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Política para adolescentes LGBT no socioeducativo mineiro? Notas sobre um cenário de embates

Resumos

Este artigo analisa a construção da Política Estadual de Atendimento e Tratamento da pessoa LGBT em Minas Gerais e sua aplicação nas unidades socioeducativas do estado. A pesquisa se baseou em análise documental e entrevistas semiestruturadas. Verificamos que o sistema socioeducativo mineiro busca implementar padrões institucionais produzidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). Contudo, os valores que pretende seguir são desconexos em relação às práticas historicamente estabelecidas nas unidades de internação, imperando perspectivas e dinâmicas punitivistas. Formalmente, o socioeducativo mineiro segue políticas de gênero, mas elas encontram-se distantes das rotinas desenvolvidas nas unidades.

Palavras-chave:
sistema socioeducativo; políticas de igualdade de gênero; discricionariedade; políticas públicas; direitos humanos


Policy for LGBT Adolescents in Minas Gerais’ Socio-educational System? Notes on an Ongoing Dispute analyzes the construction of the state policy for care and treatment of LGBT people in Minas Gerais, Brazil, and its application in the socio-educational units in the state. The research was based on documental analysis and semi-structured interviews. We found that the state’s socio-educational system seeks to implement institutional standards produced by the Statute of the Child and Adolescent (ECA) and the National System for Socio-Educational Care (Sinase). Nonetheless, the values that it intends to follow seem disconnected from the practices historically established in the internment units, prevailing punitive perspectives. Formally, the socio-educational system in Minas Gerais follows gender policies, but these are far from the routines developed in the units.

Keywords:
socio-educational system; gender equality policies; discretion; public policies; human rights


Apresentação

Resultado da ação de diferentes movimentos sociais e processos políticos no Brasil, a Constituição Federal de 1988 recepcionou a ideia de desigualdade material sofrida por alguns setores populacionais. Propôs, então, medidas de proteção a determinados grupos, buscando gerar uma presença positiva do Estado na garantia de direitos. Com base na Carta Magna, são estabelecidas políticas e ações destinadas a indivíduos vulneráveis do ponto de vista socioeconômico, a fim de reduzir desigualdades estruturais (PIOVESAN, 2005PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas da perspectiva dos Direitos Humanos. Cadernos de Pesquisa, v. 35, n. 124, p. 43-55, 2005.). O público-alvo dessas medidas costuma ser minorias étnicas e raciais, bem como mulheres. Para cada grupo, as políticas e ações apresentam desenhos e perspectivas diferentes - ou, ao menos, deveriam apresentar.

Especificamente sobre a pauta LGBT, embora a Constituição de 1988 não tenha reconhecido diversas situações de discriminação a serem combatidas pelos poderes públicos - evidenciando como o contexto político no momento da constituinte era desfavorável à questão -, sua estrutura geral se mostrou explicitamente comprometida com o respeito aos direitos humanos e a implementação de compromissos firmados nos tratados internacionais sobre o tema (CARRARA, 2010CARRARA, Sergio. Políticas e direitos sexuais no Brasil contemporâneo. Bagoas, n. 5, p. 131-147, 2010.). Em consequência, desde sua publicação, o documento tem permitido que legisladores, gestores e julgadores criem leis, resolvam conflitos e estabeleçam diretrizes para a promoção, prevenção e reparação de direitos do público LGBT1 1 O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em 2019 a equiparação da homofobia e da transfobia ao crime de racismo, até que o Congresso Nacional aprove lei específica sobre o tema. Ver (on-line): http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010 . As agências estatais vêm, então, capacitando órgãos para não atuarem de modo discriminatório contra essas pessoas, incentivarem a participação de lideranças LGBT na elaboração de políticas públicas, e produzirem conhecimento sobre violência e homofobia etc. (RAMOS e CARRARA, 2006RAMOS, Silvia; CARRARA, Sergio. Constituição da problemática da violência contra homossexuais: a articulação entre ativismo e academia na elaboração de políticas públicas. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 185-205, 2006.).

No âmbito do sistema socioeducativo, haja vista as diretrizes internacionais e nacionais voltadas à proteção integral de pessoas com menos de 18 anos (CIFALI et al., 2020CIFALI, Ana Claudia; CHIES-SANTOS, Mariana; ALVAREZ, Marcos César. Justiça juvenil no Brasil: continuidades e rupturas. Tempo Social, v. 32, n. 3, p. 197-228, 2020.) -Constituição de 1988 e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) -, nos últimos anos estão sendo elaboradas ações destinadas ao público LGBT para garantir o respeito à orientação sexual e à identidade de gênero, bem como para evitar casos de violência contra adolescentes LGBT autores de atos infracionais.

Em Minas Gerais, em específico, em 2018, foi publicada a resolução no 18 da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), com o objetivo geral de estabelecer diretrizes para o atendimento e tratamento da pessoa LGBT no sistema socioeducativo estadual. Suas principais características são: 1) apresentar os conceitos de orientação sexual, identidade de gênero, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais; 2) proibir expressamente toda e qualquer forma de discriminação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa em razão de sua orientação sexual ou identidade de gênero; 3) resguardar o direito do adolescente à autodeterminação, que deverá ser registrado no seu Plano Individual de Atendimento (PIA); 4) proibir a patologização no atendimento aos adolescentes LGBT; 5) respeitar e garantir o uso do nome social; 6) determinar que as adolescentes trans cumpram a aplicação de medidas socioeducativas de privação de liberdade em unidades femininas; 7) permitir o uso de vestimentas e outros caracteres secundários definidos a partir da identidade de gênero; 8) estabelecer a revista íntima com base na identidade de gênero, inclusive dos visitantes, observando-se os procedimentos de segurança necessários; e 9) para os maiores de 18 anos, garantir o acesso ao tratamento hormonal. Trata-se de uma normativa ampla e pioneira, cujo efeito é estabelecer uma gama de direitos aos adolescentes LGBT em cumprimento de medida socioeducativa, que tem influenciado outras unidades federativas2 2 Em nível nacional, a publicação da resolução Sesp no 18/2018 tem relevância por ter sido a primeira normativa estadual que estabelece procedimentos e garantias legais específicas a adolescentes LGBT restritos e privados de liberdade. Seguindo os passos de Minas Gerais, Paraná, Distrito Federal e Bahia se organizaram para criar e publicar suas próprias políticas sobre o tema. e suas gestões estaduais sobre o tema.

Centrado nessa normativa, o objetivo deste artigo é analisar os processos de formulação e as perspectivas sobre a implementação da agenda LGBT no sistema socioeducativo mineiro, tomando como base narrativas de atores variados, desde atores técnico-políticos do nível médio do escalão da gestão estadual até burocratas do nível de rua do sistema socioeducativo estadual (SOUZA, 2006SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, p. 20-45, 2006.; CAPELLA, 2006CAPELLA, Ana Cláudia. Perspectivas teóricas sobre o processo de formulação de políticas públicas. BIB, São Paulo, n. 61, pp. 25-52, 2006.; BRASIL e CAPELLA, 2015BRASIL, Felipe Gonçalves; CAPELLA, Ana Cláudia. O processo de agenda-setting para os estudos das políticas públicas. Revista de Pesquisa em Políticas Públicas, n. 6, 2015.; LIPSKY, 2019LIPSKY, Michael. Burocracia do nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019.; LOTTA, 2012LOTTA, Gabriela. O papel das burocracias do nível da rua na implementação de políticas públicas: entre o controle e a discricionariedade. In: FARIA, Carlos Aurélio (Org.). Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012.; LOTTA et al., 2020LOTTA, Gabriela et al. O burocrata de médio escalão na implementação de políticas públicas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, p. 416-432, 2020.). Com base em discussões da sociologia das organizações, buscamos compreender os embates ocorridos em torno da formulação da resolução no 18/2018 e coletar impressões iniciais sobre como essa norma é aplicada nas unidades socioeducativas de restrição e privação de liberdade de Minas Gerais. No limite, pretendemos discutir se a agenda LGBT destinada a adolescentes autores de atos infracionais é considerada pelos distintos atores da burocracia estadual efetivamente uma política pública, discussão que nos ajudará a encerrar nossas reflexões. Para tanto, embasamo-nos em atas de audiências públicas procedidas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e em normativas, bem como em narrativas de funcionários públicos e integrantes da sociedade civil que atuam direta ou indiretamente com adolescentes LGBT que passam pelo socioeducativo mineiro.

Em linhas gerais, pretendemos demonstrar que, em face do contexto nacional relacionado à formulação de políticas voltadas às pessoas LGBT (RAMOS e CARRARA, 2006RAMOS, Silvia; CARRARA, Sergio. Constituição da problemática da violência contra homossexuais: a articulação entre ativismo e academia na elaboração de políticas públicas. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 2, p. 185-205, 2006.; CARRARA, 2016CARRARA, Sergio. A antropologia e o processo de cidadanização da homossexualidade no Brasil. Cadernos Pagu, n. 47, 2016.; MACHADO, 2020MACHADO, Frederico Viana. Participacionismo e diferencialismo identitário nas relações entre Estado e movimentos sociais no Brasil (2003-2010). Psicologia e Sociedade, n. 32, p. 1-15, 2020.; PEREIRA, 2020PEREIRA, Matheus Mazzilli. Ativismo institucional no Poder Legislativo: confrontos políticos, assessores ativistas e frentes parlamentares. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 31, p. 301-338, 2020.) e de ações que buscam garantir direitos aos adolescentes no âmbito da política socioeducativa (CIFALI et al., 2019; FERREIRA, 2017FERREIRA, Carolina Costa. A política criminal no processo legislativo. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017.), determinados segmentos do poder público e da sociedade civil exercem “pressão” para que sejam desenvolvidas ações pautadas por noções de diversidade. Entretanto, como efeito de disputas e jogos de poder estabelecidos entre atores resistentes às mudanças institucionais (MERTON, 1971MERTON, King Robert. Estrutura burocrática e personalidade. In: Sociologia da burocracia. COELHO, Edmundo Campos. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. p. 107-124.), surgem perspectivas e ações desconexas das práticas e rotinas socioeducativas tradicionais, resultantes da discricionariedade de certos agentes públicos (LIPSKY, 2019LIPSKY, Michael. Burocracia do nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019.; LOTTA, 2012LOTTA, Gabriela. O papel das burocracias do nível da rua na implementação de políticas públicas: entre o controle e a discricionariedade. In: FARIA, Carlos Aurélio (Org.). Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012.; LOTTA et al., 2020LOTTA, Gabriela et al. O burocrata de médio escalão na implementação de políticas públicas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, p. 416-432, 2020.; NOVATO, NAJBERG e LOTTA, 2020NOVATO, Valéria de Oliveira Lemos., NAJBERG, Estela, LOTTA, Gabriela Spanghero. O burocrata de médio escalão na implementação de políticas públicas. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 3, p. 416-432, 2020.).

