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Entre o cuidado e a custódia: Como agentes prisionais em Minas Gerais percebem seu trabalho

Resumos

Este artigo desvela como agentes prisionais em Minas Gerais percebem seu trabalho, se voltado à garantia da ordem ou ao cuidado - palavra tradicionalmente associada às atividades de ressocialização no cárcere. Para tanto, analisamos se o sexo do profissional influencia essa percepção, por meio de 1.525 questionários on-line autoaplicados entre 2014 e 2015, além de entrevistas semiestruturadas com dez mulheres e 13 homens em atividade de 2016 a 2018. Na percepção dessas pessoas, a manutenção da ordem e da segurança são os principais objetivos da profissão. As similaridades dos discursos de mulheres e homens indicam a adoção de valores atribuídos ao masculino, como uso da força e brutalidade, vistos como essenciais para manter a ordem no cárcere.

Palavras-chave:
percepção do trabalho; sistema prisional; agentes prisionais; análise comparativa; gênero


Between Care and Custody: How Prison Officers Perceive Their Work in Minas Gerais reveals how prison officers in Minas Gerais perceive their work, whether it is focused on guaranteeing order or on care-a word traditionally associated with resocialization activities in prison. We analyzed whether the workers’ sex has any influence on how they perceive their work, through the analysis of 1,525 online questionnaires self-administered between 2014 and 2015, and semi-structured interviews carried out with 10 women and 13 men working in prisons between 2016 and 2018. In their perception, the maintenance of order and security is the main objective of the profession. The similarities of the discourses of women and men indicate the adoption of masculinity values, such as the use of force and brutality, seen as essential to maintain order in the prison.

Keywords:
perception of work; prison system; prison officer; comparative analysis; gender


Introdução

Neste artigo, buscamos analisar como agentes prisionais que exercem suas funções em Minas Gerais percebem seu trabalho e se o sexo do profissional influencia essa percepção. O objetivo é responder à seguinte questão: há diferença, entre agentes do sexo masculino e feminino na percepção da tarefa de “ressocialização”?1 1 Neste trabalho, tomamos a palavra ressocialização como tematizada pela Lei de Execuções Penais (LEP) e pelo discurso das(os) profissionais entrevistadas(os). Ambos mobilizam essa categoria para representar as atividades de cuidado, muito associadas ao bom trato e à assistência social nas prisões. Por essa razão, usamos cuidado e ressocialização como sinônimos ao longo do artigo. Não obstante, entendemos a necessidade de uma maior problematização da noção de ressocialização, que merece uma significativa crítica no contexto atual, embora não tenha sido nosso objetivo nesta análise. .

Apesar do campo de estudos sobre prisões ser consolidado na sociologia, inclusive na brasileira, a agenda sobre agentes prisionais no país é ainda pouco explorada (LOURENÇO e ALVAREZ, 2018LOURENÇO, Luiz Cláudio; ALVAREZ, Marcos César. Estudos sobre prisão: um balanço do estado da arte nas ciências sociais nos últimos vinte anos no Brasil (1997-2017). BIB, São Paulo, n. 84, p. 216-236, 2018.), embora se trate de uma discussão de suma importância, sobretudo no contexto atual. Em 2019, por força da Emenda Constitucional (EC) 104, que criou a Polícia Penal, e especificamente por meio de uma alteração no art. 144 da Constituição Federal, os agentes prisionais passaram a ser policiais penais (NASCIMENTO, 2022NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. De carcereiro a policial penal: Entre nomenclaturas, imagem social e atribuições. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 15, p. 883-910, 2022.)2 2 No Brasil, desde 2019, agentes prisionais se tornaram policiais penais, passando a compor o rol dos profissionais de segurança pública listados no art.144 da Constituição Federal. Apesar de utilizarmos os termos “agentes prisionais” e “guardas de prisão” como sinônimos, reconhecemos essa mudança operada pela EC 104. . Essa mudança pode introduzir certo desbalanceamento na díade do trabalho custodial, que se estrutura a partir de atividades de segurança e cuidado, muitas vezes percebidas como funções conflitantes (BODÊ DE MORAES, 2013BODÊ DE MORAES, Pedro R. A identidade e o papel dos agentes penitenciários. Tempo Social, v. 25, n. 1, p. 131-147, 2013.).

Uma dimensão que tem aparecido como relevante nas análises sobre esses profissionais é a relação que existiria entre o trabalho realizado e o sexo do agente (BARCINSKI, ALTENBERND e CAMPANI, 2014BARCINSKI, Mariana; ALTENBERND, Bibiana; CAMPANI, Cristiane. Entre cuidar e vigiar: ambiguidades e contradições no discurso de uma agente penitenciária. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 7, p. 2245-2254, 2014.; BARCINSKI, CÚNICO e BRASIL, 2017BARCINSKI, Mariana; CÚNICO, Sabrina Daiana; BRASIL, Marina Valentim. Significados da ressocialização para agentes penitenciárias em uma prisão feminina: Entre o cuidado e o controle. Temas em Psicologia, v. 25, n. 3, p. 1257-1269, 2017.). Tradicionalmente, entende-se que a manutenção da ordem seria uma tarefa “masculina”, enquanto o cuidado seria uma função “feminina” (TAIT, 2011TAIT, Sarah. A typology of prison officer approaches to care. European Journal of Criminology, v. 8, n. 6, p. 440-454, 2011.). Ocorre que, no caso brasileiro, essa divisão pode não se operar tão facilmente, pois a custódia é feita por profissional com sexo semelhante ao do detento - homens guardam homens e mulheres guardam mulheres (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.; NASCIMENTO, 2022NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. De carcereiro a policial penal: Entre nomenclaturas, imagem social e atribuições. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 15, p. 883-910, 2022.). É preciso, então, entender como os agentes equilibram demandas profissionais e de gênero no cotidiano do ambiente prisional, temática ainda incipiente na literatura nacional (VINUTO, 2019VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.).

A discussão do papel do sexo (determinado biologicamente) em detrimento da identidade de gênero, isto é, de como a pessoa se apresenta na sociedade, pode parecer deslocada da problematização contemporânea na sociologia. No entanto, as formas de regulação da profissão - antes de agente prisional e agora de policial penal -, bem como as perguntas realizadas nos questionários da pesquisa que nos serviu de base, foram estruturadas a partir do sexo. Exatamente por isso, a proposta aqui é entender se a pessoa ter nascido homem ou mulher interfere na forma como ela percebe o exercício da profissão.

Para entender como o sexo, por um lado, e as funções da pena - retribuição e ressocialização -, por outro, são percebidos por agentes prisionais mineiros, utilizamos entrevistas semiestruturadas e um survey com uma amostra representativa dos profissionais em serviço entre 2014 e 2015. Como indagamos a esses “burocratas de linha de frente” sobre seu sexo, e não sobre seu gênero, usando essa questão para diferenciá-los, faremos alguns apontamentos sobre o significado dessa categoria nas ciências sociais. Em seguida, discutiremos como o trabalho prisional realizado por mulheres e homens tem sido trabalhado pela literatura especializada e apresentaremos a metodologia utilizada. Por fim, analisaremos como homens e mulheres agentes prisionais percebem seu trabalho, se mais voltado à custódia e ou ao cuidado, apontando alguns dilemas que essas categorias trazem sobre a relação entre sexo e função profissional na prisão.

Existe relação entre sexo, gênero e o trabalho prisional? 3 3 Importa dizer, mesmo não sendo a perspectiva trazida pelo artigo, que os estudos desse campo vêm buscando desconstruir a noção do corpo como algo simplesmente natural, apenas definido pelo biológico (CHIES, 2010). Mas buscam estudá-lo a partir dos fenômenos históricos e culturais, entre outros, e como eles atravessam a noção corpórea. Além disso, buscam discutir o determinismo entre corpo, sexo e gênero.

É importante iniciar esta seção pontuando que as categorias “sexo” e “gênero” estão em constante transformação na literatura sociológica (KüCHEMANN, BANDEIRA e ALMEIDA, 2015KÜCHEMANN, Berlindes Astrid; BANDEIRA, Lourdes M.; ALMEIDA, Tânia Mara C. A categoria gênero nas ciências sociais e sua interdisciplinaridade. Revista do Ceam, v. 3, n. 1, p. 63-81, 2015.). Diferentes vertentes e concepções trazem novas e variadas formas de entender e explicar o que ambas designam e como se relacionam. Não à toa, Scott (2011) defende que gênero, em específico, é um termo em constante disputa, sem uma definição amplamente aceita.

Dito isso, neste trabalho, consideramos que a categoria sexo é utilizada para se referir à anatomia, à fisiologia de uma pessoa ao nascer; ou seja, ela se manifesta do ponto de vista biológico. De forma bem sintética, tomamos o sexo como um fenômeno estritamente biológico. Já quando falamos em gênero, apontamos para uma categoria social e cultural, que pode ser entendida como uma lente de percepção em que entendemos e conferimos significado às categorias “masculino” e “feminino” (SCOTT, 2011).

Historicamente, é a partir do sexo que se constrói socialmente expectativas de atitudes, pensamentos e comportamentos diferentes acerca de mulheres e homens. Ou seja, o gênero decorre da constituição de expectativas socialmente diferenciadas para o comportamento de corpos nascidos como masculinos ou femininos, embasadas em sua diferença sexual, que irão influenciar suas experiências (KüCHEMANN, BANDEIRA e ALMEIDA, 2015KÜCHEMANN, Berlindes Astrid; BANDEIRA, Lourdes M.; ALMEIDA, Tânia Mara C. A categoria gênero nas ciências sociais e sua interdisciplinaridade. Revista do Ceam, v. 3, n. 1, p. 63-81, 2015.). Admite-se aqui a existência de uma intrínseca relação entre sexo e gênero.

