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O ornitorrinco penal: Monitoramento eletrônico nas ruínas de Pedrinhas

The penal platypus: Electronic monitoring in the ruins of Pedrinhas

Resumos

Baseado em pesquisa etnográfica e análise documental, o artigo analisa a implementação do monitoramento eletrônico de pessoas no Maranhão durante os anos subsequentes à série de massacres no Complexo Penitenciário de Pedrinhas. Mobilizou-se dados estatísticos sobre o crescimento da população prisional maranhense e o desenvolvimento dos programas de monitoramento entre 2014 e 2018. O texto recupera o conceito de ornitorrinco, de Chico de Oliveira, para descrever os processos de acoplamento entre o velho e o novo, o arcaico e o moderno, o imundo e o asséptico.

Palavras-chave:
justiça criminal; monitoramento eletrônico; sistema prisional; massacre


Based on ethnographic research and document analysis, the article analyzes the implementation of electronic monitoring of offenders in Maranhão during the years following the massacres at the Pedrinhas Penitentiary Complex. Statistical data on the growth of the Maranhão prison population and the development of monitoring programs between 2014 and 2018 are also mobilized. The text recovers Chico de Oliveira’s concept of “platypus” to describe the coupling between the old and the new, the archaic and the modern, the filthy and the aseptic.

Keywords:
criminal justice; electronic monitoring; prison system; massacre


Introdução

Em 2010, o monitoramento eletrônico de pessoas condenadas pelo sistema de justiça criminal foi autorizado no Brasil mediante a aprovação da Lei nº 12.258. A legislação alterou a Lei de Execução Penal (Lei 7210/1984), especificando que, em casos de saída temporária no regime semiaberto de cumprimento de pena e na determinação de prisão domiciliar, o juiz poderá definir a fiscalização por meio de monitoração eletrônica (Lei 7210/1984, art. 146-B). Em 2011, por meio da Lei nº 12.403, as possibilidades de aplicação do monitoramento eletrônico foram ampliadas para medidas cautelares diversas da prisão. A partir de então, as pessoas processadas que aguardavam julgamento poderiam ser submetidas ao monitoramento, viabilizado pelo uso de tornozeleiras eletrônicas rastreadas via satélite.

Em geral, os argumentos que fundamentaram o processo de implementação política e legislativa do monitoramento telemático no Brasil enfatizavam as possibilidades de substituição da prisão pelo controle eletrônico em meio aberto. As campanhas e projetos de lei que culminaram com a aprovação da medida destacavam o potencial desencarcerador, podendo retirar do cárcere determinadas pessoas que não representassem um real perigo à sociedade (BRASIL, 2007aBRASIL.,Projeto de lei nº 165, de 2007. Altera o Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), o Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e a Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para dispor sobre o monitoramento eletrônico. Brasília, DF: Senado Federal, 2007a., 2007bBRASIL.,Projeto de lei nº 175 de 2007. Altera o Decreto-lei nº 2848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e a Lei nº 7210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para prever a possibilidade de utilização de equipamento de vigilância indireta pelo condenado nos casos em que especifica. Brasília, DF: Senado Federal, 2007b.).

Este artigo investiga de maneira mais detida o processo de implementação do monitoramento eletrônico no Maranhão, desdobrando suas considerações analíticas para um contexto nacional mais abrangente. Por meio dos registros produzidos a partir de observação etnográfica realizada em 2016 na Central de Monitoramento Eletrônico do Maranhão, o texto examina a estruturação da política de monitoramento no estado durante os anos subsequentes à série de massacres transcorridos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas e em demais unidades prisionais do estado.

A pesquisa etnográfica foi realizada a partir de contatos realizados com agentes do sistema de justiça criminal maranhense, que concederam acesso às instalações da Central de Monitoramento Eletrônico do estado, onde se estabeleceu interlocuções com operadores dos sistemas de rastreamento. A análise da evolução da política maranhense de monitoração eletrônica se baseou em informações estatísticas obtidas na Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Maranhão, via Lei de Acesso à Informação. Os dados produzidos foram complementados por meio de relatórios oficiais publicados pelo Departamento Penitenciário Nacional e pelo Conselho Nacional de Justiça.

Este texto levanta alguns questionamentos a respeito do acoplamento entre a prisão e a supervisão eletrônica no Maranhão, analisando ainda o papel da iniciativa privada no fornecimento de equipamentos e serviços de rastreamento. Em seguida, mobilizaram-se dados quantitativos referentes ao crescimento da população prisional maranhense, simultaneamente ao desenvolvimento dos programas de monitoramento entre 2014 e 2018. A análise das curvas de encarceramento e de monitoramento evidencia o processo de expansão do sistema penal do Maranhão, tanto dentro quanto fora do cárcere. Imanente a este processo, a recorrência de massacres e de práticas de tortura é também investigada como componente perene do repertório punitivo no estado, constituindo um triângulo composto pela articulação entre violência carcerária, confinamento prisional e monitoramento a céu aberto.

Ao longo da última década, a expansão dos programas de monitoramento eletrônico atraiu o interesse de pesquisadores(as) brasileiros(as) atuando nas interfaces entre o direito e as ciências sociais. Janaina Oliveira e Rodrigo de Azevedo (2011OLIVEIRA, Janaina; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli. “O monitoramento eletrônico de apenados no Brasil”. Revista Brasileira de Segurança Pública, vol. 5, n. 9, pp. 100-119, 2011.) analisam o processo de produção legislativa que culminou com a autorização da medida em 2010 em âmbito nacional. Welliton Maciel (2014)MACIEL, Welliton Caixeta. Os “Maria da Penha”: Uma etnografia de mecanismos de vigilância e subversão de masculinidades violentas em Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2014. desenvolve uma investigação aprofundada a respeito da aplicação do monitoramento eletrônico como medida protetiva de urgência, no âmbito da chamada Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Thula Pires (2015)PIRES, Thula. “Do ferro quente ao monitoramento eletrônico: Controle, desrespeito e expropriação de corpos negros pelo Estado Brasileiro”. In: FLAUZINA, Ana Luiza Pinheiro. Discursos negros: legislação penal, política criminal e racismo. Brasília, DF: Brado Negro, 2015, pp. 44-82. apresenta uma discussão fundamental referente aos aspectos raciais e corporais da utilização de tornozeleiras eletrônicas, desenvolvendo um paralelo com os procedimentos seculares de marcação em ferro quente de corpos escravizados. Rafaelle Souza (2019)SOUZA, Rafaelle Lopes. Controle e punição: A monitoração eletrônica em Minas Gerais. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. concentra-se na política de monitoramento desenvolvida em Minas Gerais, examinando as percepções de pessoas monitoradas e operadores do sistema. No Rio Grande do Sul e no Paraná, o uso do monitoramento eletrônico é analisado por Helena Lancellotti (2021)LANCELLOTTI, Helena Patini. Tornozeleiras eletrônicas no cotidiano brasileiro: os arranjos de uma infraestrutura de vigilância penal. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021., com enfoque nas conexões entre os objetos, as infraestruturas e pessoas que constituem os sistemas de rastreamento. A respeito da política cearense de monitoramento eletrônico, em Campello e Alvarez (2022)CAMPELLO, Ricardo Urquizas; ALVAREZ, Marcos César. “É bloqueio de sinal: monitoramento eletrônico, punição e autoridade sociotécnica”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 37, n. 109, 2022. explora-se o protagonismo dos monitores e da plataforma digital de controle na condução dos processos de pessoas monitoradas.

Em diálogo com essas produções, este artigo parte de um plano analítico de referência que associa o uso do monitoramento eletrônico à emergência das sociedades de controle e da penalidade neoliberal. Ambas as noções procuram caracterizar e atribuir sentido a uma série de transformações nas práticas de controle e punição, transcorridas a partir do final do século XX nas sociedades ocidentais. Entretanto, a análise do caso brasileiro - e, mais especificamente, do caso maranhense - sugere um conjunto de complexificações a esse referencial, elaborado e referenciado sobretudo nos países do norte global.

