Acessibilidade / Reportar erro

Quando a segurança é a prioridade: Práticas de gestão em instituições híbridas de interface com a prisão

When security is the priority: Management practices in hybrid institutions interfacing with prison

Resumos

Ao colocar em diálogo duas pesquisas distintas, uma realizada em um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP) e outra em centros de internação para adolescentes considerados “em conflito com a lei”, este artigo tem como objetivo analisar a centralidade de processos securitários nessas instituições localizadas no estado do Rio de Janeiro. As aqui nomeadas “instituições híbridas de interface com a prisão” projetam-se legalmente como organizações não punitivas, mas, desde sua concepção, vinculam a privação de liberdade com outras instituições não prisionais, e isso permite punir indivíduos tidos legalmente como inimputáveis ou semi-imputáveis.

Palavras-chave:
HCTP; medida socioeducativa de internação; hibridez; punição; segurança


By dialoguing two distinct research studies, one conducted in a hospital of custody and psychiatric treatment (HCTP) and another in detention centers for adolescents considered “in conflict with the law”, this article aims to analyze the centrality of security processes in in these institutions located in the state of Rio de Janeiro. The, here named, “hybrid institutions interfacing with prison” are legally designed as non-punitive organizations, but, since their conception, they link the deprivation of liberty with other non-prison institutions, and this allows them to punish individuals considered legally unimputable or semi-imputable.

Keywords:
hospital of custody and psychiatric treatment; socio-educational hospitalization measure; hybridity; punishment; security


Considerações iniciais

Este artigo discute a predominância de mecanismos securitários observada em diferentes instituições privativas de liberdade localizadas no estado do Rio de Janeiro. Para tanto, lança mão da teoria organizacional - em particular daquela que se refere à hibridez presente em organizações sociais que perseguem objetivos concorrentes e contraditórios -, para analisar os resultados obtidos em duas pesquisas distintas realizadas em instituições nas quais a reclusão compulsória se impõe. São elas: um centro de internação para adolescentes considerados em conflito com a lei e um hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (HCTP). O intuito é compreender: como essas diferentes organizações operam, na prática, com lógicas tidas como conflitantes associadas à busca de objetivos recorrentemente vistos como incompatíveis? Como tais lógicas aparecem, rivalizam-se e se reproduzem nas práticas de diferentes profissionais? Como essas organizações se relacionam com o contexto social e institucional mais amplo e qual o impacto que este exerce sobre elas?

A abordagem organizacional que enfatiza o caráter cerimonial das regras formais das organizações sociais tem sido profícua para a análise que realizamos das organizações que compõem o sistema de justiça criminal e da justiça juvenil (FRANCO, 2017FRANCO, Túlio. Além da medida: Uma etnografia do “tratamento” previsto na medida de segurança em um manicômio judiciário do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.; VARGAS, 2014VARGAS, J. D. Fluxo do sistema de justiça criminal. In: LIMA, Renato Sérgio de; RATTON, José Luiz Ratton; AZEVEDO, Rodrigo (org.). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014, pp. 411-426.; VARGAS; PLATERO, 2017VARGAS, J. D.; PLATERO, Klarissa. Homicídio, suicídio, morte acidental…: O que foi que aconteceu? Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 10, n 3, pp. 621-641, 2017.; VARGAS; RODRIGUES, 2011VARGAS, J. D.; RODRIGUES, J.N.L. Controle e cerimônia: O inquérito policial em um sistema de justiça criminal frouxamente ajustado. Sociedade e Estado (UnB. Impresso), vol. 26, pp. 77-96, 2011.; VINUTO, 2020VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: O trabalho de agentes socioeducativos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Autografia, 2020.; VINUTO; FRANCO, 2019VINUTO, Juliana; FRANCO, Túlio Maia. “Porque isso aqui, queira ou não, é uma cadeia”: As instituições híbridas de interface com a prisão. Mediações, vol. 24 n. 2, pp. 265-277, maio/ago. 2019.; VINUTO; VARGAS; GONÇALVES, 2021VINUTO, Juliana; VARGAS, Joana Domingues; GONÇALVES, Hebe Signorini. “Falta de fechamento”: Conflitos profissionais e centralidade dos procedimentos de segurança no sistema socioeducativo do Rio de Janeiro. Sociedade e Estado, vol. 36, pp. 1037-1058, 2021.). Dessa abordagem, destacamos a assertiva sobre como são solucionados os conflitos entre as regras formais e as atividades de fato realizadas (MEYER; ROWAN, 1977MEYER, John W.; ROWAN, Brian. Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony. American Journal of Sociology, vol. 83, n. 2, pp. 340-363, 1977.). Sua aplicação ao caso das instituições ora em estudo e que se estende para além do campo penal nos leva a pressupor que a solução tem sido privilegiar a adoção de diversas formas de interdição de usufruto da liberdade às pessoas nelas ingressantes, mesmo quando há alternativas disponíveis. E esse recurso recorrente à interdição da liberdade se legitima e só se torna possível graças à incorporação de discursos oficiais ressaltando as dimensões da ressocialização ou do tratamento psiquiátrico.

Mais recentemente, esse tipo de abordagem vem sendo enriquecida com avanços na teoria institucional das organizações que discutem a situação de hibridez das organizações sociais que incorporam novos objetivos e lógicas ou que se acoplam a outra estrutura (MAIR; RATHERT, 2020MAIR, Johanna; RATHERT, Nikolas. Let’s Talk about Problems: Advancing Research on Hybrid Organizing, Social Enterprises, and Institutional Context. Research in the Sociology of Organizations, vol. 69, pp. 189-208, 2020.; THORNTON; OCASIO, 2008THORNTON, Patricia H.; OCASIO, William. Institutional Logics. The Sage Handbook of Organizational Institutionalism, vol. 840, n. 2008. pp. 99-128, 2008.). Esses estudos vão além da perspectiva macroestrutural de Meyer e Rowan (1977)MEYER, John W.; ROWAN, Brian. Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony. American Journal of Sociology, vol. 83, n. 2, pp. 340-363, 1977. ao estabelecerem vínculos entre instituições e ações e ao introduzir o conceito de lógica institucional que expressaria o conteúdo e o significado das instituições. Trata-se agora de focar nos efeitos de lógicas institucionais diferenciadas sobre indivíduos e organizações em uma variedade de contextos. Dessa perspectiva, qualquer contexto é visto como potencialmente influenciado por lógicas conflitantes de diferentes setores sociais (THORNTON; OCASIO, 2008THORNTON, Patricia H.; OCASIO, William. Institutional Logics. The Sage Handbook of Organizational Institutionalism, vol. 840, n. 2008. pp. 99-128, 2008.).1 1 Por exemplo, no campo da justiça criminal as lógicas da retribuição, da punição, do encarceramento concorreriam com as do tratamento, da educação, da prevenção, da negociação, da restauração. Organizações sociais buscam responder a desafios societários e por isso tendem a ser híbridas. Por articular objetivos concorrentes, em geral, sociais e econômicos, as análises feitas sobre elas buscam privilegiar esse paradoxo que leva, dentre outras coisas, à priorização de um objetivo em detrimento de outro (MAIR; RATHER, 2020).

Em trabalho anterior, Vinuto e Franco (2019)VINUTO, Juliana; FRANCO, Túlio Maia. “Porque isso aqui, queira ou não, é uma cadeia”: As instituições híbridas de interface com a prisão. Mediações, vol. 24 n. 2, pp. 265-277, maio/ago. 2019. apresentam o que nomearam como “instituições híbridas de interface com a prisão”, que desde sua concepção articulam o cárcere com outras instituições não prisionais, como a escola (centros de internação para adolescentes nomeados pela justiça como “em conflito com a lei”) e o hospital (hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, chamados de HCTP, ou manicômio judiciário, para indivíduos com doença ou perturbação mental que cometeram crimes). Em ambos os casos, são instituições não punitivas segundo as leis brasileiras, no entanto, na prática cotidiana, elas vêm se apresentando como instituições privativas de liberdade em que as dimensões de educação e tratamento operam cerimonialmente (MEYER; ROWAN, 1977MEYER, John W.; ROWAN, Brian. Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony. American Journal of Sociology, vol. 83, n. 2, pp. 340-363, 1977.), orientando-se prioritariamente por uma lógica securitária que reforça sua característica carcerária.

Os autores nomeiam esse tipo de organização de “híbrida”, porque almeja a ressocialização de um indivíduo legalmente inimputável ou semi-imputável, mas para isso se utiliza de um ambiente carcerário. Nesse contexto, os profissionais que nelas atuam se veem em situação de dubiedade e, como já ressaltamos, priorizam procedimentos securitários em detrimento dos demais objetivos legais. Isso significa que a configuração organizacional híbrida dessas instituições permite, ainda que indiretamente, a punição de indivíduos legalmente inimputáveis ou semi-imputáveis, já que educação e tratamento psiquiátrico são vistos como prescindíveis, tendo em vista o objetivo latente de controlar os internos.2 2 Diferente do atual, nesse primeiro artigo houve um diálogo teórico mais direto com Erving Goffman (2013) e Michel Foucault (2010), a fim de levantar discussões anteriores que ajudariam a pensar o que Vinuto e Franco (2019) chamaram de prisões-escolas e prisões-hospitais.