Acontece que, nos últimos anos, são vários os estudos que procuram mostrar a quão incompleta é essa perspectiva que vincula dois sexos a dois gêneros (ADELMAN, 2004ADELMAN, Miriam. Sexo, gênero, sujeito: uma entrevista com Alain Touraine. Revista de Sociologia e Política, p. 169-174, 2004.). Moore (1997MOORE, Henrietta. Understanding sex and gender. In: INGOLD, Tim (Orgs.). Companion Encyclopedia of Anthropology. Londres: Routledge, 1997. p. 813-830., p. 2) argumenta que não se pode afirmar que as diferenças biológicas determinam construções de gênero e, por conseguinte, não pode existir um sentido unitário ou essencial atribuível à categoria “mulher” ou à categoria “homem”. A socialização é distinta a depender do sexo biológico das pessoas, o que resulta em comportamentos diferenciados de homens e mulheres (KüCHEMANN, BANDEIRA e ALMEIDA, 2015KÜCHEMANN, Berlindes Astrid; BANDEIRA, Lourdes M.; ALMEIDA, Tânia Mara C. A categoria gênero nas ciências sociais e sua interdisciplinaridade. Revista do Ceam, v. 3, n. 1, p. 63-81, 2015.). As qualidades e comportamentos esperados e ensinados a ambos os sexos são definidos culturalmente (ALBERDI, 1999ALBERDI, Inês. El significado del género en las ciencias sociales. Política y Sociedad, v. 32, n.9, p. 9-21, 1999.). Nessa lógica, tanto Adelman (2004)ADELMAN, Miriam. Sexo, gênero, sujeito: uma entrevista com Alain Touraine. Revista de Sociologia e Política, p. 169-174, 2004. como Scott (2011) afirmam que o gênero é uma criação a serviço da dominação dos homens, em que a mulher será vista socialmente como complemento deles, como um ser biológico destituído de poder.

O problema é que os papéis de gênero vão se tornando pontos de referência para todas as relações, inclusive para o trabalho (CHIES, 2010CHIES, Paula Viviane. Identidade de gênero e identidade profissional no campo do trabalho. Estudos Feministas, v. 18, n. 2, p. 507-528, 2010.). Nesse sentido, trabalhos masculinos são perigosos e exigem “força física” para o exercício do poder, como no caso de policiais, agentes prisionais e seguranças (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Ludmila. Polícia Militar é lugar de mulher?. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 1, p. 1-15, 2018.). Os femininos, por sua vez, requerem cuidado e paciência, ou seja, ausência de força, razão pela qual as mulheres seriam mais propensas à pedagogia ou enfermagem (CHIES, 2010CHIES, Paula Viviane. Identidade de gênero e identidade profissional no campo do trabalho. Estudos Feministas, v. 18, n. 2, p. 507-528, 2010.). Se essa oposição vem sendo borrada, com mulheres se inserindo cada vez mais em profissões associada à masculinidade, como as policiais militares (RIBEIRO, 2018RIBEIRO, Ludmila. Polícia Militar é lugar de mulher?. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 1, p. 1-15, 2018.), no caso dos presídios, a inserção de trabalhadoras aciona preconceito, descrédito e desvalorização (BARCINSKI, CÚNICO e BRASIL, 2017BARCINSKI, Mariana; CÚNICO, Sabrina Daiana; BRASIL, Marina Valentim. Significados da ressocialização para agentes penitenciárias em uma prisão feminina: Entre o cuidado e o controle. Temas em Psicologia, v. 25, n. 3, p. 1257-1269, 2017.).

Em países onde ambos os sexos custodiam tanto presos como presas, as mulheres são associadas ao cuidado, enquanto os homens são associados à manutenção da ordem (TAIT, 2011TAIT, Sarah. A typology of prison officer approaches to care. European Journal of Criminology, v. 8, n. 6, p. 440-454, 2011.). Elas são vistas como profissionais que garantem a harmonia e o diálogo entre agentes e presas(os), sendo mais associadas às tarefas de ressocialização. Contudo, essa não é a realidade no Brasil. Aqui, o sistema prisional é dividido a partir do sexo: agentes mulheres custodiam mulheres e agentes homens custodiam homens (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Luiz Claudio. Batendo a tranca: Impactos do encarceramento em agentes penitenciários da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 3, n. 10, p. 11-31, 2010.; NASCIMENTO, 2022NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. De carcereiro a policial penal: Entre nomenclaturas, imagem social e atribuições. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 15, p. 883-910, 2022.). Em princípio, essa segregação impediria a expectativa dos papeis de gênero e exercícios díspares da tarefa de custódia. Será que existe essa homologia de representações profissionais independentemente do sexo do profissional?

Entre a indefinição funcional e a pressão de manter a ordem: o sexo faz diferença?

A profissão de agente prisional é tão antiga quanto as prisões. Na Idade Média, eles eram conhecidos como carrascos e sua função era guardar as pessoas suspeitas, punidas por meio de penas degradantes (FOUCAULT, 1997). Com as transformações que deram à prisão uma missão disciplinar, emerge o carcereiro, que, além da custódia, tem função ressocializadora. As elevadas taxas de crime e reincidência que caracterizam o século XX colocaram as prisões em xeque, especialmente na América Latina (BARATTA, 1990BARATTA, Alessandro. Ressocialização ou controle social: Uma abordagem crítica da reintegração social do sentenciado. Texto para discussão, Universidade de Saarland, RFA, Alemanha Federal, 1990. Disponível em: Disponível em http://www.juareztavares.com/textos/baratta_ressocializacao.pdf 1990
http://www.juareztavares.com/textos/bara...
). Para conter as taxas crescentes e guardar os potenciais perigosos e os reincidentes certeiros, o sistema prisional cresceu desproporcionalmente (SOZZO, 2022SOZZO, Máximo. Inequality, Welfare and Punishment: Comparative Notes between the Global North and South. European Journal of Criminology, v. 19, n. 3, p. 368-393, 2022.). Os presídios e, por conseguinte, os agentes prisionais passaram a ser cobrados por maior rigor na execução da pena, levando à supremacia da ordem e da segurança (RYAN et al, 2022RYAN, Cathal et al. Prison officer training and education: a scoping review of the published literature. Journal of Criminal Justice Education, v. 33, n. 1, p. 110-138, 2022.), em detrimento do cuidado e da ressocialização (DEERY, KOLAR e WALSH, 2019DEERY, Stephen; KOLAR, Deanna; WALSH, Janet. Can Dirty Work Be Satisfying? A Mixed Method Study of Workers Doing Dirty Jobs. Work, Employment and Society, v. 33, n. 4, p. 631-647, 2019.). As funções de custódia se tornaram mais valorizadas e passaram a atrair trabalhadoras e trabalhadores mais escolarizados, dados os melhores salários oferecidos (WACQUANT, 2008).

Nesse novo cenário, foi preciso readequar os cursos de treinamento, já que guardas deveriam se adequar a outras exigências mais voltadas para a ordem e projetar outra imagem para a sociedade (RYAN et al, 2022RYAN, Cathal et al. Prison officer training and education: a scoping review of the published literature. Journal of Criminal Justice Education, v. 33, n. 1, p. 110-138, 2022.), distinta daquela do carcereiro dos tempos medievais (BUTLER et al., 2019BUTLER, H. Daniel et al. A Systematic and Meta-Analytic Review of the Literature on Correctional Officers: Identifying New Avenues for Research. Journal of Criminal Justice, v. 60, p. 84-92, 2019.). Acontece que, dentro das prisões, pouca coisa mudou, sendo que a rotina das(os) agentes prisionais continuou a mesma em boa parte de sua extensão, sobretudo no caso brasileiro (NASCIMENTO, 2022NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. De carcereiro a policial penal: Entre nomenclaturas, imagem social e atribuições. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 15, p. 883-910, 2022.). Esses profissionais cuidam da inspeção das celas, do controle do comportamento de internas(os), da verificação de limpeza e higiene, do acompanhamento a serviços de saúde, educação, assistência social e jurídica e da coordenação de atividades dirigidas à reinserção social (OLIVEIRA, RIBEIRO e BASTOS, 2015OLIVEIRA, Victor Neiva; et al. Os agentes penitenciários em Minas Gerais Quem são e como percebem a sua atividade. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito Porto Alegre, v. 7, n. 2, p. 175-192, 2015.). Cabe a eles regular uma miríade de fluxos entre o mundo interno e o externo à prisão, o que envolve as famílias das pessoas em situação de cárcere (GARAU e MARTINS, 2020GARAU, Marilha Gabriela Reverendo; MARTINS, Isabella Mesquita. Visitação nas unidades prisionais do Rio de Janeiro: uma análise do papel do familiar no sistema prisional a partir da pandemia. Captura Críptica: direito, política, atualidade, v. 9, n. 1, p. 90-107, 2020.) e os serviços (sociais, jurídicos e de saúde) prestados fora da instituição (BODê DE MORAES, 2013). Em outras palavras, trata-se de uma tarefa bem mais complexa do que simplesmente “bater tranca” (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.).

No Brasil, a regulação da profissão é relativamente recente, datando da década de 1980. Hoje, agentes prisionais somam 92.216 pessoas (FBSP, 2022FBSP. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo: FBSP, 2022.) e têm despertado bastante interesse (LOURENçO e ALVAREZ, 2018LOURENÇO, Luiz Cláudio; ALVAREZ, Marcos César. Estudos sobre prisão: um balanço do estado da arte nas ciências sociais nos últimos vinte anos no Brasil (1997-2017). BIB, São Paulo, n. 84, p. 216-236, 2018.), especialmente no que diz respeito ao balanço entre as tarefas de custódia e cuidado (OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Victor Neiva. Mudanças na administração prisional: Os agentes penitenciários e a construção da ordem nas prisões de Minas Gerais. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 412-434, 2018.). Essa discussão, contudo, não é nova4 4 Importante lembrar que a LEP estabelece uma clara divisão de tarefas nos presídios brasileiros de acordo com o “cargo” do profissional. A equipe técnica, composta por médicas(os), enfermeiras(os), dentistas, psicólogas(os), assistentes sociais, pedagogas(os) e advogadas(os), objetiva o cuidado das(os) detentas(os). O setor administrativo, em que trabalham assistentes sociais, cuidam de garantir os suprimentos (materiais e humanos) e as rotinas indispensáveis ao bom funcionamento das prisões. Agentes prisionais se ocupam das tarefas de manutenção da ordem e da segurança e garantem a movimentação das(os) presas(os) para as atividades previstas nos respectivos Planos Individuais de Atendimento (PIA). Como muitas unidades contam somente com guardas, esses profissionais acabando sendo responsáveis pela maioria das tarefas a serem executadas. . Em seu estudo sobre a questão penitenciária, Thompson (1980)THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1980. destacou como agentes prisionais são responsáveis por três funções conflitantes: punir, intimidar e regenerar. Enquanto as duas primeiras requerem atitudes distantes, a última preconiza um tratamento mais próximo, como se o interno fosse um “aluno ou paciente” (THOMPSON, 1980THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1980., p. 40). Diante desse conflito, guardas acabam se dedicando às tarefas voltadas para a manutenção da ordem, deixando aquelas entendidas como ressocialização para “o setor técnico” e criando, assim, uma enorme fissura entre essas atribuições.