Cunhada por Gilles Deleuze (1992)DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992., a noção de sociedade de controle se refere a um momento histórico-político em que os mecanismos de poder deixariam de estar centrados no confinamento disciplinar dos corpos - mecânica prisional fundamental, tal como descrito por Michel Foucault (1987)FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987. -, os quais passariam a operar mediante a regulação de fluxos e circulações em ambientes a céu aberto. Nesse sentido, a ideia de controle mobilizada por Deleuze está vinculada à de governo, ou de governamentalidade, desenvolvida por Foucault (2008aFOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008a., 2008bFOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008b., 2009). Para Deleuze, no início do século XXI, as sociedades de controle estariam substituindo as sociedades disciplinares, as quais, por sua vez, teriam ocupado o lugar das sociedades de soberania, cujo principal emblema punitivo havia sido os suplícios, baseados na tortura e execução públicas. Um encadeamento subsequente entre soberania, disciplina e controle marcaria, portanto, a história política dos sistemas penais no Ocidente.

Contemporânea à sociedade de controle, a ideia de penalidade neoliberal procura dar conta dos fenômenos que impulsionaram a escalada punitiva verificada a partir dos anos 1970 nos Estados Unidos e espraiada pelas democracias ocidentais ao longo das décadas seguintes (WACQUANT, 2001WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001., 2003WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos: A onda punitiva. Rio de Janeiro: Revan, 2003.; HARCOURT, 2009HARCOURT, B. “Neoliberal Penality: The Birth of Natural Order, The Illusion of Free Markets”. APSA 2009 Toronto Meeting Paper, p. 1-61, 2009.). Os processos de encarceramento em massa, privatização do controle do crime e emergência de uma racionalidade penal tecnogerencial, orientada por parâmetros de custo-eficiência, constituem alguns de seus principais vetores. O desenvolvimento de sistemas tecnológicos e informatizados de segurança e punição compõe esse conjunto de reorientações táticas e estratégicas das agências encarregadas do controle do crime. Nos Estados Unidos, a elaboração inicial dos dispositivos de monitoramento eletrônico se dá precisamente nesse contexto (LILLY; NELLIS, 2013LILLY, Robert; NELLIS, Mike. “The Limits of Techno-Utopianism: Electronic Monitoring in the United States”. In: NELLIS, Mike; BEYENS, Kristel; KAMINSKI, Dan (orgs). Electronically Monitored Punishment: International and Critical Perspectives. New York: Routledge, 2013, pp. 128-149.; WHITFIELD, 2001WHITFIELD, Dick. The Magic Bracelet: Technology and Offender Supervision. Winchester: Waterside, 2001.).

Este artigo pretende contribuir com a produção analítica em torno da importação e adaptação de novas tecnologias penais no Brasil, articuladas a velhas estruturas e a práticas arraigadas de exercício do castigo.

Silício em Pedrinhas

A rocha é onde reina o silício, é o reino do inorgânico. […] Tudo o que se conta hoje sobre as novas máquinas, sobre as máquinas de terceira geração, é a revanche do silício sobre o carbono orgânico.

Gilles Deleuze, Le Pouvoir

Situado no bairro do Outeiro da Cruz, em São Luís, o prédio da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Maranhão (SEAP-MA) mais se assemelha a um edifício abandonado, com suas obras inconclusas e instalações mal-acabadas. Diante do terreno utilizado como estacionamento para as viaturas e motocicletas dos servidores, localiza-se uma das dependências da Academia de Gestão Penitenciária do Estado (AGEPEN), onde são ministrados cursos de capacitação para agentes penitenciários. Ao lado, um pátio coberto armazena restos de material de construção, pedaços de madeira e pilhas de areia e pedra. Mais adiante, um galpão pouco iluminado dá acesso a dois lances de escada, que levam ao piso superior. Quase não se nota movimento.

No andar de cima, uma pequena área é utilizada para instalação, vistoria e troca dos equipamentos de monitoramento eletrônico adquiridos pela SEAP. Os servidores testam os aparelhos estocados e examinam os equipamentos que apresentam problemas, enquanto os usuários monitorados aguardam nas cinco cadeiras reservadas à área de espera. Alguns permanecem com o aparelho acoplado ao corpo e plugado na tomada até que a bateria esteja totalmente carregada. Outros fazem fila, aguardando a liberação de uma tomada. A cena de pessoas mantidas por algumas horas com suas tornozeleiras eletrônicas presas ao corpo e ligadas na tomada é cotidiana. O indivíduo monitorado ainda é o indivíduo plugado, dependente dos pontos de eletricidade sem os quais seus aparelhos de localização indicarão violações de mau uso.

Adiante, um corredor estreito leva à sala que abriga a Central de Monitoramento Eletrônico do Maranhão. Um pequeno aposento sem janelas, com cerca de 25 metros quadrados, no qual são disponibilizados sete computadores enfileirados em duas bancadas, e alguns aparelhos de telefone. É nesse espaço reduzido que os agentes da SEAP acompanham a movimentação dos usuários, verificando sua permanência nas zonas de controle e realizando contatos telefônicos com aqueles que cometem algum tipo de violação. Um funcionário da Spacecom é encarregado da supervisão do sistema, instalação e manutenção do software, além da assistência técnica dos equipamentos. Na parede frontal, um monitor de 120 polegadas exibe um plano cartográfico composto por fotos de satélite, no qual são assinalados os pontos em deslocamento que indicam as posições das pessoas rastreadas em todo o estado.

O contraste entre a precariedade do lugar e a tecnologia de ponta dos recursos utilizados chama atenção. Os aparatos tecnológicos que equipam a central são instalados e dispostos em um espaço com pouca ou nenhuma ventilação, em pleno trópico maranhense. A base do sistema de monitoramento do estado, fixada como terminal principal de controle e sensoriamento à distância, conectada ao Sistema de Posicionamento Global (GPS) e aos Serviços Gerais de Pacotes Por Rádio (GPRS), é acomodada no interior de um edifício visivelmente debilitado, cercado por ruas esburacadas e mal pavimentadas, suscitando indagações a respeito da descompassada convivência entre a alta tecnologia instituída sob discursos e projetos de modernização e a reiteração do abandono das estruturas públicas no Nordeste brasileiro - mas não só lá. A disparidade é ainda mais gritante quando se leva em consideração as instalações penitenciárias da região. Como conceber os altos investimentos direcionados ao progresso tecnológico voltado à modernização do sistema penal maranhense, em concomitância à permanência de um parque carcerário arcaico e reprodutor de violências, tal como o que se apresenta e se mantém na ilha de São Luís? De que modo compreender a emergência e organização de uma sociedade de controle, fundada e orquestrada sob a égide do silício (DELEUZE, 2014DELEUZE, Gilles. El poder: Curso sobre Foucault II. Buenos Aires: Cactus, 2014.), instalada nos escombros da terra de Pedrinhas?

Talvez seja essa a real face do projeto modernizador deflagrado pelas sociedades de controle, erigidas à perpétua sombra de velhas estruturas prisionais, cenário dos mais radicais maus tratos e palco para a mutilação enfurecida dos corpos, exibidos como suplício revisitado e espetacularizado nos ávidos canais de comunicação e nas onipresentes redes digitais, as quais escancaram ao público atônito os inevitáveis resultados de sua política penal: fratura exposta da penalidade neoliberal que faz coexistir avançados sistemas de teledetecção e geolocalização com a prolongada agonia de suas instituições de sequestro e de suas casas de tortura, ironicamente equiparadas às masmorras medievais pelos próprios ministros responsáveis. Distante da assepsia presumida e vendida nos programas de aperfeiçoamento das técnicas de punição, os novos aparatos de monitoramento à distância são implantados em meio à poeira persistente e anacrônica do sistema prisional brasileiro, cuja violência intrínseca segue em funcionamento franco e expansivo.

Nota-se também a instalação de tecnologias de supervisão remota sobre corpos e fluxos ao estilo smart cities em meio à paisagem tropical maranhense. Na Central de Monitoramento do estado, funcionários da SEAP observam os deslocamentos de usuários monitorados nos pequenos vilarejos, matagais e igarapés que constituem a zona rural do Maranhão. As matas e planícies litorâneas se tornam cenário cartográfico digitalizado, recortado em zonas de controle sobre a movimentação de suspeitos e condenados.