Para construir tal argumento, este artigo se estrutura em três seções, além desta apresentação. Na primeira, apresentamos os passos metodológicos do levantamento e da análise dos dados. Em seguida, apresentamos o processo de formulação da resolução no 18/2018 e suas consequências na realidade socioeducativa mineira. Por fim, fazemos algumas reflexões de natureza mais conclusiva, discutindo se as ações para promover diversidade de gênero e orientação sexual no socioeducativo mineiro podem ser consideradas uma ação estruturada, isto é, uma política pública3 3 Como construiremos, com base em nossos dados, a discussão sobre se a pauta LGBT no socioeducativo de Minas Gerais se concretizou em uma “política pública”, ao longo deste texto evitamos usar esse termo, de forma que descrevemos a resolução no 18/2018 e suas implicações como “agenda”, “ação” ou “pauta”. .

Passos da pesquisa

A pesquisa, de caráter qualitativo, foi baseada em duas fontes distintas: 1) documentos e 2) narrativas de atores públicos e da sociedade civil envolvidos na construção e implantação da agenda LGBT no sistema socioeducativo mineiro.

Como primeira etapa do trabalho de campo, foram coletados materiais que expuseram o processo de constituição de ações LGBT no âmbito socioeducativo e indicaram o seu contexto inicial de execução. Consultamos e analisamos relatórios de gestão, documentos técnicos da Subsecretaria de Minas Gerais de Atendimento Socioeducativo (Suase) e normativas sobre as diretrizes da política LGBT de outros estados, como Paraná, Distrito Federal e Bahia. Tais regulamentações foram tomadas como parâmetros de comparação com a normativa mineira, que inaugurou a política LGBT no sistema socioeducativo nas unidades federativas. Em adição, colhemos as atas e os vídeos de audiências públicas realizadas em 2018, em que distintos atores discutiram a confecção da agenda estadual LGBT socioeducativa4 4 Disponíveis (on-line) em: https://www.almg.gov.br/atividade_parlamentar/comissoes/internaPauta.html?idCom=508&dia=29&mes=05&ano=2018&hr=10:00&tpCom=1&aba=js_tabResultado; https://www.almg.gov.br/atividade_parlamentar/comissoes/internaPauta.html?idCom=508&dia=02&mes=07&ano=2018&hr=14:00&tpCom=2&aba=js_tabPauta; https://www.almg.gov.br/acompanhe/noticias/arquivos/2018/06/28_release_audiencia_revista_transgeneros.html .

O processo de construção da ação, por sua vez, envolveu a participação de diversos grupos e pessoas. Realizamos, então, entrevistas semiestruturadas com atores públicos e da sociedade civil que impulsionaram a pauta LGBT no socioeducativo e auxiliaram no processo de construção da resolução no 18/2018. Dialogamos também com agentes socioeducativos com experiência direta na implantação das ações previstas na normativa, muitos deles com opiniões negativas em relação à questão. Obtivemos, nesta etapa do trabalho, uma perspectiva mais distanciada, em contraste com as visões fornecidas pelos outros entrevistados. Como imperou entre esse grupo uma perspectiva negativa em relação à resolução, indicamos de antemão que nossos resultados em relação a tais informantes podem apresentar certo viés.

Foram entrevistados representantes da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), especialmente da Suase, da Secretaria de Estado de Saúde (SES) e da extinta Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (SEDPAC). Também conversamos com representantes dos movimentos sociais da pauta LGBT, membros da academia e atores do Ministério Público e do Poder Judiciário de Minas Gerais.

Como critério de seleção dos entrevistados, utilizamos o método bola de neve, de modo que um primeiro interlocutor indicou outro e assim sucessivamente. Fizemos 16 entrevistas, todas remotas, pois o trabalho de campo foi realizado em meio à pandemia de Covid-19, quando o distanciamento físico foi estabelecido como uma das medidas para evitar a propagação do vírus5 5 Em boa medida, esse contexto dificultou a realização da pesquisa em unidades de internação e de semiliberdade, impedindo o contato com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Logo, a análise das narrativas desses atores deve ser procedida em outro esforço de pesquisa, em um cenário mais propício à realização de trabalho de campo em ambientes de privação de liberdade. . Utilizamos a plataforma Zoom para o desenvolvimento dos diálogos. Todos os conteúdos proferidos por nossos interlocutores foram registrados em diário de campo e, posteriormente, codificados e analisados.

A agenda LGBT no socioeducativo mineiro

Na perspectiva clássica institucional, impera a ideia de que a razão governa as organizações. Nesses espaços, busca-se estabelecer uma lógica contra o conflito e a incerteza política ao se estruturar uma conformação de poder baseada na capacidade técnica e na hierarquia (REED, 1998REED, Michel. Teorização organizacional: um campo historicamente contestado. In: CLEGG, Stewart R. et al. (Orgs.). Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 61-98.). As normas, diretrizes e regulamentos das organizações ajudariam a excluir valores humanos do processo de tomada de decisões coletivas, moldando o comportamento dos indivíduos que implementam as ações organizacionais e que são alvos delas. Somado a isso, os distintos postos e funções bem delimitados em organograma ajudariam a definir as esferas de ação de cada um dos membros das organizações, impedindo a adoção de medidas personalizadas e desvirtuadas da proposta institucional (MERTON, 1971MERTON, King Robert. Estrutura burocrática e personalidade. In: Sociologia da burocracia. COELHO, Edmundo Campos. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. p. 107-124.).

No entanto, os estudos organizacionais começaram a observar que as instituições são suscetíveis a conflitos e relações de poder, alguns dos quais ensejados por atores externos à organização, como a sociedade civil. São rechaçadas, assim, posições deterministas que tendiam a apostar na eficiência e eficácia organizacional, como as estabelecidas pela perspectiva clássica (REED, 1998REED, Michel. Teorização organizacional: um campo historicamente contestado. In: CLEGG, Stewart R. et al. (Orgs.). Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. São Paulo: Atlas, 1998. p. 61-98.). Logo, algumas vertentes do campo organizacional indicaram que conflitos institucionais podem ser de diversas ordens, como individual, organizacional e interorganizacional (MARCH e SIMON, 1981MARCH, James G.; SIMON, Herbert A. Teoria das organizações. 5.ed. Rio de Janeiro: FGV, 1981.)6 6 Há uma tradição sociológica de estudos que analisam o conflito social por meio de distintas lentes e focos. Neste artigo, nos concentramos nas discussões institucionais. Conforme March e Simon (1981), o conflito pode ser compreendido como um colapso nos mecanismos decisórios normais, em virtude do qual um indivíduo ou grupo experimenta dificuldades na escolha de uma alternativa de ação. , cada qual com efeitos distintos. Há casos em que um problema decisório relacionado a uma ou poucas ordens pode ocasionar uma disputa que não apenas coloca em xeque o ambiente organizacional per si, mas também gera conflito entre organizações diferentes. De fato, abre-se flanco ao embate quando determinada organização não promove um processo decisório coletivo, gerando desacordo entre seus membros. Por outro lado, conforme March e Simon (1981)MARCH, James G.; SIMON, Herbert A. Teoria das organizações. 5.ed. Rio de Janeiro: FGV, 1981., o inverso também é verdadeiro, de modo que, ao abrir margem para uma tomada de decisão mais abrangente, aumenta-se a chance de ocorrência de situações conflitantes. Essas incertezas e negociações são inerentes ao processo de tomada de decisão, bem como de formação da agenda pública (KINGDON, 1995KINGDON, John W. Agendas, Alternatives, and Public Policies. Nova York: HarperCollins, 1995[1984].; SOUZA, 2006SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 16, p. 20-45, 2006.; DENTE e SUBIRATS, 2014DENTE, Bruno; SUBIRATS, Joan. Decisiones públicas: Análisis y estudio de los procesos de decisión en políticas públicas. Barcelona: Ariel, 2014.).

Os conflitos podem promover graus de incerteza dentro de uma instituição a ponto de produzirem diferentes tipos de lideranças, muitas delas informais, para além das já formalmente estabelecidas. Com base nas conceituações de Etzioni (1974)ETZIONI, Amitai. Consentimento, metas e eficiência. In: ETZIONI, Amitai. Análise comparativa das organizações complexas: Sobre o poder, engajamento e seus correlatos. São Paulo/Rio de Janeiro: Zahar, 1974. p. 105-166., chamamos de líderes formais aqueles indivíduos que ocupam posições de poder no âmbito institucional, mas que também têm influência pessoal sobre seus subordinados, constituindo a elite institucional. Há também as lideranças informais, que têm poder sobre aqueles em posições inferiores, sem dispor, porém, de caráter protocolar para isso. Cremos que a ação das lideranças informais em situações conflitantes pode potencializar a aplicação de medidas no âmbito organizacional, que podem ir de encontro ao formalmente prescrito.