Em continuidade a tal debate, pretende-se aqui um novo diálogo sobre essas duas instituições, nas quais o imperativo securitário se apresenta, como veremos com motivações diversas a depender do caso, mas que é visto como autoevidente pelos profissionais que aí trabalham. Se no trabalho anterior (VINUTO; FRANCO, 2019VINUTO, Juliana; FRANCO, Túlio Maia. “Porque isso aqui, queira ou não, é uma cadeia”: As instituições híbridas de interface com a prisão. Mediações, vol. 24 n. 2, pp. 265-277, maio/ago. 2019.) o argumento principal foi o de que a lógica carcerária é constituinte de instituições híbridas de interface com a prisão, agora analisamos essa lógica considerando o contexto em que ela atua, se há o compartilhamento de uma mesma racionalidade (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.) e se prevalece a equivalência de práticas profissionais.

Nesse contexto, veremos que há uma equivalência de práticas orientada pelo que chamamos de imperativo securitário, isto é, uma compreensão socialmente partilhada de que a predominância de mecanismos securitários é incontornável, uma imposição difusa decorrente da própria jornada de trabalho vivenciada pelos profissionais que atuam em instituições privativas de liberdade. Tal imperativo securitário tem uma lógica autoevidente que justifica de antemão as práticas que centralizam procedimentos de segurança. É como se não houvesse alternativa possível, o que revela que o imperativo securitário é propriamente um paradigma, uma norma modelar de atuação tida como indubitável. Nesse sentido, questionamo-nos sobre como os profissionais dessas instituições tomam suas decisões cotidianas coagidos pelo imperativo da segurança durante sua jornada de trabalho, o que ocorre em prejuízo das outras finalidades legalmente definidas e socialmente desejadas, tais como tratamento e educação. Ao final, demonstraremos como formas de gestão de incapacidades são produzidas em espaços de hibridez organizacional. Chamaremos a atenção para a ambiguidade e a desigualdade no tratamento conformadas às dinâmicas de reprodução de desigualdades e vulnerabilidades de determinados grupos e à escassez que impera nesses ambientes, tudo isso fazendo com que os profissionais se sintam compelidos a lançarem mão do assujeitamento e do controle daqueles indivíduos sob sua guarda e a atender demandas compreendidas como mais urgentes. Haveria, portanto, efeitos de ordem estrutural e de contexto interagindo, não se reduzindo à ação pura e simples dos profissionais ou à estrutura. Ao considerá-los, novamente nos aproximamos dos desenvolvimentos mais recentes sobre organizações híbridas anteriormente abordados. Estes postulam que a análise da relação entre as organizações sociais e o seu contexto institucional é essencial porque permite esclarecer como as ideias, práticas e pressupostos que ali tomam forma afetam a resposta dada pela organização encarregada de abordar o desafio social que lhe é proposto (MAIR; RATHERT, 2020MAIR, Johanna; RATHERT, Nikolas. Let’s Talk about Problems: Advancing Research on Hybrid Organizing, Social Enterprises, and Institutional Context. Research in the Sociology of Organizations, vol. 69, pp. 189-208, 2020.).

Veremos, inicialmente, algumas especificidades nos processos de hibridização organizacionais no Brasil, partindo de um processo diverso daqueles descritos em outros contextos por Xavier de Larminat (2014)LARMINAT, Xavier de. Un Continuum pénal hybride: Discipline, contrôle, responsabilisation. Champ penal, vol. 11, 2014. na França ou por Julienne Weegels (2020)WEEGELS, Julienne. Freedom in the Face of Nicaragua’s Hybrid Carceral System. The Cambridge Journal of Anthropology, vol. 38, n. 1, pp. 52-69, 2020. na Nicarágua. Ambos discutem como egressos do sistema prisional vivem, de diferentes maneiras, a continuidade da prisão após o fim da pena. Larminat fala em “continuum penal híbrido” [continuum penal hybride] para caracterizar o modelo de execução de sentenças que se desdobra da prisão para as medidas em meio aberto, que seriam complementares à lógica carcerária. Já Weegels nomeia como “sistema carcerário híbrido” [hybrid carceral system] a junção entre Estado penal legal e sistema extralegal que coloca ex-presos em contínua vigilância após o cumprimento de suas penas. Tais trabalhos analisam mecanismos que permitem o prolongamento da lógica de privação de liberdade para além de seus muros.3 3 Muitos pesquisadores brasileiros também têm dedicado esforços para compreender as relações existentes entre dentro e fora das prisões (GODOI, 2015; PADOVANI, 2015), ainda que não mobilizem a ideia de hibridez. Como apresentaremos a seguir, a hibridez descrita aqui tem caráter organizacional, com foco em dois argumentos centrais. Em primeiro lugar, o foco recai na maneira como leis brasileiras produzem instituições que deveriam implementar sanções não punitivas, o que é impossibilitado por sua interface com o cárcere. Em segundo lugar, discutiremos como agenciamentos burocráticos produzem sobreposições de precariedades nas instituições analisadas, impondo estoques limitados de ação aos profissionais que dificilmente escapam à lógica securitária.

Como destacam Géraldine Bugnon, Arnaud Frauenfelder e Armelle Weil (2020BUGNON, Géraldine; FRAUENFELDER, Arnaud; WEIL, Armelle. Le Champ pénal et ses hybridations “en actes”: continuités et ruptures. Tsantsa, n. 25, 2020, pp. 8-18.), dentre os diversos modos que a hibridização do campo penal pode tomar,4 4 Para as autoras, há três tipos de hibridização do campo penal: 1) quando duas instituições com missões distintas são levadas a colaborar a fim de atender o mesmo público; 2) quando dois paradigmas de intervenção competem entre si em uma mesma instituição e misturam suas lógicas de ação; 3) quando o objeto de análise são as trajetórias do público submetido ao campo penal, elas próprias marcadas pela diversidade dos sistemas de atendimento (social, judicial ou terapêutico). há aquela em que um mesmo arranjo institucional se orienta por dois diferentes paradigmas de intervenção, o que acarreta combinação e competição entre suas diversas lógicas de ação. Ainda segundo as autoras, se políticas e instituições estão sujeitas a diferentes formas de combinação, também seguem lógicas estruturadas e padrões preestabelecidos que podem ser reconstruídos por meio de análise empírica, o que demanda a documentação das manifestações concretas dos processos de hibridização. Indo na mesma direção, este artigo almeja contribuir com esse debate.

Algumas cenas das pesquisas de campo

Descreveremos a seguir cenas que ilustram diferentes modulações que a privação de liberdade apresenta nas instituições citadas aqui, a fim de discutir algumas de suas dimensões comuns e, em seguida, propor aproximações e distanciamentos entre as diferentes pesquisas. Elas foram realizadas pelos dois primeiros autores deste artigo, ambos orientados pela terceira autora, e desenvolvidas no estado do Rio de Janeiro. Apesar dos desafios em articular trabalhos realizados em contextos diversos, com métodos específicos e em diferentes momentos, consideramos essa discussão com base nos desenvolvimentos da teoria organizacional, que possibilitou a análise de questões ainda pouco exploradas pela literatura existente.

A primeira pesquisa a ser descrita é resultado da dissertação de mestrado do segundo autor (FRANCO, 2017FRANCO, Túlio. Além da medida: Uma etnografia do “tratamento” previsto na medida de segurança em um manicômio judiciário do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.) que realizou uma etnografia em um HCTP, o que permitiu o acesso a atendimentos jurídicos dos pacientes internados, reuniões multissetoriais públicas (nas quais diferentes instituições estavam presentes), processos penais dos internos, cartas pessoais e documentos variados. Já a segunda pesquisa é resultado do doutorado da primeira autora (VINUTO, 2020VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: O trabalho de agentes socioeducativos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Autografia, 2020.), que realizou trabalho de campo em centros de internação para adolescentes em conflito com a lei.

Esta pesquisa foi realizada a partir da análise de entrevistas semiestruturadas com profissionais dos centros de internação, materiais produzidos pelo ou sobre o DEGASE,5 5 Departamento Geral de Ações Socioeducativas, instituição responsável pelas medidas socioeducativas de internação no estado do Rio de Janeiro. textos disponibilizados nos sites e redes sociais do DEGASE e do sindicato dos profissionais do DEGASE, e material jornalístico pertinente, como também diários de campo compartilhados pelo Projeto Parcerias.6 6 Projeto de extensão universitária do Instituto de Psicologia da UFRJ coordenado pela profa. Hebe Signorini Gonçalves, no qual os alunos participantes faziam visitas semanais ao DEGASE e debatiam as experiências uns aos outros em uma reunião semanal de supervisão a partir de diários de campo previamente compartilhados.

A apresentação das cenas se orientará pela proximidade de cada instituição em sua interface com o cárcere: primeiramente discutiremos o HCTP, em que os internados são julgados pelo sistema de justiça criminal, mas sua sanção deve ser realizada em um hospital específico. Em seguida, analisaremos um centro de internação que recebe adolescentes julgados em um sistema de justiça específico - o juvenil - e é definido por lei como “estabelecimento educacional”.