Ao todo, 987 pessoas eram monitoradas em outubro de 2016 no Maranhão, onde os serviços de monitoração estão em funcionamento desde 2014, quando se registrou uma considerável expansão da política de monitoramento eletrônico no país, impulsionada pelos convênios firmados entre as administrações estaduais e o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN-MJSP) no final de 2013 (BRASIL, 2015BRASIL.,Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. A implementação da política de monitoração eletrônica de pessoas no Brasil. Brasília, DF: DEPEN, 2015.). O estado é uma das poucas unidades da federação que iniciou a implementação do dispositivo de monitoramento direcionado majoritariamente para o controle de indivíduos em situação de liberdade provisória, determinada antes da sentença, no âmbito da Lei Federal nº 12.403/2011 (Lei das Cautelares). Cerca de 810 usuários e usuárias estavam nessa situação no Maranhão em 2016. Tratava-se de uma tentativa de redução dos altos índices de prisão provisória, que, em 2014, constituía 66% da quantidade total de indivíduos encarcerados no estado (DEPEN, 2014). Todavia, o monitoramento como medida cautelar, aplicado sob o pretexto da periculosidade do suspeito ou da garantia do devido processo legal, não deixa de figurar aqui como uma espécie de pena antecipada submetida à lógica securitária. Em vez de aguardar a sentença em liberdade, o sujeito considerado suspeito passa a ser monitorado sem que haja contra ele qualquer condenação.

Assim como na maior parte das licitações firmadas no país, o mecanismo de monitoração utilizado no Maranhão é o SAC24, constituído por um conjunto de hardware e software formado por diferentes modelos de equipamentos a serem portados pelos usuários e um programa de monitoramento disponível via web para os terminais de controle. “Com isso, a instituição tem acesso aos dados de monitoramento de qualquer terminal conectado à internet, em tempo real”.

O aparelho portado pelo usuário pode ter uma ou duas peças. Na versão de peça única, as informações relativas ao posicionamento da pessoa monitorada e os alarmes de violação são transmitidos pela tornozeleira ao software de monitoramento por meio de sinais GPS (Global Positioning System) e GPRS (General Packet Radio Services). O equipamento é dotado de LED de sinalização que indica a falta de comunicação GPRS, ausência de sinal GPS, baixos níveis de bateria e chamadas para contato realizadas pelos monitores. Além disso, a tornozeleira emite alertas sonoros e vibratórios quando registra perda de sinal GPS, bateria reduzida, contatos de monitores, ou quando são detectados descumprimentos às regras relativas às áreas de inclusão e exclusão. A cinta de fixação no tornozelo é revestida por fibra óptica para detecção de tentativas de rompimento. O aparelho fixo ao corpo pesa em torno de duzentos gramas.

Já o equipamento de duas peças é formado por uma tornozeleira que emite sinais de radiofrequência a uma Unidade Portátil de Rastreamento (UPR), que armazena a bateria do sistema, além dos transmissores GPS. Ambos os aparelhos devem ser mantidos à distância mínima programável, a qual, caso seja ultrapassada, um alarme de violação é acionado. Na versão de duas peças, o LED e os alarmes sonoros são emitidos pela UPR, que transmite as informações de localização e os alertas de violação para o software instalado no terminal de controle.

O software SAC24 permite a visualização em tempo real da movimentação dos usuários. “Os pontos de localização podem ser plotados em um mapa, em fotos de satélite, ou […] em um mapa híbrido (fotos de satélites com as ruas)”. Por meio do programa são definidas as zonas de controle para cada usuário, determinando as áreas em que a pessoa deve estar localizada conforme os horários estipulados pelo juiz. Caso seja detectada alguma violação, o software aciona um alerta, especificando a ocorrência. As possíveis violações são: ausência da área de inclusão, penetração em área de exclusão, término ou baixos níveis de bateria, perda de sinais GPS ou GPRS, rompimento do lacre ou danificação do aparelho. “O sistema armazena ainda todo o histórico do sentenciado, permitindo a geração de relatórios visando municiar as autoridades responsáveis. Acessos e atividades dos usuários do sistema também são armazenadas para fins de auditoria”.

Conforme relatado pelo servidor da Spacecom, que atua na central do Maranhão, a ocorrência de violações não implica necessariamente em consequências judiciais, mas indica padrões de conduta dos usuários, que serão reportados ao juiz por meio dos relatórios gerados pelo sistema para futuras avaliações e tomadas de decisão relativas à execução da pena ou ao cumprimento de medida cautelar. Uma ocorrência isolada de perda de sinal GPS, por exemplo, pode não acarretar maiores consequências. Entretanto, se o software registra a frequente ausência de sinais de um aparelho, o padrão de mau uso deverá ser levado em consideração pelo magistrado responsável em decisões futuras sobre a possível regressão ao regime fechado ou decretação de prisão preventiva. Ainda segundo os operadores da central, chamadas telefônicas são realizadas pelos servidores aos usuários quando alguma desobediência às regras é detectada no sistema. “Se ele não atende, a gente emite um alerta na tornozeleira que vai vibrar e acender a luz roxa. Como o alerta de vibração perturba, normalmente ele já liga de volta aqui pra central” (Servidor da SEAP, Central de Monitoramento de São Luís).

As centrais estaduais de monitoramento são interconectadas à central da Spacecom, localizada na cidade de Curitiba. Em algumas unidades da federação, o monitoramento é realizado diretamente pela central da empresa, que notifica as autoridades responsáveis pela execução penal quando um alarme de violação é gerado. É o caso do Rio de Janeiro, onde os equipamentos são instalados e inspecionados na base da Superintendência de Inteligência do Sistema Penitenciário (SISPEN), vinculado à Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (SEAP-RJ), mas as atividades de supervisão são realizadas na central da Spacecom. No estado de São Paulo, onde a monitoração é direcionada majoritariamente para controle de saídas temporárias e realização de trabalho externo no regime semiaberto, o controle é realizado por agentes penitenciários em computadores instalados nas unidades prisionais e supervisionado pela central da Spacecom. No Maranhão, assim como no Ceará, a monitoração é feita em uma central gerida pelo Estado, que conta com o suporte técnico de um servidor da Spacecom in loco e da própria central da empresa, em Curitiba.

A opção pelo estabelecimento de parcerias público-privadas (PPP), em seus mais variados modelos, baseia-se no compartilhamento das atividades de controle com os agentes privados que fornecem equipamentos, serviços e conhecimento técnico direcionados à operacionalização do monitoramento. A esse respeito, a participação crescente do capital privado na elaboração e gestão da pena levanta discussões referentes ao esfacelamento do Estado de direito e da salvaguarda de seu monopólio do uso legítimo da força, em processo avançado de deterioração (ACLU, 2011ACLU.,Banking on Bondage: Private Prisons and Mass Incarceration. New York, ACLU, 2011.; CHRISTIE, 1998CHRISTIE, Neils. A indústria do controle do crime: a caminho dos gulags em estilo ocidental. Rio de Janeiro: Forense, 1998.; MINHOTO, 2000MINHOTO, Laurindo Dias. Privatização de presídios e criminalidade. São Paulo: Max Limonad, 2000.; PASTORAL CARCERÁRIA, 2014PASTORAL CARCERÁRIA.,Prisões privatizadas no Brasil em debate. São Paulo: Pastoral Carcerária, 2014.). Questiona-se a legitimidade jurídica, política e moral implicada pela atividade de extração de um lucro econômico mediante o exercício privatizado do poder de punir. Função secular do Estado moderno e sustentáculo fundamental de sua edificação, a punição passa cada vez mais a ser produzida e gerida por agentes híbridos constituídos pelas parcerias público-privadas. Para além do debate valorativo, o processo de mercantilização do castigo tem levado à infalível ampliação do mercado consumidor da pena, fomentada pelas exigências de um contingente populacional mínimo - que tende sempre ao máximo - submetido ao aparato penal para que se assegure um coeficiente de produtividade e crescimento econômico da indústria público-privada do controle do crime (ACLU, 2011ACLU.,Banking on Bondage: Private Prisons and Mass Incarceration. New York, ACLU, 2011.; CHRISTIE, 1998CHRISTIE, Neils. A indústria do controle do crime: a caminho dos gulags em estilo ocidental. Rio de Janeiro: Forense, 1998.; DAVIS, 2003DAVIS, Angela. Are Prisons Obsolete? New York: Seven Stories, 2003.; MINHOTO, 2000MINHOTO, Laurindo Dias. Privatização de presídios e criminalidade. São Paulo: Max Limonad, 2000.).

Isso não significa, contudo, que o Estado esteja se ausentando da tarefa de punir. O crescimento da atuação de empresas privadas no controle do crime indica mais uma readequação do que uma retração do Estado na área penal. As agências estatais assumem o papel de contratante e cogestor, definindo as diretrizes a serem perseguidas por meio de parcerias, acordos de cooperação e gestão compartilhada do aparelhamento punitivo na iniciativa privada. Além disso, o Estado permanece como o agente encarregado da seleção e captura do público a ser encaminhado às instituições penais. Em contrapartida, além do fornecimento de estrutura e equipamentos, empresas privadas disponibilizam serviços e expertise voltados à gestão dos programas penais.

