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Trabalho no cárcere: controle social, políticas penais e ambivalências

Work in prison: social control, penal policies and ambivalences

Resumo

O artigo desvela a funcionalidade da ideologia empreendedora presente na formulação política de acesso ao trabalho no cárcere. Compreende-se que esse tipo de trabalho também sofre os impactos da nova morfologia do trabalho. Argumenta-se que o encarceramento em massa é fruto do Estado penal. Considera ainda, que o acesso a políticas penais de trabalho no cárcere está constituído de contradições e expropriações de cunho neoliberal. O estudo conclui que o acesso minimiza a vida do indivíduo privado de liberdade e esconde as expropriações que interessam ao capital, evidenciando assim a lógica neoliberal.

Palavras-chave:
Sistema prisional; políticas de trabalho; extração de mais valor; controle social; sociologia do trabalho

Abstract

The article reveals the functionality of the entrepreneurial ideology present in the political formulation of access to work in prison. It is understood that this type of work also suffers the impacts of the new morphology of work. It is argued that mass incarceration is a result of the penal state. It also considers that access to penal labor policies in prison is constituted by contradictions and expropriations of a neoliberal nature. The study concludes that access minimizes the life of the individual deprived of liberty and hides the expropriations that interest capital, thus evidencing the neoliberal logic.

Keywords:
Prison System; Labor Policies; Extraction of More Value; Social Control; Sociology of Labor

Introdução

O objetivo central do artigo é problematizar as questões relacionadas à inclusão de pessoas adultas privadas de liberdade em atividades de inserção produtiva. O estudo parte da compreensão de que o desenvolvimento produtivo dos encarcerados sofre os impactos da nova morfologia do trabalho, conforme designa Ricardo Antunes (2013ANTUNES, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12-27.; 2020).

Para sustentar a análise, utilizaremos como documento norteador o decreto nº 9.450, de 24 de julho de 2018, que instituiu a Política Nacional de Trabalho no Âmbito do Sistema Prisional (PNAT) (BRASIL, 2018), bem como, dados relativos à inserção dos encarcerados em atividades produtivas, articulando, dessa maneira, teoricamente, as tendências do trabalho no cenário contemporâneo.

A escolha pelo referido documento se deu pelo fato desse apresentar elementos estratégicos para a extração de “mais valor”, na contemporaneidade, tais como empreendedorismo, responsabilidade social das empresas e a célebre dignidade da pessoa humana, com a justificativa de busca da ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, visando, para tanto, à formação profissional das pessoas presas e egressas do sistema prisional. Em um contexto em que o encarceramento em massa tem sido utilizado como principal estratégia para o combate à criminalidade, é necessário compreendermos quais rebatimentos essa lógica acarreta para a sociedade brasileira, posto que a realidade nos mostra que o crescimento do encarceramento não tem relação direta com a diminuição da criminalidade. Ao contrário, ele tem sido responsável pelo aumento exponencial dessa, especialmente por adotar como principal método a criminalização da pobreza (WACQUANT, 2001WACQUANT, LoÏc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.; WACQUANT, 2007; BATISTA, 2012BATISTA, Nilo. “Merci, Löic!”. In: BATISTA, Vera Malaguti (Org.). Löic Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro: Revan, 2012, p. 221-227.).

A inserção produtiva de pessoas privadas de liberdade no âmbito do trabalho está imbricada e polarizada: de um lado, temos a sustentação do senso comum e também das análises teóricas que indiscutivelmente consideram natural a assertiva de que todos que estão presos devem trabalhar. Ou seja, se elaborássemos um questionário para saber o que pensam intelectuais, estudantes e pessoas diversas, que realizam os mais diferentes tipos de serviços como padeiros, açougueiros, garis, professores e assim por diante, sobre tal assunto, a maioria delas, senão a sua totalidade, assentiria com a premissa de que sim, as pessoas encarceradas devem trabalhar! Diante dessa assertiva, é também coerente nos perguntarmos: então, por que elas não trabalham? De outro lado, concebendo-se que o sistema prisional se apresenta como um campo estratégico para a funcionalidade do sistema capitalista de produção, ao cumprir o seu papel de aparelho repressivo do Estado, auxilia no resgate dos conflitos sociais.

Entretanto, se o sistema prisional realizasse exclusivamente um papel de contenção, não conseguiria efetivamente disseminar a ideologia e o discurso da ressocialização e da responsabilidade social de trabalhadores do sistema - especialmente quando tratamos daqueles que, de alguma maneira, necessitam acreditar que esse sistema apresenta algum sentido: professores, técnicos e políticos, por exemplo. Assim, o sistema carece também de refletir alguma ideologia que possibilite sucesso para alguns presos de maneira a repercutir a lógica da meritocracia defendida pelos liberais no próprio sistema.

Para tanto, o Estado necessita, em alguma medida, ofertar educação e utilizar, ainda que de maneira incipiente, essa força de trabalho. Assim, é conveniente para o Estado juntar forças com o empresariado, uma vez que este, muitas vezes, parece ansioso por alcançar a isenção de impostos, negar direitos trabalhistas e previdenciários e, com isso, potencializar seus lucros. Nesse aspecto, tais processos, longe de ser expressões das expropriações contemporâneas, mostram-se como “ o principal meio de atualização da reprodução capitalista” (MOTA e TAVARES; 2016MOTA, Ana Elizabete; TAVARES, Maria Augusta. “Trabalho e expropriações contemporâneas”. In: MOTA; Ana Elizabete; AMARAL, Ângela. (Org). Cenários, contradições e pelejas do serviço social brasileiro. São Paulo: Cortez, 2016., p. 235), mas apresentam também uma antiga relação que tem se reproduzido desde antes do capitalismo, mas que agora sofre um processo de atualização, visto que “os processos de expropriação não estão apenas na pré-história do capitalismo, mas também integram sua expansão, acompanhando a extensão das próprias relações sociais capitalistas” (FONTES, 2018FONTES, Virgínia. “A transformação dos meios de existência em capital: expropriações, mercado e propriedade”. In: Expropriação e direitos no capitalismo / Ivanete Boschetti (Org.). São Paulo: Cortez, 2018, p. 17-61., p. 21).