O modo como as distintas lideranças atuam nas organizações impacta a formulação e a execução da política pública, o que fica mais evidente, em especial, se nos atentarmos à posição institucional de cada uma. A literatura sobre os “burocratas do nível de rua” e os “burocratas de médio escalão”, que vem ganhando relevo na sociologia das organizações nas últimas décadas (LIPSKY, 2019LIPSKY, Michael. Burocracia do nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019.; LOTTA, 2012LOTTA, Gabriela. O papel das burocracias do nível da rua na implementação de políticas públicas: entre o controle e a discricionariedade. In: FARIA, Carlos Aurélio (Org.). Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012.; LOTTA et al. 2020LOTTA, Gabriela et al. O burocrata de médio escalão na implementação de políticas públicas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, p. 416-432, 2020.), nos ajuda a jogar luz à questão. Nossas bases, então, se ancoram nas concepções de Lipsky (2019)LIPSKY, Michael. Burocracia do nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019., segundo o qual o cumprimento de determinadas ações públicas depende, sobremaneira, das iniciativas de atores que as conduzem, os chamados “burocratas da linha de frente” ou do nível de rua. Na mesma linha, Novato, Najberg e Lotta (2020)NOVATO, Valéria de Oliveira Lemos., NAJBERG, Estela, LOTTA, Gabriela Spanghero. O burocrata de médio escalão na implementação de políticas públicas. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 3, p. 416-432, 2020., endossam que, para entender o cerne de uma política pública, é importante também compreender o papel dos burocratas de médio escalão, conhecidos geralmente como legisladores e gestores, e como eles atuam. Em muitas circunstâncias, essas categorias de burocratas conflitam entre si, promovendo rumos complexos para a implementação de determinada ação pública, sendo esse o tema em debate neste artigo.

Em outros termos, as ações dos burocratas de escalões mais altos e daqueles de linha de frente empregam variáveis fundamentais à equação relacionada à construção e aplicação de ações organizacionais. Ao passo que os primeiros têm papel chave na formulação e gestão da política púbica, os segundos traduzem os programas em bens e serviços de modo concreto aos cidadãos (NOVATO, NAJBERG e LOTTA, 2020NOVATO, Valéria de Oliveira Lemos., NAJBERG, Estela, LOTTA, Gabriela Spanghero. O burocrata de médio escalão na implementação de políticas públicas. Revista de Administração Pública, v. 54, n. 3, p. 416-432, 2020.). Os gestores, em específico, fazem o elo entre os legisladores da política e os implementadores (LOTTA, PIRES e OLIVEIRA, 2014LOTTA, Gabriela Spanghero; PIRES, Roberta Rocha Coelho; OLIVEIRA, Vanessa Elias. Burocratas de médio escalão: novos olhares sobre velhos atores da produção de políticas públicas. Revista do Serviço Público, Brasília, v. 65, n. 4, p. 463-492, 2014.). Já os funcionários que trabalham em guichês, consultórios, salas de aulas ou unidades socioeducativas destinadas a adolescentes que cometeram ato infracional precisam implementar tais normas e diretrizes, muitas vezes abstratas às suas rotinas de trabalho (LIPSKY, 2019LIPSKY, Michael. Burocracia do nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019.; LOTTA, 2012LOTTA, Gabriela. O papel das burocracias do nível da rua na implementação de políticas públicas: entre o controle e a discricionariedade. In: FARIA, Carlos Aurélio (Org.). Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012.) e distantes de seus valores e crenças (PERROW, 1972PERROW, Charles. Burocracia, estrutura e tecnologia. In: PERROW, Charles. Análise organizacional. São Paulo: Atlas, 1972. p. 73-119.). Logo, a discricionariedade baliza o tom da ação, o que muitas vezes acaba por contradizer o teor inicialmente previsto (OLIVEIRA, 2012OLIVEIRA, Antônio. Burocratas da linha de frente: executores e fazedores de políticas públicas. Revista de Administração Pública, v. 46, n. 6, p. 1151-1173, 2012.).

De fato, não é possível apontar uma homogeneidade de discernimentos e atitudes entre os burocratas de escalões superiores, tampouco faz sentido debater sobre uma uniformidade de perspectivas e ações entre os burocratas do nível de rua. Os tensionamentos de posições a respeito de certa política pública se dão, inclusive, em ambos os grupos, promovendo contornos intrincados ao processo de formulação e implementação de uma ação. Não à toa, Lipsky (2019)LIPSKY, Michael. Burocracia do nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019. aponta que, em geral, as medidas previstas nas políticas públicas apresentam teor que abrange margem à discricionariedade dos burocratas do nível de rua, pois, em seu processo de confecção, os burocratas dos escalões mais altos assumem uma postura que, por vezes, busca conciliar controvérsias e interesses distintos. Quando a esfera de produção normativa não consegue solucionar conflitos, estes são transferidos à área administrativa, isto é, aos implementadores da ação.

Todas essas proposições relacionadas ao campo da sociologia das organizações são de fundamental importância para a compreensão do processo de construção e implementação da resolução no 18/2018. Em boa medida, com base em pressões sociais, estimulou-se e formulou-se a construção de uma ação que, embora alinhada a diretrizes e padrões nacionais e internacionais vinculadas à socioeducação, encontra-se muito distante da realidade das unidades destinadas a adolescentes que cometeram ato infracional, geralmente marcada por práticas seletivas e estigmatizantes (CIFALI et al., 2020CIFALI, Ana Claudia; CHIES-SANTOS, Mariana; ALVAREZ, Marcos César. Justiça juvenil no Brasil: continuidades e rupturas. Tempo Social, v. 32, n. 3, p. 197-228, 2020.). Formou-se, assim, um contexto conflitante, que ultrapassou o âmbito socioeducativo, atingindo outras esferas institucionais, como o Legislativo, e estabelecendo lideranças de distintos tipos no processo.

Como efeito de todo esse cenário, as ações vinculadas à agenda LGBT no socioeducativo mineiro restou fortemente fragilizada, estando sujeita, sobretudo, ao discernimento da equipe técnica e dos agentes socioeducativos. Se, conforme Lipsky (2019)LIPSKY, Michael. Burocracia do nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019., as atitudes discricionárias dos burocratas de linha de frente são inerentes à execução de políticas públicas, entendemos que essa característica de ação ganhou fôlego e legitimidade em Minas Gerais, dado o contexto de disputas relacionado à construção e aplicação da resolução no 18/2018. Ou seja, quando o direcionamento institucional promovido por burocratas dos escalões mais altos não é claro, os limites da discricionariedade do agente da linha de frente se tornam ainda mais ampliados. Por sua vez, destaca-se que os burocratas de médio escalão tentam adequar suas ações e decisões diante dos novos contextos políticos que se conformam.

Com base nessas concepções, nas próximas subseções analisaremos a construção da agenda LGBT no sistema socioeducativo de Minas Gerais, partindo da análise do processo de formulação da normativa que a rege para, em um segundo momento, compreender as percepções dos agentes socioeducativos, equipe técnica e dos burocratas de médio escalão sobre sua implementação nas unidades de privação e restrição de liberdade para adolescentes autores de atos infracionais.

Contexto de formação da agenda LGBT

A ação aqui analisada começou seu processo de formulação em 2015, momento da gestão estadual do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). As dinâmicas destinadas ao desenho e à publicação da norma se desenvolveram na gestão do Partido dos Trabalhadores (PT). Por fim, seu processo de implementação se iniciou em 2018, final do governo PT, e segue vigente até os dias atuais, durante a gestão do Partido Novo. Trata-se, então, de uma medida que perpassou três governos estaduais, marcados por partidos, visões e posições distintas sobre os direitos da população LGBT e a política socioeducativa de modo geral.

Em específico, conforme os informantes mobilizados nesta pesquisa, a criação de medidas destinadas ao atendimento do público LGBT do sistema socioeducativo mineiro é consequência do entrelaçamento de cinco movimentos, para além de outras pressões mobilizadas pela sociedade civil: 1) a necessidade de operacionalização do art. 35, inc. VIII, do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase); 2) a criação da Comissão Estadual de Políticas de Enfrentamento às Fobias Relativas à Orientação Sexual e à Identidade de Gênero (Cepef); 3) a formação do Grupo de Trabalho (GT) do Governador para Reestruturação do Sistema Socioeducativo; 4) os requerimentos sobre o tema advindos da 3ª Conferência LGBT de Minas Gerais; e 5) a chegada de um caso concreto de uma adolescente transexual à Suase7 7 Pessoas transgêneras são aquelas que nasceram com determinado sexo biológico e não se identificam com seu corpo. Neste artigo, chamamos essas pessoas simplesmente de trans. .

Na tentativa de mudar paradigmas no atendimento socioeducativo (CIFALI, 2019CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil. Tese (Doutorado em Ciências Criminais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.; MENDEZ, 2000), tanto o ECA8 8 Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Ver artigos art. 3, parágrafo único e art. 124, inc. V e Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, ver artigo art. 35, inc. VIII. como o Sinase expressam a necessidade de não discriminação de crianças e adolescentes sob quaisquer alegações, além de determinarem que adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa sejam tratados com respeito e dignidade. Além dessas normas específicas, há outros marcos internacionais9 9 São exemplos de normativas internacionais que abarcam as garantias das pessoas LGBTI a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok), a Convenção sobre os Direitos das Crianças, as Regras da Organização das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing) (1985), os Princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios de Riad) (1990), as Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade (Regras de Havana) (1990) e, sobretudo, os Princípios de Yogyakarta (2006). e nacionais10 10 São alguns exemplos a Constituição Federal de 1988 (art. 3º, I e IV; art.5º, inc. III, XLVIII e XLIX) e o decreto no 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal. Além disso, em Minas Gerais, foi publicado em 2014 o Decreto nº 47.306, que institui a Carteira de Nome Social para travestis e transexuais. que determinam o compromisso e a obrigatoriedade de o Estado brasileiro garantir que pessoas LGBT sejam tratadas sem discriminação e com integridade, especialmente quando se trata de crianças e adolescentes que têm absoluta prioridade na garantia de seus direitos resguardada em lei (art. 227 da CF/88).