No caso maranhense, um levantamento desenvolvido pela equipe de pesquisa coordenada pelo historiador Wagner Cabral da Costa, publicado no rescaldo das rebeliões e massacres eclodidos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, aponta o processo de terceirização da gestão do sistema penitenciário do estado como o “principal sorvedouro de dinheiro público” (COSTA, 2014COSTA, W. C. “Pedrinhas $A: A violência do negócio e o negócio da violência”. Catirina, n. 0, p. 9-53, dez. 2014., p. 46) e estratégia de contenção da crise carcerária mediante a contratação de serviços administrativos e empresas privadas de segurança. Entre 2011 e 2014, a taxa de crescimento dos valores de contratos de terceirização de equipamentos e serviços penitenciários ultrapassou 142%, sem qualquer resultado que apontasse para a melhoria das estruturas e serviços prisionais (COSTA, 2014COSTA, W. C. “Pedrinhas $A: A violência do negócio e o negócio da violência”. Catirina, n. 0, p. 9-53, dez. 2014., p. 50). Ao contrário, período coincide com a precarização do parque carcerário maranhense, o agravamento dos quadros de superlotação e a dramática escalada da violência prisional, sem precedentes na história do estado. Subsequentemente, as respostas projetadas pelas autoridades penitenciárias, tanto estaduais quanto nacionais, para o cenário de calamidade instaurado no sistema prisional do Maranhão redundaram justamente em soluções oferecidas pela indústria da punição e da segurança, entre elas, o monitoramento eletrônico.

Com o propósito de detalhar esse processo e examinar o contexto de implementação da política de monitoração eletrônica no Maranhão, a próxima seção apresenta um breve recuo histórico em direção aos malfadados episódios nacionalmente conhecidos como Massacres de Pedrinhas.

Os massacres

São Luís, 8 de novembro de 2010. Uma ampla rebelião no Complexo Penitenciário de Pedrinhas termina com dezoito presos mortos, sendo três decapitados. Em um breve descuido dos agentes penitenciários, suas armas são tomadas por alguns dos detentos, momentos antes da cadeia “virar”. Ao longo do dia, quinze presos são executados no Anexo III do Presídio São Luís I, e outros três na Penitenciária de Pedrinhas. Apesar dos pronunciamentos das autoridades locais que diziam “não haver razões para essa barbárie”, as lideranças da rebelião apontavam seus motivos: superlotação, fornecimento de comida estragada e abastecimento de água escasso. Exigiam ainda o afastamento do diretor do presídio e a interrupção das práticas de tortura (PEDROSA, 2014PEDROSA, L. A. C. “Complexo penitenciário de Pedrinhas: do seletivismo penal ao cadafalso”. Catirina, n. 0, pp. 93-108, 2014.). Tratava-se do início de um festival macabro de violência explícita, cujo palco principal era formado pelas unidades do Complexo de Pedrinhas.

Em 7 de fevereiro de 2011, seis presos foram executados na Delegacia Regional do município de Pinheiro, três deles decapitados. Em inspeção realizada na unidade pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a entidade constatou a superlotação da delegacia; precariedade de suas instalações; domínio de facções; más condições de higiene; falta de iluminação; alimentação inadequada; servidores desqualificados; péssimas condições de segurança, entre outros problemas elementares (CNJ, 2013CNJ - Conselho Nacional de Justiça.,Relatório de inspeção nos estabelecimentos prisionais do Maranhão. Ofício 363/GP/2013. Brasília, DF: CNJ, 27 dez. 2013, Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/relatorio-cnj-presidios-maranhao.pdf. Acesso em 7 mar. 2019.
https://www.conjur.com.br/dl/relatorio-c...
). Um total de 97 presos eram mantidos em quatro celas com capacidade para quarenta pessoas (PEDROSA, 2014PEDROSA, L. A. C. “Complexo penitenciário de Pedrinhas: do seletivismo penal ao cadafalso”. Catirina, n. 0, pp. 93-108, 2014.). A referida barbárie parecia inaugurada pelas próprias autoridades.

Em 9 de outubro de 2013, outra rebelião, na Casa de Detenção de Pedrinhas (CADET), deixou ao menos nove mortos e trinta feridos, além da destruição de dependências da unidade. Na ocasião, o Grupo de Escolta e Operações Penitenciárias (GEOP) afirmou ter descoberto um túnel que daria fuga a sessenta presos. A resistência dos detentos à revista na cela teria disparado o tumulto. Em dezembro do mesmo ano, o CNJ documentou em relatório 25 mortes no Complexo de Pedrinhas. Ao todo, 62 execuções foram registradas nas prisões do Maranhão só em 2013 (CNJ, 2013CNJ - Conselho Nacional de Justiça.,Relatório de inspeção nos estabelecimentos prisionais do Maranhão. Ofício 363/GP/2013. Brasília, DF: CNJ, 27 dez. 2013, Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/relatorio-cnj-presidios-maranhao.pdf. Acesso em 7 mar. 2019.
https://www.conjur.com.br/dl/relatorio-c...
).

A contabilização das mortes só não era tão sinistra quanto os métodos empregados pelos presos para matar. Em um vídeo enviado ao CNJ, referente a uma das rebeliões ocorridas no Centro de Detenção Provisória de Pedrinhas, um homem é exibido com a pele do membro inferior dissecada, expondo seus músculos, tendões, vasos e ossos, antes de ser executado. Fotografias do Complexo mostram corpos ensanguentados, troncos separados de suas cabeças e um facão enterrado no crânio de um dos detentos (CNJ, 2013CNJ - Conselho Nacional de Justiça.,Relatório de inspeção nos estabelecimentos prisionais do Maranhão. Ofício 363/GP/2013. Brasília, DF: CNJ, 27 dez. 2013, Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/relatorio-cnj-presidios-maranhao.pdf. Acesso em 7 mar. 2019.
https://www.conjur.com.br/dl/relatorio-c...
). Membros recortados, cabeças degoladas e corpos perfurados com facas e chuços compuseram o cenário tétrico produzido em Pedrinhas nos primeiros anos da década de 2010.

As imagens capturadas por telefones celulares eram prontamente divulgadas e compartilhadas nas redes digitais, que conferiam aos massacres um novo caráter espetacular. Desta vez, o sensacionalismo da grande imprensa não seria necessário para fazer da carnificina prisional uma performance midiática. Os próprios presos se encarregaram de produzir e circular as imagens de execução, esquartejamento e decapitação: “Tem que ajeitar o foco pra pegar o bagulho”, dizia um dos internos durante uma filmagem (COSTA, 2014COSTA, W. C. “Pedrinhas $A: A violência do negócio e o negócio da violência”. Catirina, n. 0, p. 9-53, dez. 2014.). O corpo mutilado retornaria aos holofotes do teatro punitivo, agora dotado de recursos cinematográficos. Estimulada pela ausência de telefones públicos nas unidades prisionais, impedindo assim o contato de presos e presas com seus familiares, a penetração de smartphones no interior das prisões passava a ser instrumentalizada como forma de visibilização do morticínio carcerário e de sua conversão em cena pública, replicada pelos canais de comunicação tradicionais.