Esse dilema parece ter sido superado, já que a tarefa mais valorizada no ambiente prisional é a custódia (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.). Os agentes prisionais se veem como responsáveis pela manutenção da ordem, em que pese um discurso de ressocialização (BODê DE MORAES, 2013). Trata-se de uma espécie de voz inconsciente que precisa lembrá-las(os) de que não podem se encarregar exclusivamente da segurança da unidade, já que algum dia a(o) presa(o) sairá de lá. Um fator que contribui para o esquecimento do cuidado como tarefa é a forma como as prisões são avaliadas: como a reincidência já é dada, a efetividade do trabalho de guardas é medida pela ocorrência ou não de motins, rebeliões e fugas (RIBEIRO, OLIVEIRA e BASTOS, 2015).

Cenário semelhante é encontrado nos estudos internacionais sobre o tema. Cullen et al. (1983) sublinham que a ênfase na custódia tem início nos anos 1970, sendo impulsionada pelos apelos públicos ao endurecimento das políticas penais. Ao medir o apoio à reabilitação dos presos entre agentes, bem como a natureza e o propósito que eles creditam aos seus trabalhos, torna-se visível a dualidade da função. Apesar da ênfase no papel punitivo, uma parcela do tempo desses profissionais era empregada em tarefas vistas como reabilitação, mas sempre tematizadas como desnecessárias ou menos importantes. Essa dualidade também aparece no trabalho de Shamir e Drory (1981)SHAMIR, Boas; DRORY, Amos. Some Correlates of Prison Guards’ Beliefs. Criminal justice and behavior, v. 8, n. 2, p. 233-249, 1981., que destacam existir historicamente um progressivo abandono das tarefas de ressocialização, tornando os agentes funcionários responsáveis pela garantia da ordem, ainda que alguns ressaltem a crença na reabilitação.

Em contraposição, Williams (1983)WILLIAMS, Trevor. A Custody and Conflict: An Organizational Study of Prison Officers’ Roles and Attitudes. 16 ANZJ CRIM, pp. 44-55, 1983. constata que as tarefas de manutenção da ordem são o cerne do trabalho que a(o) guarda deve exercer, porque a função primeira do cárcere é o isolamento. Quanto mais as(os) agentes se curvam a essa demanda, mais crenças negativas o cuidado tende a despertar. Por isso, funcionárias(os) do cárcere se limitam a capacitar detentas e detentos para o bom desempenho do seu papel, que consiste em obedecer às ordens, aniquilando qualquer resquício de função de ressocialização. Nessa lógica, o discurso de guardas de prisão fica marcado por ambiguidades sobre a diferença entre o trabalho prescrito - manutenção da ordem e cuidado - e o realizado - disciplina -, aflorando as convicções de caráter punitivo, em que pese algum resquício de visão reformativa.

Essa ambivalência tende a assumir novas configurações quando as mulheres são inseridas como trabalhadoras nas prisões. Inicialmente, isso ocorre a partir de uma tentativa de conter a violência e o excesso de ênfase na manutenção da ordem, já que, ao ingressarem no cárcere, elas cuidariam das(os) presos(as) (TAIT, 2011TAIT, Sarah. A typology of prison officer approaches to care. European Journal of Criminology, v. 8, n. 6, p. 440-454, 2011.). O incremento na quantidade de mulheres como guardas prisionais teve, contudo, dois efeitos. A demarcação de um lugar específico para elas -responsáveis pelas atividades de ressocialização - criando o estereótipo de que são incapazes de exercer tarefas associadas à segurança (COLLICA-COX e SCHULZ, 2019COLLICA-COX, Kimberly; SCHULZ, Dorothy. When Doing Gender in the Joint: Perceptions of Being an Effective Woman Leader in Corrections. Women & Criminal Justice, v. 30, n. 6, p. 427-444, 2019.). Na tentativa de sair desse teto de vidro, mulheres passaram a emular comportamentos vistos como masculinos para que possam desempenhar outras tarefas, não apenas as voltadas ao cuidado (DEERY, KOLAR e WALSH, 2019DEERY, Stephen; KOLAR, Deanna; WALSH, Janet. Can Dirty Work Be Satisfying? A Mixed Method Study of Workers Doing Dirty Jobs. Work, Employment and Society, v. 33, n. 4, p. 631-647, 2019.).

Wright e Saylor (2006) procuram entender as possíveis mudanças que a introdução de mulheres na custódia teve no balanço das funções de ordem e cuidado. Para os autores, o ambiente carcerário seria naturalmente resistente às mulheres como trabalhadoras, dados os atributos considerados masculinos requeridos para o exercício da função. Com vistas a reverter esse quadro, ao ingressarem no sistema prisional, elas se inclinam a funções de custódia. Depois de um tempo, elas não apresentariam qualquer diferença em relação aos homens quanto à percepção acerca da natureza do trabalho de guardas, porque também assumiriam os comportamento ou atributos masculinos considerados necessários para o bom desempenho da profissão.

Tait (2011)TAIT, Sarah. A typology of prison officer approaches to care. European Journal of Criminology, v. 8, n. 6, p. 440-454, 2011. discorda desse entendimento, argumentando que a semelhança no exercício da função e na percepção das tarefas entre homens e mulheres seria decorrente do ethos do treinamento. Isto é, a forma com que esses profissionais são treinados seria definidora de uma atuação mais voltada ao cuidado ou à custódia. As agentes mulheres tenderiam a ser mais situadas nas categorias voltadas ao cuidado de internas(os), enquanto os homens estariam super-representados nas categorias voltadas à punição de presas(os) por razões outras não relacionadas ao papel de gênero. Para Tait, as mulheres ingressaram no sistema prisional mais recentemente e contavam com menos tempo de experiência, em comparação aos homens; apresentando taxas mais elevadas de aderência às funções de cuidado. Elas ainda não passaram pelas decepções do exercício da profissão, que levariam ao distanciamento dos presos e presas e ao cumprimento das normas prescritas.

No entanto, a autora não despreza os papéis de gênero decorrentes do sexo. Ela argumenta que as mulheres que trabalham como agentes podem ter menos conflitos em relação à díade do papel de agente prisional - se voltado à custódia ou ao cuidado - em decorrência de sua experiência como cuidadora primária em sua família. Como as mulheres são socializadas para se dedicar ao trabalho doméstico não remunerado e para se responsabilizar por tarefas de cuidado, sobretudo com os filhos, tenderiam a assumir mais naturalmente as atividades de cuidado na prisão. Já os homens não são responsabilizados por essas funções, sendo menos suscetíveis ao exercício exclusivo das tarefas de manutenção da ordem. Logo, as mulheres veriam a díade entre manutenção da ordem e cuidado como algo menos conflitivo do que os homens, razão pela qual elas seriam mais capazes de balancear essas tarefas - especialmente porque o seu treinamento poderia ressaltar essa dualidade (TAIT, 2011TAIT, Sarah. A typology of prison officer approaches to care. European Journal of Criminology, v. 8, n. 6, p. 440-454, 2011.).

No Brasil, como já dito, a atividade de contato com presas(os), seja para fins de custódia ou de cuidado, tende a ser realizada por um(a) agente prisional do mesmo sexo da(o) interna(o) (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.). Isso faz com que estudos que procuram compreender como esses profissionais percebem o seu trabalho sejam muito centrados em agentes de um determinado sexo, sendo a maior parte das análises voltada para a vivência em unidades masculinas (LOURENçO e ALVAREZ, 2018LOURENÇO, Luiz Cláudio; ALVAREZ, Marcos César. Estudos sobre prisão: um balanço do estado da arte nas ciências sociais nos últimos vinte anos no Brasil (1997-2017). BIB, São Paulo, n. 84, p. 216-236, 2018.). Uma exceção são os trabalhos de Barcinski, Altenbernd e Campani (2014)BARCINSKI, Mariana; ALTENBERND, Bibiana; CAMPANI, Cristiane. Entre cuidar e vigiar: ambiguidades e contradições no discurso de uma agente penitenciária. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 7, p. 2245-2254, 2014. e Barcinski, Cúnico e Brasil (2017)BARCINSKI, Mariana; CÚNICO, Sabrina Daiana; BRASIL, Marina Valentim. Significados da ressocialização para agentes penitenciárias em uma prisão feminina: Entre o cuidado e o controle. Temas em Psicologia, v. 25, n. 3, p. 1257-1269, 2017., que buscaram compreender as complexidades de ser mulher agente prisional. A argumentação levantada é que as questões de gênero marcam a vivência dessas profissionais, uma vez que realizam tarefas socialmente associadas ao “masculino”, como controle, violência e agressão. Por isso, as representações das agentes prisionais são marcadas por conflitos de identidades, com sentimentos de raiva e impaciência perante as presas, ainda que busquem transparecer discursos de proximidade e acolhimento. Tal conflito de papéis é potencializado pelos programas institucionais, que reforçam que as guardas são responsáveis por punir e ressocializar. É interessante notar que elas próprias reforçam que o relacionamento mais “humanizado” é o que distingue o trabalho em penitenciárias femininas e masculinas, com estas mais orientadas por práticas agressivas.

