas de homicídios correspondem a setores caracterizados pela sobreposição de carências habitacionais, educativas e de subsistência. Assim também as baixas taxas de homicídios correspondem aos setores de estratos alto e médio de 2013 a 2019. Ao testar algumas hipóteses sobre as teorias de desorganização social, eficácia coletiva ou controle informal, nem Díaz nem Fernández encontraram relação estatística significativa entre as variáveis mais frequentemente utilizadas nesses experimentos (FERNÁNDEZ, 2021). O mesmo se aplica à marginalização urbana e ao controle policial. Em contrapartida, há, sim, uma pequena relação entre a participação cidadã e o menor número de casos de homicídio (Ibid., pp. 96, 98). Isso nos leva a perguntar se há hipóteses alternativas que expliquem a ocorrência de homicídios por parte dos criminosos.

As diferentes formas e estratégias de organizações criminosas para adquirir o controle do mercado, do território, das populações e dos governos

Estariam alguns desses territórios associados à presença de organizações criminosas? Em 2015, 18,5% dos homicídios foram atribuídos a atividades associadas ao crime organizado - 107 deles ocorreram na zona norte do alcaldía Cuauhtémoc e equivalem a 9,9% do total (ALVARADO, 2016ALVARADO, Arturo. “Crimen organizado en una ciudad de América Latina: La Ciudad de México”. Urvio: Revista Latinoamericana de Estudios de Seguridad, n. 19, pp. 129-145, 2016., p. 35). A maioria dos óbitos foi atribuída tanto a disputas entre grupos distintos, quanto principalmente a conflitos no interior das mesmas organizações. A cidade é cenário de atividades de praticamente todas as organizações mexicanas transnacionais e algumas externas. Além disso, há várias quadrilhas e grupos regionais.

Quadro 2:
Organizações criminosas na Cidade do México (2017-2021)

A lista de organizações é complexa, com mais de 30 gangues de diferentes tamanhos. Iztapalapa tem 15 gangues, Tlalpan, 12 e Cuauhtémoc, 6, oferecendo uma imagem de um território de domínio e concorrência criminosa entre muitos competidores; porém, sua dispersão territorial mostra certa insularidade e poder circunscrito. Além disso, esse confronto entre organizações é ostensivamente menos violento que em outras urbes. Também, a localização do controle territorial é imprecisa: nunca é toda a demarcação territorial de uma demarcação e, às vezes, em várias, sua presença é somente insular. A organização do CJNG é a que apresenta maior presença há mais de seis anos, seguida do Cartel de Sinaloa. A maioria é de grupos locais e familiares tipo máfias ou quadrilhas de bairro. Só La Unión (Tepito) tem maior presença em dez demarcações, todavia sua cobertura está limitada a alguns bairros onde há atividades comerciais, restaurantes e bares.

A Cidade do México é uma cidade com negócios para todos? O mercado informal e ilegal é enorme e não há somente um fornecedor e sim vários. Porém, não existe uma organização que controle somente um produto ou um mercado, como o de armas (em que muitos fornecedores são policiais ou militares). As atividades criminais preponderantes são: extorsão (incluindo extorsões e agiotagem), sequestro (incluindo sequestro relâmpago), homicídio, roubo, distribuição e venda de drogas, venda de peças de carros, roubo a transporte público, roubo a pedestres, invasão de prédios e venda ilegal de prédios, venda de armas e suborno. A urbe é cenário de muitas batalhas entre organizações transnacionais por articular organizações que controlam os territórios e vice-versa, uma luta de pequenos grupos para se articularem entre os maiores com vistas a se posicionarem e incrementarem seu poder de mercado. Em seus conflitos e “guerras” não há regras para a prática de homicídios nem sua regulamentação entre os grupos ilícitos ou com as polícias. São controles informais dos contratos. Algumas têm vínculos com organizações de comerciantes na via pública ou com grupos dedicados a contrabando, pirataria ou venda de armas. Agora, passam a se concentrar no Centro Histórico.

A organização local La Unión e a transnacional CJNG são as que tiveram maior protagonismo. Por exemplo, La Unión foi responsável entre 2014 e 2018 por mais de 91 assassinatos (ALVARADO, 2016ALVARADO, Arturo. “Crimen organizado en una ciudad de América Latina: La Ciudad de México”. Urvio: Revista Latinoamericana de Estudios de Seguridad, n. 19, pp. 129-145, 2016.). É uma das que têm maior repercussão na imprensa e é a principal clientela da polícia. La Unión se concentra em quatro atividades e regiões: extorsão, sequestro, distribuição de drogas e homicídios na zona central da cidade.

Nenhum grupo conseguiu impor regras sociais de controle para um território por um período contínuo, exceto, em alguns momentos, o controle de certos mercados de pirataria, que estão bem estabelecidos no centro urbano. Alguns territórios estão muito vigiados e limitam a entrada de indivíduos que não sejam “da quadrilha” (por exemplo, em Tepito y Morelos, onde há um tipo de toque de recolher de fato). Também não funciona bem a lei do silêncio, nem outras formas de controle entre seus membros, nem entre as comunidades onde se encontram. Também não há costumes ou práticas alternativas rotineiras - a arbitrariedade impera contra a burocratização das práticas. Além de alguns conflitos (isolados), o método de combate são as execuções sumárias (há policiais envolvidos). Há outras formas de justiça informal nas comunidades contra os ladrões, os linchamentos. Com exceção das reações violentas e de propiciar motins contra as operações policiais, os “narcobloqueios”, como os que experimentam várias cidades, não funcionam ali. A maioria das quadrilhas locais tem um chefe, muitas são estruturas familiares com exígua divisão interna, regras e convenções informais; vários membros de quadrilhas e líderes estão na prisão e a partir daí organizam a extorsão e outras atividades. Mas não mantêm o controle desde a prisão e nem têm redes de proteção, solidariedade e trabalho vinculadas a seus bairros de residência.

As relações com as polícias da urbe

A segurança policial na Cidade do México conta com a presença de atores estatais e federais e está dividida em duas instituições unitárias e centralizadas. Não há policiais municipais. A primeira organização é a polícia preventiva civil, que, além de ser a polícia estatal, é a maior do país (96 mil pessoas em 2018), com maior orçamento e recursos, e a mais bem armada, com desdobramento territorial; ela dispõe de uma infraestrutura de 15 mil câmeras articuladas com o sistema de rádio e de monitoramento centralizado (chamado C5). Está dividida em uma grade de cinco zonas, 16 regiões 73 setores e 847 quadrantes-quarteirões - que equivalem a cerca de quatro quadras patrulhadas por ao menos dois grupos de policiais que se assemelham um programa de proximidade cidadã. É uma cidade muito vigiada e com uma alta taxa de delitos; em alguns territórios há uma hiper vigilância, enquanto em outros a presença é seletiva e há menos operações. Aqueles que patrulham as zonas com maior presença dos grupos de criminosos são designados por períodos, a partir do acordo entre o prefeito, o chefe do setor ou região e o governo. Além disso, há a presença complementar de forças policiais e militares federais. A outra polícia, por sua vez, é a ministerial e civil (cerca de três mil policiais), dedicada à investigação dos crimes, e tem presença territorial articulada com as delegacias locais.