Os episódios transcorridos em Pedrinhas colocavam em evidência a precariedade do sistema prisional maranhense, marcado pela superlotação, exiguidade de serviços básicos, contingentes particularmente elevados de presos provisórios e seletividade racial patente. Já em 2008, a população prisional do estado chegava a 5.258 pessoas presas para 1.716 vagas, conforme relatório produzido pela CPI do Sistema Carcerário (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2009CÂMARA DOS DEPUTADOS.,Relatório da CPI do Sistema Carcerário. Brasília, DF: Câmara dos Deputados, 2009.). Inspeções e visitas feitas por organizações como o CNJ, o Ministério Público e a Pastoral Carcerária apontavam para a situação calamitosa das instalações penitenciárias no Maranhão desde 2006 (Pedrosa, 2014PEDROSA, L. A. C. “Complexo penitenciário de Pedrinhas: do seletivismo penal ao cadafalso”. Catirina, n. 0, pp. 93-108, 2014.). Em 2011, o percentual de presos sem condenação era um dos mais altos do Brasil, constituindo 63% da população carcerária maranhense. Enquanto marca transversal da demografia prisional, as maiores taxas de encarceramento da população negra no país eram as do Maranhão, conforme os dados divulgados em 2013 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

À beira do colapso e diante das denúncias realizadas por organizações não governamentais perante a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Ministério da Justiça anunciou a elaboração de um plano emergencial para conter a crise penitenciária no estado. Em janeiro de 2014, o ministro Eduardo Cardozo - que, no ano seguinte, compararia os presídios brasileiros a “masmorras medievais” - elencou onze medidas que previam ações integradas entre o Executivo, Legislativo e Judiciário. Entre elas, constavam a realização de mutirões carcerários por defensores públicos, a construção de novas unidades prisionais e o fomento à aplicação de alternativas à prisão (EDROALDO; WADA, 2014EDROALDO, Lenno; WADA, Mieko. Ministro anuncia plano emergencial para conter crise em presídios do MA. G1, 9 jan. 2014. Disponível em: https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia/2014/01/ministro-anuncia-plano-emergencial-para-conter-crise-em-presidios-do-ma.html. Acesso em: 11 set. 2023.
https://g1.globo.com/ma/maranhao/noticia...
). A punição em meio aberto era uma das respostas às urgências instauradas pelo caos penitenciário. Ainda em 2014, o Poder Executivo nacional iniciou o financiamento da política de monitoramento eletrônico no Maranhão. A sequência de massacres sediados em Pedrinhas constituiu-se como elemento deflagrador da instalação dos serviços de controle eletrônico no estado. A partir de então, seriam inaugurados os investimentos estatais em torno da implementação de um dispositivo gestado na crise e concebido para contê-la.

Monitoramento eletrônico e dilatação do sistema penal

Ao lado de Alagoas, Goiás e Espírito Santo, o Maranhão foi uma das primeiras unidades federativas fomentadas pelo DEPEN em sua campanha de estruturação do monitoramento eletrônico de presos e presas no Brasil, que contou com um investimento total de 60 milhões de reais até 2017 (BRASIL, 2017aBRASIL.,Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Diagnóstico sobre a política de monitoração eletrônica. Brasília, DF: DEPEN, 2017a., p. 56). Na ocasião, o Departamento recomendava que se concentrasse o direcionamento do dispositivo para a fiscalização do cumprimento de medidas cautelares diversas da prisão, no âmbito da Lei das Cautelares (Lei nº 12.403/2011), com o propósito de reduzir os elevados números de pessoas presas sem condenação.

Aprovada em maio de 2011, a Lei das Cautelares disponibilizou à magistratura um cardápio de medidas intermediárias passíveis de serem aplicadas no decorrer do processo penal, em substituição à prisão provisória. Essas medidas são elencadas no artigo 319, inciso IX: comparecimento periódico em juízo; proibição de acesso ou frequência a determinados lugares; proibição de manter contato com pessoa determinada; proibição de se ausentar da comarca; recolhimento domiciliar no período noturno ou nos dias de folga; suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira; fiança e, por fim, monitoração eletrônica. A monitoração no âmbito das cautelares pode ser aplicada de modo cumulativo a demais medidas - como proibição de acesso a determinados lugares ou recolhimento domiciliar - ou de maneira isolada.

Na avaliação do DEPEN, o direcionamento exclusivo dos dispositivos de monitoração para a fiscalização de cautelares, em detrimento à sua utilização na fase de execução penal, atenderia aos propósitos de redução dos índices de encarceramento, uma vez que evitaria a manutenção de determinados réus em prisão provisória antes do trânsito em julgado. O escopo central era favorecer o “desencarceramento e a inserção social do monitorado” (BRASIL, 2015BRASIL.,Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. A implementação da política de monitoração eletrônica de pessoas no Brasil. Brasília, DF: DEPEN, 2015., p. 50). Se o monitoramento de indivíduos condenados poderia representar um reforço do controle punitivo sobre aqueles que já cumpririam suas penas em prisão domiciliar ou regime semiaberto, a monitoração em caráter cautelar seria uma possível forma de se evitar o encarceramento ao longo do período de instrução processual. Em vez de aguardar o julgamento na prisão, os réus poderiam ser mandados para casa sob supervisão eletrônica. De acordo com o órgão,

O DEPEN deverá fomentar os serviços de monitoração em caráter cautelar, de modo residual, e quando estes forem avaliados como necessários, considerando os direitos fundamentais das pessoas envolvidas e quando as demais medidas cautelares se mostrarem insuficientes para conter o encarceramento (BRASIL, 2017aBRASIL.,Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Diagnóstico sobre a política de monitoração eletrônica. Brasília, DF: DEPEN, 2017a., p. 124).

Desse modo, durante os dois anos iniciais da implementação do monitoramento no Maranhão, quase todos os equipamentos disponíveis no estado eram dirigidos ao controle de medidas cautelares diversas da prisão. Conforme os dados sistematizados pela SEAP-MA, das 987 pessoas monitoradas em outubro de 2016, 812 cumpriam prisões cautelares, representando 82% da população monitorada. O estado direcionava a medida à tentativa de contenção de seus altos índices de prisão provisória, que perfaziam 59% da população prisional em junho de 2016.

Todavia, entre 2016 e 2017, a expansão da política de monitoração no Maranhão passou a ser promovida por um redirecionamento da medida, agora voltada ao controle de pessoas em cumprimento de pena. Enquanto o número de indivíduos monitorados em medida cautelar subiu de 812 para 867 entre 2016 e 2017, a quantidade de pessoas condenadas sob controle eletrônico foi de 132 a 1437 no mesmo período, elevando para 2319 o total de pessoas monitoradas no estado (BRASIL, 2017aBRASIL.,Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Diagnóstico sobre a política de monitoração eletrônica. Brasília, DF: DEPEN, 2017a.). O salto quantitativo do programa maranhense de rastreamento de presos foi alavancado pela recondução das práticas de supervisão remota, agora dirigidas à fiscalização da execução penal.

A elevação dos índices de encarceramento no estado indica que, nos quatro primeiros anos de sua implementação, o monitoramento eletrônico não apresentou efeitos no sentido de conter o crescimento da população prisional. Ao contrário, sua introdução e expansão acompanha a inclinação progressiva da curva demográfica carcerária.

Em 2012, dois anos antes da implementação do dispositivo de monitoramento no Maranhão, a população prisional do estado somava 5263 pessoas. Em 2016, a quantidade total de indivíduos encarcerados chegou a 8835. Entre 2012 e 2014, a taxa média de crescimento anual da população carcerária era de 8%, ao passo que, nos dois primeiros anos de implementação do monitoramento, esse índice foi a 22% ao ano. No que diz respeito aos números de presos provisórios, observa-se também a manutenção do crescimento absoluto e relativo de seus contingentes populacionais, concomitante ao incremento da quantidade de pessoas monitoradas. Se em 2012 havia 3376 pessoas presas sem condenação no estado, em 2016, dois anos após a introdução do monitoramento, esse total foi a 5177. Entre 2012 e 2014, a taxa média de crescimento do número de presos provisórios era de 10% anual, ao passo que, entre 2014 e 2016, esse índice subiu para 14% (BRASIL, 2017bBRASIL.,Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Brasília, DF: DEPEN, 2017b.).

Gráfico 1
Evolução da quantidade de pessoas monitoradas no Maranhão entre 2014 e 2017

Gráfico 2
Evolução da quantidade de pessoas presas no Maranhão entre 2012 e 2016

O cruzamento dos dados referentes ao total de indivíduos encarcerados e ao número de pessoas monitoradas assinala o processo de ampliação do sistema penal no Maranhão, intensificado pelo uso do monitoramento eletrônico: cresce o volume populacional absorvido pelo sistema penal ao mesmo tempo em que suas redes de controle se tornam progressivamente mais rígidas, reproduzindo-se o efeito net widening, conforme descrito e analisado pelo criminólogo sul-africano Stanley Cohen (1985)COHEN, Stanley. Visions of Social Control. Cambridge: Polity, 1985..