Em resumo, a literatura (internacional e nacional) destaca que agentes prisionais são cobradas(os) para exercer funções muitas vezes conflitantes entre si (BODê DE MORAES, 2013; WRIGHT e SAYLOR, 2006). Quando a essa equação é somado o sexo das(os) trabalhadores do cárcere, há a expectativa de que as mulheres percebam o cuidado como sua função, enquanto os homens tratariam de exercer tarefas de custódia (TAIT, 2011TAIT, Sarah. A typology of prison officer approaches to care. European Journal of Criminology, v. 8, n. 6, p. 440-454, 2011.; BARCINSKI, ALTENBERND e CAMPANI, 2014BARCINSKI, Mariana; ALTENBERND, Bibiana; CAMPANI, Cristiane. Entre cuidar e vigiar: ambiguidades e contradições no discurso de uma agente penitenciária. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 7, p. 2245-2254, 2014.; BARCINSKI, CúNICO e BRASIL, 2017BARCINSKI, Mariana; CÚNICO, Sabrina Daiana; BRASIL, Marina Valentim. Significados da ressocialização para agentes penitenciárias em uma prisão feminina: Entre o cuidado e o controle. Temas em Psicologia, v. 25, n. 3, p. 1257-1269, 2017.). Nessa lógica, as mulheres assumiriam mais a função de ressocialização, comparadas aos homens, que abraçariam mais a custódia. Essas atribuições se embasam nas lentes que usamos para compreender o que é ser mulher e homem a partir dos papéis de gênero. Às mulheres é ensinado o cuidado - com a família, com o outro - e a maternagem - o que se encaixa bem na atividade de ressocialização; aos homens, prescreve-se o uso da força para a contenção de situações problemáticas - o que seria o cerne da custódia.

Partindo dessa moldura reflexiva, este texto visa entender como agentes prisionais homens e mulheres percebem seu trabalho, se mais voltado à ressocialização ou à custódia, e se o sexo influencia essas representações. Vemos, na literatura nacional, a escolha de se estudar ou homens ou mulheres agentes prisionais, mas quase não há um esforço comparativo para compreender o que está relacionado a gênero na realidade do trabalho custodial.

Metodologia

Entre 2014 e 2015, a Subsecretaria de Administração Prisional de Minas Gerais (Suapi) contava com 146 unidades prisionais, entre cadeias e penitenciárias, que abrigavam 14.475 agentes penitenciários, entre efetivos (concursados) e temporários (contratados). Esse foi o universo de nossa pesquisa5 5 De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022), atualmente Minas Gerais conta com 15.735 policiais penais. . Para entender as percepções de toda essa população sobre as especificidades do trabalho na prisão, foi realizada uma análise de dados qualitativos e quantitativos oriundos de pesquisas diversas realizadas pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (CRISP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Na dimensão quantitativa, foram escrutinados dados oriundos do preenchimento de 1.525 questionários on-line por agentes prisionais ativos entre agosto de 2014 e março de 2015. Obtivemos respostas de 333 mulheres e 1.192 homens, uma amostra representativa de profissionais em serviço naquele período6 6 Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) (processo CSA -AES-00115-13). - o tamanho da amostra foi calculado com erro máximo de estimação de 2,37 pontos com 95% de confiabilidade.

Para garantir a representatividade de todas as unidades, foram criadas cotas7 7 O número de questionário por unidades foi calculado por um estatístico para garantir a representatividade das(os) agentes de todas as unidades prisionais do estado. Para tanto, foi levado em consideração a quantidade de profissionais em exercício na prisão no momento da pesquisa. para cada estabelecimento. Agentes prisionais foram mobilizadas(os) por meio de uma lista de e-mails disponibilizada pela então Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds),8 8 Hoje, Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen). mas também podiam preencher o questionário em seus locais de trabalho, já que a direção de cada prisão disponibilizou um computador especificamente para esse fim. Nas unidades maiores, foram providenciados pelos próprios pesquisadores questionários em papel, que abordavam agentes prisionais nas trocas de turno, convidando-as(os) a preencher o instrumento. O questionário era autoaplicado e tinha duração média de 20 minutos. Todas as respostas dadas foram voluntárias e anônimas, sem qualquer informação que identificasse a(o) respondente. Para a análise desses dados, utilizou-se o software SPSS, que possibilitou construir gráficos e testes estatísticos.

Na dimensão qualitativa, foram realizadas 23 entrevistas semiestruturadas com 13 homens e dez mulheres que atuavam como agentes prisionais em unidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) entre 2016 e 20189 9 O primeiro estudo, realizado entre março de 2015 e março de 2018, foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) (processo no 445545/2014-3). O segundo estudo, realizado entre julho de 2017 e março de 2018, foi financiado pela Fapemig (processo APQ 01648-16). . As(os) profissionais estavam lotados nos seguintes tipos de unidades: 1) exclusivamente feminina (Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto); 2) mista (Presídio de São Joaquim de Bicas II e Penitenciária Prof. Jason Soares Albergaria); e 3) exclusivamente masculina (Penitenciária José Maria Alkimim, Presídio de Santa Luzia, Penitenciária Inspetor José Martinho Drummond e Presídio de Vespasiano). O trabalho qualitativo se concentrou nessas prisões pela facilidade de acesso, sendo as entrevistas realizadas in loco por duplas de pesquisadores(as). Quando as duplas chegavam a campo, convidavam agentes prisionais a responderem o roteiro semiestruturado. Quem demonstrava interesse em participar da pesquisa era entrevistado em um local com privacidade, para que pudesse falar abertamente sobre suas percepções e vivências. Todos os depoimentos foram gravados10 10 As gravações foram autorizadas pelas(os) entrevistadas(os) por meio da assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLEs). , transcritos e analisados no Excel a partir de expressões e palavras-chaves.

Buscando garantir a continuidade entre as informações quantitativas e qualitativas, foram analisados discursos sobre como se dá o treinamento, a rotina de trabalho e o modus operandi compartilhado entre as(os) trabalhadoras(es) na unidade prisional. Além disso, enfatizamos a forma como as(os) profissionais descrevem seu papel e como a ressocialização e a custódia aparecem em suas falas. Ou seja, a proposta não foi fazer uma análise quantitativa seguida de outra qualitativa, mas intercalá-las de maneira que os padrões estatísticos observados possam ser interpretados a partir dos discursos das(os) agentes prisionais. Vale lembrar que o cruzamento estatístico foi realizado a partir do sexo da pessoa entrevistada, uma vez que essa é a categoria determinante para a lotação da(o) profissional em unidades femininas ou masculinas em Minas Gerais. Logo, a pergunta que conduzirá a análise na próxima parte do texto é a seguinte: em um contexto como o brasileiro, em que mulheres custodiam mulheres e homens custodiam homens, agentes prisionais do sexo feminino e masculino entendem seu trabalho da mesma forma ou há distinções entre os dois grupos?

Se tornando agente prisional: treinamento e modus operandi

Há duas formas para o ingresso no trabalho custodial: aprovação em provas escritas e físicas, garantindo as vantagens do emprego público, e aprovação em um processo simplificado para o exercício da função pública de agente prisional pelo período de dois anos, renovável por mais dois. Independentemente da forma de ingresso, há algo similar após a aprovação: é preciso passar pelo treinamento, que consiste na transmissão das regras relacionadas ao trabalho prescrito e à preparação de guardas para o cotidiano das prisões (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.). Em Minas Gerais, essa tarefa tem como base as funções estabelecidas no Regulamento e normas de procedimento do sistema prisional (ReNP) (2016), que preconiza que esses profissionais devem se incumbir de:

Planejar, executar e promover as ações da área de segurança no âmbito das Unidades Prisionais, com o objetivo de garantir o acesso do preso às atividades educacionais, sociais, profissionalizantes, de trabalho, assistência jurídica, saúde, cultura, esporte, lazer, entre outras voltadas ao processo de ressocialização (RENP, 2016, p. 107).

O treinamento é um ensinamento sobre como desempenhar a função de agente prisional, proporcionando a novatas e novatos “a filosofia do sistema, os conhecimentos necessários ao exercício de sua função, as aptidões e técnicas indispensáveis” (RIOS, 1973, p. 226). Como mostra Tait (2011)TAIT, Sarah. A typology of prison officer approaches to care. European Journal of Criminology, v. 8, n. 6, p. 440-454, 2011., esse processo visa auxiliar a(o) profissional a compreender sua função e orientar seus sentimentos, ações e percepções. Em média, ao longo de 45 dias a(o) recém-ingressado no sistema prisional de Minas Gerais assiste a aulas teóricas sobre o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen)11 11 Infopen é o sistema de informações estatísticas das prisões brasileiras , direitos humanos, ética, execução penal, direito penal, defesa pessoal, uso progressivo da força e de armas não-letais, mediação de conflitos, treinamento de tiro, técnicas de abordagem e gerenciamento de crise. Após essa primeira fase, tem lugar um treinamento “prático”, por meio de um estágio de uma semana em uma das unidades da RMBH. Por fim, a(o) agente é encaminhada(o) para uma entre as mais de 140 prisões mineiras, onde exercerá suas funções.

Nas entrevistas semiestruturadas, agentes descreveram as experiências vivenciadas ao longo do treinamento. No survey, avaliaram a adequação dos cursos teóricos às realidades com as quais se depararam no sistema prisional. O Gráfico 1 sumariza a soma dos percentuais das categorias “adequado e totalmente adequado”, na tentativa de indicar a satisfação das pessoas entrevistadas com a formação recebida.

Gráfico 1
Distribuição percentual da avaliação dos cursos como “adequados”, por sexo (Minas Gerais, 2014/2015)

Interessante notar que os cursos que abordam os direitos das(os) presas(os) e as condições de vida dentro do sistema prisional têm um alto percentual de satisfação. Porém, aqueles associados à proteção de profissionais em situações de violência têm menores percentuais de “adequado”. O curso com maior percentual de aprovação é o de ética: 79,03% das mulheres e 66,22% dos homens consideram-no adequado. Em seguida, 67,43% das mulheres e 64,53% dos homens avaliaram positivamente o curso de direitos humanos - percentuais semelhantes aos concedidos à formação sobre a Lei de Execuções Penais (LEP), considerada adequada por 66,2% das mulheres e 59,61% dos homens.

Buscando aprofundar mais a análise, foi construído um índice a partir do somatório das medidas individuais, a fim de desvelar se são as mulheres ou os homens que tendem a avaliar como adequado a maior quantidade de cursos entre os listados. Para tanto, foi atribuído a cada resposta de avaliação “adequada” o valor 1, enquanto para as respostas “inadequada” e “inexistente” foi atribuído o valor 0. A cada vez que a(o) respondente avaliava como adequado um curso, somava um ponto. O resultado foi que mulheres e homens agentes prisionais consideram como adequados, em média, sete dos 11 cursos ministrados em seus treinamentos.