O trabalho policial é produto de sua história organizacional e de sua inserção política. Sua autonomia e impunidade foram construídas no enfrentamento dos desafios da segurança de uma cidade complexa, onde a elite política (seu chefe político e legal) tem uma história de conflitos com a lei e a ordem, em uma desconfiança e competição com as outras polícias, e onde os cidadãos não confiam nela porque historicamente nunca lhes respondeu. A polícia está organizada para dar segurança, mas também para se proteger de um ambiente hostil, tanto contra quadrilhas criminosas como contra múltiplos chefes que as utilizam para fins políticos e onde há um governo em contínuo fluxo de negociação e transgressão. Conta com uma margem ampla de controle territorial assim como de discricionariedade para realizar detenções de atores ilícitos; e, em alguns casos, ela mesma incorre ou participa dessas atividades de maneira individual e coletiva. A polícia preventiva se comporta como um cartel, enquanto a ministerial age como máfia, tem outra estratégia de perseguição, controle e abuso dos atores criminosos e, em alguns casos, esquemas de proteção contra a colusão - assim ocorre no bairro de Tepito, onde alguns subchefes dessa polícia passam periodicamente a cobrar as cotas de proteção. Suas táticas são seletivas. As relações entre a polícia e as distintas quadrilhas de criminosos poderiam ser enquadradas em um continuum entre proteção, perseguição e colaboração-conluio-abuso. As divisões organizacionais produzem uma competição pelo controle dos atores criminosos, pela corrupção, pelo controle da informação delitiva e do mercado de violência. A efetividade da polícia para combater os delitos é importante, mas não tem a capacidade para reduzi-los nem para eliminar as organizações.

Em virtude de que não contamos com informação sobre mortes por intervenções policiais, encontramos nas detenções uma alternativa para entender a operação policial, seu apego à lei e sua relação com atores ilícitos. Na cidade, uma média de 59% das detenções são efetuadas pela polícia preventiva, 30% pela ministerial, 9% pela federal e 1% pelas forças armadas (PADILLA, 2021PADILLA, Sergio. Las policías estatales en la militarización de la seguridade pública en México (2007- 2018). Tese (Doutorado em Sociologia) - El Colegio de México, Cidade do México, 2021.). Padilla (Ibid.) mostra que as polícias da Cidade do México têm cerca de 30% de detenções arbitrárias, assim como utilizam a tortura como mecanismo de controle, tanto para extrair informação como para extorquir os detentos, particularmente em detenções associadas ao uso de arma de fogo, extorsão ou sequestros, atividades preponderantes das organizações ilícitas. É um comportamento predatório e seletivo. Isso pode ser completado com as distintas formas de policiamento cotidiano, onde a polícia varia sua estratégia. Por exemplo, quando patrulha bairros como Tepito-Morelos tende a ostentar-se de maneira quase temerária, ao contrário do que acontece nos bairros de classe média mais reativa diante do abuso policial, onde pratica relações mais apegadas ao respeito e à proximidade. Também em alguns casos os comerciantes se organizam em associações que fazem a segurança independentemente da polícia, sem colaboração, mas sem conflitos (DÍAZ, 2019DÍAZ, Arturo. Economías de la inseguridad: Violencia, estado y (des) orden local. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - El Colegio de México, Cidade do México, 2019.). Os membros desses grupos, por sua vez, procuram uma convivência pacífica com membros de outras quadrilhas locais (como em Tepito com La Unión), inclusive dividindo seus espaços de socialização, mas mantêm claras as fronteiras em suas atividades de trabalho.

A prática mais geral é a corrupção, um mecanismo de negociação entre cidadãos, delinquentes e policiais. Mas não é raro o conluio, a inserção de policiais nas quadrilhas ou então que eles criem suas próprias gangues. As polícias são avessas aos riscos, procuram evadir dos conflitos que envolvem atores poderosos, bem como de organizações com poder de fogo; toleram sua presença enquanto não emerja violência extrema. Tudo isso produz um estranho resultado: os níveis de violência nunca são os das rebeliões de atores ilícitos, mas sim uma negociação contínua entre eles.

Sobre os policiais assassinados, os relatórios públicos estimam que entre 2013 e 2018 46% eram policiais estaduais mortos em confrontos com quadrilhas da delinquência organizada (INEGI, 29/01/2021, pp. 26, 34). Na capital, a cifra de vítimas entre eles está estimada entre 41 e 70 mortos, sendo 52% por enfrentamentos (Ibid., p. 39). Não temos a localização dos óbitos, então só podemos intuir que ocorreram ou por conflitos com alguma organização criminal ou por patrulhar zonas de alto risco (Ibid., p. 61).

A explicação que propomos para entender a dinâmica microterritorial do crime e seu controle-domínio na urbe reside nas condições políticas e organizacionais. O comportamento da polícia afeta o controle da delinquência por suas atitudes autoprotetoras e autônomas, assim como por uma negociação microterritorial com diferentes atores políticos e com outros atores do crime que transgridem a lei. A estratégia dominante é de enfrentamento-domínio, mais tarde de controle e outras de conluios, pelos quais os equilíbrios são instáveis.

Comportamento dos governos, suas relações com os habitantes e com os atores ilícitos

Desde 1997, ganhou uma coalizão de partidos de esquerda que tem se mantido no governo local da cidade (e agora no nacional) e que criou sua própria estratégia de policiamento de “esquerda”, isto é, programas de tolerância zero, de implementação do sistema de medição de Comstat e ainda um programa inovador à época, a segurança por quadrantes. Também reformou as leis e reformulou as polícias com o objetivo de obter seu controle político valendo-se de reformas e controles trabalhistas e mudanças de estratégia de agrupamento, organização interna e deslocamento territorial, a fim de diminuir a autonomia de grupos de chefes de polícia no controle da tropa. Também aumentou o gasto em segurança (até 25% do orçamento estatal). Em 2005 eram visíveis os resultados quanto à redução da delinquência, mas décadas depois esse modelo não foi capaz de deter o aumento, com a deterioração da segurança e das polícias do país. Retoricamente, nos anos recentes mudaram os programas de tolerância “zero” a uma tolerância condicionada e, recentemente, passou-se a uma estratégia de “abraços e não balas”.

O outro pilar de segurança é o modelo político de uma cidade centralizada administrativamente, mas com uma enorme competição política entre a oposição e entre grupos da coalizão no poder e com interesses em manter-se no governo introduzindo uma complexa interação na segurança entre políticos, empresários, donos de comércio e de negócios, autoridades locais, informais, polícia e atores do crime.

A dinâmica ilícita microterritorial é continuamente negociada entre autoridades centrais e os alcaides, em que a relação entre grupos de vizinhos ativos, empresários, comerciantes, donos de restaurantes, trabalhadores na via pública e até imobiliárias cria pressões e oportunidades para transgredir leis. Dentro desses interstícios entram várias atividades ilícitas e grupos criminosos que compartilham um negócio duplo na política local e na economia informal.

Há um tipo de “simbiose” entre a elite política local e vários grupos informais que pode incluir candidatos, autoridades eleitas ou chefes de facções dos partidos, que acordam com as lideranças das organizações criminais o acesso à administração do espaço público. Vários “chefes” desses grupos tendem a transformar-se em deputados, vereadores ou prefeitos e em cada partido foram se construindo redes e núcleos que circulam entre os postos públicos e daí negociam, capturam os recursos públicos e o espaço público. As bases eleitorais estão organizadas em redes de clientelismo em que se compram postos e votos.

Novamente tomemos o exemplo da demarcação Cuauhtémoc, que tem uma série de clãs político-econômicos - por exemplo, o clã de Bejarano Padierna, do partido Morena, assim como outros que controlam o comércio em via pública, como a família Barrios (PRI-outros) ou Guillermina Rico e outros mais que controlam bares, restaurantes e clubes. Vários membros desses grupos foram deputados locais, federais ou prefeitos e, ao participarem, têm acesso às regulamentações dos espaços públicos e utilizam recursos do governo para fortalecer suas redes. Os candidatos e as eleições são organizados pela elite partidária, não por grupos ilícitos, ainda que pareçam; todos apoiam comprando eleitores.