Note-se, contudo, que a manutenção do crescimento da população encarcerada, paralela ao desenvolvimento da política de monitoramento, não é exclusividade do estado do Maranhão. A expansão da malha punitiva atrelada à instalação dos novos dispositivos de controle eletrônico pode ser verificada em todo o Brasil. Em 2009, a população prisional brasileira compunha um total de 469.546 pessoas presas. Em 2021 - pouco mais de uma década depois do início dos programas de monitoramento no país - a quantidade absoluta de indivíduos trancados nos presídios brasileiros chegou a 679.067, a terceira maior população carcerária do planeta. Em termos relativos, se em junho de 2009 havia cerca de 248 presos para cada 100 mil habitantes no Brasil, em dezembro de 2021 essa taxa atingiu mais de 318,5 presos para cada 100 mil habitantes (BRASIL, 2017bBRASIL.,Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Brasília, DF: DEPEN, 2017b.). Naquele mesmo ano, o total de pessoas monitoradas no país chegou a 80.332, sendo a grande maioria delas em fase de execução penal.

De modo semelhante aos outros estados do país, a aplicação do monitoramento eletrônico no Maranhão tem promovido um aumento da quantidade de pessoas submetidas à tutela punitiva do Estado. A expansão das velhas estruturas de encarceramento é mantida, concomitante à difusão dos novos dispositivos de controle em meio aberto. Tecnologias de rastreamento e instituições de encarceramento se articulam umas às outras, alavancando a dilatação do sistema penal, dentro e fora dos muros prisionais. As redes de controle se expandem conforme a diversificação do catálogo de sanções disponível ao sistema de justiça.

O ornitorrinco penal

Nas suas específicas condições, o ornitorrinco não tem “consciência”, mas apenas replicação superestrutural: seu teórico antecipatório foi Ridley Scott, com Blade Runner.

Francisco de Oliveira, O ornitorrinco

A busca por alternativas ao cárcere enquanto resposta político-penal ao diagnóstico de degradação do sistema prisional brasileiro se intensificou no país já no início dos anos 2000, com a implementação do Programa Nacional de Penas Alternativas pelo Ministério da Justiça. Entre as décadas de 2000 e 2010, iniciativas voltadas ao fomento às alternativas penais foram encampadas pelo Poder Executivo nacional, em diálogo com organizações da sociedade civil e entidades de defesa dos direitos humanos ligadas à temática da justiça criminal. Sem dúvida, a motivação não era banal. Desde os anos 1990, o país assistia aos desastrosos efeitos do encarceramento em massa, emblematizados pelo Massacre do Carandiru, pelo nascimento de facções prisionais e pela superlotação generalizada do sistema. Entretanto, as décadas iniciais de estruturação institucional da política de alternativas penais foram também o período de escalada progressiva dos índices de aprisionamento e da reiteração frequente de rebeliões e massacres em unidades prisionais no país. A partir de 2010, o monitoramento eletrônico seria inserido no rol de medidas penais extracárcere, alimentando a esperança redundante de que os problemas produzidos pelo sistema penal seriam solucionados no interior do próprio sistema penal.

A contribuição do monitoramento eletrônico à expansão da malha punitiva observada no Maranhão e, de modo geral, em todo o Brasil, acompanha as tendências verificadas internacionalmente. Nos Estados Unidos, efeitos semelhantes são observados por Kilgore (2012)KILGORE, James. “Progress or More of the Same?: Electronic Monitoring and Parole in the Age of Mass Incarceration”. Critical Criminology, vol. 21, n. 1, pp. 123-139, 2012., Lilly e Nellis (2013)LILLY, Robert; NELLIS, Mike. “The Limits of Techno-Utopianism: Electronic Monitoring in the United States”. In: NELLIS, Mike; BEYENS, Kristel; KAMINSKI, Dan (orgs). Electronically Monitored Punishment: International and Critical Perspectives. New York: Routledge, 2013, pp. 128-149. e Silverman (2021)SILVERMAN, Stephanie. “Down that Wrong Road: US Immigration Detention Electronic Monitoring ‘Alternatives’ as Net-Widening”. SSRN, 2021. DOI: 10.2139/ssrn.4136578.
https://doi.org/10.2139/ssrn.4136578....
. Na Europa Ocidental, a ampliação das redes de controle penal promovida pelo rastreamento de presos é sinalizada por Kaluszynski e Froment (2003)KALUSZYNSKI, Martine; FROMENT, Jean-Charles. Sécurité et nouvelles technologies: Evaluation comparée dans cinq pays européens (Belgique, Espagne, France, Grande- Bretagne, Pays-Bas) des dispositifs de réglementation de l’assignation à domicile sous surveillance électronique. Paris: HAL, 2003., Paterson (2013)PATERSON, Craig. “Commercial Crime Control and the Development of Electronically Monitored Punishment: a Global Perspective”. In. NELLIS, Mike; BEYENS, Kristel and KAMINSKI, Dan (orgs). Electronically Monitored Punishment: International and Critical Perspectives. New York: Routledge, 2013, pp. 211-227., Aebi, Delgrande e Marguet (2015)AEBI, Marcelo; DELGRANDE, Natalia; MARGUET, Yann. “Have Community Sanctions and Measures Widened the Net of the European Criminal Justice Systems?”. Punishment and Society, vol. 17, n. 5, pp. 575-597, 2015. e Dünkel (2019)DÜNKEL, Frieder. “Electronic Monitoring in Europe: A Panacea for Reforming Criminal Sanctions Systems?: A Critical Review”. Kriminologijos Studijos, vol. 6, pp. 58-77, 2019.. Nos mais diversos contextos em que foi implementado, o dispositivo de monitoramento atua como vetor tecnológico de ampliação do sistema de justiça criminal, sobrepondo-se ao cárcere como técnica punitiva suplementar. Nesse sentido, o controle eletrônico vincula-se a processos político-penais que atravessam fronteiras.

Entretanto, as condições deletérias do sistema penitenciário brasileiro e suas conexões com a recente intensificação da ocorrência de mortes violentas concentradas no Nordeste do país atribuem características próprias ao programa político maranhense de monitoração eletrônica. Um conjunto de especificidades há de ser considerado na análise dos processos de implementação do dispositivo de monitoramento nas diversas conjunturas em que aporta, levando-se em conta as diferentes relações estabelecidas entre seus aspectos políticos locais e globais, seus contextos sociais de instalação e suas condições de emergência histórica.

Antes de serem compreendidos pelas autoridades penitenciárias como expressão do esgotamento da estratégia punitiva em sua tarefa anunciada de contenção da violência e do crime, os massacres eclodidos em Pedrinhas seriam tomados como pretexto para novos empreendimentos voltados à expansão do parque carcerário e do aparelhamento repressivo do Estado, em parceria com o capital privado (Teixeira, 2014TEIXEIRA, César. “A explosão da violência: as mortes matadas no Maranhão”. Catirina, n. 0, pp. 19-31, 2014.). Ainda assim, inspeções realizadas entre 2014 e 2016 por organizações não governamentais constataram a manutenção da superlotação e de práticas de tortura nas unidades do complexo. Conforme relatório elaborado em conjunto pela Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH), Ordem dos Advogados do Brasil, Maranhão (OAB-MA), Conectas Direitos Humanos e Justiça Global (VIOLAÇÃO…, 2016VIOLAÇÃO continuada: dois anos da crise em Pedrinhas.,Conectas, 27 fev. 2016. Disponível em: https://www.conectas.org/noticias/violacao-continuada-dois-anos-da-crise-em-pedrinhas. Acesso em: 11 set. 2023.
https://www.conectas.org/noticias/violac...
), os agentes terceirizados, munidos de aparatos fornecidos pela indústria da segurança, reproduzem o cotidiano de violência perpetrado pelas forças estatais.

Pedrinhas $A é como Wagner Cabral da Costa (2014COSTA, W. C. “Pedrinhas $A: A violência do negócio e o negócio da violência”. Catirina, n. 0, p. 9-53, dez. 2014., p. 45) refere-se à capitalização da política penitenciária no Maranhão, “cujo orçamento tem destinado somas crescentes ao setor, sem qualquer vinculação com resultados práticos”. A contratação de equipamentos e serviços privados de segurança, a terceirização da gestão prisional e a instalação dos sistemas de monitoração eletrônica compõem o conjunto de medidas adotadas pelo governo maranhense e pelo Executivo federal diante da situação carcerária escancarada por Pedrinhas.