Para melhor entender a possibilidade de o sexo ter alguma influência na avaliação dos cursos, foi realizado o teste qui-quadrado, que indicou que mulheres e homens têm opiniões parecida sobre a maioria dos cursos. As exceções foram treinamento de tiro (p<0,010), uso progressivo da força (p<0,050) e uso de armas não letais (p<0,050), em que homens avaliaram mais positivamente os conteúdos recebidos do que as mulheres. Já legislação (p<0,050) e ética (p<0,050) foram temáticas que as mulheres avaliaram mais positivamente do que os homens. Resultados semelhantes foram encontrados por Bodê de Moraes (2013), que constatou que os agentes demandam maior prevalência e necessidade de treinamentos típicos de policiamento (como tiro, força e armas). Trata-se de um indicativo da policialização da função em um momento em que agentes prisionais pleiteavam sua conversão em policiais penais, o que aconteceu em 2019 (NASCIMENTO, 2022NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. De carcereiro a policial penal: Entre nomenclaturas, imagem social e atribuições. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 15, p. 883-910, 2022.).

Nas entrevistas, houve uma ênfase exagerada na necessidade de treinamento relacionado ao uso da força, com vários relatos de capacitação particular para uso de armas de fogo. Situação semelhante foi observada por Vinuto (2019VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019., p. 98) entre agentes do sistema socioeducativo, para os quais “o uso da força física se revela como demanda incontornável de trabalho, mesmo quando se apresenta apenas enquanto ameaça”. Vejamos alguns depoimentos de guardas entrevistadas(os) para esta pesquisa. No primeiro, a entrevistadora perguntou à agente do que ela sente falta no treinamento:

- Armas. A gente só foi mexer com arma só depois que a gente entrou, não tem esse treinamento de arma antes. A gente tem com tonfa12 12 Bastão que serve de apoio ou arma, similar ao cassetete. , que é isso aqui, e algemação. (Agente prisional feminina 1)

- E depois desse primeiro treinamento, tem outros? Vocês recebem capacitação de vez em quando? (Entrevistadora)

- A gente tem o tempo TCAF [treinamento de manuseio de armas e escoltas]. Todo concursado tem um período de TCAF, são quatro dias que aí a gente tem o porte de arma, a gente aprende a atirar com a .38, a .40 e com a 12. (Agente prisional feminina 1)

- E depois não tem mais nenhum treinamento e capacitação? (Entrevistadora)

- Só, não tem. Em arma não. Aí a gente tem que buscar por fora, pagar, não é?! Fazer curso. Porque é igual dirigir, você tira carteira e se não pegar o carro por si só não... (Agente prisional feminina 1)

- Não, olha... Para você ver, eu entrei no concurso, eu fiz concurso em 2007, tomei posse em 2009... Eu demorei quase quatro anos para poder fazer o meu treinamento com arma de fogo pela Secretaria. Eu já tinha feito particular! Porque se eu vou trabalhar com arma... Como que eu vou trabalhar com arma sem saber como que trabalha? É um colega passando para o outro, a gente trabalha assim: um colega vem, ensina um pouco para outro; vem, ensina o que tem mais experiência. (Agente prisional masculino 13)

Levando em consideração as análises estatísticas e os trechos das entrevistas, vale pontuar que o menor percentual de satisfação com os cursos mais policialescos não se refere a uma inadequação da sua existência no treinamento, mas à necessidade de maior duração e melhor qualidade. O oposto ocorre com os cursos relacionados às disciplinas mais “humanas” de abordagens, como ética e direitos humanos. Eles são altamente satisfatórios porque acredita-se que “só de eles estarem ali já é um grande feito”, e a insatisfação em relação a esses cursos é sua duração prolongada. Apesar de cinco dos 11 cursos listados terem significância estatística em relação ao sexo, os percentuais similares e o índice do somatório das medidas individuais não nos permite afirmar que sexo é uma categoria diferenciadora da satisfação ou não em relação ao treinamento.

Há um entendimento uníssono de que o treinamento não é adequado à realidade do sistema prisional, sendo percebido como “deslocado” do cotidiano das unidades prisionais. Agentes de ambos os sexos pleiteiam cursos voltados para abordagens repressivas, o que poderia ser indicativo de como as mulheres, ao ingressarem em ambientes vistos como masculinos, emulam a postura de seus colegas (WRIGHT e SAYLOR, 2006). Além disso, disso pode significar que se tornar agente prisional significa demonstrar maior aptidão para o uso da violência como principal mecanismo de trabalho (BODê DE MORAES, 2013; VINUTO, 2019VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.). Para saber quando e como usar essa violência, agentes ingressantes são socializadas(os) por agentes mais antigas(os), inicialmente repetindo suas ações (RYAN et al, 2022RYAN, Cathal et al. Prison officer training and education: a scoping review of the published literature. Journal of Criminal Justice Education, v. 33, n. 1, p. 110-138, 2022.). Para nossos entrevistados e entrevistadas, essas são as verdadeiras lições que precisam ser aprendidas antes que alguém seja capaz de agir, pensar e sentir como agente prisional, tal como apontado pela literatura especializada (THOMPSON, 1980THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1980.; COELHO, 2005COELHO, Edmundo Campos. A oficina do diabo: Crise e conflitos no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record, 2005[1978].; OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Victor Neiva. Mudanças na administração prisional: Os agentes penitenciários e a construção da ordem nas prisões de Minas Gerais. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 412-434, 2018.).

Outra dimensão salientada por agentes prisionais mineiros foi que o treinamento não consegue abarcar as rotinas das unidades prisionais, fazendo com que o modus operandi seja embasado nas práticas estabelecidas por guardas no cotidiano do trabalho. Situação semelhante foi observada por Bodê de Moraes (2013) no Paraná, onde agentes relatavam a necessidade de vivência na prisão para se tornarem “doutores em cadeia”, denotando a valorização do saber prático adquirido na unidade, e não no curso. No caso das mulheres, Barcinski, Altenbernd e Campani (2014)BARCINSKI, Mariana; ALTENBERND, Bibiana; CAMPANI, Cristiane. Entre cuidar e vigiar: ambiguidades e contradições no discurso de uma agente penitenciária. Ciência & Saúde Coletiva, v. 19, n. 7, p. 2245-2254, 2014. sublinharam que as agentes tendiam a adotar características que são atribuídas culturalmente ao masculino, demandando maior ênfase no uso da força. O mesmo foi observado por Vinuto (2019)VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. entre as mulheres do sistema socioeducativo carioca.

Para Lourenço (2010)LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010., a valorização do saber prático acontece porque guardas de custódia são treinadas(os) e cobradas(os) por prescrições que não consideram a diversidade de situações constituintes do ambiente das prisões. A realidade cotidiana acontece por meio de regras informais, e agentes precisam usar de sua autonomia para influenciar a dinâmica prisional, deixando em segundo plano as regras prescritas (BODê DE MORAES, 2013). Para garantir alguma previsibilidade, é preciso criar programas de ação, que indicam como esses profissionais devem ou podem acionar a negociação para resolver o sinistro13 13 Conflitos que podem resultar em faltas ou em violência dentro da prisão. ou quando outros mecanismos, prescritos no regulamento, se apresentam como a melhor saída (COELHO, 2005COELHO, Edmundo Campos. A oficina do diabo: Crise e conflitos no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record, 2005[1978].). Uma dessas receitas práticas é voltada a entender o ambiente da prisão, para que a(o) agente seja capaz de identificar prontamente situações que saem da dinâmica “normal” da unidade (PAIXãO, 1995). Para tanto, as(os) agentes devem pensar como as(os) presas(os) (BODê DE MORAES, 2013), razão pela qual é preciso estabelecer certa proximidade com as(os) internas(os) (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.) e, ainda, fazer negociações (THOMPSON, 1980THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1980.). Nas entrevistas, quando as práticas do trabalho custodial eram abordadas, a atenção foi recorrentemente listada como uma qualidade da(o) profissional. Mulheres e homens pontuaram a necessidade de estar em constante estado de alerta, como indica a seguinte fala:

- Sim, a gente sabe. “Olha, o negócio está muito quieto, está estranho”, “a fulana está com uma atitude diferente”, “presta atenção que a outra está olhando de modo diferente para ela” ... A gente copia muito, por exemplo, os gestos... Aqui elas conversam muito em libras, entendeu? Elas conversam muito em libras, elas... É... Linguajares delas mesmo, que elas.... Que tem... Você tem que procurar saber o que significa. Você [tem] sempre [que] estar por dentro do que elas estão querendo falar uma com a outra, porque aqui infelizmente é assim, é o tempo inteiro elas tentando conspirar para trazer algum tipo de problema, entendeu? E aí aqui você tem que trabalhar com atenção o tempo inteiro, muita atenção. (Agente prisional feminina 3)

Para as pessoas entrevistadas, é preciso estar vigilante para não cair nas dissimulações das(os) detentas(os), evitando possíveis sinistros que podem culminar em violência (COELHO, 2005COELHO, Edmundo Campos. A oficina do diabo: Crise e conflitos no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record, 2005[1978].; BODê DE MORAES, 2013). Nesse cenário, as melhores armas são os olhos e os ouvidos, o que contribui para o estado de tensão constante (RIBEIRO et al, 2019RIBEIRO, Ludmila et al. Agentes penitenciários aprisionados em suas redes?. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 34, 2019.). Qualquer barulho ou movimento diferenciado pode ser imediatamente correlacionado com o estoque de conhecimento já acumulado pela(o) agente, indicando a iminência de um sinistro (THOMPSON, 1980THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1980.). É a experiência que ajuda a “reconhecer os sinais”, “estar no contexto, conhecer a rotina, conhecer as pessoas, e manter a atenção aos detalhes que podem comunicar que algo está errado” (MONTEIRO, 2018MONTEIRO, Letícia Chaves. Tornar-se agente penitenciário: Entre os significados, a vulnerabilidade e o poder. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018., p. 143).