A despeito da obrigação e compromisso legais, outros fatores conjunturais foram favoráveis para que a resolução no 18/2018 fosse criada e publicada. A criação da Cepef, em 2015, é um desses propulsores, conforme nossos entrevistados. Tal órgão foi gestado com base na resolução conjunta da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), Polícia Militar do Estado de Minas Gerais (PMMG), Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (PCMG) e Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese) no 193/2014, sendo o espaço institucional em que se discutia e propunha novas políticas LGBT relacionadas à segurança pública. Além de ser formada por atores previstos por sua resolução de criação, também foram convidados a compor o debate, entre outros, membros da Vara da Infância e Adolescência de Belo Horizonte; promotores e defensores públicos; representantes da academia, como a Clínica de Direitos Humanos e o Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH), ambos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); organizações da sociedade civil, como os Janelas da Escuta, Fundação Celesc de Seguridade Social (Celos), Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Mães pela Diversidade e Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Minas Gerais (OAB/MG). Atores com esse perfil tendem a ser reconhecidos pela literatura como fundamentais para a construção da política socioeducativa nas últimas décadas no Brasil, ainda que suas interações estejam sujeitas a conflitos e disputas (SARAIVA, 2005SARAIVA, João B. Costa. Adolescente em conflito com a lei: Da indiferença à proteção integral. Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.).

Assim, a Cepef iniciou seus trabalhos para entender quais eram os principais problemas e urgências relacionadas ao público LGBT no âmbito das polícias e dos sistemas prisional e socioeducativo, já que, até aquele momento, não existiam protocolos que orientassem o atendimento a gays, lésbicas e transexuais privados e restritos de liberdade. A comissão teve sua atuação distribuída em três frentes de trabalho. A primeira se dedicava a atualizar os campos referentes a orientação sexual, identidade de gênero e nome social no Registros de Eventos de Defesa Social (Reds), comumente chamado de Boletim de Ocorrência, visando redefinir o campo “causas e motivações presumidas do crime”11 11 Essa mudança ocorreu no começo de 2016, por meio de uma alteração nos campos do Reds promovida pelo Centro Integrado de Informações de Defesa Social (Cinds) da então Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) (SEJUSP, 06/01/2016). . A segunda buscava construir normativas para o atendimento ao público LGBT nos sistemas prisional12 12 A Resolução LGBT no âmbito do Sistema Prisional do Estado de Minas Gerais em 21 de julho de 2021 (resolução Sejusp no 173). Disponível (on-line) em: https://www.conjur.com.br/dl/sejusp.pdf e socioeducativo. Por fim, a terceira frente objetivava capacitar os profissionais da segurança pública sobre a pauta LGBT. Conforme certos entrevistados, a Cepef gerou produtos nessas três frentes, sendo a resolução no 18/2018 uma de suas entregas.

Outra ação importante para a agenda LGBT em Minas Gerais foi a criação do GT do Governador para a Reestruturação do Sistema Socioeducativo. Instituído pelo decreto no 420, de 8 de agosto de 2016, teve sua governança estabelecida pela Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (Seplag). Seu documento final - Relatório ao Governador: Atividades do GT para a Reestruturação do Sistema Socioeducativo - apresentou 64 ações a serem implementadas para a melhoria e reorganização do sistema. Entre outras, a ação 20 era direcionada à “elaboração e implementação de protocolo de fluxos de atendimento para adolescentes travestis e transexuais”.

Tal proposta em específico é fruto do reconhecimento da gestão à época, liderada pelo governador Fernando Pimentel (PT), de que as equipes das unidades socioeducativas não eram preparadas para lidar com questões relacionadas ao respeito à identidade de gênero e à orientação sexual dos adolescentes privados e restritos de liberdade13 13 Relatório ao Governador: Atividades do GT para a Reestruturação do Sistema Socioeducativo (2017, p. 63). . O relatório, então, prescrevia que o fluxo de atendimento ao público LGBT no socioeducativo deveria ser confeccionado pela Cepef.

Por sua vez, a 3ª Conferência LGBTI de Minas Gerais, realizada em 2015, apontou a importância da criação de uma política LGBT para adolescentes privados e restritos de liberdade, gerando um requerimento encaminhado à Cepef para tratamento do tema.

Por fim, os entrevistados deram destaque a um caso, ocorrido em 2016, relacionado a uma adolescente trans14 14 Nicácio e Vidal (2017) retrataram os meandros do caso envolvendo a recepção e acolhida dessa adolescente trans no sistema socioeducativo de Minas Gerais. . Em sua entrada no sistema socioeducativo, ela foi recepcionada no Centro de Internação Provisória Dom Bosco, destinado a homens. No entanto, por se reconhecer mulher trans, passou a reivindicar sua transferência para uma unidade feminina. Os atores públicos mineiros consideraram a situação paradigmática, dada a ausência de protocolos de atendimento ao público LGBT no socioeducativo estadual. Dessa forma, órgãos do Sistema de Garantia de Direitos se esforçaram para tratar o caso e, como resultado, a adolescente foi transferida para o centro socioeducativo feminino São Jerônimo15 15 Única unidade feminina de privação de liberdade do sistema estadual de atendimento socioeducativo mineiro. .

- Os precedentes estabelecidos nesse caso foram utilizados, e outros semelhantes, na construção da resolução. (Entrevistado(a) A, membro do sistema de justiça)

Todos esses elementos contribuíram para que, em 2016, fosse criada uma minuta de resolução que futuramente regulamentaria o atendimento do público LGBT no sistema socioeducativo mineiro. Entre muitas negociações e disputas, passaram-se quase dois anos até a aprovação e publicação da resolução no 18, de 25 de abril de 2018. Esses cinco movimentos promoveram fluxos políticos - Cepef, caso da adolescente trans, GT do Governador e Conferência LGBT -, de problemas - caso da adolescente trans e art. 35, inc. VIII do Sinase - e de solução - Cepef e GT do Governador - que confluíram em uma “janela de oportunidades” (KINGDON, 2003), viabilizando a criação, aprovação e publicação da Resolução LGBT do sistema socioeducativo mineiro. Na próxima subseção, discutiremos quais embates sobre esse processo foram salientados por nossos entrevistados.

Atores em disputa

De acordo com nossos interlocutores, ainda que a pauta LGBT estivesse presente na agenda pública, a alta gestão do Poder Executivo estadual16 16 Entende-se por alta gestão o primeiro e o segundo (secretários e subsecretários) escalão das secretarias relacionadas à pauta. não parecia muito envolvida com a temática. A questão era tratada, sobretudo, pelas equipes técnicas da Diretoria de Atenção à Saúde e da Diretoria de Orientação Socioeducativa, ambas da Suase, bem como por membros da Subsecretaria de Integração da Secretaria de Defesa Social e da Coordenadoria da Diversidade Sexual da extinta SEDPAC. Quando a pauta era “travada” nas instâncias mais elevadas de poder, segundo citado por um entrevistado, era mobilizado o secretário de Direitos Humanos, que, por sua vez, exercia papel de convencimento do secretário de Segurança Pública - lócus institucional da Cepef.

- A comissão ficou muito restrita às áreas técnicas, a alta gestão ficou mais de fora. Era um fluxo quase burocratizado, praticamente se resumia à validação de minutas. (Entrevistado(a) B, membro da Cepef)

Os adolescentes LGBT também tiveram pouco protagonismo no processo de criação e implementação da resolução no 18/2018. Segundo alguns entrevistados, eles foram convidados a participar de eventos e audiências públicas, mas não contribuíram diretamente na elaboração do texto da norma, tampouco foram consultados a respeito do documento. Ou seja, sua atuação foi considerada uma espécie de insumo, e não uma participação efetiva no processo. Além disso, alguns entrevistados levantaram a hipótese de que adolescentes foram “instrumentalizados” por integrantes da equipe de agentes de segurança socioeducativa, com vistas a enfraquecer a criação e, principalmente, a execução da norma entre esses atores (CIFALI, CHIES-SANTOS e ALVAREZ, 2020CIFALI, Ana Claudia; CHIES-SANTOS, Mariana; ALVAREZ, Marcos César. Justiça juvenil no Brasil: continuidades e rupturas. Tempo Social, v. 32, n. 3, p. 197-228, 2020.). Discutiremos esse ponto mais a fundo nas próximas seções.

Por sua vez, há divergências entre os entrevistados a respeito da participação dos agentes socioeducativos, em especial das profissionais mulheres. Elas eram compreendidas como as mais afetadas pela resolução, pois lidavam diretamente com as adolescentes trans nas unidades femininas. Alguns entrevistados que constituíram a Cepef alegaram que a Diretoria de Segurança Socioeducativa (DSS) da Suase, representada por agentes socioeducativas, fazia parte das discussões da minuta da norma. Por outro lado, algumas agentes entrevistadas citaram, de maneira expressa, que desconheciam o processo e não foram convidadas a contribuir para a elaboração do documento. Esse tipo de narrativa ficou muito marcada entre os entrevistados do Centro Socioeducativo São Jerônimo, lócus de atendimento de adolescentes do gênero feminino no estado.