Diferentes respostas sociais à violência delitiva e às organizações criminosas no heterogêneo espaço urbano

Um terceiro elemento da segurança está na participação cidadã em segurança. Essa participação é ambivalente, há pouco apego à lei e à justiça formal e alguns preferem acordos informais. Sua classificação está dividida de maneira paralela à organização espacial na cidade, com um grupo que habita territórios com as melhores condições urbanas, várias organizações civis e de empresários com grandes recursos; há ainda outros grupos da sociedade civil de bairros de classe média, promotores do direito à cidade e uma enorme diversidade de organizações comunitárias formais que entretecem atores sociais locais em territórios de piores condições, em que o apego a um estado de direito varia mais que nos grupos dominantes. Isso ocorre tanto entre comunidades onde a presença de organizações ilícitas é forte como entre outros atores com mais recursos. E há vários cenários de bairros onde os atores políticos e os ilícitos convivem, interagem como os vizinhos, estabelecendo com alguns deles microrregimes de relações de clientela e lealdade; em outros, as relações são de resistência. O governo desenvolveu uma política vertical de relação com as associações de bairros. A pergunta central é se há comunicação, interação e lealdades com grupos criminosos. No caso do bairro Tepito e vários adjacentes, há uma interação e comunicação cotidiana entre vizinhos, comerciantes legais e grupos criminosos; há mecanismos de resistência comunitária pacífica, em que se busca a intervenção dos governos, mas a polícia nem sempre é aceita como mecanismo de ordem.

Nas regras do governo há um esquema participativo na segurança. Eles mostram que a preferência dos representantes cidadãos reside em participar com o governo, particularmente demandando mais patrulhamento, alarmes e resgates de espaços públicos e iluminação.

São Paulo, a metrópole e suas heterogeneidades

A capital do estado de São Paulo é um território pleno de contrastes, com um perfil comparável ao de grandes metrópoles com elevada qualidade de vida. Com uma população de 11.897.747 habitantes, a quarta maior do mundo, e um PIB que representa 10,8% do nacional (PRADO, 05/11/2020) e 36% da produção do estado, é considerada uma cidade global, das mais ricas do mundo, com maior e melhor infraestrutura. Sob perspectiva macro, as imagens e representações sobre os bairros paulistanos acentuam os contrastes entre os bairros “ricos” e os “pobres”, entre centro e periferia. São representações correntes no senso comum, na opinião pública, na mídia impressa. Até mesmo os estudos acadêmicos se valeram, até recentemente, da dicotomia centro-periferia. Essas imagens começaram a ser desconstruídas à medida que os dados oficiais sobre os bairros foram sendo mais bem qualificados e as investigações de campo, sobretudo baseadas em etnografias, se tornaram mais frequentes, cobrindo vários bairros e “pedaços da cidade” (MAGNANI, 2003MAGNANI, José Guilherme. Festa no pedaço: Cultura popular e lazer na cidade. São Paulo: Hucitec; Editora Unesp, 2003.). Cada vez mais foi se firmando o entendimento de que não se pode agrupar os 96 distritos e as 32 subprefeituras em dois grandes grupos homogêneos e opostos.

Um estudo recente (NERY, SOUZA e ADORNO, 2019NERY, Marcelo Batista; SOUZA, Altay Alves Lino de; ADORNO, Sérgio. “Os padrões urbano-demográficos da capital paulista”. Estudos Avançados, vol. 97, n. 33, pp. 7-36, 2019.), ao contestar o entendimento da cidade dividida em centro-periferia, propôs uma metodologia que identificou oito áreas-chave no município de São Paulo:

Mapa 2:
Aglomerados urbanos no município de São Paulo

Para ilustrar, alguns exemplos. O Grupo A está concentrado na região central da capital paulista. Combina atividades comerciais e de serviços, é área de urbanização antiga e consolidada, tem elevada densidade demográfica, elevada variação de domicílios particulares permanentes, maior proporção de verticalização, baixa proporção de aglomerados subnormais, bons índices de condições sanitárias e de higiene, elevada proporção de chefes de família alfabetizados e de alta renda. A maioria de seus setores censitários não registrou, no período considerado (2000-2008), qualquer ocorrência de homicídio. O Grupo E conheceu, como alguns outros, a expansão de sua urbanização entre 1950 e 1962, que coincide com o impulso do desenvolvimentismo, liderado pela indústria e pela intensificação de correntes migratórias. Caracteriza-se pelo crescimento das habitações irregulares em áreas de urbanização antiga, fenômeno associado à constituição de favelas e a outras habitações precárias. Nesse grupo, é menor a proporção de chefes de família com alta renda. Suas taxas de homicídios são médias em relação aos padrões gerais. O Grupo H é resultado de um processo mais recente de urbanização entre 1975 e 1985. Como característica singular, 6% de seus setores censitários se caracterizam como rurais, ocupando extensos territórios na região sul. Concentra maior número de áreas com risco geológico, piores índices de atendimento de água, esgoto e coleta de lixo, baixa proporção de chefes de família com renda elevada e baixa densidade demográfica. Esse grupo também se caracteriza por habitações em áreas periurbanas, onde se mesclam atividades urbanas e rurais, sobretudo no extremo norte, no extremo leste e na Zona Sul da cidade. Nele, o tecido urbano apresenta-se de forma descontínua e mesmo rarefeita. Igualmente ao Grupo F, suas taxas de homicídio são elevadas, o que também pode estar associado à dispersão populacional no território.

Uma das principais conclusões desse estudo é o flagrante descompasso entre esses padrões de aglomerados urbanos e as divisões político-administrativas oficiais. Esse descompasso traz consequências inegáveis. Primeiramente, as 32 subprefeituras cobrem territórios diversos, com demandas distintas. O atendimento de demandas sociais depende das pressões políticas de vereadores e deputados com bases eleitorais locais sobre subprefeitos e sobre a Prefeitura. Desse modo, as relações entre governantes e governados permanecem sujeitas ao clientelismo e ao personalismo. No cotidiano dos moradores nos bairros que pertencem aos aglomerados urbanos com maiores carências, muitos dos problemas são resolvidos às custas da rede de relações interpessoais de cooperação. Tudo demanda conhecimento local e pessoal, vínculos informais com vizinhos, entidades religiosas, ONGs e inclusive com as organizações criminais que controlam o tráfico local de drogas e outras atividades ilegais. Portanto, a heterogeneidade da cidade também é transversal ao mundo do crime.

As condições da vida urbana e o crime

No curso de mais de três décadas, profundas transformações sociais operaram tanto no perfil da cidade de São Paulo, acentuando sua heterogeneidade interna entre setores censitários e aglomerados urbanos, como no perfil do crime e da violência, também atravessado pela diversidade de formas de organização, manifestação e atores envolvidos.