“Tem um ali que a gente se sensibiliza mais e outros não”: Entre a custódia e o tratamento, o caso dos HCTP

É encaminhado para um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) aquele indivíduo que, seja na fase de execução de uma sentença penal, seja como preso provisório, foi declarado “inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato [que cometeu] ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (BRASIL, 1940BRASIL. Código Penal. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF: [s. n.], 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em: 28 abr. 2017.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec...
, art. 26) em razão de transtorno mental. Nesses casos é declarada juridicamente a inimputabilidade ou semi-imputabilidade do acusado, que poderá ter sua pena substituída pelo cumprimento da chamada “medida de segurança”.7 7 Há também os casos em que o paciente responde como “são” e em outros como “insano”, em que há a possibilidade de conversão da medida de segurança em “pena comum” e vice-versa. Esse deslocamento implica a substituição da pena privativa de liberdade cumprida na “prisão comum” pelo tratamento em âmbito ambulatorial ou a internação em um HCTP. Durante a medida de segurança em um HCTP, o paciente8 8 Nesta seção as categorias, “paciente”, “internado”, “preso”, “hospital”, “prisão” ou “cárcere” são intercambiáveis e tal equivalência semântica pode ser lida como efeito da hibridez. Muito embora as pessoas institucionalizadas no HCTP fossem tratadas pela equipe clínica como “pacientes” e pela equipe jurídica como “assistidos”, elas mesmas não tinham dúvidas de que estavam presas. Dessa maneira, optou-se analiticamente por colocar no texto essa proliferação de categorias que se aproxima das maneiras pelas quais os próprios atores sociais concebem a instituição e seus paradoxos. deve se submeter periodicamente aos chamados “exames de cessação de periculosidade”, nos quais o perito-psiquiatra emite um parecer dizendo se o periciado ainda representa “perigo para si ou para outrem” e, apenas em caso negativo, poderá ser desinternado. A equipe clínica deve elaborar um projeto terapêutico para cada um dos internados, em que se estabelecerá as medidas necessárias ao tratamento do paciente para que ele receba o benefício da Saída Terapêutica. Nesse caso, ele passa a cumprir parte do tratamento na rede de saúde mental, fora do HCTP, até que se efetive sua desinternação.

No projeto terapêutico se confundem os encaminhamentos clínicos e jurídicos. É nele que o conteúdo clínico deve manifestar sua função jurídica: prestar contas ao juiz da vara de execuções penais do progresso clínico do paciente e dos encaminhamentos que a equipe terapêutica definiu para o interno em direção à sua “inserção social”. Os projetos terapêuticos são normalmente apresentados nos pareceres da equipe de saúde que, por sua vez, são juntados ao processo penal do paciente. Apesar de a equipe clínica ter autonomia para produzir os documentos, muitos dos encaminhamentos expressos nesses textos são resultados de negociações com a Defensoria feitas no atendimento conjunto aos internos. Nesses atendimentos, tanto a equipe jurídica quanto a clínica precisam encontrar uma linguagem em comum para a elaboração desses textos jurídico-clínicos. Nesse aspecto, o projeto terapêutico é fundamental para a obtenção de benefícios por parte do paciente, sua elaboração tem o objetivo de promover a adesão do paciente ao tratamento psiquiátrico, assim como a sua garantia depois da saída do paciente do HCTP, por meio de sua vinculação à rede de saúde mental do município que possui residência, especialmente ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) de sua região, e à sua família ou responsáveis (FRANCO, 2020FRANCO, Túlio. Colocar o desejo na forma da lei: A tradução jurídica e o intraduzível da loucura em um manicômio judiciário. Cadernos de Campo, São Paulo, vol. 29, n. 1, pp. 53-73, 2020.).

Dadas essas características, o tempo em que um interno passa na instituição pode ser maior do que se ele fosse condenado pelo mesmo crime na prisão comum. Aquele que é declarado louco não tem as mesmas garantias do “preso comum”, já que a decisão de sua desinternação não é determinada pelo rito da execução penal. No HCTP, a manutenção do internado no hospital-prisão passa necessariamente pela decisão psiquiátrica que pode ser ou não confirmada pelo juiz (PERES; NERY FILHO, 2002PERES, Maria Fernanda T.; NERY FILHO, Antônio. A doença mental no direito penal brasileiro: Inimputabilidade, irresponsabilidade, periculosidade e medida de segurança. História, Ciência, Saúde: Manguinhos, vol. 9, n. 2, pp. 335-355, 2002.).

Há uma hibridez clara entre os campos da saúde mental e da justiça criminal nesses casos, pois seja no seu cumprimento ou no período probatório, o paciente desinternado é obrigado a realizar seu tratamento na rede de saúde mental da região do município responsável por seus cuidados. Também dentro do manicômio judiciário há uma relação complexa entre práticas securitárias e terapêuticas. Como apontou o antropólogo Sérgio Carrara (1998CARRARA, Sérgio. Crime e loucura: O aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro: EdUERJ; São Paulo: Edusp, 1998., p. 35): “para os internos, as opções não eram lá muito boas: ou suas ações eram interpretadas como rebeldia [pelos guardas], sendo punidas, ou como agudização do quadro mórbido, devendo ser contidas quimicamente [pela equipe terapêutica]”. A hibridez enquanto princípio de orientação prática dos diferentes profissionais, sejam os da área de segurança, da justiça ou da saúde, faz com que as práticas terapêuticas - características de um hospital psiquiátrico - sejam tensionadas pelo imperativo securitário - característico de um presídio convencional (VINUTO, FRANCO, 2019VINUTO, Juliana; FRANCO, Túlio Maia. “Porque isso aqui, queira ou não, é uma cadeia”: As instituições híbridas de interface com a prisão. Mediações, vol. 24 n. 2, pp. 265-277, maio/ago. 2019.).

Para ilustrar essa questão é necessário contextualizar a relação entre o HCTP e a rede pública de saúde mental. A reforma psiquiátrica se estabeleceu no Brasil com a Lei Federal nº 10.216/2001BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril 2001. Dispõe sobre a proteção de direitos de pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2001., e embora ela não regule explicitamente a internação por medida de segurança, é esse arcabouço normativo que direciona alguns princípios de atuação da Defensoria Pública e da equipe clínica do HCTP. O internado deve ser, portanto, vinculado a um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) que se responsabiliza pelo seu tratamento extramuros durante e após sua internação. Esses princípios encontram fundamentação legal desde maio de 2004, momento em que foi emitida a Resolução nº 5 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que adequava normativamente “as medidas de segurança aos princípios do SUS [Sistema Único de Saúde] e às diretrizes previstas na Lei nº 10.216/2001BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril 2001. Dispõe sobre a proteção de direitos de pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2001.” (BRASIL, 2004BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução nº 5, de 4 de maio de 2004. Brasília, DF: [s. n.], 2004., p. 1). No entanto, essa adequação não deixa de produzir tensionamentos entre esses dois universos normativos (a Lei da Reforma Psiquiátrica e os Códigos Penal e de Processo Penal) e as respectivas práticas que eles regulam.

No HCTP, as práticas de controle e tratamento se dão a partir de uma “superposição complexa” do “modelo jurídico-punitivo e o modelo psiquiátrico-terapêutico” e não de uma “justaposição, pois […] o modelo jurídico-punitivo parece englobar o modelo psiquiátrico-terapêutico, impondo limites mais ou menos precisos ao poder de intervenção dos psiquiatras” (CARRARA, 1998CARRARA, Sérgio. Crime e loucura: O aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro: EdUERJ; São Paulo: Edusp, 1998., p. 46). A singularidade dessa superposição implica, durante o tratamento da medida segurança, o constante entrelaçamento entre cuidado e controle em que o último se sobrepõe ao primeiro sem deixar de considerá-lo sob a forma de um “cuidado burocrático” (STEVENSON, 2012STEVENSON, Lisa. The Psychic Life of Biopolitics: Survival, Cooperation, and Inuit Community. American Ethnologist, vol. 39, n. 3, pp. 592-613, 2012., 2014STEVENSON, Lisa. Life beside Itself: Imagining Care in the Canadian Artic. Oakland: University of California Press, 2014.). O HCTP se constitui como um espaço limítrofe entre o mundo da medicina e do direito penal que institui, por sua vez, práticas híbridas entre prisão e hospital psiquiátrico (SILVA, 2010aSILVA, Martinho Braga Batista e. As pessoas em medida de segurança e os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico no contexto do Plano Nacional de Saúde no sistema penitenciário. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, vol. 20, pp. 95-105, 2010a., 2010bSILVA, Martinho Braga Batista e. O desafio colocado pelas pessoas em medida de segurança no âmbito do Sistema Único de Saúde: a experiência do PAILI-GO. Physis, vol. 20, pp. 653-682, 2010b.; VINUTO, FRANCO, 2019VINUTO, Juliana; FRANCO, Túlio Maia. “Porque isso aqui, queira ou não, é uma cadeia”: As instituições híbridas de interface com a prisão. Mediações, vol. 24 n. 2, pp. 265-277, maio/ago. 2019.).

Conforme a pesquisa censitária conduzida por Diniz (2013)DINIZ, Debora. A custódia e o tratamento psiquiátrico no Brasil: Censo 2011. Brasília, DF: Letras Livres: Editora UnB, 2013., em que foram avaliados os 26 estabelecimentos de custódia e tratamento psiquiátrico em funcionamento no país à época, a população carcerária dessas unidades era de 3.989 internados: “majoritariamente masculina, negra, e baixa escolaridade e com periférica inserção no mundo do trabalho, que em geral cometeu infração penal contra uma pessoa de sua rede familiar ou doméstica” (DINIZ, 2013DINIZ, Debora. A custódia e o tratamento psiquiátrico no Brasil: Censo 2011. Brasília, DF: Letras Livres: Editora UnB, 2013., p. 16). Ainda de acordo com a autora “é na família que se concentram os homicídios (49% do total)”, o que se torna “uma dificuldade a ser enfrentada pelas políticas assistenciais e de saúde mental, que depositam na família responsabilidades pelo sucesso da desinternação do indivíduo” (idem). De certo modo, o princípio da reinserção familiar (previsto na Lei da Reforma Psiquiátrica) tenta deslocar o eixo da responsabilidade com o sujeito do Estado para a família. Entretanto, o trabalho de retomada de relações que foram abruptamente rompidas é de enorme complexidade e, portanto, nem sempre é bem-sucedido. Diante da impossibilidade da família em recebê-lo, o paciente em cumprimento da medida de segurança é encaminhado à residência terapêutica, mas esse procedimento pode demorar anos, e enquanto o preso espera a liberação de vaga para morar em uma RT, prolonga-se sua internação para além do prazo legalmente previsto pelo código penal (FRANCO, 2022FRANCO, Túlio. O limite do cuidado: Relações entre Estado e família na desinternação de pacientes de manicômios judiciários. Vivência: Revista de Antropologia, Natal, vol. 1, n. 59, pp. 263-290, 2022.).