- Parece que foi uma criação que envolveu até muitas pessoas, mas nós [agentes socioeducativos] só tivemos conhecimento disso quando a SEDPAC realizou uma roda de conversa lá no São Jerônimo sobre a resolução, que já estava publicada. (Entrevistado(a) C, técnico(a) do Poder Executivo).

Um entrevistado do sistema de justiça comentou não ter havido grandes embates na elaboração da resolução por dois motivos principais. Em primeiro lugar, não houve participação efetiva dos diretores das unidades socioeducativas e dos agentes socioeducativos. Em segundo lugar, a resolução era uma consolidação dos fluxos já em andamento em Belo Horizonte, construídos a partir da discussão do caso considerado paradigmático da adolescente trans. Portanto, as ações previstas na norma já eram implantadas antes de sua publicação e, de algum modo, conhecidas na prática.

No entanto, a ausência de embates entre os atores não foi ponto pacífico nas entrevistas, pelo contrário. Por um lado, confirmando em alguma medida a posição desse entrevistado, alguns interlocutores indicaram ter havido pouca ou quase nenhuma divergência na fase de negociação e elaboração da minuta, sobretudo em razão da incipiente participação de adolescentes, agentes e até mesmo da esfera da alta gestão governamental. A produção da normativa foi, nessa perspectiva, um procedimento burocrático, que teria contado com o envolvimento de burocratas de médio escalão e integrantes de suas equipes técnicas. Por outro lado, alguns entrevistados destacaram um cenário inverso. Ou seja, enquanto uma parte da Cepef, formada principalmente por técnicos da saúde, da academia e da sociedade civil, orientava a discussão em torno a defesa da dignidade das pessoas LGBT e da necessidade de se efetivar seus direitos no sistema socioeducativo, outra parte, constituída principalmente por técnicos da Suase, se preocupava com a segurança dos agentes socioeducativos. Para esse segundo grupo, o público-alvo da resolução era formado por “adolescentes violentas”, requerendo atenção17 17 A literatura sobre o socioeducativo aponta vigorar entre atores que lidam diretamente com adolescentes autores de ato infracional - como os relacionados a aspectos de segurança - a perspectiva de que estes são violentos e, portanto, devem ser tratados como “infratores”, em vez de pessoas em processo de formação. Não é exagero, então, indicar que os resquícios da doutrina anterior ao ECA persistem no ambiente socioeducativo, apesar de as normativas nacionais e internacionais preverem o contrário (ALMEIDA, 2016; CIFALI, 2019; VINUTO, 2019; CHIES-SANTOS, 2018; CORNELIUS, 2018. .

De todo modo, o longo período de elaboração, aprovação e publicação da resolução no 18/2018 sugere que essas divergências de fato devem ter ocorrido. No entanto, chama a atenção nesse processo o grau de envolvimento de determinados atores na construção da política, em detrimento de outros. É possível dizer que a norma e as práticas dela decorrente são frutos de entendimentos, sobretudo, do corpo técnico estatal - do Executivo e do sistema de justiça -, com apoio da sociedade civil e da academia. Os altos escalões governamentais não se envolveram de forma orgânica, só apresentando papel mais crucial ao publicar a norma18 18 Destaca-se que, segundo os entrevistados da Cepef, foi uma surpresa para o grupo quando o texto da resolução apresentado foi prontamente acatado pela alta gestão e, em seguida, encaminhado aos trâmites de validação governamental e publicação. . Tampouco pareceu haver uma implicação efetiva dos agentes do sistema socioeducativo nessa fase, cuja função, contudo, é executar “na ponta”, na rotina da unidade socioeducativa, as diretrizes previstas na resolução.

O alijamento de certos atores na construção da agenda LGBT, somado aos possíveis embates entre os participantes do processo, fragilizaram, na visão dos entrevistados, a resolução. Inclusive, ainda que todos nas entrevistas tenham chamado a norma (e sua execução) de “política LGBT”, muitos questionaram se ela podia efetivamente ser compreendida como tal. Não obstante, quando foi publicada, a resolução surgiu em terreno hostil, reforçado pelo fato de ela apresentar peso institucional considerado incipiente, dado seu caráter administrativo. Uma simples mudança de secretariado, que não olhasse com “bons olhos” a pauta LGBT em voga, seria suficiente para revogá-la ou alterá-la. De fato, a agenda ganharia maior relevo institucional e segurança jurídica se os direitos dos adolescentes LGBT fossem resguardados por outros meios, como uma lei ordinária ou um decreto estadual.

Em nossa análise, os conflitos institucionais - tanto os ocorridos no âmbito socioeducativo, quanto os conformados por outras instituições - geraram um contexto potente para promover uma disjunção entre o prescrito pela norma e a forma como alguns agentes creem que devem ser executadas as medidas destinadas ao público LGBT no socioeducativo mineiro.

Conforme disposto por Lipsky (2019)LIPSKY, Michael. Burocracia do nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019., as arenas decisórias são importantes para a confecção de uma ação pública. No entanto, as medidas desenhadas tendem a ganhar roupagem distinta ao serem aplicadas, sobretudo se foram construídas por meio de dinâmicas alheias aos conhecimentos dos burocratas de linha de frente. São estabelecidas, assim, táticas discricionárias, muitas delas frutos de jogos de poder operados entre atores envolvidos em determinada ação, que acabam por se transformar na política per si. Somado a isso, a atuação dos burocratas de médio escalão também tem relevância, já que esses atores têm conhecimento técnico e trânsito político, atuando estrategicamente nos estágios de implementação e remodelamento do desenho das políticas públicas em curso e adequando-as ao contexto técnico-político e socialmente favorável. Na próxima subseção, discutiremos em que medida essa hipótese se sustenta.

Quando a resolução é publicada

Aprovada pelos membros da Cepef e pela alta gestão da então Seds, em 25 de abril de 2018, foi publicada a resolução no 18/2018. Logo em seguida, iniciou-se o processo formativo das equipes técnica e gestorial da Suase. A proposta era oferecer a esses atores ferramentas conceituais e operativas para a implementação da resolução, além de dirimir possíveis conflitos suscitados pela execução da política. No entanto, não foi exatamente isso o que aconteceu.

Conforme os entrevistados, as capacitações iniciais foram extremamente tensionadas, deixando clara a indisposição de alguns grupos em relação à normativa. Havia resistência por parte dos membros da Diretoria de Segurança Socioeducativa da Suase e de alguns representantes da equipe técnica de atendimento das unidades para adolescentes. No entanto, os agentes de segurança socioeducativo foram os que mais se mostraram desconfortáveis com a norma, em especial os que atuavam na unidade São Jerônimo. Esse incômodo ganhou corpo ao longo do tempo, capitaneado e representado, principalmente, pelo Sindicato dos Servidores Públicos do Sistema Socioeducativo mineiro (SINDSISEMG) e de algumas lideranças de agentes socioeducativas. Em apoio, políticos da oposição ao governo petista, representados por deputado do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), também fizeram frente à aplicação da resolução no 18/2018.

Em um primeiro momento, a intenção desse polo oposicionista à resolução era a sua retirada por completo do cenário normativo mineiro. Posteriormente, o ataque vocalizou-se, sobretudo, na supressão do art. 11 da norma, que disciplinava que a revista íntima dos adolescentes deveria ser realizada a partir do critério do respeito à identidade de gênero, e não do sexo biológico. Isso garantia às adolescentes trans que a revista fosse feita por uma agente de segurança socioeducativa mulher, e não homem. Ou seja, a superação da concepção binária e essencialista dos gêneros, encontrada no feminismo queer (BUTTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 2003.), foi desvelada aqui diante da tensão que se criou no sistema socioeducativo, na medida em que a Resolução LGBT evidenciou o reconhecimento de direitos dos e das adolescentes trans privadas e restritas de liberdade. Difundiu-se, portanto, a necessidade de se implementar procedimentos operacionais de segurança que passassem a ser pautados no reconhecimento das identidades de gênero - seja de adolescentes ou de visitantes.

Na prática, o que se verificou é que a presença de “corpos abjetos”, que não se sujeitam aos modelos hegemônicos e heteronormativos estabelecidos (NICÁCIO e VIDAL, 2017NICÁCIO, Camila Silva; VIDAL, Júlia Silva. Justiça infanto-juvenil, travestilidade e transexualidade: apontamentos sobre a marcha dos direitos. Revista Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 70, p. 197-226, 2017.), promoveu uma tensão na implementação da resolução, de modo que seu art. 11 se tornou o principal ponto de disputa. Assim, outros pontos dispostos, como as garantias legais de direitos de adolescentes gays e lésbicas, ficaram praticamente invisibilizados na seara de enfrentamentos. Apesar de esse ponto não ter sido alvo de críticas evidentes na execução da resolução, isso não quer dizer que adolescentes gays e lésbicas tenham suas garantias legais reconhecidas.

Outros aspectos presentes na norma, como a proibição da patologização de adolescentes LGBT privados e restritos de liberdade, o direito ao uso do nome social, a alocação de adolescentes trans nas unidades femininas e o uso de vestimentas conforme a identidade de gênero, não foram explicitamente questionados. Acreditamos que tais elementos não pareciam ameaçar a “estabilidade” do sistema socioeducativo, diferentemente das revistas íntimas, que evidenciam a questão da corporalidade como ponto de discussão e disputa sobre os direitos dos adolescentes LGBT.