Apesar de não negarmos sua funcionalidade em períodos anteriores, temos observado uma investida maior do capital nesse campo na conjuntura atual, seja com o processo de privatização dos presídios, seja pela exploração da força de trabalho dos encarcerados por estratégias neoliberais de gestão penitenciária pública ou privada, tornando o preso - inútil para o sistema de produção capitalista como parte do exército industrial de reserva -, de alguma maneira, útil para o sistema de lucratividade. Diante disso, seria como explorar os que não servem, transformando-os em explorados.

Logo, percebemos que esse público, hoje, é um dos alvos dos processos de expropriações contemporâneas. Dele são expropriados desde o direito à liberdade, saúde, educação e, obviamente, o direito ao trabalho, constituindo, assim, parte do cenário de uma nova morfologia do trabalho que se configura pela extensão do desemprego e pela generalização dos trabalhos precarizados, sem vínculos contratuais ou com vínculos frágeis (ANTUNES, 2013ANTUNES, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12-27.).

Desde o século XIX, o Brasil Império, espelhando-se no modelo prisional de países europeus e norte-americanos, utilizava o trabalho como elemento para o lucro e a manutenção das instituições nas quais os presos adultos ou mais jovens estavam inseridos. Naquele contexto, o discurso era menos ideológico e mais utilitarista. Entretanto, as transformações no mundo do trabalho, que preconizava a reestruturação produtiva (taylorismo e fordismo), levaram por terra essas práticas, visto que não era mais suficientemente lucrativo o trabalho realizado por uma única pessoa, de maneira solitária em uma cela, o que terminava por tornar os produtos excessivamente caros para disputar o mercado de trabalho (ZANELLA, 2018ZANELLA, Maria Nilvane. Da institucionalização de menores à desinstitucionalização de crianças e adolescentes: os fundamentos ideológicos da extinção da Funabem como solução neoliberal. 586 f. Tese de Doutorado em Educação. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2018.). Era necessário, então, uma alta produtividade para a qual o preso não servia. Ademais, o sistema capitalista, que antes necessitava dessa força de trabalho em face do pequeno número de proletariado, com o avanço tecnológico, a produção de vacinas e a melhora na qualidade de vida do proletariado, prescindia dessa força de trabalho que se revelava desnecessária para a manutenção do sistema.

Assim, com a percepção de que a utilização do trabalho no sistema prisional não é recente (RUSCHE e KIRCHHEIMER, 1984RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Pena y estructura social. Trad. Emilio García Méndez. Bogotá, Colombia: Temis, 1984.; FOUCAULT, 1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 32. ed. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.), o sistema necessitava se reinventar e, para tanto, lançou mão do discurso ideológico da ressocialização pelo trabalho e em defesa da dignidade da pessoa humana. Para tanto, aprovou-se em 2018 a PNAT como uma política “ voltada à ampliação e qualificação da oferta de vagas de trabalho, ao empreendedorismo e à formação profissional das pessoas presas e egressas do sistema prisional” (BRASIL, 2018, p. 01).

Este artigo estrutura-se em três seções, além desta introdução e das conclusões finais. Na primeira seção, apresentamos uma breve contextualização do sistema prisional e sua relação com o trabalho, a fim de maior aproximação com a temática. Na segunda seção, realizamos uma análise da PNAT. Finalmente, na terceira seção, apresentamos e analisamos dados empíricos sobre o trabalho no cárcere.

Cárcere e trabalho: uma breve contextualização

Historicamente, as formas de punição têm vinculação direta com o uso ou não da força de trabalho excedente. As influentes obras de Rusche e Kirchheimer (1984RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Pena y estructura social. Trad. Emilio García Méndez. Bogotá, Colombia: Temis, 1984.), Melossi e Pavarini (2006MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: as origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX). Rio de Janeiro: Revan, 2006.) e De Giorgi (2006) se dedicaram a investigar, de modo aprofundado, a relação entre prisão como modalidade punitiva principal e acumulação no contexto nascente do capitalismo. O objetivo principal da racionalização da pena1 1 Os termos, pena e prisão, apesar de utilizados como se fossem o resultado de um único conceito, não são sinônimos e não foram materializados no mesmo tempo histórico. A pena remete aos princípios civilizatórios e a prisão, no sentido contemporâneo, era inexistente nas sociedades pouco desenvolvidas. “A prisão começou a surgir com o crescimento da coletividade nas dependências dos templos e das fortalezas que cercavam as cidades, nos palácios dos reis, nos castelos senhoriais, em fossas baixas, em buracos, masmorras e em gaiolas de madeira, onde os acusados eram amarrados” (ZANELLA, 2018, p. 51). não era o processo de reinserção social, mas o uso da força de trabalho do apenado.

Os autores, entre outros, buscaram entender a gênese da prisão como forma de punição moderna. A prisão surge no âmbito do desenvolvimento da sociedade capitalista e vai se transformando conforme os modos de produção (mercantil, industrial, pós-industrial e financeirizado). ParaZanella (2018ZANELLA, Maria Nilvane. Da institucionalização de menores à desinstitucionalização de crianças e adolescentes: os fundamentos ideológicos da extinção da Funabem como solução neoliberal. 586 f. Tese de Doutorado em Educação. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2018.), o iluminismo teve papel central na desqualificação da função jurídico-política da prática de suplício que, aos poucos tornou-se exemplo de barbárie e um aspecto do irracionalismo civilizatório. Foi a partir da metade do século XVIII que teve início um movimento que visava protestar contra os suplícios, composto por filósofos e teóricos do direito da nascente burguesia.