Outra contradição que podemos extrair dessas tensões entre práticas securitárias e práticas terapêuticas está compreendida no modo pelo qual os ISAP (Inspetores de Segurança e Administração Penitenciária) atuam no HCTP. Conforme o anexo 2 da Lei estadual nº 4583, de 25 de julho de 2005, que instituiu as atribuições gerais desse profissional, caberia aos ISAP: “exercer atividade de nível médio, envolvendo a supervisão, coordenação, orientação e execução de atividades relacionadas à manutenção da ordem, segurança, disciplina e vigilância dos estabelecimentos penais”, assim como “zelar pela segurança de pessoas ou bens; participar ativamente dos programas de reabilitação social, tratamento e assistência aos presos e internos” dentre outras (RIO DE JANEIRO, 2005RIO DE JANEIRO. Lei estadual nº 4583, de 25 de julho de 2005. Dispõe sobre a criação da categoria funcional de inspetores de segurança e administração penitenciária e dá outras providências. Rio de Janeiro: [s. n.], 2005. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/ca2b5fd0bb39eee28325704c006731e6?OpenDocument. Acesso em: 27 mar. 2017.
http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI....
). Em nenhum momento a lei determina orientações específicas da conduta que um ISAP deva ter em um HCTP, mas em abstrato ela orienta ao mesmo tempo práticas securitárias como “manutenções da ordem, segurança, disciplina e vigilância dos estabelecimentos penais” e práticas de cuidado, como “participar ativamente dos programas de reabilitação social, tratamento e assistência aos presos e internos”.

Essa tensão se demonstra na fala de um ISAP em uma das reuniões multisetoriais etnografadas. Uma vez por mês, salvo exceções, havia uma reunião aberta para discutir os percalços e possibilidades da política de saúde mental para os pacientes internados em manicômios judiciários no estado do Rio de Janeiro. Participavam desse encontro a defensora pública e sua equipe jurídica responsáveis pela assistência daqueles que cumpriam medida de segurança, universitários e membros do corpo técnico de um dos hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico frequentado pelo segundo autor (psicólogas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e, muito raramente, psiquiatras). Também foram a alguns desses encontros uma série de profissionais que trabalham na rede de saúde mental e de justiça criminal no Rio de Janeiro, principalmente. A reunião se dava dentro do auditório no prédio em que funcionava a sede administrativa do manicômio judiciário, apartado do outro edifício em que se concentravam as celas, a sala de reunião da equipe (onde ocorriam os atendimentos jurídicos), a sala direcionada às oficinas terapêuticas, o refeitório, dentre outros espaços. Nessas reuniões se pretendia integrar o manicômio judiciário, que estava sob os cuidados da Secretaria de Segurança Pública do Estado, às políticas de saúde mental - aos cuidados das secretarias de saúde (tanto estadual, quanto as municipais). Os encontros davam vazão à emergência de conflitos de interesses, lógicas e práticas, mas a maior parte dos presentes tinha em menor ou maior grau, com mais ou menos radicalidade, críticas à separação política, jurídica e simbólica do manicômio judiciário do restante da rede de saúde mental.

Em uma dessas reuniões, o novo diretor do HCTP se apresentou para os presentes. Diferente da maior parte das reuniões frequentadas pelo segundo autor, nessa estavam alguns dos ISAP. Embora a todo o tempo as demais pessoas antagonizavam-se com algumas das opiniões apresentadas pelos agentes e pelo novo diretor, ambos os grupos destacavam a importância do tratamento psiquiátrico para os internos. No entanto, os termos pelos quais o tratamento ocorreria eram disputados pelos grupos, por um lado, em torno de um cuidado mais voltado à saúde mental e, por outro, de um tratamento que “não se esquecesse” da manutenção da segurança na instituição, afinal, afirmavam, ali era uma unidade penitenciária. Em um dos momentos da reunião em que os agentes falavam sobre as dificuldades que encontravam em seu trabalho, um deles disse: “tem um ali que a gente se sensibiliza mais e outros não”. Essa fala evidencia como os critérios que orientam a prática dos ISAP dependem mais da decisão discricionária dos profissionais do que de regulações específicas. A quem o ISAP se sensibiliza terá um tratamento mais voltado ao cuidado, a quem ele não se sensibiliza receberá um tratamento voltado às práticas penitenciárias/punitivas. Contudo, como esse próprio ISAP destacou em outra fala, um ISAP não deveria tratar distintamente os presos de um manicômio judiciário dos de uma prisão comum, como desejavam outros participantes da reunião. Apesar da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984BRASIL. Lei de Execução Penal. Lei nº 7.210, de julho de 1984. Brasília, DF: [s.n.], 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm. Acesso em: 25 set. 2023.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
) enfatizar o caráter terapêutico da medida de segurança, o ISAP nos afirmava que ele estava submetido às mesmas regras administrativas da SEAP (Secretaria Estadual de Administração Penitenciária) que seus colegas lotados nos presídios convencionais. Sendo assim, como exemplificou o inspetor, se o paciente fugir ou cometer qualquer infração disciplinar, quem deveria responder por esses atos seriam os ISAP.

A precária posição institucional do ISAP frente às regras abstratas do Estado, que não cobrem as demandas específicas de sua função, delineia as relações com os pacientes do HCTP. O ISAP deve negociar sua relação afetiva com o interno, porque sensibilizar-se demasiadamente com ele implicaria ser acusado de “fazer mamãezada”, como afirmou o diretor nesse mesmo encontro, pois aproximar-se de um interno pode constituir uma ameaça ao princípio ético-coorporativo de “garantir a segurança do presídio”. Há, portanto, uma associação entre a manutenção do medo que o ISAP deve imprimir nos internos com a expressão pública de sua virilidade. Ambas as ações serviriam para a conservação da segurança no estabelecimento prisional (VINUTO; ABREO; GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: Efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural, vol. 24, n. 1, pp. 54-77, 2017.).

Em um encontro anterior à mudança de direção, alguns pacientes foram convidados para falar aos participantes da reunião como avaliavam o HCTP. Um deles, a pedido da diretora, deu um verdadeiro testemunho de transformação. A fala é esclarecedora, pois demonstra as tensões constitutivas do manicômio judiciário. O paciente, que havia sido preso por parricídio, narrou as benesses do tratamento psiquiátrico que, naquele momento, o fez compreender que seu ato criminoso foi resultado de sua doença mental, o “transtorno bipolar”. Continuou o paciente:

Hoje o HCTP age de duas formas: existe os médicos trabalhando e os seguranças. Os seguranças deviam fazer um tratamento [ou treinamento, não escutamos bem] para trabalhar no hospital. Aqui tem pacientes que não respondem por si mesmo. Eles [os seguranças] só trabalham com aquilo que eles conhecem: fazer fila, isso e aquilotem paciente aqui que não sabe nem o que é uma fila. […]. Tem que dar curso [explicar que] lá não são presos, são pacientes. Os médicos fazem um grande tratamento e os guardas atrapalham o tratamento (grifos nossos).

Depois dessa inesperada crítica, a diretora interrompeu as interações do público com o paciente, pois conforme ela argumentou, poderiam “atrapalhar a dinâmica do funcionamento” da instituição, ou seja, seria uma ameaça à segurança organizacional. A diretora atualiza em ato a crítica do paciente de que o tratamento no HCTP está submetido aos princípios securitários de modo irreversível.

“Então eu, pessoalmente, procuro só não exagerar”: Os centros de internação

Como ocorre em grande parte do mundo (VINUTO; DUPREZ, 2019), as sanções de adolescentes que cometem crimes no Brasil devem ter caráter educativo, sendo nomeadas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA - Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente (ECA). Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF: [s. n.], 1990.) de “medidas socioeducativas”. Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase - Lei Federal nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012), tais medidas têm por objetivo: a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei (grifo nosso).

Tais são os objetivos colocados em todas as seis medidas socioeducativas existentes, mas isso se torna particularmente complexo no caso da medida socioeducativa de internação, considerada a mais grave por ser a única privativa de liberdade. Nesse caso, a privação de liberdade tem caráter compulsório e, portanto, dificulta a implementação do segundo ponto acima citado (a integração social do adolescente). Se julgado como culpado de um ato infracional pelo sistema de justiça juvenil (GONÇALVES, 2021GONÇALVES, Vitor Sousa. O sistema de justiça juvenil na perspectiva sociológica: Entre frouxa articulação e linha de montagem. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 13, pp. 781-799, 2021.), o adolescente pode ser internado por um período que varia de seis meses até três anos. O período em que o adolescente ficará internado não é previamente definido, já que depende da avaliação dos profissionais da instituição sobre seu comportamento, a partir do envio de um relatório psicossocial ao juiz responsável, o que deve ocorrer no máximo a cada seis meses.