Com o passar do tempo, as(os) profissionais começam a sentir a cadeia, o que seria consequência desse estado de alerta. Bodê de Morais (2013, p. 134) afirma que “os agentes penitenciários assim designam esse mal-estar com sintomas psíquicos (ansiedade, angústia) e físicos (palpitações, tontura, sudorese etc.) de abafamento”. É uma tensão inimaginável porque elas/es não podem confiar jamais nas(os) presas(os) (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.) e precisam desconfiar das(os) próprias(os) companheiras(os) (THOMPSON, 1980THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. Rio de Janeiro: Forense, 1980.), que podem ser corrompidas(os) em alguma negociação (SYKES, 1975SYKES, Gresham. A corrupção da autoridade e a reabilitação. In: ETZIONI, Amitai. Organizações complexas: estudo das organizações em face dos problemas sociais. São Paulo: Atlas, 1975. p. 191-198.). Esse excesso de alerta à espera de problemas (FREITAS, 1985FREITAS, Renan Springer. Reversões hierárquicas e eclosão de conflitos em prisões. Revista de Administração Pública, v. 58, n. 4, p. 27-37, 1985.) cria um elevado temor de que o perigo está onde menos se imagina, inclusive em si mesmo (RIBEIRO et al, 2019RIBEIRO, Ludmila et al. Agentes penitenciários aprisionados em suas redes?. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 34, 2019.). Como nos contou um entrevistado:

- É o que eu falo, que... Você tem por obrigação desconfiar de mim. Se você não está desconfiando de mim, você está relaxado, você vai perder. Uma hora você vai perder. Eu desconfio de todo mundo. Até da pessoa que me gera mais confiança, que eu colocaria para trabalhar do meu lado, eu desconfio dela. (Agente prisional masculino 9)

Se a tarefa das(os) guardas é vigiar atentamente as(os) detentas(os), a tarefa das(os) detentas(os), em contrapartida, é observar detalhadamente as(os) agentes (COELHO, 2005COELHO, Edmundo Campos. A oficina do diabo: Crise e conflitos no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record, 2005[1978].). O agente prisional masculino 12 resume: “aqui os presos têm 26 horas por dia para te vigiar”. Essa vigilância não é uma realidade apenas nas cadeias masculinas; as mulheres também relataram ter seus gestos e palavras sempre em escrutínio. Para evitar um sinistro, ganham relevo receitas práticas como “não dar as costas”, “não deixar um guarda de costas para um preso” e “ler o companheiro pelo olhar”, que se tornam fundamentais para que a vida das(os) guardas não seja colocada em perigo. Essa percepção foi uma constante entre as mulheres e os homens entrevistados, que destacaram uma outra dualidade do cotidiano profissional. Apesar de desconfiarem das(os) colegas, as(os) agentes precisam protegê-las(os) para evitar motins e rebeliões dentro do presídio. Esse é um dos aprendizados práticos mais importantes para o exercício da profissão, pois “se perdeu uma/um das/os guardas, acabou” (MONTEIRO, 2018MONTEIRO, Letícia Chaves. Tornar-se agente penitenciário: Entre os significados, a vulnerabilidade e o poder. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2018., p. 50). Um entrevistado explica esse processo:

- É muito relativo, assim, não é... Nós temos conhecidos e companheiros de trabalho. A minha ideia, eu sempre falo com os colegas que nós somos uma equipe aqui dentro, não é? Nós temos que ser companheiros. E se nós não formos unidos aqui dentro.... Aqui dentro, não é? É complicado, porque, hoje, por exemplo, nós somos vigiados. Eu sou o José14 14 Nome fictício, a fim de garantir o sigilo do entrevistado. ... Eu sou um rosto, mas tem 800 presos, no entorno, 800 presos que olham para mim. Quer dizer, sou eu contra 800. 800 caras que me vigiam, eu não tenho como vigiar todo mundo. Então a gente sempre procura trabalhar em quê? Em equipe. Então a gente conversa, a gente discute: “Gente vamos tomar cuidado desse jeito”, “tal pavilhão está um pouco exaltado”, “o outro pavilhão está calado demais” ... Porque o sistema, a cadeia, ela funciona assim: se o pavilhão está muito bagunçado, exaltado, ele é muito perigoso; mas se o pavilhão está quietinho, calado, em silêncio, é mais perigoso ainda. É assim que funciona. (Agente prisional masculino 6)

O medo sentido por agentes prisionais pode ser lido como justificativa para os pedidos de armamento e melhores treinamentos de uso progressivo da força (NASCIMENTO, 2022NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. De carcereiro a policial penal: Entre nomenclaturas, imagem social e atribuições. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 15, p. 883-910, 2022.). Entrevistadas(os) justificaram a todo momento que, para manter a ordem, é preciso maior ostensividade da violência, indispensável para a garantia da vida e da segurança desses profissionais, sem diferenças em termos de sexo. Aparentemente, os eventuais papéis de gênero que agentes prisionais trazem consigo são minimizados diante da necessidade premente que se coloca de manter a ordem, proteger-se - das(os) presas(os) e das possíveis acusações de corrupção - e impedir o agravamento dos sinistros. Para a execução dessas tarefas, essas profissionais veem na superioridade da força, dada pelos equipamentos letais e menos letais, a única saída.

Tendo em vista toda a discussão acionada nesta seção, é possível reconstituir como vai se formando uma percepção sobre o trabalho de agente custodial bastante similar entre homens e mulheres, desde a concepção do treinamento até a vivência cotidiana do ambiente prisional. Na verdade, podemos afirmar que é o dia a dia no cárcere e o modus operandi aprendido na prática que faz com que o treinamento seja compreendido, por ambos os grupos, como deslocado, posto que muito baseado em leis e regulamentos e carente de manuseio de armas, artefato essencial na visão das(os) agentes prisionais para a garantia da ordem. Neste primeiro momento, já fica perceptível como o medo e a insegurança perpassam os discursos de agentes prisionais e como é por meio do sentir a cadeia que eles e elas garantem, de alguma forma, sua proteção. Com isso, a demanda por um treinamento mais policialesco e por armamento ganha centralidade; trata-se de um mecanismo que pode fazer com que essas pessoas se sintam seguras e possam realizar bem sua função de evitar possíveis sinistros, motins e rebeliões.

Reforça-se, assim, a perspectiva de que o universo prisional é em essência masculino, porque se estrutura a partir do uso da força. Por isso, não há espaço para que as mulheres desempenhem papéis típicos do gênero feminino. Elas precisam agir, pensar e sentir como um colega masculino, sob pena de se envolverem em um sinistro e, dessa forma, serem desacreditadas de sua função, contribuindo para a sua desvalorização profissional. Além disso, a socialização inicial no treinamento, quando se apreende os valores e as expectativas da profissão, é feita em conjunto entre mulheres e homens. Vejamos agora se existe algum espaço para a ressocialização nesse contexto.

Ressocializar ou manter a ordem: um dilema para agentes prisionais?

No Brasil, o Código Penal e a LEP indicam que as prisões devem combinar duas funções: manutenção da ordem e ressocialização das pessoas presas (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.). Essa dualidade também está presente na ReNP, que estabelece as funções a serem executadas por guardas prisionais em Minas Gerais (OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Victor Neiva. Mudanças na administração prisional: Os agentes penitenciários e a construção da ordem nas prisões de Minas Gerais. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 412-434, 2018.). Apesar das críticas ao abandono da perspectiva ressocializadora na atualidade (GARLAND, 1995GARLAND, David. Punishment and Modern Society: A Study in Social Theory. Oxford: Clarendon Press, 1995.; ZAFFARONI, 1991; HULSMAN e DE CELIS, 1997HULSMAN, Louk; DE CELIS, Jacqueline Bernat. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Niterói: Luam, 1997.), ela não parece ter sido extirpada dos diplomas legais. Quando indagamos às(aos) agentes prisionais quais seriam suas atribuições, constatamos quatro tarefas principais: manutenção da ordem, garantia da segurança, vigilância e ressocialização.

É a partir da manutenção da ordem que guardas de prisão coagem presas(os) a executarem as atividades planejadas pelos regulamentos sem maiores intercorrências (WILLIAMS, 1983WILLIAMS, Trevor. A Custody and Conflict: An Organizational Study of Prison Officers’ Roles and Attitudes. 16 ANZJ CRIM, pp. 44-55, 1983.). Sua função é manter presas(os) disciplinadas(os), sem que apresentem resistência às ordens dadas (BODê DE MORAES, 2013). Coelho (2005COELHO, Edmundo Campos. A oficina do diabo: Crise e conflitos no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record, 2005[1978]., p. 97) resume essa prescrição ao dizer que a função dessas(es) profissionais é “assegurar que nada ocorra em violação às regras da prisão, sejam as disciplinares ou as de segurança”. Essa prescrição encontra ressonância na atualidade. Quando perguntadas sobre as tarefas cotidianas, parte considerável das pessoas entrevistadas respondeu algo como: “Eu procuro buscar a ordem, a disciplina. Se você cumprir, está tranquilo, a gente não vai ter problema nenhum” (Agente prisional masculino 13).

A manutenção da ordem está diretamente associada à segurança, percebida como a garantia de que as pessoas presas estão em suas celas, o que evitaria especialmente as fugas, que põem em descrédito a capacidade de vigilância das(os) agentes (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.). Um dos entrevistados contou que um detento disse a ele que a sua meta era fugir da prisão; por isso, julgava necessário ter atenção redobrada para mantê-lo cumprindo sua pena. Essa situação também foi relatada por outro entrevistado homem, que acredita que se o interno não quer sair do crime, qualquer espaço que se dê a ele será motivo para a fuga e, por isso, é preciso monitorar constantemente os detentos.