Examinando as taxas gerais dos crimes no município, é possível observar que determinadas modalidades registraram queda no período de 1996 a 2019, enquanto outras cresceram. Embora o crime contra o patrimônio seja objeto de inquietação coletiva, é o homicídio o que parece suscitar e alimentar o medo e a insegurança subjetivos. Os homicídios também acompanham a “lei” da heterogeneidade da cidade. As tendências observadas para o período de 1981 a 2019 indicam curvas de crescimento e de queda. No início da série histórica, a taxa era de 14,8 ocorrências por 100 mil habitantes; em 1990, evoluíram para 41,1; em 1996, para 46,5. Em 1999 conheceram sua maior taxa, 52,4. Nos anos seguintes, a curva foi progressivamente descendente, alcançando surpreendentemente a taxa de 6,2 ocorrências por 100 mil habitantes no final da série histórica4 4 Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), Departamento da Polícia Civil e da Polícia Militar. Disponível (on-line) em: http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/pesquisa.aspx (acesso em 20/08/2021). . Com base em estudo ecológico-longitudinal, Nery et al. (2012NERY, Marcelo Batista; PERES, Maria Fernanda Tourinho; CARDIA, Nancy; VICENTIN, Diego; ADORNO, Sérgio. “Regimes espaciais: A dinâmica dos homicídios dolosos na cidade de São Paulo entre 2000 e 2008”. Ver. Panam. Salud. Publica, vol. 6, n. 2, pp. 405-412, 2012.) examinaram a distribuição dos homicídios no município da capital, no período de 2000 a 2008, cujo resultado identificou sete regimes espaciais de ocorrências de homicídios, que combinam setores censitários com diferentes características, como vizinhanças com altas e baixas taxas.

As razões que explicam essas tendências ainda são pouco claras, embora alguns estudos procurem oferecer pistas explicativas. Peres et al. (2011PERES, Maria Fernanda Tourinho; ALMEIDA, Juliana Feliciano de; VICENTIN, Diego; CERDA, Magdalena; CARDIA, Nancy; ADORNO, Sérgio. “Queda dos homicídios no município de São Paulo: Uma análise exploratória de possíveis condicionantes”. Revista Brasileira de Epidemiologia, vol. 4, n. 14, pp. 709-721, 2011.), analisando a evolução da mortalidade em São Paulo entre 1996 e 2008, constataram queda de 73% entre 2001 e 2008. As principais conclusões indicaram que o declínio teve maior impacto entre os homens, nas faixas etárias de 15 a 24 anos, moradores das áreas de exclusão social extrema. Houve também sensível redução dos homicídios. O risco de ser vítima de homicídio doloso retrocedeu sobretudo nas áreas de exclusão extrema e de alta exclusão. Até 2008, tudo indica que o aquecimento da economia e a discreta redução das desigualdades sociais tiveram peso importante na queda dos homicídios. No entanto, a partir de 2008 esse peso perdeu força, não obstante a permanência da curva descendente.

Segundo alguns estudiosos, a explicação para esse cenário teria que ser buscada nas tendências de fortalecimento do crime organizado - no caso, as mudanças em curso na formação e consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC), que teria logrado a hegemonia no controle das populações encarceradas do estado de São Paulo e teria selado sua visível presença na vida dos moradores de bairros das periferias do município (BIDERMAN et al., 2019BIDERMAN, Ciro; MELLO, João M. P.; LIMA, Renato S. de; SCHNEIDER, Alexandre. “Pax Monopolista and Crime: The Case of the Emergence of the Primeiro Comando da Capital in São Paulo”. Journal of Quantitative Criminology, n. 35, pp. 573-605, 2019.; DIAS, 2013DIAS, Camila Nunes. PCC: Hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.; FELTRAN, 2011FELTRAN, Gabriel. Fronteiras de tensão: Política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora Unesp; CEM; Cebrap, 2011.). Embora haja, nos estudos qualitativos e etnografias realizadas por diferentes pesquisadores, evidências de que o PCC de fato exerceu influência na queda dos homicídios ao impor suas regras de paz nas prisões e nos bairros onde sua presença e domínio são marcantes, não se pode asseverar que essa hipótese esteja indiscutivelmente demonstrada. Entretanto, é inevitável reconhecer que, associada a outros fatores, essa influência convergiu para a redução geral das taxas.

Ilustrativo desse processo de “pacificação” e controle territorial é a estabilidade das taxas de homicídio por 100 mil habitantes, por áreas-chave do município de São Paulo, no período de 2011 a 2019, lado a lado de tendências ora para crescimento ora para declínio5 5 Os dados criminais do estado de São Paulo são divulgados on-line (http://www.ssp.sp.gov.br/Estatistica/Pesquisa.aspx) em data anterior à publicação oficial em Diário Oficial do Estado (acesso em 26/08/2021). . No aglomerado urbano A, onde se encontra situado o Distrito Policial de Pinheiros (predomínio de classe média alta), a taxa de 2,1 ocorrências (em 2011) cresceu para 3,4 (em 2019). No aglomerado urbano E, onde está situado o Distrito Policial de Vila Joaniza (Zona Sul, baixos indicadores sociais), a taxa oscilou de 10,2 ocorrências (em 2011) para 2,9 (em 2019). Portanto, houve queda significativa. No aglomerado H, uma área territorial com população dispersa e zonas rurais, onde se encontra o Distrito Policial de Jardim Mirna, as taxas variaram muito: 8,9 ocorrências (em 2011), 23,0 (em 2012), 12,2 (em 2016) e 6,5 (em 2019). De todo modo, a tendência foi para a redução das taxas com suas oscilações e variações.

A despeito disso, as taxas baixas, médias e altas estão presentes nas diferentes áreas-chave. Convém observar que a totalidade dos registros de homicídios não resulta de conflitos ou disputas no âmbito do crime organizado. Parte dos homicídios diz respeito a desfechos fatais em conflitos interpessoais e intersubjetivos, compreendendo desentendimentos nas vizinhanças, brigas de bares ou nas ruas, disputas nas relações conjugais e nas relações entre pais e filhos, entre amigos e colegas de trabalho, tensões nas relações amorosas, feminicídios cujas motivações são diversas e não envolvem necessariamente o mundo do crime. Há também desfechos fatais que ocorrem na sequência de roubos ou nos casos de extorsão mediante sequestro de pessoas ou bens materiais, assim como em conflitos de trânsito, além das mortes praticadas pela intervenção policial. Como se sabe, o nascimento e início da expansão do PCC coincide com a curva ascendente dos homicídios, enquanto o declínio coincide com a pax monopolista (BIDERMAN et al., 2018) instituída por essa organização criminosa. Esses cenários sugerem que os homicídios não constituem o único indicador do processo de pacificação levado a cabo pelo PCC. De todo modo, o que essas análises apontam é que o crime organizado não tomou de assalto toda a cidade. Sua presença é mais marcante em alguns bairros e aglomerados urbanos, menos em outros.

As diferentes formas e estratégias de organizações criminosas para adquirir o controle do mercado, do território e das populações e dominar os governos

Não há evidências de que o PCC tenha substituído o governo municipal e estadual na gestão das cidades, muito menos de São Paulo. Não obstante, sua presença é irrefutável e seu domínio sobre parcelas substantivas do território urbano é realidade que não pode ser negada.

Adorno, Dias e Nery (2016ADORNO, Sérgio; DIAS, Camila Nunes; NERY, Marcelo Batista. “A cidade e a dinâmica da violência”. In: KOWARICK, Lúcio; FRÚGOLI JR., Heitor (orgs). Pluralidade urbana em São Paulo: Vulnerabilidade, marginalidade, ativismos sociais. São Paulo: Editora 34, 2016, pp. 381-409.) concentraram-se nas relações entre padrões de homicídios dolosos e indícios de atividades de organizações criminosas. O estudo identificou três cenários presentes na cidade de São Paulo entre 2007 e 2008: setores com altas taxas de homicídios, setores com baixas taxas de homicídio e setores onde não houve registro dessas ocorrências. Os resultados sugerem que nas áreas ou setores onde não houve registro de homicídios, a presença de organizações criminais é fraca ou menos relevante. No entanto, essas organizações estão mais presentes nas áreas com altas taxas e baixas taxas de homicídios, sobretudo com maior força nestas últimas, o que pode sugerir nexos com as políticas de pacificação do PCC. Sob outra perspectiva, o estudo de Biderman et al. (2019BIDERMAN, Ciro; MELLO, João M. P.; LIMA, Renato S. de; SCHNEIDER, Alexandre. “Pax Monopolista and Crime: The Case of the Emergence of the Primeiro Comando da Capital in São Paulo”. Journal of Quantitative Criminology, n. 35, pp. 573-605, 2019.) indica que a chegada e expansão do PCC no município de São Paulo está associada, no período de 2005 a 2010, ao crescimento do crime violento, em especial em favelas situadas nas periferias. No entanto, o estudo também constatou a existência de favelas que não se encontravam sob o domínio dessa organização criminosa.