Alguns trabalhos (ALMEIDA, 2016ALMEIDA, Bruna G. A racionalidade prática do isolamento institucional: Um estudo da execução da medida socioeducativa de internação em São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia) - São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2016.) ressaltam que um dos principais indicativos utilizados para verificar se o adolescente está apto a ser desinternado é a sua adaptação às regras internas da instituição. Isto é, mesmo que de maneira não declarada, a busca pela docilização do adolescente frente à lógica institucional orienta a ação de grande parte dos profissionais. Ou seja: mais do que trabalhar pela integração social do adolescente, a medida socioeducativa de internação atua para que este incorpore as normas e rotinas organizacionais internas.

A existência de um duplo objetivo sancionatório-educativo, tido por muitos profissionais que atuam nos centros de internação como “irreconciliáveis”, apresenta-se de modo mais dramático quando analisamos as capacidades materiais da instituição, que à época da pesquisa eram atravessadas pela superlotação.9 9 Para uma análise sobre a diminuição da superlotação das unidades socioeducativas no Brasil, ver Vinuto e Bugnon (2022). Considerada o principal problema do sistema socioeducativo à época (VINUTO, 2020VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: O trabalho de agentes socioeducativos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Autografia, 2020.), a superlotação afetava ao menos 11 estados brasileiros, com o Rio de Janeiro apresentando a situação mais crítica, com 187% das vagas ocupadas (VALADARES; BARBON; TOLERO, 2019VALADARES, João; BARBON, Julia; TOLEDO, Marcelo. Onze estados têm sistema socioeducativo lotado. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 jul. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/doze-estados-tem-sistema-socioeducativo-lotado.shtml?fbclid=IwAR0s8IXVXbCrhz2fEr3bV98kAYbv2ARH1jPn7S5sQgOtPP8OL87R6ZsgppU. Acesso em: 28 maio 2020.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
). Vale lembrar que superlotação significa mais trabalho a ser realizado e, concomitantemente, menos tempo para se deter na criação de vínculos, além do aumento dos conflitos e diminuição da privacidade (D’ANGELO; DE GARAY HERNANDEZ, 2017D’ANGELO, Luisa B.; DE GARAY HERNÁNDEZ, Jimena. Sexualidade, um direito (secundário)?: Atravessamentos entre sexualidade, socioeducação e punição. Plural (São Paulo. Online), vol. 24, n. 1, p. 78-104, 2017.). Há, ainda, chances maiores de adquirir doenças contagiosas, dificuldade na manutenção da limpeza das unidades, nas quais usualmente há mofo, umidade, mau odor, baratas e roedores, além de constantes entupimentos na rede de esgoto (ABREO, 2017ABREO, Leandro. Entre capturas e resistências: Situações de saúde e adoecimento no trabalho de agentes socioeducativos. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.). Outra consequência é o descumprimento do artigo 123 do ECA, que determina a separação de adolescentes por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração. A própria superlotação já é considerada uma forma de tortura (SOUZA, 2015SOUZA, Taiguara L. S. A era do grande encarceramento: Tortura e superlotação prisional no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Direito) - Rio de Janeiro, Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2015.) por agravar as condições degradantes do aprisionamento.

Somado a isso, outro desafio digno de nota para a implementação do duplo objetivo sancionatório-educativo colocado pelo ECA é a inerente seletividade penal que atravessa o sistema de justiça juvenil. Segundo pesquisa realizada com adolescentes internados no Rio de Janeiro (MENDES; JULIÃO, 2018MENDES, Cláudia L. S; JULIÃO, Elionaldo F. Trajetórias de vida de jovens em situação de privação de liberdade no sistema socioeducativo do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Degase, 2018.), 76,2% dos adolescentes internados eram negros, com grande defasagem escolar, e residiam em favelas ou demais áreas periféricas, locais que recebem maior repressão policial por conta da “guerra às drogas”. Importante destacar que 40% dos adolescentes internados no Rio de Janeiro cumprem medida socioeducativa decorrente da punição por tráfico de drogas (MEPCT-RJ, 2017MEPCT-RJ - MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA DO RIO DE JANEIRO. Presídios com nome de escola: Inspeções e análises sobre o sistema socioeducativo do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: MEPCT-RJ, 2017.).

Observa-se que os discursos institucionais, que precisam atender conjuntamente às demandas de responsabilização e educação, estão inseridos não apenas em um ambiente de precariedade como também em uma sociedade racista. Essas são questões que atravessam a jornada de trabalho daqueles que atuam em um centro de internação, sobretudo no caso dos agentes de segurança socioeducativa, que devem atuar na prevenção de fugas e conflitos, mas também realizar um trabalho de aconselhamento e orientação. Outros profissionais, como assistentes sociais ou professores, entram em contato com os adolescentes apenas em momentos previamente agendados, mas os agentes de segurança socioeducativa interagem dia e noite com os adolescentes, sendo responsáveis por levá-los aos atendimentos e às aulas com os demais profissionais.

Esses profissionais, mais do que quaisquer outros, afirmam trabalhar no “fio da navalha” (VINUTO; ABREO; GONÇALVES, 2017VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: Efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural, vol. 24, n. 1, pp. 54-77, 2017.) entre segurança e socioeducação, pois sentem que devem priorizar procedimentos de segurança em detrimento das atividades socioeducativas junto aos adolescentes internados. Isso significa que esses profissionais se veem obrigados a ter como atividade prioritária: evitar fugas entre adolescentes, obrigá-los a permanecer com a mão para trás e cabeça baixa como forma de prevenção de conflitos, abrir e fechar cadeados, levar os adolescentes às atividades organizando-os em fila indiana, desautorizar atividades com portas fechadas, dentre outras atividades. Somado a isso, não há incentivo para planejar ou realizar atividades educativas, já que muitas vezes não têm tempo sequer para fazer suas refeições tranquilamente. Esses profissionais também não são responsabilizados quando ignoram o objetivo oficial ligado à ressocialização, mas podem ser punidos, inclusive na esfera penal, quando ocorre algum conflito ou fuga.

Olhar para as relações entre agentes socioeducativos e demais profissionais que atuam nas unidades socioeducativas - com destaque para a equipe técnica (formada por psicólogos, pedagogos, assistentes sociais etc.) - ou mesmo para as relações entre diferentes grupos de agentes de segurança socioeducativa,10 10 Para uma análise sobre diferenças percebidas entre agentes de segurança socioeducativa, ver Vinuto (2020). Em resumo, há diferentes nomenclaturas nativas - como “Linha Dura”, “Mamãezada” e “Pão Doce” - mobilizadas por diferentes profissionais do Degase para atribuir características distintivas ao que é entendido como perfis antagônicos de atuação, seja aquele mais alinhado à busca por ordem e disciplina, seja aquele mais próximo da busca pela garantia de direitos dos adolescentes internados. permite compreender como a rotina organizacional dos centros de internação do Rio de Janeiro é orientada por lógicas conflitantes de atuação. Por um lado, integrantes da equipe técnica ou agentes socioeducativos tidos como mamãezada ou pão doce são vistos como aqueles que acreditam incondicionalmente na palavra do adolescente, mesmo quando este acusa um profissional sem provas; por outro, agentes socioeducativos nomeados como linha dura costumam ser definidos como disciplinadores e distanciados do adolescente, por vezes até agressivos e, no limite, como apoiadores do uso da violência como modo de lidar com conflitos. Neste contexto, é comum que diferentes agentes de segurança socioeducativa sintam desconfiança de outros profissionais da unidade, o que ajuda a compreender a constante reclamação de falta de fechamento (VINUTO, VARGAS, GONÇALVES, 2021VINUTO, Juliana; VARGAS, Joana Domingues; GONÇALVES, Hebe Signorini. “Falta de fechamento”: Conflitos profissionais e centralidade dos procedimentos de segurança no sistema socioeducativo do Rio de Janeiro. Sociedade e Estado, vol. 36, pp. 1037-1058, 2021.), ou seja, a falta de união entre profissionais e, portanto, a falta de convergência de discursos e atitudes com relação ao adolescente. Alguns agentes de segurança socioeducativa sentem que podem ser acusados ou denunciados por maus tratos mesmo quando não agem com violência com os adolescentes. Outros já argumentam que, como são responsáveis pela manutenção da ordem nas unidades, deveriam ser compensados com o fechamento incondicional dos demais profissionais.

Muitas cenas da pesquisa de campo podem ser mobilizadas para ilustrar o modo como essas lógicas conflitantes de atuação ocorrem cotidianamente, mas que, ao fim e ao cabo, fortalece-se o imperativo securitário. Exemplo pode ser dado de uma cena registrada em diário de campo: em uma conversa entre dois agentes de segurança socioeducativa, um deles afirmava que não precisava gritar ou ser violento com os adolescentes porque se esforçava por criar vínculos e estes seriam suficientes para manter a disciplina da unidade. Esse interlocutor argumentava que, desde que haja vínculos de proximidade, o agente consegue indicar apenas com o olhar ou com uma conversa que o adolescente não agiu de modo adequado. No entanto, ao ouvir tal reflexão, o outro profissional afirmou que esse tipo de comportamento mais tolerante não era funcional em qualquer circunstância, pois haveria adolescentes que, de fato, seriam agressivos com os agentes de segurança socioeducativa e, portanto, não abririam espaço para a criação de vínculos. Ao contrário, seria mais comum que esse perfil de adolescente intimidasse os profissionais da unidade, muitas vezes ameaçando encontrá-los após o fim de suas medidas socioeducativas.