- No momento da implementação, alguns atores que não participaram da elaboração da resolução (as agentes, especialmente) se agitaram com a perspectiva de que algo específico de algumas situações e unidades fosse transformado em regra geral, principalmente no que tange à revista íntima. “Peraí, isso não vai ser excepcional, vai ser a regra?”. (Entrevistado(a) D, técnico/a do Poder Executivo)

- Na minha visão, isso é um enorme paradoxo. Como a resistência a uma questão que talvez nem devesse ser discutida como procedimento rotineiro e geral dentro do sistema socioeducativo pode trazer tantos entraves ao debate da humanização do atendimento às e aos adolescentes? Como é possível que isso faça vir à tona moralismos, preconceitos e falas tão agressivas? (Entrevistado(a) E, integrante da sociedade civil)

Confirmando nossa hipótese, muitos entrevistados indicaram que o baixo envolvimento dos agentes socioeducativos na criação da resolução fez com que esses profissionais se sentissem alijados do processo de formulação da agenda e percebessem a publicação da norma como fruto de um movimento impositivo. Esse cenário teria provocado uma reação visceral e negativa.

- Um belo dia o sistema socioeducativo acordou com essa resolução no Diário Oficial. Os desdobramentos negativos na implementação dessa resolução são o resultado desse processo repentino. (Entrevistado(a) F, técnico(a) do Poder Executivo)

- Parece que primeiro a resolução foi implementada para só depois acontecer uma discussão no sistema sobre o tema. As pessoas queriam que houvesse mais diálogo, mas, ao meu ver, o processo de implementação foi impositivo, o que causou divergência e conflitos. (Entrevistado(a) E, integrante da sociedade civil)

Inclusive, conforme entrevistados advindos da academia, as agentes chegaram a se valer das adolescentes cis19 19 Pessoas cisgêneras são aquelas que se identificam com o sexo biológico com o qual nasceram. Neste artigo, chamamos essas pessoas simplesmente de cis. como “massa de manobra” e apoio a sua atuação: “(...) as agentes teriam argumentado que iriam prejudicar as adolescentes trans em represália à norma” (Entrevistado(a) G, membro(a) da academia). Ao que tudo indica, as agentes teriam, inclusive, cometido atos LGBTfóbicos contra as adolescentes, em particular as trans.

Entretanto, é importante destacar aqui que essa reação ostensiva não representa de forma unívoca o que pensam todas as agentes de segurança socioeducativa20 20 Espera-se, em pesquisa futura, aplicar questionário nas unidades socioeducativas do estado, de modo a aprofundar a compreensão sobre como vem se dando a implementação da normativa nos dias de hoje. É importante avançar na pesquisa em um cenário que seja mais propício em decorrência da pandemia de Covid-19, já que as visitas e entradas nas unidades socioeducativas permanecem com restrições. . Como indicamos antes, não foi possível identificar homogeneidade de perspectivas em um mesmo grupo, como o composto por burocratas do nível de rua constituído por agentes socioeducativos. Inclusive, uma mesma pessoa entrevistada não tinha uma perspectiva linear sobre a norma. Em algumas entrevistas com agentes, sugiram frases que reconheciam a importância da resolução e de adolescentes LGBT terem seus direitos resguardados. Contudo, pontos específicos da norma, sobretudo seu art. 11, causavam muita indignação. Tudo isso indica que agentes e seu grupo político de apoio tiveram de eleger quais pautas mereciam ser disputas e quais poderiam ser relativamente ignoradas.

No mesmo ano de publicação da resolução, o SINDSISEMG ajuizou uma ação contra a norma, alegando que o tratamento diferenciado ao público LBGT deveria ser acompanhado da reestruturação das unidades socioeducativas e dos recursos humanos. Isso porque, utilizando uma justificativa de cunho institucional, a atuação voltada a adolescentes LGBT, sobretudo os trans, não constava nos editais para recrutamento das equipes. Ou seja, não haveria “especialização” profissional para o exercício desse tipo de tarefa. Ainda, alinhado a esse argumento, indicou-se que a norma supostamente afrontaria a dignidade das agentes de segurança socioeducativa ao obrigá-las a realizar o procedimento de revista íntima nas adolescentes trans. Em especial, a argumentação trazia que a resolução feria os direitos fundamentais desses profissionais quanto às suas convicções religiosas e filosóficas.

Contudo, em contraposição à ação, tanto o pedido de liminar como a decisão de mérito judicial foram expressas na disposição de manutenção da garantia de direitos das adolescentes LGBT previstas na resolução. A decisão se fundamentou na supremacia do interesse público sobre o privado21 21 A decisão de mérito foi proferida em 2020 (TJMG, 02/06/2020). .

Para além de resvalar na esfera judicial, o questionamento da norma também ganhou a seara política, como já introduzimos. Influenciados por agentes socioeducativas e pelo SINDSISEMG, deputados da oposição ao governo PT passaram a questionar a resolução por meio do envio de requerimentos ao Executivo e da convocação de audiência pública na ALMG22 22 Foi convocada audiência pública sobre o teor da resolução Sesp no 18/2018, para a qual foram convidados representantes da alta gestão da então Seds. A audiência foi realizada em 2 de julho de 2018 e o vídeo e notas taquigráficas estão disponíveis (on-line) em: https://webdrive.almg.gov.br/index.php/s/mLFD52wfJVD36j3; https://www.almg.gov.br/atividade_parlamentar/comissoes/internaPauta.html?idCom=508&dia=29&mes=05&ano=2018&hr=10:00&tpCom=1&aba=js_tabResultado . De maneira resumida, esses momentos objetivavam discutir

a grave situação relatada por agente do sistema socioeducativo durante reunião desta comissão, em 29/5/2018, incluindo a violação da dignidade das agentes envolvidas durante os procedimentos de revista, bem como as ameaças de instauração imediata de procedimentos administrativos disciplinares contra essas profissionais (ALMG, 2018, atas das audiências públicas).

Alguns entrevistados destacaram o clima agressivo da audiência, principalmente a violência de deputados com alguns membros da gestão: “O [nome do deputado] foi agressivo e impediu a fala dos representantes da SEDPAC [pasta de direitos humanos]” (Entrevistado(a) H, gestor(a) do Poder Executivo).

Em resumo, formaram-se dois polos opostos ao redor da aplicação da resolução: 1) um que defendia a norma em sua integralidade, encabeçado pelos técnicos das secretarias partícipes de sua elaboração (burocratas de médio escalão), auxiliados por representantes da academia e demais representantes da Cepef; e 2) outro que atacava a norma em sua integralidade ou em parte, coordenado por agentes socioeducativos (burocratas de linha de frente), pelo sindicato da categoria e por alguns deputados estaduais. Em cada um desses lados se destacaram lideranças formais e informais, nos termos de Etizioni (1974), protagonizando o conflito não apenas no Poder Executivo, mas estendendo-o a outras organizações, como o parlamento mineiro, a sociedade civil e a universidade. Inclusive, as disputas foram lançadas para dentro das unidades socioeducativas, envolvendo adolescentes, que deveriam ser os maiores beneficiários da norma.

Na subseção a seguir, indicaremos as estratégias para reverter esse cenário de adversidades, adotadas pelo grupo que buscava a vigência da resolução.

Estratégias de reversão do cenário

De acordo com os entrevistados da gestão estadual, diversas foram as estratégias do governo para lidar com a resistência à norma, protagonizadas, em especial, pelos burocratas de médio escalão. Em reforço às análises anteriores, ressaltamos os burocratas de médio escalão como agentes que passaram a atuar, sobremaneira, em prol da implementação da resolução, buscando traduzir decisões em ações públicas.

Inicialmente, tentou-se construir um diálogo com agentes socioeducativos por meio da criação de um grupo de trabalho formado por membros da Cepef. A proposta era promover rodas de conversa nas unidades socioeducativas, mas, ao longo do tempo, observou-se que o único diálogo possível com esses atores era o voltado à alteração do texto da norma, em especial do artigo relacionado às revistas íntimas.

- Não foi uma conversa agradável. Trouxemos vários questionamentos. Algumas agentes choraram, estavam desesperadas com a nova norma. [A gestão] foi insensível no processo e somente disse que a resolução estava posta. (Entrevistado(a) G, membro(a) da academia)

Os entrevistados ligados à gestão e à academia destacaram o preconceito sobretudo das agentes mulheres em relação às adolescentes trans como o fator intransponível no conflito. Essa resistência foi robustecida pelo momento político que o país atravessava à época, em que o tema da “ideologia de gênero” era um debate muito vivo e acirrado na disputa eleitoral presidencial de 201823 23 Em 2018, a disputa eleitoral do segundo turno das eleições girou em torno do atual presidente, Jair Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), mas filiado à época ao Partido Social Liberal (PSL), e Fernando Haddad, pelo PT (REBELLO, 2018; HENRIQUE, 19/08/2018). Destaca-se que na atual disputa presidencial de 2022 entre o atual presidente e o candidato Luís Inácio Lula da Silva, pelo PT, o embate em torno da “ideologia de gênero” segue em pauta. Disponível em: https://www.uol.com.br/eleicoes//videos/?id=bolsonaro-critica-lula-e-ideologia-de-genero-04024C1C386AE4817326. Visto em 18 de outubro de 2022. .

- As agentes socioeducativas não estavam dispostas a ouvir e a dialogar. Era o momento social em que estava em pauta o “conceito” da “ideologia de gênero”. Utilizavam contra a política argumentos de que não poderiam realizar a revista íntima por fatores pessoais, como a religião as impedia ou como iriam voltar para a casa depois de revistarem um corpo trans. (Entrevistado(a) G, membro(a) da academia)

A gestão também buscou transferir os servidores como estratégia para enfraquecer a resistência. Identificava quais eram as agentes mais relutantes e as transferiram do São Jerônimo a outro estabelecimento socioeducativo. Do mesmo modo, foram emitidas “circulares” (comunicados administrativos) que reforçaram a obrigação legal do cumprimento da resolução e deixavam claro que os servidores que se negassem a cumpri-la poderiam responder administrativamente.