A pesquisa de Rusche e Kirchheimer (1984RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Pena y estructura social. Trad. Emilio García Méndez. Bogotá, Colombia: Temis, 1984.) apontou que, no nascimento do capitalismo, quando os homens necessitavam ser educados para venderem a sua força de trabalho, havia distinção entre as Casas de Correção, que educavam por meio do trabalho, e as Prisões, voltadas para criminosos que aguardavam o cumprimento da pena como suplício. Nesse contexto, o que vemos não é o reconhecimento humanitário em relação ao supliciado, mas o desejo de punir e melhor controlar a reclusão do preso.

Nesse contexto, um elemento de fundamental importância para o exercício da punição é a disciplina em relação ao cotidiano do indivíduo encarcerado (FOUCAULT, 1987FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. 32. ed. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes, 1987.; DE GIORGI, 2006DE GIORGI, Alessandro. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro, Revan, 2006.). Dessa forma, novos elementos são inseridos para o controle dos corpos, sendo o trabalho um componente funcional dessa disciplina. Ou seja, “A racionalização da pena se encontrou com o movimento filosófico e científico da humanidade que, politicamente, vivenciava a ascensão da burguesia e a limitação dos poderes absolutos do Estado” (ZANELLA, 2018ZANELLA, Maria Nilvane. Da institucionalização de menores à desinstitucionalização de crianças e adolescentes: os fundamentos ideológicos da extinção da Funabem como solução neoliberal. 586 f. Tese de Doutorado em Educação. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2018., p. 56-57).

A priori, o trabalho tinha um viés mais terapêutico, cujos principais objetivos eram o aproveitamento do tempo e a disciplina. No entanto, no decorrer da História, houve uma mudança nessa perspectiva. O trabalho penal passou a ser organizado a partir de imperativos econômicos: “ las casas de corrección constituían, en primer lugar, establecimientos manufactureros que producían mercancías a un costo particularmente bajo como consecuencia de la fuerza de trabajo barata que empleaban” (RUSCHE e KIRCHHEIMER, 1984RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Pena y estructura social. Trad. Emilio García Méndez. Bogotá, Colombia: Temis, 1984., p. 58). O que se viu, no entanto, foram a aplicação de baixa remuneração e o adestramento da força de trabalho no processo de contribuição para o avanço do modo capitalista de produção.

Assim, é possível constatarmos que o trabalho, em uma perspectiva marxista, é fundamental para o desenvolvimento humano; em uma perspectiva liberal, foi e ainda é um elemento central para a disciplina e, consequentemente, para o controle dos corpos bem como da sociabilidade dos humanos. Desse modo, Mészáros (2002MÉSZÁROS, Istvan. Para além do capital. São Paulo: Boitempo. 2002., p. 989) alerta que o cerne da questão não está no fato de produzirmos ou não formas de controle, mas o “tipo de controle, dado que as condições atuais foram produzidas sob o férreo controle do capital que nossos políticos pretendem perpetuar como força reguladora fundamental de nossas vidas”.

Na atualidade, o discurso de ressocialização pelo trabalho, longe de se relacionar com a exploração da força de trabalho, é entendido como um dever social. A própria Lei de Execução Penal, em seu artigo 28, destaca: “O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá a finalidade educativa e produtiva” (BRASIL, 1984, art. 28).

Ora, apesar de apontar elementos como dever social e condição de dignidade humana, a Lei de Execução Penal deixa evidente que a finalidade do trabalho no sistema prisional é produtiva. Isso significa que esse ramo específico de trabalho está inserido no mundo da produção e, dessa forma, reflete as tendências gerais presentes do trabalho na contemporaneidade. Todavia, cabe destacarmos que Georg Rusche e Otto Kirchheimer, em obra inaugural dessa perspectiva, partem da premissa de que “Todo sistema de producción tiende a descubrir castigos que corresponden a sus relaciones de producción” (RUSCHE e KIRCHHEIMER, 1984RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Pena y estructura social. Trad. Emilio García Méndez. Bogotá, Colombia: Temis, 1984., p. 18).

Com o advento do capitalismo, os valores de troca, existentes anteriormente, se consolidaram como objetivo final do produto do trabalho numa lógica de produção essencialmente destrutiva, em que o valor de uso das coisas é subordinado ao valor da troca (ANTUNES, 2013ANTUNES, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12-27.). Era o movimento de expropriação dos meios de produção e reprodução social, que obrigava a classe trabalhadora a estranhar-se de si e de seu próprio produto, como já alertava Marx, no século XIX, na obra Manuscritos econômico-filosóficos, de 1844.

O objetivo mais importante alcançado mediante o trabalho no cárcere foi a possibilidade de reduzir os custos de produção de alguns setores industriais, e de, por conseguinte, colocar por meio da concorrência - um freio ao aumento do nível salarial. (MELOSSI e PAVARINI, 2006MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: as origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX). Rio de Janeiro: Revan, 2006., p. 192).

Logo, os autores apontam que os trabalhadores do cárcere participam dos mecanismos de supressão dos salários e do aumento da mais-valia, visto que, assim, estão inseridos na lógica da produção e não excluídos, como muitos pensam. “As ofensivas do capital vão se tornando cada vez mais incisivas sobre o trabalho, (…) entramos em uma nova era de precarização estrutural do trabalho” (ANTUNES, 2013ANTUNES, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12-27., p. 20) e o universo dos internos trabalhadores tem participação direta nesse processo, ainda que estejam na composição do exército industrial de reserva2 2 “A dinâmica de funcionamento do capitalismo produz de maneira dupla superpopulação relativa, ou exército industrial de reserva: pela expropriação daqueles cujos meios de existência possam converter-se em capital e pelo desemprego recorrente de grandes quantidades de trabalhadores” (FONTES, 2018, p. 23) .

Feitas essas considerações acerca do trabalho no cárcere, a seguir serão analisados alguns elementos da Lei de Execução Penal que regulamenta o trabalho dos encarcerados no Brasil, bem como será abordada especificamente a Política Nacional de Trabalho no âmbito do sistema prisional.