Esse diálogo se estendeu e, ao final da conversa, o primeiro agente de segurança socioeducativa afirmou que aquela conversa se resumia ao velho dilema “quem veio primeiro: o ovo ou a galinha”, indicando que a agressividade do adolescente era resultado de uma violência anterior perpetrada por diversas instâncias do Estado, inclusive os próprios agentes de segurança socioeducativa. Ao ouvir esse argumento, o segundo integrante da conversa apenas afirmou: “você pode achar o que quiser, mas quando o adolescente ameaçar arrancar sua cabeça para jogar futebol na pista, será um agente como eu que vai resolver o problema”. A partir daqui o diálogo tem uma mudança de direção, já que o primeiro interlocutor passa a defender que a unidade precisava dos dois perfis de profissionais, tanto o agente mais conciliador quanto aquele “que resolve os problemas mais graves”.

O argumento de que os problemas mais sérios nas unidades - independentemente de quais forem esses problemas - só poderiam ser resolvidos com base em ordem, controle e disciplina é como se as atividades socioeducativas só pudessem ser direcionadas aos adolescentes que “não causam problemas” ou em contextos livres de problemas. Nesse sentido, os agentes de segurança socioeducativa considerados como aqueles que resolvem os “verdadeiros” problemas ganham legitimidade, mesmo quando não contribuem para a dimensão socioeducativa da medida de internação. Isso ocorre porque a segurança é tida como objetivo prioritário da instituição, e aqueles que a implementam têm sua atuação validada no cotidiano dos centros de internação, mesmo por aqueles que discordam de seus métodos. Tal contexto nos ajuda a compreender a afirmação dada pelos agentes e que intitula essa seção: Então eu, pessoalmente, procuro só não exagerar”. Esse tipo de afirmação foi levantado por muitos agentes de segurança socioeducativa, indicando, como esperado, uma considerável dimensão subjetiva na aplicação de protocolos e leis, sendo muitas vezes mais relevantes do que as normativas que deveriam balizar seu trabalho. Apesar da existência de regulamentos institucionais que preveem o uso progressivo e seletivo da força (DEGASE, 2013DEGASE. Plano de Segurança Socioeducativa. Rio de Janeiro: Novo DEGASE, 2013.), o agente socioeducativo prioriza critérios particulares para não exagerar”, o que se mostra razoável em um contexto organizacional no qual quase nada está de acordo com aquilo que é colocado pela lei. Nesse contexto, o medo se torna ferramenta preventiva e cotidiana de trabalho, desde que usado de maneira não “exagerada. Como consta em um diário de campo:

Falando um pouco em como a superlotação afeta o trabalho deles, questionei o quão complicado era dois agentes movimentarem às vezes quinze ou vinte adolescentes para os cursos, pois, no caso dos adolescentes quererem se virar contra os agentes, estes não terão chance já que seriam sete ou dez contra um. O agente confirmou e disse que o que os impede de fazer isso é o medo. Para ele, o agente tem que colocar medo no adolescente, pois é o medo que impede os adolescentes de fazerem algo, de se rebelarem. O adolescente com medo vai achar que, se ele fizer algo errado, se tentar algo, o agente depois pode fazer algo pior.

Há uma compreensão socialmente partilhada entre agentes de segurança socioeducativa de que é o próprio contexto institucional que impede a implementação da lei, mas, mesmo assim, mostra-se relevante evitar conflitos e fugas de modo a causar a impressão de que a lei está, de fato, sendo executada. Isto é, abre-se espaço para a discricionariedade, mas não de forma a proporcionar maior autonomia ao profissional que atua na privação de liberdade. Em suma: faculta-se a imposição do medo aos profissionais que atuam em um centro de internação, mas caso estes não consigam modular entre “não exagerar e ser temido, podem ser responsabilizados individualmente por suas ações, ainda que estas tenham sido oportunizadas pela instituição em que trabalham.

A necessidade de modulação entre “não exagerar e ser temido é uma das tarefas cotidianas em um Centro de Internação, e como muitos profissionais constatam que “Não tem como dar todos os direitos que eles têm”, a prioridade pelos procedimentos de segurança acaba sendo vista como resposta incontornável em um contexto de privação de liberdade.

Dimensões comuns nas diferentes modulações da privação de liberdade

É possível observar que o paradigma da segurança e suas tensões com os aspectos não securitários recorta as duas pesquisas de campo aqui descritas, evidenciando paradoxos inerentes às instituições híbridas que acumulam em um mesmo espaço - tanto concreto quanto simbólico - práticas de controle e ideais emancipatórios como tratamento e educação. No entanto, o exame das bases da hibridez não se limita a compreender a sobredeterminação do paradigma securitário frente à falta de regulamentação específica para esses setores, mas também analisar o polo complementar à lógica securitária atuante na hibridez, que é a incapacidade jurídica. As populações geridas pelas instituições apresentadas têm a característica legal de serem consideradas semi-imputáveis ou inimputáveis, pois são consideradas incapazes de responder por si mesmas juridicamente. É justamente por serem vistas como incapazes que o manejo do Estado com essa população se dá de modo híbrido, pois ele precisa comportar sensibilidades jurídicas (GEERTZ, 1997GEERTZ, Clifford. O saber local: Novos ensaios em antropologia interpretativa. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. pp. 249-356.) concorrentes que visam tratar, ou educar esse segmento populacional.

Aqui nos interessa explorar uma articulação que nos permita entender o contexto de transformação desse tipo de organização híbrida. Trata-se daquela que vincula o sujeito de direitos (do qual decorre a ideia de capacidade jurídica) e o homo criminalis, essa espécie de anormal jurídico, que Foucault aponta como sendo constitutivo da prática penal contemporânea (FOUCAULT, 2014FOUCAULT, Michel. Aula de 30 de janeiro de 1980. In: FOUCAULT, Michel. Do governo dos vivos: Curso no Collège de France (1979-1980). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. pp. 67-84.). Em Vigiar e Punir (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.) o autor localiza no fim do século XVIII a existência de “três tecnologias de poder” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010., p. 127) que se organizavam cada uma em um núcleo de práticas: a) rituais, que correspondiam às práticas de suplício do direito monárquico; b) de representação, em que a punição é um processo para requalificar os indivíduos como sujeitos de direito; c) de exercício disciplinar, em que se elabora o projeto de instituição carcerária para correção dos indivíduos. À cada tecnologia de poder haveria uma subjetividade correspondente: “O inimigo vencido, o sujeito de direito em via de requalificação, o indivíduo submetido a uma coerção imediata” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010., p. 127).

Para Foucault, é a terceira tecnologia que se tornaria o módulo prevalecente de organização do poder de punir na época clássica. Por que, então, Foucault se refere à correlação entre o sujeito de direitos e o “criminoso” como a característica que continua se atualizando nas formas de aprisionamento contemporâneas? Tal questão tem implicações diretas para a análise das instituições híbridas de interface com o cárcere, pois o que tornará a disciplina o módulo preponderante da organização institucional da punição será justamente a capacidade do exercício disciplinar efetuar-se como uma espécie de contradireito. Nesse sentido, a disciplina como forma de “contradireito [que] se torna o conteúdo efetivo e institucionalizado das formas jurídicas” (FOUCAULT, 2010FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010., p. 211).

Nessa direção, organizações híbridas nos moldes descritos acima decorrem de um projeto reformista em que, para serem reconhecidos e se reconhecerem enquanto sujeitos, os atores precisariam ser devolvidos ao seu status jurídico originário de “sujeitos de direito” e, para tanto, serem requalificados juridicamente, já que sua qualificação primária os define como “incapazes jurídicos”. Essa operação da subjetivação jurídica recorre ao imaginário clássico do “sujeito de direitos” característico do século XVIII, em que, para se tornar sujeito, o indivíduo aceita renunciar seus direitos tidos como naturais, para se constituir como um outro sujeito de direito superposto ao primeiro, fazendo assim emergir a dialética entre a lei e a proibição (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, Michel. Aula de 28 de março de 1979. In: FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica: Curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. pp. 365-395., p. 374).

A ideia contemporânea de “sujeito de direitos” ainda ressoa essa teoria contratual do século XVIII. A incapacidade jurídica por sua vez definiria aqueles que não fazem a passagem “natural” de cessão dos direitos ao soberano, por um lado, e a renúncia a si mesmo, por outro, pois simplesmente são vistos como incapazes de reconhecer a dialética entre lei (estatal) e proibição (subjetiva) que decorre dessa relação. Os incapazes jurídicos são aqueles que não reconheceriam o caráter ilícito (ou imoral) de seus atos e/ou não seriam capazes de se autodeterminar em relação a tais atos.

É para lidar com indivíduos definidos como juridicamente incapazes que as organizações híbridas se apresentam como reformadoras, pois visam requalificar os indivíduos como sujeitos de direitos (direito ao tratamento ou à educação), mas o fazem por meio de práticas securitárias que não devem ser vistas como uma oposição simples ao direito, mas como uma forma suplementar de contradireitos.

Assim sendo, podemos afirmar que há uma violência imanente à requalificação jurídica. Essa violência legal não é um efeito colateral, mas constituinte do direito (BENJAMIN, 2011BENJAMIN, Walter. Para uma crítica da violência. In: BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem. Org. de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Editora 34, 2011, pp.121-156.; BUTLER, 2017BUTLER, Judith. Walter Benjamin e a crítica da violência. In: BUTLER, Judith. Caminhos divergentes: Judaicidade e crítica ao sionismo. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 75-102.). Por isso que, no sentido das práticas, não há oposição excludente do direito ao contradireito, mas sim coexistência: o primeiro traça limites, o segundo reinventa suas técnicas.