- Quando soltamos o memorando houve dois efeitos: uma parte das agentes acabaram [sic] desistindo de continuar com a pressão contra a política, pois temiam responder administrativamente e perder seus cargos, e uma outra parte recrudesceu a pressão, pois se sentiram [sic] pessoalmente atacadas. (Entrevistado(a) I, gestor(a) do Poder Executivo)

Segundo os entrevistados, essas medidas tiveram inicialmente um efeito concreto, já que alguns agentes socioeducativos de fato acabaram desistindo do enfrentamento da resolução, por receio de represálias administrativas. Entretanto, a longo prazo, não foram efetivas, pois a atuação do burocrata de médio escalão pareceu ser suplantada pela discricionariedade do burocrata do nível de rua.

A implementação da norma também depende do seu processo de aceitação e legitimidade, para além dos efeitos concretos (punição) da não observância da legalidade. Desse modo, as estratégias adotadas pelos gestores para convencer e incentivar as equipes com ação nas unidades socioeducativas para executar a resolução parecem ter tido efeito a curto prazo. Como sinaliza Lotta (2012)LOTTA, Gabriela. O papel das burocracias do nível da rua na implementação de políticas públicas: entre o controle e a discricionariedade. In: FARIA, Carlos Aurélio (Org.). Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012., os burocratas do nível de rua têm importante papel na definição de como uma ação pública será imposta, já que detêm as prerrogativas para distribuir benefícios e sanções aos beneficiários da ação.

Diante de tantas turbulências relacionadas à construção e à aplicação da norma, resta o questionamento se efetivamente Minas Gerais apresenta uma agenda estruturada no socioeducativo voltada ao público LGBT.

À guisa de conclusão: há uma ‘política’ LGBT no socioeducativo mineiro?

A maioria dos entrevistados reconheceu que o movimento de formulação e implementação da resolução no 18/2018 foi um passo relevante à garantia de direitos dos adolescentes LGBT em cumprimento de medida socioeducativa em Minas Gerais, além de ter sido um ato político simbólico de reconhecimento da pauta. O processo proporcionou a visibilização das questões identitárias, bem como possibilitou uma reflexão mais profunda sobre o socioeducativo e as diferentes vivências dos adolescentes em privação e restrição de liberdade.

Por outro lado, há um consenso de que muito precisa ser feito para que haja uma política LGBT estruturada no socioeducativo estadual24 24 O trabalho de Nicácio et al. (2021, p. 17) igualmente menciona a discricionariedade e fragilidade no cumprimento dos preceitos da resolução Sesp no 18/2018. O objeto foi analisar as performances de gênero no cotidiano de uma Delegacia a Infância e Juventude. . Por certo, muitos de nossos interlocutores utilizavam costumeiramente o termo “política pública” para se referir à resolução no 18/2018 e seus efeitos, mas admitiam que não havia uma política estadual socioeducativa consolidada destinada a adolescentes LGBT. Se pensarmos que uma ação nesse sentido se refere, grosso modo, a um conjunto de ações desenhadas por distintos atores do poder público e da sociedade civil, com objetivos claros, bem como com estratégias de monitoramento e avaliação bem definidas (SECCHI, 2013SECCHI, Leonardo. Políticas públicas: conceitos, esquemas de análise, casos práticos. 2.ed. São Paulo: Trilha, 2013.), não é exagero sugerir que a resolução encontra-se bastante alheia a esses processos.

Pensando nesse aspecto, conforme alguns de nossos interlocutores, em face dos distintos conflitos surgidos em relação à resolução já discutidos, uma de suas maiores fragilidades se situa no fato de sua aplicação ter ficado praticamente a cargo das direções e dos agentes lotados nas unidades socioeducativas, os burocratas de linha de frente (LIPSKY, 2019LIPSKY, Michael. Burocracia do nível de rua: dilemas do indivíduo nos serviços públicos. Brasília: ENAP, 2019.; LOTTA, 2012LOTTA, Gabriela. O papel das burocracias do nível da rua na implementação de políticas públicas: entre o controle e a discricionariedade. In: FARIA, Carlos Aurélio (Org.). Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2012.), sem procedimentos de acompanhamento dessas ações por burocratas de médio escalão. Os agentes na ponta que decidem se vão aplicar ou não as determinações previstas. “Pensou-se, inclusive, na possibilidade de criação de um núcleo na Suase de monitoramento e acompanhamento do processo de implementação da norma, mas essa proposta não ganhou fôlego” (Entrevistado(a) I, gestor(a) do Poder Executivo).

Em consequência da aplicação fragmentada e personalizada da resolução, parece haver mais execução dos seus dispositivos nas unidades da capital, onde há um estabelecimento feminino para o qual se destinam as adolescentes trans e mais mecanismos de controle por parte da Suase e do sistema de justiça. Por outro lado, nos estabelecimentos do interior, não haveria uma atuação tão coordenada. Em tais locais, imperaria uma perspectiva punitivista sobre a política socioeducativa (CIFALI, 2019CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil. Tese (Doutorado em Ciências Criminais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.; CHIES-SANTOS, 2018CHIES-SANTOS, Mariana. Resistentes, conformados e oscilantes: um estudo acerca das resistências produzidas pelos adolescentes privados de liberdade no Brasil e na França. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.; GISI, 2016), impedindo ações voltadas à garantia de direitos e mais alinhadas à agenda LGBT.

- Em Belo Horizonte, a política estabelecida pela resolução foi implementada porque já havia um fluxo de atendimento estabelecido anteriormente, após a discussão do caso paradigmático. Mas, no interior, os diretores das unidades não se atentam para as diretrizes da resolução. E aí as e os adolescentes [trans] começam a cumprir a medida em unidades masculinas antes de serem transferidas para a São Jerônimo ou para a Santa Amélia [respectivamente, unidade feminina de internação e de semiliberdade]. (Entrevistado(a) A, membro do sistema de justiça)

- Há, no interior, na maioria dos municípios, uma concepção ainda punitiva e espelhada nos espaços militares de organização do socioeducativo. Muitas vezes, nesses casos, a transferência só ocorre quando a questão chega ao centro regional [gestão da Suase], e não por iniciativa da própria unidade. (Entrevistado(a) A, membro do sistema de justiça)

Na verdade, mesmo na capital prevalece o caráter punitivista da medida socioeducativa. Algumas agentes socioeducativas relataram já terem recebido no São Jerônimo adolescentes trans advindas de unidades masculinas que não tiveram seus direitos respeitados.

- Já recebi adolescente trans com o cabelo raspado e utilizando roupas masculinas na unidade São Jerônimo depois do processo de implementação da resolução, e foi muito difícil construir a medida junto com esta adolescente depois dessa violação que ela sofreu. (Entrevistado(a) J, técnico(a) do Poder Executivo)

Igualmente, alguns entrevistados indicaram que, embora o debate sobre a efetivação dos direitos das adolescentes trans tenha ficado “aquecido”, pouco foi feito para superar as vulnerabilidades de adolescentes gays e lésbicas. Em reforço a isso, a questão da revista íntima ganhou centralidade, como se esse tema fosse o único a ser abordado, pouco se atendo a elementos relativos ao direito à integridade física, à expressão de vestimenta na identidade de gênero declarada, à não discriminação e aos demais direitos inerentes a adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Não obstante, adolescentes LGBT costumam ficar isolados em alojamentos por longo tempo, alheios a atividades educacionais e profissionalizantes, sem que haja qualquer justificativa efetiva para isso, embora se indique que tal medida visa à sua proteção. Ou seja, essas pessoas são colocadas em espaços segregados com a justificação de proteção de sua integridade física, quando, na realidade, são negados parte dos seus direitos básicos relativos à questão socioeducativa.

Em nossa leitura, como já argumentamos, tratar de adolescentes trans é algo que mexe com estruturas institucionais - e com os preconceitos dos burocratas de linha de frente - e, por isso, o tema suscitou tantos conflitos. Ter de transferir adolescentes para determinadas unidades e realizar revistas nelas são ações que, na visão dos atores em jogo, promoveriam mudanças, ainda que muito sutis, no âmbito do socioeducativo e na vivência de grupos de profissionais. Entretanto, outros pontos da resolução talvez não tenham gerado tantos embates por não afetarem o cotidiano da unidade socioeducativa, cuja marca é a violação dos direitos dos adolescentes (CIFALI, 2019CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil. Tese (Doutorado em Ciências Criminais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.; CHIES-SANTOS, 2018CHIES-SANTOS, Mariana. Resistentes, conformados e oscilantes: um estudo acerca das resistências produzidas pelos adolescentes privados de liberdade no Brasil e na França. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.; GISI, 2016; VINUTO, 2019VINUTO, Juliana. O outro lado da moeda: O trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.). Pouco importa se determinada norma prescreve algo, pois já existe uma cultura institucional que tenderá a ignorá-la ou promovê-la sem que isso transforme de forma efetiva o percurso da política socioeducativa.

Por todo o exposto, concluímos que, apesar dos esforços para criar ações destinadas ao público LGBT no atendimento socioeducativo de Minas Gerais, que foi espelho para as demais unidades federativas do país, não há, de fato, uma política institucionalizada e promotora de direitos no que tange à pauta. Ao que tudo indica, sua implementação se restringiu a atuações personalizadas, limitou-se a ações executadas na capital e se dirigiu, em especial, às adolescentes trans. Logo, podemos dizer que tal norma abriu fendas na questão. Contudo, ainda resta um longo caminho pela frente para vislumbrarmos avanços efetivos, como os suscitados ainda na década de 1980 pela Constituição Federal, que propôs medidas de não discriminação e superação de vulnerabilidades históricas de determinados grupos sociais, como o LGBT.