Política Nacional de Trabalho no sistema prisional: escassez, indivíduo e mercado

Como visto anteriormente, o trabalho no espaço prisional não é modelo recente. Na história brasileira, antes da aprovação do decreto no 9.450, de 24 de julho de 2018 a Política Nacional de Trabalho no Âmbito do Sistema Prisional , a legislação que regulamentava o trabalho no cárcere era unicamente a Lei de Execução Penal, datada de 1984. As limitações metodológicas e epistemológicas deste artigo não permitiram explorarmos, ainda que em síntese, a questão do trabalho encarcerado no Brasil e sua trajetória nas precariedades das prisões do vasto território nacional, contudo expusemos alguns aspectos relevantes da legislação e dados do Infopen.

A referida lei estabelece que o trabalho do condenado não está sujeito à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas à Lei de Execuções Penais, que prevê uma remuneração de no mínimo – do salário mínimo (BRASIL, 1984). Em valores atuais, esse montante equivale a R$ 976,50, portanto, se para a classe trabalhadora identificamos cotidianamente os rebatimentos da destruição das leis trabalhistas; para os encarcerados pertencentes ao exército de reserva, a legislação que garante direitos como, férias remuneradas, 13º salário, vínculo empregatício constituído, sequer existe, concretamente (ANTUNES, 2013ANTUNES, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12-27.).

Embora não fossem inclusos direitos trabalhistas e previdenciários, a jornada de trabalho para esse público é de no mínimo seis e, no máximo, oito horas diárias, com descanso semanal. Isto é, no que tange ao seu tempo de trabalho, são tratados de forma igualitária, porém, no que concerne aos seus direitos, são tratados de forma diferenciada de outros trabalhadores.

Entendemos que isso decorre da premissa de que o sistema de penalidades da sociedade atual corresponde a construções compatíveis e necessárias à manutenção do modelo societário vigente, que compreende muito bem “a relação entre economia e controle social, reconstruindo as coordenadas da relação que parece manter juntas determinadas formas de produzir e determinadas modalidades de punir”. (DE GIORGI, 2006DE GIORGI, Alessandro. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro, Revan, 2006., p. 31).

Sabendo que existe uma relação inversamente proporcional entre redução do valor do trabalho e extração de mais valor (FONTES, 2018FONTES, Virgínia. “A transformação dos meios de existência em capital: expropriações, mercado e propriedade”. In: Expropriação e direitos no capitalismo / Ivanete Boschetti (Org.). São Paulo: Cortez, 2018, p. 17-61.), está claro para nós, então, que, se os trabalhadores do cárcere trabalham uma jornada de pelo menos oito horas diárias, em igualdade com outros trabalhadores, mas existe redução no valor do trabalho, isto é, recebem menos para sua reprodução social, há nesse caso aumento da extração de mais valor.

Diante disso, a criação de uma Política Nacional de Trabalho, que a priori parece ser um avanço para aqueles que estão privados de liberdade, apresenta a consolidação de uma tendência, sendo ela a extração de mais valor revestida de discursos de empreendedorismo e responsabilidade social.

Segundo Valentim e Peruzzo (2018PERUZZO, Juliane Feix; VALENTIM, Erika Cordeiro do Rêgo Barros. “O empreendedorismo nas políticas públicas de trabalho e geração de renda”. Argumentum, Vitória, v. 10, n. 1, jan./abr. 2018, p. 261-275.), no Brasil essa tendência se revela a partir de 1990, em consonância com agências multilaterais de desenvolvimento econômico como o Banco Mundial (BM) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), visto que são esses organismos que criam mecanismos de enfrentamento ao desemprego estrutural de forma a amenizar os efeitos nefastos do neoliberalismo e da reestruturação produtiva.

Veremos, abaixo, como se expressa essa tendência na PNAT, especificamente nos seus princípios previstos no Art. 2º: “I - a dignidade da pessoa humana; II - a ressocialização; III - o respeito às diversidades étnico-raciais, religiosas, em razão de gênero e orientação sexual, origem, opinião política, para com as pessoas com deficiência, entre outras; e IV a humanização da pena”. (BRASIL, 2018, art. 2º).

O princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, é fundamento basilar da República e, consequentemente, está teoricamente previsto para o sistema prisional3 3 Nesse contexto, não podemos deixar de explanar as declarações do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Medida Cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, que reconhece no Brasil a existência de um quadro de violações generalizadas e sistêmicas de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada do Poder Público. A prisão, conforme reconhecido pelo STF no julgamento, é, de fato, incapaz de promover a ressocialização dos privados de liberdade (STF, 2015). .

No entanto, com uma população carcerária de quase um milhão de presos, faz-se necessário refletirmos sobre a situação caótica do sistema prisional no Brasil, que se materializa em unidades superlotadas, sem condições de higiene, com estrutura física precária, sem assistência à saúde adequada, com a ausência de intersetorialidade entre as políticas públicas e sociais.

Art. 4ºSão objetivos da PNAT:

I - Proporcionar, às pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional, a ressocialização, por meio da sua incorporação no mercado de trabalho, e a reinserção no meio social;

II - Promover a qualificação das pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional, visando sua independência profissional por meio do empreendedorismo;

III - Promover a articulação de entidades governamentais e não governamentais, nas esferas federal, estadual, distrital e municipal, visando garantir efetividade aos programas de integração social e de inserção de pessoas privadas de liberdade, egressas do sistema prisional e cumpridoras de pena restritiva de direitos ou medida cautelar;

IV - Ampliar a oferta de vagas de trabalho no sistema prisional, pelo poder público e pela iniciativa privada;

V - Incentivar a elaboração de planos estaduais sobre trabalho no sistema prisional, abrangendo diagnósticos, metas e estratégias de qualificação profissional e oferta de vagas de trabalho no sistema prisional;

VI - Promover a sensibilização e conscientização da sociedade e dos órgãos públicos para a importância do trabalho como ferramenta para a reintegração social das pessoas em privação de liberdade e egressas do sistema prisional;

VII - Assegurar os espaços físicos adequados às atividades laborais e de formação profissional e sua integração às demais atividades dos estabelecimentos penais;

VIII - Viabilizar as condições para o aprimoramento da metodologia e do fluxo interno e externo de oferta de vagas de trabalho no sistema prisional;

IX - Fomentar a responsabilidade social empresarial;

X - Estimular a capacitação continuada dos servidores que atuam no sistema prisional quanto às especificidades e à importância da atividade laborativa no sistema prisional;

XI - Promover a remição da pena pelo trabalho, nos termos do art. 126 da Lei nº 7.210, de 1984. (BRASIL, 2018, art. 4º, grifo dos autores).