Em suma, o enquadramento jurídico engloba a violência:

que mantém a legitimidade e obrigatoriedade das leis, o sistema de punição que se põe na espreita quando as leis são transgredidas, a força policial e militar que respalda um sistema de leis e as formas de responsabilização legal e moral que, à força, obrigam indivíduos a agir de acordo com a lei, ou melhor, a obter sua definição cívica em virtude de sua relação com a lei (BUTLER, 2017BUTLER, Judith. Walter Benjamin e a crítica da violência. In: BUTLER, Judith. Caminhos divergentes: Judaicidade e crítica ao sionismo. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 75-102., p. 80).

É isso que faz com que a requalificação dos incapazes tenha um caráter inerentemente securitário do ponto de vista das práticas, pois ele objetiva vincular de maneira compulsória o sujeito às normas - legais, mas especialmente morais - para que, assim, incorporem o ideal de sujeitos de direito.

Mas, para entender, do ponto de vista estrutural, como as organizações descritas até aqui atuam para submeter o indivíduo internado às normas legais e morais difundidas na sociedade brasileira, é necessário compreender como as premissas da construção desse sujeito de direitos foram impostas em um país com experiência colonial. Desde o momento em que o território brasileiro foi invadido por portugueses em 1500, observam-se inúmeros e constantes processos de desumanização daqueles tidos como “outros”, por serem considerados desencaixados do projeto de humanidade imposto pela modernidade/colonialidade (QUIJANO, 2000QUIJANO, Aníbal. “Colonialidaddel Poder y Clasificación Social”. Journal of World-Systems Research, vol. 11, n. 2, pp. 342-386, 2000.). Tais processos geraram hierarquização entre seres humanos ao se orientar por um padrão único de humanidade baseado em uma ideia de raça que rechaça as múltiplas possibilidades de ser e, assim, tenta normalizá-las a partir de um padrão arbitrário de suposta universalidade.

Ao seguir por esse caminho, mostra-se relevante pensar sobre os efeitos da construção de um sujeito de direitos que se baseia em perspectivas eurocêntricas. Ao lidar com sujeitos definidos como diferencialmente dignos a ter direitos, a implementação da lei postula a privação de liberdade, ainda que legalmente falando e, na prática, a prioridade recaia nos objetivos de tratamento e educação. Por isso ressaltamos a relevância da hibridez organizacional para a construção da prioridade destinada à segurança no trabalho de normalização empreendido pelas instituições em estudo descritas até aqui, o que é fortalecido pela indeterminação da duração do período em que os indivíduos devem se submeter a tais instituições. Como já dito, adultos internados no HCTP só podem conquistar sua liberdade se convencerem que “não representam um perigo para si e para outrem”; da mesma forma, adolescentes internados em centros de internação só podem conquistar sua liberdade se convencerem que “se arrependeram”, apesar de, nesse caso, haver o limite máximo de três anos de cumprimento de medida socioeducativa. Em ambos os casos, vemos como a indeterminação da internação desses indivíduos pode operar como uma importante forma de controle que dá bastante poder para os profissionais das organizações híbridas aqui analisadas.

A análise das organizações híbridas ora em foco revela que a requalificação, em contextos de privação e restrição de liberdade, daqueles tidos como incapazes, faz com que a humanização subjacente às leis enfrente diferentes barreiras. Isso faz com que tratamento e educação sejam incorporados de maneira cerimonial pelas instituições híbridas, isto é, sem alterar o contexto que torna a priorização da segurança como algo inescapável (MEYER; ROWAN, 1977MEYER, John W.; ROWAN, Brian. Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony. American Journal of Sociology, vol. 83, n. 2, pp. 340-363, 1977.).

Assim, a assimilação cerimonial de obrigações abstratas como tratamento/educação produz um profundo desencaixe com suas possibilidades práticas, gerando normas implícitas como se “sensibilizar mais” com um do que com outro, “não exagerar” nos procedimentos de segurança ou pela gestão de riscos que se justificam pela lógica da prevenção de doenças ou da ameaça à integridade física dos indivíduos. Nesse contexto, normas implícitas vão sendo negociadas entre os agentes que operam no cotidiano das instituições a partir das demandas securitárias, que apesar das bases distintas de justificação manejadas pelos profissionais, têm em comum a prioridade pela segurança.

A lógica prisional a que nos referimos está permeada pela experiência das pessoas em contato com essas instituições e pode ser observada especialmente nas relações sociais estabelecidas entre os agentes e os atendidos. Apesar dos discursos oficiais sobre reinserção social presentes nas duas instituições em estudo, não se espera dos agentes que nelas atuam que contribuam para o desenvolvimento (tratamento/educação) dos indivíduos sob sua responsabilidade e muito menos para a efetivação dos seus direitos. O que deles se espera é gerir e controlar os corpos amontoados em depósitos insalubres ou estruturas precarizadas por meio da violência e do medo ou pela medicação. A eles é conferida a difícil tarefa de modular tais intervenções de modo a, como vimos em seus próprios termos, “se sensibilizar” ou não e “não exagerar”. Trata-se de práticas herdadas de uma longa história de dominação das populações pobres e racializadas no Brasil.

Considerações finais

Como vimos anteriormente, seja nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, ou nos Centros de Internação há um duplo objetivo em que a obrigação de tratar e educar se juntam à de sancionar ou controlar a população gerida por essas instituições públicas. Esses dois parâmetros, aparentemente opostos, estruturam a hibridez organizacional e as ações dos profissionais que nelas atuam. Nesse sentido, não se trata de analisar o hibridismo como a constatação de uma relação deficitária entre normas e práticas. Antes, ele é visto como um princípio organizacional articulando regras e práticas e incorporando elementos do contexto socialmente situado. Regula e legitima localmente e com base na estrutura subjacente a relação entre práticas privativas de liberdade e práticas de tratamento/educação orientando condutas e fornecendo modelos interpretativos para os profissionais dessas instituições (VARGAS; PLATERO, 2017VARGAS, J. D.; PLATERO, Klarissa. Homicídio, suicídio, morte acidental…: O que foi que aconteceu? Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 10, n 3, pp. 621-641, 2017.).

No caso das instituições em foco, a hibridez não produz a simples complementariedade entre as práticas, mas, como vimos, uma sobreposição do paradigma securitário. Sendo assim, qualquer conflito situado no nível das práticas terapêuticas ou educativas são administrados em um segundo nível por práticas de controle. Esse fenômeno figura como obstáculo para que as práticas de tratamento e educação ganhem uma legibilidade própria (DAS, 2004DAS, Veena. The Signature of the State: The Paradox of Illegibility. In: DAS, Veena; Poole, Deborah (eds.) Anthropology in the Margins of the State. Santa Fé; Oxford: School of American Research Press; James Currey, 2004.), pois são submetidas a uma sensibilidade social local e legibilidade estatal hegemônicas que hierarquiza e desumaniza uma parte expressiva da população apreendidas por essas instituições.

As instituições analisadas fornecem um modelo heurístico para se pensar de que forma o hibridismo organizacional opera no cotidiano de instituições que precisam abrigar práticas concorrentes que convergem, entretanto, no sentido da requalificação de indivíduos vistos como incapazes jurídicos. O déficit de legibilidade estatal frente à especificidade desses segmentos populacionais, que devem ser controlados, afeta as possibilidades concretas de os tratar e educar, já que, no cotidiano institucional, as práticas de gestão de incapacidades serão sempre atravessadas por uma demanda incontornável: a prioridade pela segurança.

Notas

  • 1
    Por exemplo, no campo da justiça criminal as lógicas da retribuição, da punição, do encarceramento concorreriam com as do tratamento, da educação, da prevenção, da negociação, da restauração.
  • 2
    Diferente do atual, nesse primeiro artigo houve um diálogo teórico mais direto com Erving Goffman (2013)GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva, 2013. e Michel Foucault (2010)FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010., a fim de levantar discussões anteriores que ajudariam a pensar o que Vinuto e Franco (2019)VINUTO, Juliana; FRANCO, Túlio Maia. “Porque isso aqui, queira ou não, é uma cadeia”: As instituições híbridas de interface com a prisão. Mediações, vol. 24 n. 2, pp. 265-277, maio/ago. 2019. chamaram de prisões-escolas e prisões-hospitais.
  • 3
    Muitos pesquisadores brasileiros também têm dedicado esforços para compreender as relações existentes entre dentro e fora das prisões (GODOI, 2015GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - São Paulo, Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2015.; PADOVANI, 2015PADOVANI, Natália C. Sobre casos e casamentos: Afetos e “amores” através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015.), ainda que não mobilizem a ideia de hibridez.
  • 4
    Para as autoras, há três tipos de hibridização do campo penal: 1) quando duas instituições com missões distintas são levadas a colaborar a fim de atender o mesmo público; 2) quando dois paradigmas de intervenção competem entre si em uma mesma instituição e misturam suas lógicas de ação; 3) quando o objeto de análise são as trajetórias do público submetido ao campo penal, elas próprias marcadas pela diversidade dos sistemas de atendimento (social, judicial ou terapêutico).
  • 5
    Departamento Geral de Ações Socioeducativas, instituição responsável pelas medidas socioeducativas de internação no estado do Rio de Janeiro.
  • 6
    Projeto de extensão universitária do Instituto de Psicologia da UFRJ coordenado pela profa. Hebe Signorini Gonçalves, no qual os alunos participantes faziam visitas semanais ao DEGASE e debatiam as experiências uns aos outros em uma reunião semanal de supervisão a partir de diários de campo previamente compartilhados.
  • 7
    Há também os casos em que o paciente responde como “são” e em outros como “insano”, em que há a possibilidade de conversão da medida de segurança em “pena comum” e vice-versa.
  • 8
    Nesta seção as categorias, “paciente”, “internado”, “preso”, “hospital”, “prisão” ou “cárcere” são intercambiáveis e tal equivalência semântica pode ser lida como efeito da hibridez. Muito embora as pessoas institucionalizadas no HCTP fossem tratadas pela equipe clínica como “pacientes” e pela equipe jurídica como “assistidos”, elas mesmas não tinham dúvidas de que estavam presas. Dessa maneira, optou-se analiticamente por colocar no texto essa proliferação de categorias que se aproxima das maneiras pelas quais os próprios atores sociais concebem a instituição e seus paradoxos.
  • 9
    Para uma análise sobre a diminuição da superlotação das unidades socioeducativas no Brasil, ver Vinuto e Bugnon (2022)VINUTO, Juliana; BUGNON, Géraldine. Superlotação no sistema socioeducativo: uma análise sociológica sobre normativas e disputas no Brasil e na França. Sociologias, vol. 23, pp. 106-137, 2022..
  • 10
    Para uma análise sobre diferenças percebidas entre agentes de segurança socioeducativa, ver Vinuto (2020)VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: O trabalho de agentes socioeducativos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Autografia, 2020.. Em resumo, há diferentes nomenclaturas nativas - como “Linha Dura”, “Mamãezada” e “Pão Doce” - mobilizadas por diferentes profissionais do Degase para atribuir características distintivas ao que é entendido como perfis antagônicos de atuação, seja aquele mais alinhado à busca por ordem e disciplina, seja aquele mais próximo da busca pela garantia de direitos dos adolescentes internados.