A história da criação do PCC é bastante conhecida, assim como as três etapas de sua expansão (DIAS, 2013DIAS, Camila Nunes. PCC: Hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013.; FELTRAN, 2011FELTRAN, Gabriel. Fronteiras de tensão: Política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo: Editora Unesp; CEM; Cebrap, 2011.), que reconfiguraram a governança do crime na cidade de São Paulo. O encarceramento maciço, formulado e implementado pelo governo estadual, rapidamente promoveu a superpopulação carcerária com todas as consequências esperadas, sobretudo os conflitos mortais entre facções pelo controle dos pontos de venda das drogas, monopólio da coerção física e centralização das oportunidades de poder (DIAS, 2013). Das prisões, o PCC transitou e se fortaleceu nos bairros, criando intenso intercâmbio prisão-cidade-prisão (GODOI, 2015GODOI, Rafael. “Vasos comunicantes, fluxos penitenciários: Entre dentro e fora das prisões de São Paulo”. Vivências: Revista de Antropologia, n. 64, pp. 131-142, 2015.). Passados os anos de sua consolidação, há evidências de que o PCC esteja adentrando uma quarta fase com a reorientação de suas atividades ilegais para a internacionalização do mercado de drogas com a consequente transferência do poder decisório da capital do estado para a zona portuária.

O principal negócio do PCC permanece sendo o mercado ilegal de drogas, sobretudo cocaína. Conforme dados oficiais, cresceram substantivamente as taxas de ocorrências de consumo ou tráfico ilegal de drogas entre 1996 e 2019. No início do período, no município, foram registradas 20 ocorrências por 100 mil habitantes dessa modalidade de crime. Em 2007, esse número havia quadruplicado; em 2013, o registro alcançou 120 ocorrências por 100 mil habitantes; no final do período, o volume de registros saltou para 140. Em decorrência disso, aumentou o número de inquéritos policiais e de prisões. A porcentagem de prisões pelo tráfico de drogas foi, em 1996, 10% do total de prisões; em 2008, 25%; em 2012, saltou para 30% - a maior proporção no período. Nos anos subsequentes a curva oscilou tanto para o declínio quanto para a retomada do crescimento, chegando à proporção de 23% de prisões por tráfico de drogas em 20196 6 Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo - SSP Departamento da Polícia Civil e da Polícia Militar. Disponível (on-line) em: http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/pesquisa.aspx Acesso em 20/08/2021 (vários anos). .

Sabe-se também, por meio de fontes policiais e judiciais, que os negócios do PCC envolvem outras atividades, como transporte coletivo por meio de vans e linhas de ônibus regulares, roubo de cargas, hotéis, postos de gasolina, estacionamentos, venda e desmanche de veículos roubados, pagamento de mensalidades. Mais recentemente, notícias veiculadas na imprensa dão conta de invasões de áreas de proteção de mananciais, possivelmente com o propósito de construir habitações e fixar populações, como vem ocorrendo no Rio de Janeiro (MANSO, 2020MANSO, Bruno Paes. A república das milícias: Dos esquadrões da morte à era Bolsonaro. São Paulo: Todavia, 2020.). Ao contrário do que ocorre com as milícias no Rio de Janeiro, o PCC não cobra taxas de proteção nem pedágio para acesso às ruas do bairro onde exercem seu domínio.

Para administrar seus negócios ilegais, o PCC conta com uma estrutura formal, hierárquica e funcional, de tipo empresarial (DIAS, 2013DIAS, Camila Nunes. PCC: Hegemonia nas prisões e monopólio da violência. São Paulo: Saraiva, 2013., cap. 10), centrada no emprego de celulares e aplicativos. Além das regras gerais estabelecidas no estatuto (uma espécie de constituição própria), e a par de controles territoriais, há rígida regulamentação quanto ao recrutamento dos membros. Cada membro batizado e admitido é “fichado”, conta com um registro funcional do qual constam: nome e motivo da prisão; vulgo; número de matrícula (corresponde ao número atribuído ao entrar na prisão); quebrada (lugar onde mora ou age); data do batismo (data de entrada na organização); local de batismo (prisão ou nos bairros); padrinhos (aqueles que convidam e recrutam, único modo de se tornar membro); três últimas faculdades (prisões em que esteve encarcerado); três últimas “responsa” (funções de liderança exercidas); punição (penas aplicadas por infração ao estatuto do PCC); data de saída (data de desligamento); linha V (número de telefone onde pode ser encontrado); cadastro (data e local da última atualização) (O Globo, Época Negócios 2015). A estrutura desse cadastro é fortemente inspirada nas fichas que compõem inquéritos policiais ou prontuários penitenciários. Trata-se, sem dúvida, de uma apropriação dos procedimentos oficiais de investigação, porém adaptados às singularidades da organização criminal.

Fundamental para o êxito do empreendimento é o controle contábil, mediante planilhas eletrônicas, do fluxo de caixa, das operações de compra e venda da droga e das atividades ilegais, dos ativos e passivos. O que se sabe provém de apreensões policiais e denúncias oferecidas pelo Ministério Público. Ele revela preocupação com resultados e o retorno de investimentos tanto nas atividades-fim quanto nas atividades-meio. Esses dois exemplos, controle do recrutamento e controle contábil, indicam destacada racionalização da governança interna empresarial. No entanto, dada a natureza das operações ilegais, a governança empresarial depende de sustentação institucional para além do mundo do mercado. A governança do crime requer a conquista da governança criminal da cidade, o que significa pensar o PCC como organização da vida societária em suas relações com governos, instituições de controle da ordem pública e a classe política.

Sua presença nos bairros, em especial naqueles que compõem as periferias da cidade, resultou do movimento de entradas e saídas das prisões. Alguns dos batizados, membros da organização, uma vez livres, se tornam veículos de comunicação prisão-bairro-prisão, assim como famílias em suas visitas periódicas aos presos. Pouco a pouco, esse processo vai se estendendo e muitos bairros têm partes de seus territórios dominados pela organização. Embora o emprego da violência ou de sua ameaça não esteja ausente das relações entre “governantes” e “governados”, o uso ou circulação com armas exibidas publicamente nas ruas, nos bares e nas áreas de aglomeração de pessoas é rara, senão discreta. Não significa que o PCC não compre armas e não as utilize em operações, mas elas ficam guardadas no paiol, sem visibilidade.