As mulheres não estão menos preocupadas com as atividades de manutenção da ordem e da segurança. A agente feminina 1 chegou a dizer que repete, algumas vezes ao dia, a seguinte frase: “Eu estou aqui para não permitir que vocês fujam, para não permitir que vocês morram”. E complementou:

- A gente tenta fazer o papel da gente, porque o papel da gente aqui é segurança. Mas, além da segurança, a gente dá o suporte também de tudo, não é?! Suporte médico, suporte para levar para o advogado. É a segurança, mas não é só pegar o preso e levar. Se fosse só por algema e levar, punha um cachorro para levar. (Agente prisional feminina 10)

Para as(os) entrevistadas(os), a presença das(os) internas(os) nas celas evita fugas, rebeliões, motins e, especialmente, sinistros. Tais questões são de suma importância quando lembramos que a produtividade do sistema prisional é medida pelo evitamento de tais situações (NASCIMENTO, 2022NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. De carcereiro a policial penal: Entre nomenclaturas, imagem social e atribuições. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 15, p. 883-910, 2022.). Quando elas acontecem, colocam em dúvida a eficiência e o profissionalismo das(os) agentes prisionais (OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Victor Neiva. Mudanças na administração prisional: Os agentes penitenciários e a construção da ordem nas prisões de Minas Gerais. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 412-434, 2018.). Segundo as(os) entrevistadas(os), ao manter as(os) detentas(os) “nas trancas”, é possível controlá-las(os) mais facilmente, antever suas ações e analisar seu comportamento e, dessa maneira, manter a ordem e a segurança (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.). Cabe às(aos) agentes se manterem atentas(os), sendo capazes de “detectar e interpretar corretamente indícios de perturbação da ordem ou de ameaças à segurança” (COELHO, 2005COELHO, Edmundo Campos. A oficina do diabo: Crise e conflitos no Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Record, 2005[1978]., p. 95). Para executar essas funções, o armamento é visto como condição sine qua non, pois intimida as(os) detentas(os) e ajuda a reforçar a sensação de que as(os) agentes têm a supremacia da força, e não as pessoas presas, embora sejam maioria. Vejamos como as(os) profissionais tematizam esse assunto:

- Ah, assim, o sistema prisional, ele trabalha com supremacia de força. Então vou falar em cálculo de matemática. Supremacia de força. Um preso, dois agentes, não é?! Então o serviço de agente penitenciário tem que ser com segurança e, assim, supremacia de força. Se for pegar o número de presos e o número de agentes que existe no estado hoje [e] você dividir ele, você vai ver que não dá. (Agente prisional masculino 6)

- As minhas funções aqui dentro hoje, como coordenadora, realmente é gerenciar, é orientar, é acompanhar os procedimentos, é ver se as coisas estão acontecendo conforme o orientado dentro da segurança e com supremacia de força. (Agente prisional feminina 1)

O baixo número de agentes prisionais faz com que eles(as) percebam que estão colocando em risco a própria segurança no exercício da função; para evitar eventos dramáticos, declaram precisar acionar as armas de fogo. Chama atenção que, mesmo nesse ponto, mulheres e homens tenham uma percepção muito similar em relação à segurança e ordem nas prisões. Vinuto (2019)VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. nos ajuda a interpretar esses resultados. Ao analisar agentes do sistema socioeducativo, a autora destaca como as expectativas biológicas, que se desdobram em papeis de gênero, sustentam a crença de que a ordem, a segurança e a vigilância são mais eficientes quando implementadas por pessoas do sexo masculino. Nesse ínterim, a masculinidade é vista como central para as atividades de custódia, o que faz com que agentes de ambos os sexos se vejam forçados a performar seus papéis profissionais a partir de roteiros típicos da masculinidade, que incluem uma linguagem, um uniforme, uma postura corporal e, sobretudo, um armamento que a representem de maneira inconteste essa masculinidade. Somente assim agentes se perceberão e serão vistas(os) como trabalhadores eficientes no cumprimento de suas funções. Por isso, é tão comum as mulheres falarem as mesmas coisas que os homens quando esses assuntos são tematizados. Elas entendem que os valores que compõem a identidade de agentes prisionais são aqueles pertencentes à masculinidade. Qual seria, então, o lugar da ressocialização?

Para responder a essa questão, as(os) guardas foram indagadas se percebiam que sua profissão contribuía para a ressocialização das pessoas presas. O Gráfico 2 indica uma diferença nas respostas de mulheres e homens. Enquanto 79,8% das agentes acreditam auxiliar na ressocialização das presas, apenas 67,7% dos homens se posicionaram dessa maneira. Ou seja, o sexo parece influir para que a(o) profissional diga que a ressocialização faz parte de suas atribuições. Para entender a força da associação entre sexo e a percepção dessa tarefa, foi realizada a análise de correlação bivariada. Dada a codificação dos dados, se o resultado fosse negativo, significaria que as mulheres acreditavam que podiam contribuir mais do que os homens para a ressocialização das presas, já o resultado positivo demonstraria o oposto. O teste de correlação apresentou um R de Pearson de -0,110 (p<0,001), o que significa dizer que as guardas acreditam mais que podem contribuir para a ressocialização das reclusas do que os agentes masculinos. Novamente, os resultados mineiros são muito semelhantes aos das pesquisas internacionais.

Gráfico 2
Distribuição percentual da percepção da contribuição para a ressocialização das(os) presas(os) por sexo

Newbold (2005)NEWBOLD, Greg. Women Officers Working in Men’s Prisons. Social Policy Journal of New Zealand, v. 25, p. 105-117, 2005. e Tait (2011)TAIT, Sarah. A typology of prison officer approaches to care. European Journal of Criminology, v. 8, n. 6, p. 440-454, 2011. constataram que as mulheres agentes prisionais são as que mais se identificam com a função ressocializadora em razão dos papéis de gênero. Como as mulheres são socializadas nas atividades de cuidado, elas tendem a representar, em âmbito profissional, papéis associados a essa função. O trabalho de Tait (2011)TAIT, Sarah. A typology of prison officer approaches to care. European Journal of Criminology, v. 8, n. 6, p. 440-454, 2011. é emblemático ao mostrar que homens são sobrerepresentados em categorias que percebem a ordem e a segurança como o cerne do trabalho custodial e subrepresentados nas categorias de ressocialização.

Resultado semelhante foi encontrado na pesquisa de Vinuto (2019)VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019. com agentes do sistema socioeducativo. Ela problematiza como os comportamentos performados por cada sexo são produto de repetições constantes e perseverantes do que se espera de mulheres e homens, criando uma falsa expectativa de identidade coesa de gênero. Ou seja, espera-se que pessoas dos sexos feminino e masculino ajam de forma distinta em razão da socialização do gênero. Em contextos laborais, isso tende a não acontecer, em razão da socialização profissional e, especificamente dentro do sistema prisional, em razão da enorme pressão que as mulheres sofrem para ter o mesmo desempenho que os homens. Isso significa despir-se das identidades femininas. Como é impossível (des)vestir-se completamente de algo que faz parte de sua constituição como sujeito, as mulheres tendem a lançar mão de suas características de gênero para encontrar um espaço que possa ser exclusivo delas15 15 Processo semelhante acontece nas polícias militares. Como informa a revisão de Ribeiro (2018), tais atributos são utilizados para garantir a exclusividade de policiais femininas em atividades como a Patrulha Maria da Penha. . Ao realizarem uma função que, em tese, apenas elas poderiam exercer em razão da socialização de gênero, elas se tornam importantes e necessárias, mas isso não significa que elas são capazes de transformar um ambiente essencialmente masculinizado.

No sistema prisional, as mulheres garantem certa coesão entre a identidade de agente prisional e as expectativas dos papeis de gênero ao reforçarem as atividades de cuidado. Apesar da significância estatística entre sexo e a percepção de contribuição para a ressocialização das pessoas presas, nas entrevistas os discursos levantados foram bastantes homogêneos. Das 23 entrevistas analisadas, 11 demonstraram alguma inclinação para a ressocialização ou atividades que, de alguma forma, possam ser a elas associadas. Dessas 11, cinco eram de mulheres e seis eram de homens. Essa distribuição revela uma grande consonância entre ambos os sexos na percepção de seu trabalho, não apenas em relação à ressocialização como função, mas também ao tipo de ressocialização e a que ela serviria.

Nas entrevistas, mulheres e homens concordam que qualquer atividade que possa ser de certa forma ressocializadora deve ser realizada no ambiente prisional. Contudo, tais ações não se destinam a recuperar a(o) presa(o), mas a garantir a tranquilidade do presídio, a disciplina das(os) detentas e a segurança de agentes prisionais. O cuidado se transforma em um instrumento para o alcance das metas do sistema prisional, em detrimento de sua finalidade. É uma estratégia, como explica o agente prisional no trecho seguir:

- Olha, é uma questão maior que é uma questão... Acho que a gente deveria fazer um trabalho aqui mais social, até mesmo com estratégia mesmo, sabe? A gente tenta (...). É fácil você pegar um preso e levar para uma assistência social, para uma enfermaria, e você dar um atendimento assim, dentro do direito do preso. E você facilitar isso para ele, para você poder conquistar certa confiança, não é?! (Agente prisional masculino 9)

- Acho que a grande maioria tenta ser mais sociável com as presas (...), aí a gente tem que ter uma lábia, até para segurança mesmo (Agente prisional feminina 7)

Ressocialização significa levar internas(os) para as atividades de assistência e ter um relacionamento, no limite, respeitoso com essas pessoas. Ações de cuidado não têm um fim em si mesmo, elas existem para que seja garantida a ordem e a segurança na unidade. A ressocialização é, na verdade, um subsídio para as demais metas da prisão, posto que quando internas(os) são tratadas(os) de forma digna, com mais respeito, tendem a colaborar com as medidas adotadas para a manutenção da ordem, dando a agentes prisionais a chance de agir antes que “a cadeia vire”16 16 Expressão comum nas prisões que significa ações violentas de presas(os) que fogem à normalidade, como motins e rebeliões. (LOURENçO, 2010LOURENÇO, Arlindo da Silva. O espaço de vida do agente de segurança penitenciária no cárcere: entre gaiolas, ratoeiras e aquários. Tese (Doutorado em Psicologia Social) - Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, 2010.; BODê DE MORAES, 2013; OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Victor Neiva. Mudanças na administração prisional: Os agentes penitenciários e a construção da ordem nas prisões de Minas Gerais. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 412-434, 2018.; VINUTO, 2019VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: o trabalho de agentes socioeducativos no estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.).

Se a ressocialização não saiu do discurso institucional, tampouco sairia das falas das(os) guardas. Argumentamos, assim, que a ênfase discursiva nessa tarefa decorre da internalização das normas prescritas, ainda que, no cotidiano das prisões, agentes prisionais não tenham nenhuma ação voltada especificamente para o cuidado. Por isso, no momento de resposta ao survey, as(os) guardas podem ter colocado em perspectiva os valores apresentados nos regulamentos, em que segue vivo o discurso ressocializador, mesmo que os programas de ação práticos não comportem qualquer atividade com essa finalidade. Isso fica claro nas entrevistas quando escutamos a seguinte explicação: “na teoria a gente aprende que [nossa função] é ressocializar, mas na prática a gente sabe que não funciona assim” (Agente prisional feminina 7).