Nos objetivos apresentados, dá-se destaque para o empreendedorismo como forma de independência profissional. Em outras palavras, evidencia-se a responsabilidade do sujeito no seu sucesso/fracasso profissional. Dessa forma, entendemos que, ao se estimular a prática empreendedora, mascara-se sua funcionalidade ao sistema capitalista de negação de uma sociedade de classes, bem como estimula-se a subjetivação de um trabalhador ideal (VALENTIM e PERUZZO, 2018PERUZZO, Juliane Feix; VALENTIM, Erika Cordeiro do Rêgo Barros. “O empreendedorismo nas políticas públicas de trabalho e geração de renda”. Argumentum, Vitória, v. 10, n. 1, jan./abr. 2018, p. 261-275.).

Essa estratégia joga luz à retirada do Estado na execução de uma política penal pela via do trabalho, visto que deixa, a cargo do indivíduo, a responsabilidade pela sua inserção produtiva. “Não obstante, soma-se a isso o estigma carregado por ex-detentos, os quais mesmo após o egresso da prisão são vistos como delinquentes pela sociedade, Assim sendo, eles encontram significativas barreiras para conseguir um trabalho” (KRÜGER; ARRUDA e MARIANI, 2018KRÜGER, Carolina; ARRUDA, Dyego de Oliveira; MARIANI, Milton Augusto Pasquotto. “Por dentro do cárcere: evidências de violência institucional em um presídio feminino na fronteira entre Brasil e Bolívia”. In: DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, set./dez., 2018, p. 435-452., p. 442). Portanto, a tônica está na capacidade do sujeito em desenvolver suas habilidades laborativas, seja dentro ou fora do cárcere. Caso tenha êxito nessa missão, o detento ou (ex) detento será empreendedor, caso contrário, não teve capacidade de realizar os meios necessários para o seu sucesso profissional, mesmo o Estado, supostamente, capacitando-os para isso.

Tal compreensão de abordagem propedêutica da questão penitenciária é desprovida da análise de que o sistema do capital vive uma crise sem precedentes históricos, que afeta seus pilares ideológicos, exigindo que todo o conjunto da humanidade, para sobreviver, empreenda mecanismos complexos e contraditórios para o controle do metabolismo social ou do sociometabolismo do capital (MÉSZÁROS, 2002MÉSZÁROS, Istvan. Para além do capital. São Paulo: Boitempo. 2002.). Nesse aspecto, o aprofundamento do capital, materializa como resultado “ massas de trabalhadores disponíveis para vender sua própria força de trabalho” (FONTES, 2018FONTES, Virgínia. “A transformação dos meios de existência em capital: expropriações, mercado e propriedade”. In: Expropriação e direitos no capitalismo / Ivanete Boschetti (Org.). São Paulo: Cortez, 2018, p. 17-61., p. 21).

De acordo com o ideário neoliberal, cabe, ao trabalhador, desenvolver algumas habilidades como resiliência, persistência, autoconfiança, coragem, iniciativa, otimismo para então conquistar seus objetivos, e isso inclui o seu emprego. Assim, para enfrentar o problema do desemprego, desloca-se das condições econômicas para a esfera privada, ficando a cargo do Estado, por meio da educação, promover a qualificação voltada para a lógica empreendedora (VALENTIM e PERUZZO, 2018PERUZZO, Juliane Feix; VALENTIM, Erika Cordeiro do Rêgo Barros. “O empreendedorismo nas políticas públicas de trabalho e geração de renda”. Argumentum, Vitória, v. 10, n. 1, jan./abr. 2018, p. 261-275.).

Outro elemento que merece destaque na referida política é o canto da sereia que envolve o fortalecimento de entidades não governamentais na execução de políticas públicas. Nesse caso específico, tais entidades são estimuladas a abraçar a causa dos encarcerados, mas em troca recebem incentivos governamentais. Nessa estratégia, o Estado se retrai na execução de suas atribuições de políticas penais, cedendo lugar ao denominado terceiro setor.

No que tange ao mercado, ele também recebe sua fatia e ainda aparece como responsável socialmente. O que não fica claro para muitos são as isenções fiscais fornecidas pelo Estado em troca dessa preocupação social empresarial. Outro aspecto importante é o lucro ainda maior obtido nos processos de trabalho no cárcere. Sem encargos trabalhistas e previdenciários, com o rebaixamento dos salários dos trabalhadores, a extração de mais valor ganha valores exponenciais nesse segmento específico. Esse modus operandi é executado na estruturação de novos mecanismos de gestão, produção e organização do trabalho (ANTUNES, 2013ANTUNES, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12-27.).

Devemos considerar, ainda, a inexistência de custos prediais, com aluguel, contas de água e energia elétrica, despesas com alimentação e transporte bem como com vigilância. Todos esses custos ficam a cargo do Estado, assim, investir no trabalho dos encarcerados é mais que uma preocupação social, configura-se como um ótimo negócio. Ademais, a remição da pena pelo trabalho é um direito do preso a cada três dias trabalhados, será remido em um dia de sua pena. Entretanto, sabendo que o trabalho não é ofertado a todos os presos e que há critérios de elegibilidade para a atividade laboral, observamos que o direito à remição obedece à lógica da seletividade que perpassa as políticas públicas e sociais brasileiras, evidenciando critérios meritocráticos próprios da lógica do sistema prisional.