Tal como ocorreu e ainda ocorre nas prisões, é bastante rigorosa a regulação dos comportamentos sociais. Eles encontram-se discriminados no Dicionário disciplinar7 7 Fonte: Dicionário - Regimento Disciplinar PCC. Não há como atestar a veracidade desse documento que circula publicamente. Disponível (on-line) em: http://www.aconteceuemitu.org/2017/04/dicionario-regimento-disciplinar-pcc.html , “uma ferramenta de extrema importância na condução e preparação de novos líderes”: “Deve-se analisar com muita prudência um item antes de aplicar, pois o intuito é as condições e nas aplicações dos itens, conforme análise do Sintonia”. Trata-se de um repertório de boas e más condutas e das punições aplicáveis às transgressões, uma espécie rudimentar de código de processo civil. Sua linguagem simples e direta, fortemente influenciada por palavras e termos correntes no mundo do crime, é suficiente para o entendimento de pessoas comuns. A leitura desse dicionário permite identificar alguns dos parâmetros de regulação comportamental em torno de eixos como: abusos de confiança; traição; emprego de meios reprováveis como pressões psicológicas para obtenção de vantagens pessoais; cometimento de atos que ensejam prévia autorização, como mortes de desafetos; falta de cumprimento de compromissos assumidos; acusações sem provas e calúnia; caguetagem; estupro; abandono de missão sem justificativa; uso de drogas ou atos similares que prejudiquem a organização; extorsão e chantagem para obter benefícios próprios; cometimento de atos ou opiniões que possam prejudicar pessoas; falta de interesse na organização, na participação em trabalhos ou projetos da família; não cumprimento de missões ou tarefas dentro de prazos estipulados; cometimento de relações sexuais ou atos obscenos com pessoas do mesmo sexo; roubo de dinheiro, drogas e armas da organização; e superfaturamento quando a mercadoria em mãos tem seu valor agregado para fins de benefício próprio.

Esse repertório contempla não somente os comportamentos reprováveis, mas também o elenco daqueles que se pretende enraizar entre os membros da organização criminal. Sob esse aspecto, conserva tanto uma dimensão repressiva, a exemplo dos códigos penais, como também positiva com o propósito de criar uma espécie de comunidade de entendimento comum a respeito de valores como disciplina, lealdade, cooperação, justiça, honradez e virilidade. O mundo do crime, e o PCC não é diferente, é um mundo pensado por homens e para homens, daí porque o machismo é enraizado, fonte de rígida regulação do comportamento entre gêneros. Às mulheres são reservadas funções subalternas, tanto nas prisões femininas como nos bairros. Até recentemente, às mulheres cabia o controle do fluxo de comunicações, estando quase sempre no comando das centrais telefônicas. Com a difusão de celulares, frequentemente trocados para evitar deixar rastros, e o emprego regular de aplicativos, aquele comando tendeu a perder espaço e relevância.

Alguns aspectos desse decálogo de comportamentos reprováveis não são tão explícitos, até porque são internalizados sem ameaça de punição. Entre eles está o imperativo da lei do silêncio que vige nos bairros. Como se sabe, muitos moradores dos bairros e favelas onde a presença de organizações criminais é reconhecida vivem entre duas ordens de pressões: de um lado, o PCC, de outro, a polícia. A vigilância de uns sobre outros e de membros do PCC sobre moradores é realidade frequente. Saber se conduzir significa ter sabedoria no uso pessoal do ouvir, do ver e do falar. Se, por um lado, é frequente que moradores reconheçam que a quebrada está mais segura com a chegada do PCC, por outro, ir ao bar, jogar futebol nos campos de várzea nos finais de semana e frequentar danceterias são ações vigiadas a distância e sob olhares discretos.

Cada comportamento discriminado no Dicionário disciplinar como condenável, segundo as regras que orientam a ação dos comandos e dos membros do PCC, vem acompanhado de correspondente punição. As penas podem ser leves, médias ou duras, compreendendo advertência, suspensão por tempo determinado, exclusão simples, exclusão sem retorno, anulação do batismo. A pena mais grave, decretação de morte, é reservada exclusivamente para a traição, isto é, quando um integrante da organização leva informações para outras facções ou para a polícia ou então se desliga para se vincular a outra organização. Entre os comportamentos reprováveis, estão aqueles que indiretamente comprometem a regularidade dos negócios e o dia a dia da organização, como conflitos nas relações conjugais, conflitos de vizinhança e brigas nos locais de lazer e de festas.

Foram então criados mecanismos de regulação de conflitos tanto nas prisões como nas quebradas: os “debates”, espécie de tribunais que se ocupam justamente de apurar fatos e distribuir sanções, um verdadeiro “chamado às ideias”, já estudados pela literatura especializada (DIAS e GOMES, 2021DIAS, Camila Nunes; GOMES, Mayara de Souza. “Notas sobre a tortura em um debate do Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo”. Sociologias, Porto Alegre, ano 23, n. 57, pp. 326-354, 2021.). Dias e Gomes (Ibid.) analisaram detidamente um processo instaurado na justiça criminal para apurar práticas de tortura no município de São Paulo, cujo objeto residiu na denúncia de ocorrência de um debate do tipo “vida e morte”. Tal como o código disciplinar, o modelo de julgamento está inspirado nos procedimentos e rituais próprios da justiça oficial. Não é estranha essa sorte de apropriação, até porque muitos dos integrantes passaram pela experiência de terem sido denunciados e condenados, conhecendo, na condição de testemunhas, os fragmentos da história policial e judicial a que foram submetidos. Porém, não se trata de simples incorporação ou sedução pela justiça da civilização ocidental moderna. Essa apropriação vem carregada de sentido crítico porque procura implementar justiça líquida e certa em tempo recorde - tudo o que a justiça dos homens “civilizados” promete e não logra fazer.

Crime organizado, política e polícia

A par das relações de controle e domínio do PCC nos bairros, as relações externas do crime organizado com a política e com a polícia não são temas novos. Ainda se sabe pouco sobre a imersão do PCC na política local, regional e nacional. Analisando as tendências que fizeram constituir, nas democracias modernas, as máquinas plebiscitárias, Weber (1970WEBER, Max. “A política como vocação”. In: Ciência e política: Duas vocações. São Paulo: Cultrix, 1970, pp. 55-124.) conclui que a figura central desse processo é a figura do boss, “homem indispensável para coletar diretamente os fundos que os grandes magnatas de finanças destinam à organização [partidária]” (p. 97).

Guardadas as diferenças de contexto histórico, é inegável reconhecer a formação de poderosas máquinas plebiscitárias atuando nas eleições no Brasil para todo e qualquer cargo eletivo. Cada partido recruta seu próprio arrecadador de fundos capazes de alavancar eleições de tal ou qual candidato. Não há sólidas evidências de que o PCC tenha destinado recursos financeiros a partidos ou para sustentar candidaturas, nem que tenha logrado eleger algum candidato identificado com a organização criminal e seus propósitos. Vez ou outra, na imprensa periódica, surgem notícias de financiamento eleitoral ou dos vínculos de um candidato ou parlamentar com essa organização criminal, mas essas suspeitas sequer chegam a ser investigadas.

Ainda que essas relações, no caso de São Paulo e do PCC, careçam, ao menos até o momento, de fortes evidências empíricas, é possível identificar alguns de seus sintomas por via indireta. Como revelado pela imprensa e por análises subsequentes aos acontecimentos que resultaram nos ataques do PCC em 2006, o estopim desses acontecimentos residiu em informações sigilosas, prestadas por delegados da Polícia Civil à Câmara dos Deputados, em sessão não acessível ao público, segundo as quais o poder estadual estava planejando a transferência e redistribuição das principais lideranças no sistema penitenciário, inclusive sua mais destacada à época, o Marcola. Funcionário da Câmara, responsável pela gravação das sessões, cooptado pela organização, concedeu cópia da gravação que chegou às mãos dos comandos centrais. Soube-se, na sequência dos acontecimentos ocorridos em ano eleitoral, que o PCC estaria financiando a formação de “gravatas” (advogados) próprios para sustentação de sua defesa e que estava interessado em financiar a campanha de dois deputados, um estadual e outro federal, cujos nomes não foram divulgados. Ao mesmo tempo, o episódio parece revelar que a imersão do PCC no mundo político está mais voltada para a obtenção de informações privilegiadas, como operações policiais ou projetos de lei em andamento nas casas legislativas que possam vir a prejudicar seus negócios. Parecem menos relevantes a defesa e representação de seus interesses como organização criminosa ou de interesses que possam beneficiar os bairros ou “quebradas” onde exercem seu domínio.