A forte inclinação à ordem e segurança, que deve ser mantida preferencialmente pela ameaça da violência e, de maneira discursiva, por meio da ressocialização, se tornou evidente na transformação de agentes prisionais em policiais penais em 2019. Apesar de ser uma proposta antiga, que visava dar maior prestígio à essa categoria profissional, ela consolida esse novo sistema de punição, que vê a prisão apenas como segregação e manutenção da ordem (BODê DE MORAIS, 2013; NASCIMENTO, 2022NASCIMENTO, Francisco Elionardo de Melo. De carcereiro a policial penal: Entre nomenclaturas, imagem social e atribuições. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 15, p. 883-910, 2022.). Inclusive, para as(os) entrevistadas(os) em Minas Gerais, esses profissionais já atuavam como policiais, mas não tinham o título e nem valorização de um agente de segurança pública.

- Demais, eu falo assim: a PM para prender é um curso de nove meses. Não diminuindo o trabalho deles, mas prender é fácil, manter preso eu acho muito mais complexo. Então, o curso eu acho que a gente deveria ter a mesma capacitação do que eles. [O que falta] em todos os sentidos [é] a questão de físico. Eu gosto de defesa pessoal, então eu às vezes faço alguma coisa, mas a grande maioria das colegas não, então se precisar entrar em confronto não tem condições físicas de atuar, então vai perder. (Agente prisional feminina 2)

Nenhuma outra ponderação poderia sintetizar de forma mais adequada o argumento apresentado neste artigo. Com uma atuação cotidiana cada vez mais próxima da ordem e da segurança, agentes prisionais cobram um treinamento que se restrinja a esses objetivos, com cursos voltados ao confronto físico, manuseio de armas e treinamento de tiro. Esse modus operandi construído no dia a dia, transmitido e imitado por profissionais, se torna o verdadeiro estoque de conhecimento acumulado. Diante de qualquer problema, a violência é o programa de ação a ser acionado para garantir a normalidade, apagando progressivamente a perspectiva da ressocialização, presente no discurso, mas ausente nas práticas (OLIVEIRA, 2018OLIVEIRA, Victor Neiva. Mudanças na administração prisional: Os agentes penitenciários e a construção da ordem nas prisões de Minas Gerais. Dilemas, Rev. Estud. Conflito Controle Soc., Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, p. 412-434, 2018.). Tornar-se policial penal era não apenas um caminho esperado, mas natural.

Portanto, os dados analisados neste trabalho indicam que não existe diferença de percepção quanto ao significado da função de agente prisional quando contrastamos as opiniões de funcionários do sexo masculino e feminino. Há uma ênfase na socialização profissional que destaca a custódia como principal atividade, relegando o cuidado para segundo plano. Com isso, ainda que os papéis de gênero sejam fortes e apareçam na resposta ao survey, eles não se sobrepõem ao aprendizado intramuros, que irá orientar as ações e as representações desses e dessas agentes na missão de guardar as pessoas privadas de liberdade.

Considerações finais

Este artigo foi estruturado em torno da inquietação sobre como agentes masculinos e femininos percebem a função de agente prisional (em geral) e a missão de ressocialização (em especial). Para respondê-la, inicialmente, revisamos a literatura internacional, que tem chegado a conclusões controversas. Em algumas pesquisas, observa-se diferenças significativas na maneira como homens e mulheres se percebem como trabalhadores prisionais, sendo que elas têm uma maior inclinação às atividades de cuidado. Nesse caso, a chave interpretativa perpassa o papel de gênero estruturado a partir do sexo, com a socialização da mulher voltada para o cuidado do outro, o que reverberaria em seu cotidiano como trabalhadora intramuros. Em outras pesquisas, não se constata diferenças significativas em termos da percepção de trabalhadores e trabalhadoras quanto à função e às atividades realizadas no cárcere. A chave interpretativa, nesse caso, é o processo socialização profissional, que procura sedimentar a(o) guarda como um tipo ideal de masculinidade, privilegiando o uso da força para a garantia da tranquilidade na prisão.

Para compreender em qual diapasão se situavam as(os) agentes prisionais que trabalhavam no cárcere em Minas Gerais, foram avaliadas as percepções que as(os) entrevistados tinham do treinamento e da rotina de trabalho. De maneira geral, consideram adequados os treinamentos teóricos e demandam maior preparo físico e técnico para situações de conflito, um indicativo da premência das atividades de vigilância em detrimento das relacionadas ao cuidado. Guardas descreveram suas rotinas de vigilância destacando o constante estado de atenção como forma de estar sempre “um passo à frente” das(os) detentas(os), ferramenta necessária para evitar qualquer conflito violento. Como consideram não ter armamento suficiente para fazer frente à diferença numérica perante as(os) presas(os), é preciso evitar qualquer situação que possa colocar as(os) profissionais em desvantagem. Esse discurso foi muito similar entre mulheres e homens, indicando a adoção, pelas mulheres, de valores atribuídos ao universo masculino, como uma forma de garantir o bom desempenho profissional.

Todas essas representações já indicavam a primazia das tarefas de custódia sobre aquelas de ressocialização, ainda que normativamente as(os) agentes devessem balanceá-las na rotina das prisões. Entre as(os) participantes da pesquisa, um número substancial de mulheres e homens que respondeu ao survey disseram contribuir para a ressocialização das(os) presas(os). Entendemos que esse resultado demonstra como a ressocialização é uma tarefa que o sistema prisional afirma buscar ao encarcerar indivíduos nas prisões. Por isso, devem ser incorporadas pelas(os) agentes, uma vez que são elas e eles os profissionais mais próximos das(os) detentas(os). Guardas internalizam em si um valor que é mantido formalmente, mas não aparece nos programas de ação implementados cotidianamente no cárcere.

As mulheres são as que demonstram maior crença no seu papel ressocializador. Todavia, essa questão está cada vez menos presente no cotidiano de suas ações, indicando que a socialização de gênero tende a ocupar espaço reduzido no trabalho nas prisões. O saber técnico, construído a partir da emulação de comportamentos masculinos e a premência da demanda por armamento e treinamento no uso progressivo da força indicam que a socialização no ambiente de trabalho se sobrepõe aos papeis atribuídos àquelas que nascem com o sexo feminino. Pesa nessa equação o fato de elas serem julgadas como ineficientes quando não apresentam atributos essencialmente masculinos, em uma atividade vista como intrinsecamente “dos homens”. Por essa razão, assim como observado nos estudos internacionais, inexistem diferenças de sexo na forma como agentes prisionais percebem e descrevem a atividade de custódia em Minas Gerais.

  • 1
    Neste trabalho, tomamos a palavra ressocialização como tematizada pela Lei de Execuções Penais (LEP) e pelo discurso das(os) profissionais entrevistadas(os). Ambos mobilizam essa categoria para representar as atividades de cuidado, muito associadas ao bom trato e à assistência social nas prisões. Por essa razão, usamos cuidado e ressocialização como sinônimos ao longo do artigo. Não obstante, entendemos a necessidade de uma maior problematização da noção de ressocialização, que merece uma significativa crítica no contexto atual, embora não tenha sido nosso objetivo nesta análise.
  • 2
    No Brasil, desde 2019, agentes prisionais se tornaram policiais penais, passando a compor o rol dos profissionais de segurança pública listados no art.144 da Constituição Federal. Apesar de utilizarmos os termos “agentes prisionais” e “guardas de prisão” como sinônimos, reconhecemos essa mudança operada pela EC 104.
  • 3
    Importa dizer, mesmo não sendo a perspectiva trazida pelo artigo, que os estudos desse campo vêm buscando desconstruir a noção do corpo como algo simplesmente natural, apenas definido pelo biológico (CHIES, 2010CHIES, Paula Viviane. Identidade de gênero e identidade profissional no campo do trabalho. Estudos Feministas, v. 18, n. 2, p. 507-528, 2010.). Mas buscam estudá-lo a partir dos fenômenos históricos e culturais, entre outros, e como eles atravessam a noção corpórea. Além disso, buscam discutir o determinismo entre corpo, sexo e gênero.
  • 4
    Importante lembrar que a LEP estabelece uma clara divisão de tarefas nos presídios brasileiros de acordo com o “cargo” do profissional. A equipe técnica, composta por médicas(os), enfermeiras(os), dentistas, psicólogas(os), assistentes sociais, pedagogas(os) e advogadas(os), objetiva o cuidado das(os) detentas(os). O setor administrativo, em que trabalham assistentes sociais, cuidam de garantir os suprimentos (materiais e humanos) e as rotinas indispensáveis ao bom funcionamento das prisões. Agentes prisionais se ocupam das tarefas de manutenção da ordem e da segurança e garantem a movimentação das(os) presas(os) para as atividades previstas nos respectivos Planos Individuais de Atendimento (PIA). Como muitas unidades contam somente com guardas, esses profissionais acabando sendo responsáveis pela maioria das tarefas a serem executadas.
  • 5
    De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022), atualmente Minas Gerais conta com 15.735 policiais penais.
  • 6
    Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) (processo CSA -AES-00115-13).
  • 7
    O número de questionário por unidades foi calculado por um estatístico para garantir a representatividade das(os) agentes de todas as unidades prisionais do estado. Para tanto, foi levado em consideração a quantidade de profissionais em exercício na prisão no momento da pesquisa.
  • 8
    Hoje, Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen).
  • 9
    O primeiro estudo, realizado entre março de 2015 e março de 2018, foi financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) (processo no 445545/2014-3). O segundo estudo, realizado entre julho de 2017 e março de 2018, foi financiado pela Fapemig (processo APQ 01648-16).
  • 10
    As gravações foram autorizadas pelas(os) entrevistadas(os) por meio da assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido (TCLEs).
  • 11
    Infopen é o sistema de informações estatísticas das prisões brasileiras
  • 12
    Bastão que serve de apoio ou arma, similar ao cassetete.
  • 13
    Conflitos que podem resultar em faltas ou em violência dentro da prisão.
  • 14
    Nome fictício, a fim de garantir o sigilo do entrevistado.
  • 15
    Processo semelhante acontece nas polícias militares. Como informa a revisão de Ribeiro (2018)RIBEIRO, Ludmila. Polícia Militar é lugar de mulher?. Revista Estudos Feministas, v. 26, n. 1, p. 1-15, 2018., tais atributos são utilizados para garantir a exclusividade de policiais femininas em atividades como a Patrulha Maria da Penha.
  • 16
    Expressão comum nas prisões que significa ações violentas de presas(os) que fogem à normalidade, como motins e rebeliões.

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2023

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2022
  • Aceito
    19 Maio 2022
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