  • 1
    O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em 2019 a equiparação da homofobia e da transfobia ao crime de racismo, até que o Congresso Nacional aprove lei específica sobre o tema. Ver (on-line): http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=414010
  • 2
    Em nível nacional, a publicação da resolução Sesp no 18/2018 tem relevância por ter sido a primeira normativa estadual que estabelece procedimentos e garantias legais específicas a adolescentes LGBT restritos e privados de liberdade. Seguindo os passos de Minas Gerais, Paraná, Distrito Federal e Bahia se organizaram para criar e publicar suas próprias políticas sobre o tema.
  • 3
    Como construiremos, com base em nossos dados, a discussão sobre se a pauta LGBT no socioeducativo de Minas Gerais se concretizou em uma “política pública”, ao longo deste texto evitamos usar esse termo, de forma que descrevemos a resolução no 18/2018 e suas implicações como “agenda”, “ação” ou “pauta”.
  • 4
  • 5
    Em boa medida, esse contexto dificultou a realização da pesquisa em unidades de internação e de semiliberdade, impedindo o contato com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Logo, a análise das narrativas desses atores deve ser procedida em outro esforço de pesquisa, em um cenário mais propício à realização de trabalho de campo em ambientes de privação de liberdade.
  • 6
    Há uma tradição sociológica de estudos que analisam o conflito social por meio de distintas lentes e focos. Neste artigo, nos concentramos nas discussões institucionais. Conforme March e Simon (1981)MARCH, James G.; SIMON, Herbert A. Teoria das organizações. 5.ed. Rio de Janeiro: FGV, 1981., o conflito pode ser compreendido como um colapso nos mecanismos decisórios normais, em virtude do qual um indivíduo ou grupo experimenta dificuldades na escolha de uma alternativa de ação.
  • 7
    Pessoas transgêneras são aquelas que nasceram com determinado sexo biológico e não se identificam com seu corpo. Neste artigo, chamamos essas pessoas simplesmente de trans.
  • 8
    Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial da União, 16 jul. 1990.. Ver artigos art. 3, parágrafo único e art. 124, inc. V e Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012BRASIL. Lei no 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Diário Oficial da União, Brasília, 19 jan. 2012., ver artigo art. 35, inc. VIII.
  • 9
    São exemplos de normativas internacionais que abarcam as garantias das pessoas LGBTI a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), as Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok), a Convenção sobre os Direitos das Crianças, as Regras da Organização das Nações Unidas para Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing) (1985), os Princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (Princípios de Riad) (1990), as Regras Mínimas da Organização das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade (Regras de Havana) (1990) e, sobretudo, os Princípios de Yogyakarta (2006).
  • 10
    São alguns exemplos a Constituição Federal de 1988 (art. 3º, I e IV; art.5º, inc. III, XLVIII e XLIX) e o decreto no 8.727/2016, que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal. Além disso, em Minas Gerais, foi publicado em 2014 o Decreto nº 47.306, que institui a Carteira de Nome Social para travestis e transexuais.
  • 11
    Essa mudança ocorreu no começo de 2016, por meio de uma alteração nos campos do Reds promovida pelo Centro Integrado de Informações de Defesa Social (Cinds) da então Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) (SEJUSP, 06/01/2016SEJUSP. Cidadãos já podem declarar orientação sexual, nome social e identidade de gênero em registros de crimes. Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), Notícias, 6 jan. 2016. Disponível em: www.seguranca.mg.gov.br/ajuda/story/2882-cidadaos-ja-podem-declarar-orientacao-sexual-nome-social-e-identidade-de-genero-em-registros-de-crimes
    www.seguranca.mg.gov.br/ajuda/story/2882...
    ).
  • 12
    A Resolução LGBT no âmbito do Sistema Prisional do Estado de Minas Gerais em 21 de julho de 2021 (resolução Sejusp no 173). Disponível (on-line) em: https://www.conjur.com.br/dl/sejusp.pdf
  • 13
    Relatório ao Governador: Atividades do GT para a Reestruturação do Sistema Socioeducativo (2017, p. 63).
  • 14
    Nicácio e Vidal (2017)NICÁCIO, Camila Silva; VIDAL, Júlia Silva. Justiça infanto-juvenil, travestilidade e transexualidade: apontamentos sobre a marcha dos direitos. Revista Faculdade de Direito da UFMG, Belo Horizonte, n. 70, p. 197-226, 2017. retrataram os meandros do caso envolvendo a recepção e acolhida dessa adolescente trans no sistema socioeducativo de Minas Gerais.
  • 15
    Única unidade feminina de privação de liberdade do sistema estadual de atendimento socioeducativo mineiro.
  • 16
    Entende-se por alta gestão o primeiro e o segundo (secretários e subsecretários) escalão das secretarias relacionadas à pauta.
  • 17
    A literatura sobre o socioeducativo aponta vigorar entre atores que lidam diretamente com adolescentes autores de ato infracional - como os relacionados a aspectos de segurança - a perspectiva de que estes são violentos e, portanto, devem ser tratados como “infratores”, em vez de pessoas em processo de formação. Não é exagero, então, indicar que os resquícios da doutrina anterior ao ECA persistem no ambiente socioeducativo, apesar de as normativas nacionais e internacionais preverem o contrário (ALMEIDA, 2016ALMEIDA, Bruna Gisi de. A racionalidade prática do isolamento institucional: um estudo da execução da medida socioeducativa de internação em São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.; CIFALI, 2019CIFALI, Ana Claudia. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil. Tese (Doutorado em Ciências Criminais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.; VINUTO, 2019VINUTO, Juliana. O outro lado da moeda: O trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.; CHIES-SANTOS, 2018CHIES-SANTOS, Mariana. Resistentes, conformados e oscilantes: um estudo acerca das resistências produzidas pelos adolescentes privados de liberdade no Brasil e na França. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.; CORNELIUS, 2018CORNELIUS, Eduardo Gutierrez. O pior dos dois mundos? A construção legítima da punição de adolescentes no Superior Tribunal de Justiça. IBCCrim, 2018..
  • 18
    Destaca-se que, segundo os entrevistados da Cepef, foi uma surpresa para o grupo quando o texto da resolução apresentado foi prontamente acatado pela alta gestão e, em seguida, encaminhado aos trâmites de validação governamental e publicação.
  • 19
    Pessoas cisgêneras são aquelas que se identificam com o sexo biológico com o qual nasceram. Neste artigo, chamamos essas pessoas simplesmente de cis.
  • 20
    Espera-se, em pesquisa futura, aplicar questionário nas unidades socioeducativas do estado, de modo a aprofundar a compreensão sobre como vem se dando a implementação da normativa nos dias de hoje. É importante avançar na pesquisa em um cenário que seja mais propício em decorrência da pandemia de Covid-19, já que as visitas e entradas nas unidades socioeducativas permanecem com restrições.
  • 21
    A decisão de mérito foi proferida em 2020 (TJMG, 02/06/2020TJMG. Adolescentes trans e travestis terão revista humanizada: Justiça mineira rejeita mandado de segurança contra resolução. Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Notícias, 2 jun. 2020. Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noticias/adolescentes-trans-e-travestis-terao-revista-humanizada.htm#.Y0ccdXbMLb0
    https://www.tjmg.jus.br/portal-tjmg/noti...
    ).
  • 22
    Foi convocada audiência pública sobre o teor da resolução Sesp no 18/2018, para a qual foram convidados representantes da alta gestão da então Seds. A audiência foi realizada em 2 de julho de 2018 e o vídeo e notas taquigráficas estão disponíveis (on-line) em: https://webdrive.almg.gov.br/index.php/s/mLFD52wfJVD36j3; https://www.almg.gov.br/atividade_parlamentar/comissoes/internaPauta.html?idCom=508&dia=29&mes=05&ano=2018&hr=10:00&tpCom=1&aba=js_tabResultado
  • 23
    Em 2018, a disputa eleitoral do segundo turno das eleições girou em torno do atual presidente, Jair Bolsonaro, do Partido Liberal (PL), mas filiado à época ao Partido Social Liberal (PSL), e Fernando Haddad, pelo PT (REBELLO, 2018REBELLO, Aiuri. Gênero e partido: Veja o que pensam os presidenciáveis sobre as polêmicas da “ideologia de gênero” e “escola sem partido”. UOL, Eleições, 2018. Disponível em: https://www.uol/eleicoes/especiais/eleicoes-2018-propostas-para-educacao-candidatos-a-presidente-sobre-ideologia-de-genero-e-escola-sem-partido.htm
    https://www.uol/eleicoes/especiais/eleic...
    ; HENRIQUE, 19/08/2018HENRIQUE, Guilherme. “‘Ideologia de gênero’ é o que mais mobiliza evangélicos’”: Em entrevista, pesquisadora americana analisa participação de evangélicos na política brasileira e prioridade que esse grupo social dá a temas morais. DW, Política, 19 out. 2018. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/ideologia-de-gênero-é-o-que-mais-mobiliza-eleitor-evangélico/a-45964108
    https://www.dw.com/pt-br/ideologia-de-gê...
    ). Destaca-se que na atual disputa presidencial de 2022 entre o atual presidente e o candidato Luís Inácio Lula da Silva, pelo PT, o embate em torno da “ideologia de gênero” segue em pauta. Disponível em: https://www.uol.com.br/eleicoes//videos/?id=bolsonaro-critica-lula-e-ideologia-de-genero-04024C1C386AE4817326. Visto em 18 de outubro de 2022.
  • 24
    O trabalho de Nicácio et al. (2021NICÁCIO, Camila et al. Performances de gênero no quotidiano de uma Delegacia da Infância e Juventude: Notas de uma pesquisa qualitativa. Revista de Estudos Empíricos em Direito, v. 8, 2021., p. 17) igualmente menciona a discricionariedade e fragilidade no cumprimento dos preceitos da resolução Sesp no 18/2018. O objeto foi analisar as performances de gênero no cotidiano de uma Delegacia a Infância e Juventude.

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    28 Nov 2021
  • Aceito
    06 Jun 2022
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