Em um plano analítico mais abrangente, os resultados do investimento expressivo no aparato tecnológico oferecido pelo mercado do controle do crime sinalizam a confluência entre as novas técnicas de segurança e punição e a perpetuação de velhas dinâmicas de violência carcerária e confinamento punitivo. A conhecida alegoria, evocada por Franciso de Oliveira (2003)OLIVEIRA, Francisco. Crítica à razão dualista, ou O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003., da sociedade brasileira à semelhança de um ornitorrinco - animal improvável no interior de uma razão dualista que opõe precariedade e desenvolvimento como dois polos estanques na escala social evolutiva - há de ser revisitada nas análises sobre a atual configuração política assumida pelos sistemas penais país afora. Espécie de mosaico vivo composto pela combinação esdrúxula de desenvolvimento tecnológico e manutenção de instituições arcaicas, o sistema penitenciário brasileiro aparece como expressão icônica de um ornitorrinco penal: entidade que não é isto nem aquilo, reunindo em um mesmo conjunto de agências penais a promessa humanitária da supervisão tecnocientífica e a perpetuação da tortura em prisões superlotadas.

Em seu ensaio de sociologia econômica, Oliveira (2003)OLIVEIRA, Francisco. Crítica à razão dualista, ou O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003. encontra no ornitorrinco a imagem ilustrativa do capitalismo brasileiro periférico, no qual setores altamente desenvolvidos são combinados e sustentados pela miséria extrema e pela mais aguda disparidade social. Contrapondo-se às teorias do subdesenvolvimento em voga na sociologia brasileira dos anos 1990 e 2000, que viam na economia de subsistência e no inchaço marginal urbano os fatores impeditivos para a expansão capitalista, o sociólogo identifica o acoplamento entre precariedade e desenvolvimento como aspecto fundamental da sociedade brasileira na virada do século, quando o avanço industrial e produtivo se alimenta do atraso socioeconômico e o subdesenvolvimento se torna, a um só tempo, produto central e mola propulsora da evolução do capital na pós-colônia. Nos domínios da ciência e da tecnologia, Oliveira faz menção à elaboração de bens tecnológicos replicados de modelos desenvolvidos no norte global e instalados em cenários avassalados pela escassez de bens materiais e serviços sociais elementares. A própria gênese de sua noção de “ornitorrinco” provém dos estudos de ciência, tecnologia e sociedade (ECTS), mais especificamente das pesquisas sobre desenvolvimento tecnológico, dependência econômica e degradação social no Brasil contemporâneo (OLIVEIRA, 2003OLIVEIRA, Francisco. Crítica à razão dualista, ou O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2003.).

Se entrecruzarmos os ECTS à sociologia brasileira da punição, o diagnóstico de Chico de Oliveira nos remeteria, ainda, aos insights analíticos de Andrei Koerner (2001)KOERNER, A. “O impossível ‘panóptico tropical-escravista’: Práticas prisionais, política e sociedade no Brasil do século XIX”. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 35, p. 211-221, 2001. em seu Impossível panóptico tropical-escravista. Valendo-se de pesquisa sócio-histórica, Koerner examina a estruturação do sistema prisional brasileiro ao longo do século XIX, demonstrando que, longe de substituir o regime de suplícios praticado pela monarquia brasileira e por seus donos de escravos, a importação de modelos penitenciários europeus, alicerçada em discursos de modernização do sistema penal brasileiro, não fez muito mais do que inscrever a chibata e os açoites no interior das muralhas das casas de correção. Os procedimentos escravagistas de punição e os projetos penitenciários modernos se articulavam e se adaptavam uns aos outros.

Hoje, às práticas de encarceramento e aos massacres prisionais se justapõem as novas tecnologias de controle eletrônico a céu aberto, alimentando a hipertrofia de um sistema penal multifacetado. Se há uma característica adicional do animal ornitorrinco a ser considerada na análise das mutações contemporâneas do sistema penal brasileiro, ela consiste em suas propriedades venenosas, remarcadas na epígrafe enciclopédica que antecede o ensaio de Chico de Oliveira.

Considerações finais

Deve-se sublinhar que este artigo se concentra no período compreendido pela fase de implementação e consolidação inicial da política maranhense de controle eletrônico penal, entre 2014 e 2018. Desse modo, o conjunto de dados empíricos e proposições analíticas aqui apresentados podem ser tomados como um suporte para novas pesquisas dedicadas aos desdobramentos contemporâneos dessa política no Maranhão e às atuais configurações assumidas pelo sistema penal do estado.

Ademais, este texto se insere em uma agenda de pesquisas dedicada aos efeitos, fundamentos e características de novas tecnologias punitivas no contexto brasileiro. As sinalizações analíticas aqui apresentadas tomam a experiência maranhense como um dos possíveis pontos de observação e compreensão das transformações pelas quais atravessa o sistema penal brasileiro, cada vez mais paramentado por artefatos tecnológicos de segurança, punição, comunicação e gestão informacional, sem abandonar seu repertório de técnicas de violência crua. Assim, a observação do caso maranhense apresenta uma série de ressonâncias com dinâmicas correlatas verificadas em outros estados brasileiros, como São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, onde aparatos tecnológicos de punição se conectam aos cenários de violência institucional e conflitos urbanos, impactando e sendo impactados por essas dinâmicas (CAMPELLO, 2021CAMPELLO, Ricardo Urquizas. Curto-circuito: monitoramento eletrônico e tecnopunição no Brasil. Lisboa: Etnográfica, 2021.).

Posicionado em relação a produções internacionais dedicadas às configurações assumidas pela penalidade contemporânea, os direcionamentos analíticos remarcados neste texto sugerem determinadas problematizações às dimensões universais pretendidas não raras vezes pelo pensamento social e filosófico oriundo do norte global. Em primeiro lugar, quando confrontada a pesquisas etnográficas ou documentais, como aquela que aqui foi exposta, a hipótese deleuziana de que as sociedades de controle estariam “substituindo” as sociedades disciplinares (DELEUZE, 1992DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992.) aparenta-se ancorada em uma formulação demasiado esquemática e pouco detida nos modos de acoplamento entre tecnologias de poder de diferentes naturezas. Em contextos como o brasileiro, conforme assinalado em demais pesquisas debruçadas sobre o tema (CAMPELLO; MINHOTO, 2023CAMPELLO, Ricardo Urquizas; MINHOTO, Laurindo Dias. “Warfare Tactics and Techno-Managerial Solutions: The Public-Private Management of The Brazilian Prison Crisis”. Revista Dilemas, v. 16, n. 1, pp. 49-64, 2023.; MINHOTO, 2020MINHOTO, Laurindo Dias. “Encarceramento em massa, racketeering de Estado e racionalidade neoliberal”. Lua Nova, n. 109, pp. 161-191, 2020.), dispositivos de controle, técnicas disciplinares e exercícios de soberania demonstram-se mais imbricados do que sugerem as marcações de Deleuze (1992DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: Editora 34, 1992., 2014DELEUZE, Gilles. El poder: Curso sobre Foucault II. Buenos Aires: Cactus, 2014.).

Em segundo lugar, de acordo com a perspectiva aqui mobilizada, o diagnóstico elaborado em torno da penalidade neoliberal, formulado por Louïc Wacquant (2001WACQUANT, Loïc. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001., 2003WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos: A onda punitiva. Rio de Janeiro: Revan, 2003.) e desdobrado por Bernard Harcourt (2009)HARCOURT, B. “Neoliberal Penality: The Birth of Natural Order, The Illusion of Free Markets”. APSA 2009 Toronto Meeting Paper, p. 1-61, 2009., entre outros analistas, atribuiria uma ênfase excessiva nos movimentos de ruptura técnica e epistêmica experimentados ao longo das últimas décadas na esfera penal nas sociedades ocidentais. Para esses autores, a última passagem de séculos teria sido marcada por uma mudança abrupta nos modos de concepção e exercício do poder punitivo, inaugurada nos Estados Unidos e irradiada para diversas democracias capitalistas, entre elas, o Brasil (WACQUANT, 2003WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos: A onda punitiva. Rio de Janeiro: Revan, 2003.). Contudo, a análise do sistema penal brasileiro evidencia determinadas continuidades histórico-políticas nas práticas penitenciárias que complexificam a ideia de uma reorientação súbita, expressa nas teorizações desenvolvidas em torno da “onda punitiva neoliberal” (CAMPELLO; MINHOTO, 2023CAMPELLO, Ricardo Urquizas; MINHOTO, Laurindo Dias. “Warfare Tactics and Techno-Managerial Solutions: The Public-Private Management of The Brazilian Prison Crisis”. Revista Dilemas, v. 16, n. 1, pp. 49-64, 2023.; GODOI, 2017GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017.; MINHOTO, 2020MINHOTO, Laurindo Dias. “Encarceramento em massa, racketeering de Estado e racionalidade neoliberal”. Lua Nova, n. 109, pp. 161-191, 2020.).