De outra natureza são as relações entre o PCC e as polícias, que não são homogêneas em todos os bairros e áreas-chave da cidade de São Paulo. Nos bairros que compõem o aglomerado urbano A, a Polícia Militar costuma exercer mais suas funções de policiamento preditivo, evitando roubos ou agressões à mão armada. Em outros, suas funções repressivas parecem prevalecer (aglomerados E e H). Em alguns, há relações algo cordiais com policiais militares exercendo funções estranhas aos seus mandatos, como conduzir, em suas viaturas, mulheres em trabalho de parto para os hospitais públicos da região. Em outros, a presença é ostensiva, ameaçadora, violenta e não raro acompanhada de mortes. Seus alvos principais são usuários e traficantes de drogas, bem como autores de roubos, matadores profissionais e autores de mortes contra policiais.

É corrente entre cientistas sociais a afirmação segundo a qual não é possível escrever a história da sociedade brasileira sem referência à presença das polícias no cotidiano de moradores, sobretudo nas periferias. Muito já se sabe como atuam as organizações policiais. No mesmo sentido, conhecem-se as reações não apenas daqueles diretamente afetados por investidas policiais violentas, mas também da opinião pública em geral. Convém lembrar que as políticas urbanas implementadas no âmbito dos governos locais (prefeituras) não contemplam problemas de segurança pública relacionados ao controle dos crimes, que são atribuições dos governos estaduais. Porém, as relações das polícias com os moradores são complexas. Tanto a Polícia Militar, responsável pelo policiamento preventivo e repressivo, como a Polícia Civil, responsável pelas atribuições judiciais de investigação e imputação de responsabilidade a autores de crimes, mantêm com moradores e com o PCC relações ambíguas, que comportam cooptação, corrupção, acomodação, confrontos e mortes.

Embora não haja informações consistentes a respeito do envolvimento de policiais nos negócios do PCC - até porque apenas parte dos arranjos chega ao conhecimento das autoridades -, casos flagrantes e notórios têm sido objeto de denúncias às ouvidorias, ensejando procedimentos administrativos nas corregedorias. De modo geral, é recorrente o pagamento de propinas ou chantagem de toda espécie praticada por policiais, notadamente militares, porque mantêm, por meio das rondas diurnas e noturnas, contato cotidiano e próximo com moradores e membros do PCC. Essas práticas constituem moeda de troca; elas têm por finalidades, mediante circulação de informações privilegiadas, evitar flagrantes, proteger membros da organização contra prováveis inimigos, impedir que operações policiais destruam os negócios ou interrompam o fluxo de atividades ilegais. Essas relações entre PCC e policiais são cíclicas e sujeitas a circunstâncias externas inesperadas, como mudanças nos batalhões, aparecimento de policiais civis antes desconhecidos na quebrada ou pressões para rearranjos nos acordos verbais firmados. Por isso, as relações oscilam entre acomodações e conflitos abertos, que podem levar a mortes de membros do PCC ou mesmo de moradores que nada têm a ver com a organização criminosa, tampouco com as polícias.

As formas mais graves de conflitos são justamente aquelas que resultam em mortes praticadas por policiais, sejam como resultado de acordos rompidos, de vinganças pela morte de um policial em serviço ou na prática do “bico”, como também por força das chamadas “limpezas locais”, o que parece ser muito frequente nas operações desencadeadas no contexto da política de segurança nuclearizada em torno da guerra às drogas e da eliminação de traficantes e de lideranças do PCC. Os dados disponíveis comprovam essa tendência. Em 1996, essas mortes representavam 2% das ocorrências; em 2007, cresceram para 15%; em 2012, para 19%; saltaram para 33% em 2016. Essas mortes são seletivas, pois não se encontram igualmente distribuídas no território urbano. A maior incidência delas ocorre nos bairros com baixo IDH, alcançando preferencialmente jovens negros com baixa escolaridade (PERES et al., 2021PERES, Maria Fernanda Tourinho; POSSAS, Mariana Thorstensen; CARVALHO, Ana Clara Rebouças de; REGINA, Fernanda Lopes; SOUZA, Maine. “Tiro cruzado: As dinâmicas da violência armada letal envolvendo a juventude brasileira”. Revista USP, São Paulo, n. 129, pp. 15-28, 2021.).

Nesses cenários, não é estranho que as reações dos moradores de quebradas e das periferias em geral se manifestem ambíguas em relação à presença do PCC no pedaço. Parte dos moradores é contra a presença. Afinal, é como se estivessem aceitando como normal aquilo que lhes parece moralmente inaceitável e que pode comprometer a vida das famílias de trabalhadores sem envolvimento com o crime, inclusive representando perigo para seus filhos. Alguns manifestam também reações contrárias à presença, porém consideram que ela é inevitável, não há o que fazer e o melhor é aprender a conviver sem suscitar problemas ou conflitos locais. Todavia, há quem apoie a presença sob o argumento de que a segurança melhorou na quebrada, as festas são mais controladas, o consumo de drogas é contido. Enfim, não são relações completamente amistosas e de apoio, tampouco de ódio visceral (RUOTTI, 2016RUOTTI, Caren. Pretensão de legitimidade do PCC: Justificação e reconhecimento de suas práticas na periferia de São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.).

No curso desta análise, procurou-se enfatizar a natureza da governança criminal da cidade promovida pelo PCC. É inegável que a presença é forte e afeta o cotidiano e as condições de vida dos moradores de bairros, em áreas-chave, nos quais há verdadeira simbiose entre a quebrada e o PCC. Por certo, em alguns pedaços da cidade essa simbiose é mais flexível; em outras nem tanto, são mais rígidas. Sugeriu-se que essa modalidade de governança contempla aquelas dimensões da existência coletiva mais e melhor conectadas diretamente com a regularidade dos negócios, para a qual a garantia de paz nos territórios é essencial. Daí porque o catálogo de comportamentos disciplinares incide prioritariamente nas ações e relações dos membros com a organização, cuja rigidez e autoritarismo são inegáveis. Por essa via, alcançam os moradores que aprendem a cultivar a lei do silêncio, evitar contato com estranhos, circular livremente (porém com cautelas necessárias), compartilhar valores morais tradicionais, inclusive no tocante às relações sexuais, amorosas e de amizade. Sob esse aspecto, o PCC parece mais um empreendimento moral-empresarial. Suas relações com o mundo da política oficial não parecem sólidas ou consolidadas. As relações com as polícias mesclam arranjos, acordos e conflitos com desfechos fatais. Mas não se pode concluir que a governança criminal de alguns bairros, quebradas ou partes de territórios se traduza em governança da cidade. O que mais parece se aproximar, no caso do PCC no município de São Paulo, é a configuração de formas de governança híbrida que intercalam crime e cidade, infragovernança e governança oficial, nexos de integração, acomodação e conflito entre o mundo do crime e a cidade. Para essas formas híbridas concorrem também policiais militares e civis, bem como organizações de vizinhança com capacidade de justapor uma ordem social local com sua ordem mais abrangente.