As reflexões preliminares desta seção evidenciam que a prisão, enquanto pena privativa de liberdade, é uma dimensão do sistema de penalidades da sociedade capitalista. Nesse aspecto, tudo o que a ela se vincula, seja nos ordenamentos jurídicos originários ou nos redimensionamentos socio-históricos, como o trabalho do encarcerado, está marcado em maior ou menor medida às perspectivas de manutenção da ordem vigente capitalista (BARATA, 2002; DE GIORGI, 2006DE GIORGI, Alessandro. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro, Revan, 2006.).

No próximo item serão apresentados dados sobre os trabalhadores do cárcere, buscando compreender como essa política se apresenta de forma concreta na realidade dos presídios brasileiros.

As evidências e ambivalências dos números sobre trabalho no cárcere

Uma nota técnica, elaborada pela Coordenação de Apoio ao Trabalho e Renda (COATR) do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), justifica que “o surgimento da prática do trabalho dentro das prisões, manifesta-se a partir da análise de toda uma perspectiva histórica de evolução dos direitos dos presos, solidificando-se como uma política efetiva de reinserção social” (DEPEN, 2022, p. 1), o que por si só demonstra incompreensão sobre a história do sistema prisional que constituiu a prisão enquanto modelo de punição para ensinar o trabalho para aqueles que, saindo da servidão, se recusavam a vender a sua força de trabalho.

O trabalho prisional não é regido pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas pela Lei de Execução Penal (LEP). Segundo a nota, a mudança na percepção sobre a importância do trabalho para o apenado se deu quando a prática passou a ser percebida “ como forma de manutenção da dignidade do indivíduo que se encontra em cárcere privado, visto que o labor exercido pelo ser humano traz dignidade, moralidade e eticidade, reavivando sentimentos para a construção de uma nova vida” (DEPEN, 2022, p. 1). Para dar vasão a essa necessidade, o Depen criou o Selo Nacional de Responsabilidade Social Pelo Trabalho no Sistema Prisional - Selo Resgata, que realizou o cadastramento de instituições, conforme apresentado no quadro abaixo.

Quadro 1
Atividades do selo resgata

Conforme demonstra o Quadro 1, o aumento no número de empresas públicas e privadas foi ascendente desde que o Selo Resgata foi criado, o que demonstra o interesse das instituições na mesma proporção em que ocorre aumento do encarceramento da população brasileira que, entre os anos de 2000 e 2015, teve um acréscimo de 170%. Os dados do Depen atestam um crescimento de mais de 400% nos últimos 20 anos. O Brasil possui uma população carcerária de 726.354 detentos, representando o terceiro lugar no ranking mundial; sua taxa de aprisionamento é de 349,78 para cada 100 mil habitantes, segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) referentes ao ano de 2017. Boa parte desse numeroso grupo, precisamente 33,3% desse total, estava em regime provisório, aguardando julgamento em unidades prisionais, superlotadas e precárias (INFOPEN, 2017).

Desse público, a maioria é de jovens, negros e pobres, o que reforça as pesquisas que apontam que, em relação às percentagens sobre raça, pode-se deduzir sobre a existência de uma seletividade racial, marcada pelas forças de segurança pública e sistema de justiça que corroboram para a construção de determinados estereótipos de sujeição criminal e racialização dos corpos. Logo, concordamos com Wacquant (2001WACQUANT, LoÏc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.) quando afirma que os jovens são o primeiro alvo da política de penalização da miséria.

No que tange ao trabalho, consta na mesma base de dados que 17,5% dos detentos estavam envolvidos em atividades laborativas, o que representa um número de 127. 514 pessoas trabalhando. Se pensarmos em Pernambuco, estado de uma das autoras deste artigo, esse percentual é de 7,51%, totalizando 2.328 pessoas. Importa destacarmos que o índice de pessoas privadas de liberdade que ocupam postos de trabalho gira, historicamente, em torno de 13% (DEPEN, 2020).

Para uma população carcerária que ultrapassa 726 mil pessoas, 17,5% é uma percentagem irrisória. Acreditamos que esse percentual é baixo em razão do número de vagas ofertadas, que ainda é incipiente. Sabemos que, apesar de a PNAT classificar o trabalho carcerário como direito do apenado, na realidade brasileira ele é utilizado como um mecanismo de recompensa, visto a existência de uma série de critérios de elegibilidade. Tais critérios apontam sobre o comportamento do preso no sistema penitenciário, o nível de escolaridade, a idade, dentre outros.

Gráfico 1
População prisional em programa laboral (2021)

Conforme demonstra o Gráfico 1, 129.133 presos estavam em atividade laboral no ano de 2021. Em 2017, esse número era de 127.514, e, desse total, 80,5% trabalhavam na parte interna da unidade prisional, o que também demonstra que a possibilidade de inclusão social do apenado não é uma efetiva preocupação. Segundo o documento, tais presos realizam prestação de serviços para empresas, organizações sociais, órgãos do Poder Público, bem como na gestão da própria unidade prisional, sendo que a maioria se dedica às atividades internas (limpeza, manutenção e cozinha das unidades prisionais) ou à produção de artesanato com fins de subsistência (INFOPEN, 2020). Quanto à remuneração, os valores pagos em salário mínimo (SM) estão expressos no Gráfico 2.

Gráfico 2
Ressarcimento salarial dos trabalhadores (2020)

Se pensarmos que esses trabalhadores, apesar de terem a carga horária igual às de outros trabalhadores livres, fazem juz a apenas – do salário mínimo, esse dado caracteriza um sistema desigual. Mas o que vemos acima é ainda pior, visto que 46,7% não recebem nenhuma remuneração pelo seu trabalho, e apenas 18% dos trabalhadores recebem o mínimo proposto por lei, ou seja, entre um e dois salários mínimos. Nesse aspecto, o que vemos é a permissividade da lei no exercício arbitrário de uma lógica no mínimo estranha e até contrária aos princípios do direito penal (MELOSSI e PAVARINI, 2006MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo. Cárcere e fábrica: as origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX). Rio de Janeiro: Revan, 2006.). Esses dados demonstram a impossibilidade de se viabilizar o que preconiza o artigo 29 sobre a finalidade da remuneração destinada:

  • a) à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios;

  • b) à assistência à família;

  • c) a pequenas despesas pessoais;

  • d) ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado, em proporção a ser fixada e sem prejuízo da destinação prevista nas letras anteriores. (BRASIL, 1984, art. 29).