Finalmente, ainda no âmbito das interpretações sociológicas elaboradas a partir do norte global a respeito dos sistemas penais, David Garland (2008)GARLAND, David. A cultura do controle: crime e ordem social na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Revan, 2008. destaca a emergência de técnicas e racionalidades que combinam, de maneira contraditória, propósitos punitivos, de um lado, e gerencialistas, de outro. Na interface com perspectivas analíticas que vêm sendo desenvolvidas no Brasil a esse respeito (CAMPELLO; MINHOTO, 2023CAMPELLO, Ricardo Urquizas; MINHOTO, Laurindo Dias. “Warfare Tactics and Techno-Managerial Solutions: The Public-Private Management of The Brazilian Prison Crisis”. Revista Dilemas, v. 16, n. 1, pp. 49-64, 2023.; GODOI, 2017GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: as prisões em São Paulo na virada dos tempos. São Paulo: Boitempo, 2017.; MINHOTO, 2020MINHOTO, Laurindo Dias. “Encarceramento em massa, racketeering de Estado e racionalidade neoliberal”. Lua Nova, n. 109, pp. 161-191, 2020.), argumenta-se aqui que o caso brasileiro permite um deslocamento em relação a esses dualismos, enfatizando processos de justaposição e fortalecimento mútuo entre essas diferentes lógicas que fundamentam as práticas penais contemporâneas.

Nesse sentido, investigar o processo de implementação do monitoramento eletrônico no Brasil é detectar a coexistência de práticas heterogêneas que fazem convergir, em um mesmo território, a estrutura degradada e superlotada de suas antigas penitenciárias agrícolas, a reposição sórdida e ostensiva dos corpos esquartejados no interior do sistema prisional e a instalação técnica e modernizadora dos aparelhos de supervisão telemática, cujos efeitos impulsionam a expansão irrefreada da maquinaria punitiva. Observar o cenário social e político da introdução de sistemas de controle eletrônico no sistema penal brasileiro é situar o cruzamento entre a implacável nacionalização dos conflitos faccionais e a incorporação de mecanismos georreferenciados de localização de presos e presas, oriundos das grandes potências do capitalismo global e alimentados pela indústria brasileira da punição; é considerar a confluência oportuna entre os limites programáticos da penalidade neoliberal - centrada no tratamento punitivo da miséria e na absorção penal e penitenciária da população negra e da marginalidade urbana - e o redimensionamento das “mortes matadas”, inauguradas pelas chacinas rurais e hoje amplificadas pelos massacres carcerários; é verificar, portanto, a reposição de técnicas de exposição à morte, imbricadas à promissora instalação de programas penais de alta tecnologia, constituindo um insólito ponto de convergência entre o novo e o rudimentar, o atual e o retrógrado, o imundo e o asséptico, em torno do qual haveria menos contradição do que ambiguidade. Mais continuidade do que ruptura.

Notas

  • 1
    Nos termos de Michel Foucault (2009FOUCAULT, Michel. “O sujeito e o poder”. In: DREYFUS Hubert; RABINOW, Paul. (orgs). Michel Foucault: Uma trajetória filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009, pp. 231-249., p. 244), governar é “estruturar o eventual campo de ação dos outros”.
  • 2
    O Complexo Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís, ganhou visibilidade a partir de 2010, quando dezoito presos foram mortos em uma rebelião eclodida em decorrência da superlotação, da má qualidade da comida e da pouca quantidade de água fornecida aos internos. No ano seguinte, uma nova rebelião resultou na decapitação de três presos, além de mutilações. Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) documentou em relatório a morte de mais de sessenta presos no complexo (DECAPITAÇÕES…, [20--]DECAPITAÇÕES no Maranhão não são novidade.,Última Instância, [20--]. Disponível em: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/68412/decapitacoes+no+maranhao+nao+sao+novidade+diz+oab.shtml.
    http://ultimainstancia.uol.com.br/conteu...
    ; SCOLESE, 2014SCOLESE, Eduardo. “Presos filmam decapitados em penitenciária no Maranhão; veja vídeo”. Folha de S.Paulo, 7 jan. 2014, Cotidiano. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2014/01/1394160-presos-filmam-decapitados-em-penitenciaria-no-maranhao-veja-video.shtml. Acesso em: 11 set. 2023.
    https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
    ; SOBE…, 2023SOBE para 18 total de presos mortos em rebelião no MA.,G1, 9 nov. 2010. Disponível em: https://g1.globo.com/brasil/noticia/2010/11/sobe-para-18-total-de-presos-mortos-em-rebeliaono-ma.html. Acesso em: 11 set. 2023.
    https://g1.globo.com/brasil/noticia/2010...
    ).
  • 3
    Em novembro de 2015, em entrevista coletiva à imprensa nacional, o então ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, definiu o sistema carcerário brasileiro como “masmorras medievais”. A declaração proferida pelo principal gestor do sistema de justiça causou um considerável alvoroço nos meios de comunicação e fóruns acadêmicos.
  • 4
    SPACECOM. Sistema SAC24 - Dispositivo de Peça Única. Disponível em: http://spacecom.com.br/?s=mon&ss=1p. Acesso em: 18 fev. 2019.
  • 5
    SPACECOM. Sistema SAC24 - Software de Monitoramento SAC 24. Disponível em: http://spacecom.com.br/?s=mon&ss=sac24. Acesso em: 18 fev. 2019.
  • 6
    SPACECOM. Sistema SAC24 - Software de Monitoramento SAC 24. Disponível em: http://spacecom.com.br/?s=mon&ss=sac24. Acesso em: 18 fev. 2019.
  • 7
    Registro produzido a partir de pesquisa de campo, realizada em 20 de outubro de 2016.
  • 8
    É de se registrar a ausência de telefones públicos no sistema prisional brasileiro, privando-se os presos e as presas de qual-quer contato com seus círculos de afetividade, como bem ressaltado pela advogada e ativista Raquel Lima, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania: Celulares são instrumentos de comunicação e, na prisão, consistem no único meio para que filhos peçam o auxílio de suas mães quando estão doentes ou para que mães acompanhem o desempenho escolar de seus filhos” (LIMA, 2015LIMA, Raquel. Nota “ITTC: Celular na cavidade vaginal para entrada em presídio não é crime, diz Juíza ao rejeitar denúncia oferecida pelo Ministério Público”. ITTC, 30 set. 2015. Disponível em: https://ittc.org.br/celular-na-cavidade-vaginal-para-entrada-em-presidio-nao-e-crimediz-juiza-ao-rejeitar-denuncia-oferecida-pelo-ministerio-publico/. Acesso em: 11 set. 2023.
    https://ittc.org.br/celular-na-cavidade-...
    ). Além disso, ao contrário do que a imprensa e as próprias autoridades costumam propagar, a quantidade de celulares introduzidos nas unidades prisionais por meio de visitas e familiares de presos em um estado como o de São Paulo é ínfima: 0,02% (INFORMATIVO REDE JUSTIÇA CRIMINAL, 2015INFORMATIVO REDE JUSTIÇA CRIMINAL.,[S. l.]: Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), jul. 2015. Disponível em: https://redejusticacriminal.files.wordpress.com/2013/07/rede-boletimrevista-vexatoria-2015-web.pdf. Acesso em: 11 set. 2023.
    https://redejusticacriminal.files.wordpr...
    ).
  • 9
  • 10
    Dados da SEAP, obtidos a partir de pesquisa de campo realizada em 20 de outubro de 2016 na Central de Monitoramento Eletrônico do Maranhão.
  • 11
    A estruturação de uma política nacional de alternativas penais foi encabeçada ao longo dos anos 2000 e 2010 pela Coordenação Geral de Penas e Medidas Alternativas do Departamento Penitenciário Nacional (CGPMA-DEPEN) e pela Comissão Nacional de Apoio às Penas e Medidas Alternativas (CONAPA). Investimentos políticos em penas alternativas foram também previstos pelo Programa Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH 3), lançado em 2009 pela Presidência da República, com a cooperação de uma série de organizações da sociedade civil.
  • 12
    Além de Pedrinhas, a década de 2010 vivenciou massacres prisionais em presídios da Região Metropolitana de Fortaleza; na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista; na Penitenciária Ênio dos Santos Pinheiro, em Porto Velho; no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus; no Presídio de Alcaçuz, próximo a Natal e no Centro de Recuperação Regional de Altamira, Pará.

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2022
  • Aceito
    25 Abr 2023
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