Conclusão: qual governança para qual cidade?

A primeira pergunta deste ensaio é assim definida: estamos diante de um cenário de domínio criminoso das cidades, de seus habitantes e de seus governos, configurando-se, portanto, como uma soberania criminosa? Em nível macro não podemos afirmar que há uma governança criminosa, também não podemos confirmar uma soberania territorial plena. Em nenhum dos casos, Cidade do México e São Paulo, podemos confirmar o monopólio da violência física legítima por parte da autoridade. Por sua vez, em níveis locais existem alguns microrregimes de governança dupla. Há casos em que ela incide sobre o controle do crime; em outros, incide nas esferas de domínio policial; e, com menor frequência, como iniciativas dos cidadãos. É como uma guerra de posições. Mas a ideia de governança não deve ser entendida de forma instrumental, com ações isoladas do contexto. Nesse sentido, não se pode concluir que a governança criminosa de alguns bairros, comunidades ou partes de territórios se traduza em governança da cidade. O que mais parece se aproximar, no caso do PCC, no município de São Paulo, é a configuração de formas de governança híbrida que intercalam crime e cidade, infragovernança e governança oficial, nexos de integração, acomodação e conflito entre o mundo do crime e a cidade.

Os cidadãos navegam em um mundo complexo de limitações, onde parecem súditos de uma tripla ordem coercitiva: a dos regimes policiais autônomos, a dos atores criminosos impunes e a de uma elite política legal, com seus representantes legitimamente eleitos, porém incapaz de responder aos desafios propostos seja pela governança criminal seja pela governança das cidades.

Desse modo, mostramos as diferenças nas relações entre organizações monopólicas, como o PCC, e as pequenas, como o La Unión. Em uma cidade há uma grande organização, enquanto na outra convivem várias máfias, “cartelitos” e grupos fragmentados. As grandes organizações trabalham como corporações criminosas capitalistas e as pequenas como máfias.

Também as estratégias e os comportamentos policiais são diferentes. A dinâmica microterritorial do crime e seu controle-domínio na urbe residem nas condições políticas e organizacionais policiais e em sua autonomia, assim como na negociação microcasuística com atores criminosos e também políticos. As estratégias dominantes são de corrupção e predação. No México, a polícia preventiva se comporta como um próprio cartel, enquanto a judicial atua como máfia. A presença das Forças Armadas inibe a concorrência, mas funciona como bombeiros. Também não há controle de armas de fogo. Em São Paulo, as relações entre as polícias são complexas e ambíguas. Nessas formas híbridas participam também policiais militares e civis, bem como organizações comunitárias com capacidade de justapor uma ordem social local com sua ordem mais abrangente. Frequentemente, se reconhecem em meio a uma guerra entre policiais, representantes do bem, e PCC, representante do mal. São inimigos, e a aniquilação de um reforça o poder do outro, seu oponente. Mas são também relações de cooperação, conluio, acomodação, corrupção e até mesmo participação indireta em negócios ilegais. As fronteiras entre fins públicos e interesses privados aparecem apagadas.

Sobre o conceito de monopólio da coerção, em ambas as cidades coexistem pseudomonopólios privados que convivem com os quase-monopólios públicos, tanto entre as organizações criminosas como em algumas formas de autonomia policial. Há práticas de controle territorial, mas nenhuma substitui as funções do governo. Em São Paulo, embora as polícias estejam constitucionalmente autorizadas ao emprego da coerção física para conter os crimes e proteger o direito do maior número de pessoas, não é raro que façam uso desse atributo como se fosse uma prerrogativa privada.

Quanto a outras dimensões da categoria de governança criminosa, à exceção do PCC nenhum grupo conseguiu impor regras sociais (como a lei de silêncio). Em relação às práticas normativas, como o controle de homicídios ou de outros comportamentos sociais, só o PCC tem um regulamento, incluindo formas de justiça criminosa - trata-se de uma organização mais burocratizada. As relações com a cidadania dependem dos microterritórios e vão desde o consenso até a resistência passiva. No México há uma forma peculiar de clientelismo e de vínculo com políticos locais. Vários grupos políticos locais estão envolvidos com os informais e têm interfaces com atores ilícitos, tendo por resultado um tipo de cartel político territorial. Em São Paulo, os atores criminosos podem até influir, mas não participam diretamente da política. O clientelismo, tradicional nas relações entre governantes e governados, seja entre as elites seja entre as classes trabalhadoras, também se manifesta na tríade polícia-PCC-moradores das comunidades. Por certo, nas relações dos cidadãos residentes com os criminosos pode haver “consenso”, entendido como “consentimento”, contudo, não “legitimação” ou “legitimidade”.

Os governos urbanos não têm capacidade de resolver esses desafios diante das profundas mudanças políticas e urbanas que modificaram as estruturas e a maneira de governar as urbes.

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Fontes da imprensa

  • 1
    Arturo Alvarado teve apoio do Conacyt e do Institute of Advance Studies de Paris para a busca dos dados e a elaboração deste trabalho.
  • 2
    Registramos nossos agradecimentos a Camila Nunes Dias, Marcelo Batista Nery, Fernando Salla e Beatriz Oliveira de Carvalho, pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). E a Denis Salazar e José Ángel Fernández (Colmex), pela inestimável colaboração na preparação dos originais.
  • 3
    Os dados foram compilados e tratados por Marcelo Batista Nery, pesquisador e coordenador de Transferência de Tecnologia do NEV-Cepid/USP, e Jose A. Fernández (Colmex). Os dados provêm de registros públicos das agências estatais de estatísticas: o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) do Brasil e o Instituto Nacional de Estadística y Geografía (Inegi) do México para 2010 e 2019. As variáveis são: 1. Perfil do território; 2. Perfil populacional; 3. Condições habitacionais; 4. Condições sanitárias e de higiene; 5. Mobilidade urbana, Segurança pública, Lei e Ordem, Desorganização social; 6. Eficácia coletiva e coesão social (BATISTA, ALVES e ADORNO, 2020; NERY, SOUZA e ADORNO, 2019). A classificação dos estratos do México inclui: 1. PEA ocupada; 2. Trabalhadores por conta própria; 3. Moradias próprias; 4. Moradias com água encanada; 5. Índice de pessoas por quartos; 6. População de 15 anos e mais com educação pós-primária; 7. População com renda alta (mais de 5 salários mínimos); 8. População urbana. As unidades de análises são as áreas geoestatísticas básicas da cidade (ageb) (SCHTEINGART e RUBALCAVA, 2012, p. 76 e ss.)
  • 4
    Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP), Departamento da Polícia Civil e da Polícia Militar. Disponível (on-line) em: http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/pesquisa.aspx (acesso em 20/08/2021).
  • 5
    Os dados criminais do estado de São Paulo são divulgados on-line (http://www.ssp.sp.gov.br/Estatistica/Pesquisa.aspx) em data anterior à publicação oficial em Diário Oficial do Estado (acesso em 26/08/2021).
  • 6
    Fonte: Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo - SSP Departamento da Polícia Civil e da Polícia Militar. Disponível (on-line) em: http://www.ssp.sp.gov.br/estatistica/pesquisa.aspx Acesso em 20/08/2021 (vários anos).
  • 7
    Fonte: Dicionário - Regimento Disciplinar PCC. Não há como atestar a veracidade desse documento que circula publicamente. Disponível (on-line) em: http://www.aconteceuemitu.org/2017/04/dicionario-regimento-disciplinar-pcc.html

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2021
  • Aceito
    29 Nov 2021
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