Ora, os dados apontam claramente para um processo de ampliação de mais valor. Isso significa que quase metade da população que trabalha no cárcere não recebe o mínimo para a sua reprodução social. Além da expropriação de seus direitos, seu valor trabalho é completamente expropriado pelo capital, sem contarmos a expropriação de um trabalho não material que está atrelado ao fato de que as empresas ainda utilizarão a atividade como propaganda com a justificativa de que realizarão uma ação social.

A negação dos direitos trabalhistas dos presos é uma estratégia utilizada para atrair as empresas: “O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho” (BRASIL, 1984, art. 28, § 2º). Ele está submetido a uma legislação própria, que favorece incentivos aos donos do capital em detrimento da mão de obra do interno trabalhador. Tal ação ainda se reveste de uma aura benemérita de cunho social e preocupação com os interesses da sociedade em formar um ser humano preparado para servir ao capital em detrimento da vida delitiva. O que evidencia que, reversamente a esse “ideário apologético e mistificador, afloraram as consequências reais no mundo do trabalho: terceirização nos mais diversos setores; flexibilidade ampla; subemprego”, dentre outras características (ANTUNES, 2020ANTUNES, Ricardo. O privilégio da servidão. O novo proletariado de serviços na era digital. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2020., p. 288).

Ao analisarmos esse discurso, perceberemos que a face da exploração da força de trabalho em condições mais intensas do que as enfrentadas pelos trabalhadores fora da prisão são materializadas nos interiores das prisões. A verdadeira face desse contexto se concretiza em empresas com selo de responsabilidade social, otimizando suas taxas de lucros, diante de incentivo fiscal, salário abaixo do teto nacional, isenção dos recolhimentos trabalhistas, otimização de logística e custos, como, por exemplo, não arcar com taxas como energia elétrica, água e aluguel dos barracões instalados dentro das penitenciárias.

O Quadro 2, abaixo, apresenta mais detalhadamente os dados referentes às Unidades da Federação (UF).

Quadro 2
Distribuição salarial por uf

De acordo com os dados do Infopen, alguns estados têm situações ainda mais alarmantes. No Acre, por exemplo, quase a totalidade de seus presos trabalhadores não recebe remuneração (99%). Em seguida, temos Piauí com 95,4%; Ceará com 85%; Rio Grande do Norte com 80,7%; e Rio Grande do Sul com 80,5%. Cabe salientarmos que, dentre os cinco estados que estão no topo desse ranking, três são do Nordeste. Outros estados como Maranhão, Roraima e São Paulo, segundo o referido documento, não apresentaram dados sobre a situação dos presos encarcerados, o que sugere que a situação seja ainda mais precária do que a apresentada.

Com base nos dados, é possível inferirmos que, assim como existe diferenciação das condições de trabalho nas diferentes regiões do país, essa desigualdade também perpassa o trabalho nos presídios. Basta observarmos que os trabalhadores das regiões Norte e Nordeste são aqueles que sofrem, de forma mais evidente, a intensificação do trabalho.

No que se refere à questão de gênero, as mulheres de uma penitenciária feminina da região Centro-Oeste também denunciam que existe “um processo de diferenciação em relação ao estabelecimento prisional que abriga os homens: na penitenciária masculina há um maior número de atividades laborais” (KRÜGER; ARRUDA e MARIANI, 2018KRÜGER, Carolina; ARRUDA, Dyego de Oliveira; MARIANI, Milton Augusto Pasquotto. “Por dentro do cárcere: evidências de violência institucional em um presídio feminino na fronteira entre Brasil e Bolívia”. In: DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, set./dez., 2018, p. 435-452., p. 447), assim como há um processo de estratificação social em função do nível de escolaridade, o que ocasiona o acesso ao trabalho de forma escassa.

Os dados apresentados deixam claro que o trabalho apesar de sua perspectiva de redução de danos e de políticas em serviços penais , seja no meio fechado ou no semiaberto, tem se tornado um componente fundamental para o funcionamento da disciplina, do controle dos corpos bem como do aumento dos lucros do capital. Nesse contexto, “a compaixão para com os delinquentes é cada vez mais suplantada” (GARLAND, 1999GARLAND, David. “As contradições da ‘sociedade punitiva’: o caso britânico”. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, n.13, nov. 1999, p. 59-80., p. 60).

Assim, concordamos com Antunes (2013ANTUNES, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12-27.) quando afirma que “menos do que perda de relevância da teoria do valor, estamos vivenciando a ampliação de suas formas, configurando novos mecanismos de sobretrabalho4 4 “O sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, enquanto, inversamente, a maior pressão que a última exerce sobre a primeira obriga-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames do capital” (FONTES, 2018, p. 22). ” (ANTUNES, 2013ANTUNES, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12-27., p. 27). O que vemos é uma estratégia de captura da subjetividade que atinge todos os aspectos da vida, superando dicotomias entre incluídos e excluídos, formais e informais, público e privado.

Considerações finais

Este artigo buscou fomentar a discussão sobre o trabalho no cárcere, visto o apelo existente no seio da sociedade em prol de uma suposta ressocialização pelo trabalho. Procuramos expor que o trabalho desenvolvido pelos encarcerados é constituído de ambivalências, sofrendo os impactos da nova morfologia do trabalho (ANTUNES, 2013ANTUNES, Ricardo. A nova morfologia do trabalho e suas principais tendências: informalidade, infoproletariado, (i)materialidade e valor. In: ANTUNES, Ricardo. (Org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 12-27.; 2020).

Mesmo que a Organização das Nações Unidas (ONU) preceitue nas Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos que “o interesse dos presos e de sua formação profissional não deverão ficar subordinados ao desejo de se auferir benefícios pecuniários de uma indústria penitenciária” (ONU, 1955, Regra 99), o que vemos na prática é a funcionalidade deste trabalho na atual conjuntura capitalista, marcando sujeitos inseridos em espaços totalmente inapropriados, com superlotação, restrição de circulação, de visitas, alto número de presos provisórios encarcerados, e, no que tange à política penal de acesso ao trabalho, temos novos mecanismos de geração de mais valor.

Nesse aspecto, as análises realizadas no artigo nos permitem fazer algumas considerações sobre o tema:

  • a) o número de presos e o número de vagas são uma equação inexata, sendo assim, o trabalho no cárcere, longe de ser um direito, se apresenta como uma recompensa em troca do bom comportamento e da disciplina durante o cumprimento da pena;

  • b) a responsabilidade social das empresas, ao adotar o discurso de ressocialização pelo trabalho, é uma forma eficaz de diminuir os custos de produção e aumentar exponencialmente a extração de mais valor;

  • c) a PNAT, assim como outras políticas públicas voltadas para o trabalho e geração de renda, se utiliza da lógica empreendedora como estratégia de retirada do Estado na execução da política e consequente responsabilização dos indivíduos pelo seu sucesso/fracasso profissional; e,

  • d) a lucratividade com o sistema prisional vai além dos mecanismos de extração de mais valor dos encarcerados. A privatização e terceirização dos serviços das unidades prisionais têm ganhado destaque com o surgimento de um ramo de empresas especializadas na área, especialmente nos setores de segurança, alimentação, equipamentos tecnológicos (tornozeleiras eletrônicas, equipamentos de revista etc.).

Diante dos elementos apresentados, está claro que o trabalho no cárcere, para além da ocupação do tempo, da possibilidade de remição da pena, enquanto uma política de alternativa penal, da manutenção da disciplina nas instituições prisionais, se apresenta como uma eficiente estratégia de extração de mais valor.

Assim, devemos reiterar que o cárcere, longe de uma função ressocializadora, contribui para a manutenção da desigualdade social e, portanto, para a manutenção da ordem do capital. O sociólogo e jurista italiano, Alessandro Baratta, alertou-nos sobre essa funcionalidade do cárcere. Segundo ele, a prisão pode ser considerada uma instituição falida para os objetivos a que se propôs - educação, reinserção social - no entanto, se levarmos em consideração as funções que ela de fato desempenha para a manutenção das desigualdades sociais; seu triunfo é inconteste (BARATTA, 2002BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: Introdução à sociologia do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.).

Isso significa dizermos que a prisão, historicamente, não tem contribuído para o processo ideológico de contexto liberal de que a finalidade precípua seja a ressocialização dos seus presos, ao contrário, ela contribui muito mais para a manutenção do controle social da ordem vigente.

Logo, a partir de uma perspectiva crítica de análise, compreendemos que a função ressocializadora da pena não passa de uma ideologia. Ao analisarmos os dados à luz da criminologia crítica, identificamos uma função perversa do cárcere, a manutenção das desigualdades e da sociedade de classes. Isso porque o cárcere participa ativamente na produção e controle da classe operária, contribuindo para a manutenção do exército industrial de reserva e favorecendo a supressão dos salários dos trabalhadores em geral (BARATTA, 2002BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: Introdução à sociologia do direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 3ª ed., Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.).

Portanto, de um lado, temos trabalhadores no cárcere dispostos a vender a única mercadoria que possuem: sua força de trabalho; do outro, os detentores dos meios de produção que buscam unicamente aumentar seus lucros. Nesse embate desigual, não há espaço para direitos, oportunidades ou mudanças, o que vemos é a lógica perversa do capital a explorar, manipular e transformar os meios de vida em capital.

Referências

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  • ZANELLA, Maria Nilvane. Da institucionalização de menores à desinstitucionalização de crianças e adolescentes: os fundamentos ideológicos da extinção da Funabem como solução neoliberal. 586 f. Tese de Doutorado em Educação. Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2018.
  • 1
    Os termos, pena e prisão, apesar de utilizados como se fossem o resultado de um único conceito, não são sinônimos e não foram materializados no mesmo tempo histórico. A pena remete aos princípios civilizatórios e a prisão, no sentido contemporâneo, era inexistente nas sociedades pouco desenvolvidas. “A prisão começou a surgir com o crescimento da coletividade nas dependências dos templos e das fortalezas que cercavam as cidades, nos palácios dos reis, nos castelos senhoriais, em fossas baixas, em buracos, masmorras e em gaiolas de madeira, onde os acusados eram amarrados” (ZANELLA, 2018, p. 51).
  • 2
    “A dinâmica de funcionamento do capitalismo produz de maneira dupla superpopulação relativa, ou exército industrial de reserva: pela expropriação daqueles cujos meios de existência possam converter-se em capital e pelo desemprego recorrente de grandes quantidades de trabalhadores” (FONTES, 2018, p. 23)
  • 3
    Nesse contexto, não podemos deixar de explanar as declarações do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Medida Cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, que reconhece no Brasil a existência de um quadro de violações generalizadas e sistêmicas de direitos fundamentais, causado pela inércia ou incapacidade reiterada do Poder Público. A prisão, conforme reconhecido pelo STF no julgamento, é, de fato, incapaz de promover a ressocialização dos privados de liberdade (STF, 2015).
  • 4
    “O sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, enquanto, inversamente, a maior pressão que a última exerce sobre a primeira obriga-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames do capital” (FONTES, 2018, p. 22).

Editado por

Editor responsável:

Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2022
  • Aceito
    23 Mar 2023
Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, 1, Sala 109, Cep: 20051-070, Rio de Janeiro - RJ / Brasil , (+55) (21) 3559.1926 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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