Referências

  • ABREO, Leandro. Entre capturas e resistências: Situações de saúde e adoecimento no trabalho de agentes socioeducativos. Dissertação (Mestrado em Psicologia) - Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.
  • ALMEIDA, Bruna G. A racionalidade prática do isolamento institucional: Um estudo da execução da medida socioeducativa de internação em São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia) - São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 2016.
  • BENJAMIN, Walter. Para uma crítica da violência. In: BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem. Org. de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Editora 34, 2011, pp.121-156.
  • BRASIL. Código Penal Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Brasília, DF: [s. n], 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm Acesso em: 28 abr. 2017.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm
  • BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Resolução nº 5, de 4 de maio de 2004 Brasília, DF: [s. n], 2004.
  • BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente (ECA) Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Brasília, DF: [s. n], 1990.
  • BRASIL. Lei de Execução Penal Lei nº 7.210, de julho de 1984. Brasília, DF: [s.n.], 1984. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm Acesso em: 25 set. 2023.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7210.htm
  • BRASIL. Lei nº 10.216, de 6 de abril 2001 Dispõe sobre a proteção de direitos de pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2001.
  • BRASIL. Portaria nº 106, de 11 de fevereiro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, DF, n. 39, seção 1, p. 23, 24 fev. 2000.
  • BUGNON, Géraldine; FRAUENFELDER, Arnaud; WEIL, Armelle. Le Champ pénal et ses hybridations “en actes”: continuités et ruptures. Tsantsa, n. 25, 2020, pp. 8-18.
  • BUTLER, Judith. Walter Benjamin e a crítica da violência. In: BUTLER, Judith. Caminhos divergentes: Judaicidade e crítica ao sionismo. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 75-102.
  • CARRARA, Sérgio. Crime e loucura: O aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. Rio de Janeiro: EdUERJ; São Paulo: Edusp, 1998.
  • D’ANGELO, Luisa B.; DE GARAY HERNÁNDEZ, Jimena. Sexualidade, um direito (secundário)?: Atravessamentos entre sexualidade, socioeducação e punição. Plural (São Paulo. Online), vol. 24, n. 1, p. 78-104, 2017.
  • DAS, Veena. The Signature of the State: The Paradox of Illegibility. In: DAS, Veena; Poole, Deborah (eds.) Anthropology in the Margins of the State Santa Fé; Oxford: School of American Research Press; James Currey, 2004.
  • DEGASE. Plano de Segurança Socioeducativa Rio de Janeiro: Novo DEGASE, 2013.
  • DINIZ, Debora. A custódia e o tratamento psiquiátrico no Brasil: Censo 2011. Brasília, DF: Letras Livres: Editora UnB, 2013.
  • FOUCAULT, Michel. Aula de 28 de março de 1979. In: FOUCAULT, Michel. O nascimento da biopolítica: Curso dado no Collège de France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008. pp. 365-395.
  • FOUCAULT, Michel. Aula de 30 de janeiro de 1980. In: FOUCAULT, Michel. Do governo dos vivos: Curso no Collège de France (1979-1980). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. pp. 67-84.
  • FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: Nascimento da prisão. 38. ed. Petrópolis: Vozes, 2010.
  • FRANCO, Túlio. Além da medida: Uma etnografia do “tratamento” previsto na medida de segurança em um manicômio judiciário do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2017.
  • FRANCO, Túlio. Colocar o desejo na forma da lei: A tradução jurídica e o intraduzível da loucura em um manicômio judiciário. Cadernos de Campo, São Paulo, vol. 29, n. 1, pp. 53-73, 2020.
  • FRANCO, Túlio. O limite do cuidado: Relações entre Estado e família na desinternação de pacientes de manicômios judiciários. Vivência: Revista de Antropologia, Natal, vol. 1, n. 59, pp. 263-290, 2022.
  • GEERTZ, Clifford. O saber local: Novos ensaios em antropologia interpretativa. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1997. pp. 249-356.
  • GODOI, Rafael. Fluxos em cadeia: As prisões em São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - São Paulo, Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, 2015.
  • GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos São Paulo: Perspectiva, 2013.
  • GOFFMAN, Erving. Os quadros da experiência social: Uma perspectiva de análise. Petrópolis: Vozes, 2012.
  • GONÇALVES, Vitor Sousa. O sistema de justiça juvenil na perspectiva sociológica: Entre frouxa articulação e linha de montagem. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 13, pp. 781-799, 2021.
  • LARMINAT, Xavier de. Un Continuum pénal hybride: Discipline, contrôle, responsabilisation. Champ penal, vol. 11, 2014.
  • MAIR, Johanna; RATHERT, Nikolas. Let’s Talk about Problems: Advancing Research on Hybrid Organizing, Social Enterprises, and Institutional Context. Research in the Sociology of Organizations, vol. 69, pp. 189-208, 2020.
  • MENDES, Cláudia L. S; JULIÃO, Elionaldo F. Trajetórias de vida de jovens em situação de privação de liberdade no sistema socioeducativo do estado do Rio de Janeiro Rio de Janeiro: Degase, 2018.
  • MEPCT-RJ - MECANISMO ESTADUAL DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA DO RIO DE JANEIRO. Presídios com nome de escola: Inspeções e análises sobre o sistema socioeducativo do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: MEPCT-RJ, 2017.
  • MEYER, John W.; ROWAN, Brian. Institutionalized Organizations: Formal Structure as Myth and Ceremony. American Journal of Sociology, vol. 83, n. 2, pp. 340-363, 1977.
  • PADOVANI, Natália C. Sobre casos e casamentos: Afetos e “amores” através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese (Doutorado em Antropologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015.
  • PERES, Maria Fernanda T.; NERY FILHO, Antônio. A doença mental no direito penal brasileiro: Inimputabilidade, irresponsabilidade, periculosidade e medida de segurança. História, Ciência, Saúde: Manguinhos, vol. 9, n. 2, pp. 335-355, 2002.
  • QUIJANO, Aníbal. “Colonialidaddel Poder y Clasificación Social”. Journal of World-Systems Research, vol. 11, n. 2, pp. 342-386, 2000.
  • RIO DE JANEIRO. Lei estadual nº 4583, de 25 de julho de 2005 Dispõe sobre a criação da categoria funcional de inspetores de segurança e administração penitenciária e dá outras providências. Rio de Janeiro: [s. n], 2005. Disponível em: http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/ca2b5fd0bb39eee28325704c006731e6?OpenDocument Acesso em: 27 mar. 2017.
    » http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/ca2b5fd0bb39eee28325704c006731e6?OpenDocument
  • SILVA, Martinho Braga Batista e. As pessoas em medida de segurança e os hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico no contexto do Plano Nacional de Saúde no sistema penitenciário. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, vol. 20, pp. 95-105, 2010a.
  • SILVA, Martinho Braga Batista e. O desafio colocado pelas pessoas em medida de segurança no âmbito do Sistema Único de Saúde: a experiência do PAILI-GO. Physis, vol. 20, pp. 653-682, 2010b.
  • SOUZA, Taiguara L. S. A era do grande encarceramento: Tortura e superlotação prisional no Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Direito) - Rio de Janeiro, Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2015.
  • STEVENSON, Lisa. Life beside Itself: Imagining Care in the Canadian Artic. Oakland: University of California Press, 2014.
  • STEVENSON, Lisa. The Psychic Life of Biopolitics: Survival, Cooperation, and Inuit Community. American Ethnologist, vol. 39, n. 3, pp. 592-613, 2012.
  • THORNTON, Patricia H.; OCASIO, William. Institutional Logics. The Sage Handbook of Organizational Institutionalism, vol. 840, n. 2008. pp. 99-128, 2008.
  • VALADARES, João; BARBON, Julia; TOLEDO, Marcelo. Onze estados têm sistema socioeducativo lotado. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 jul. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/doze-estados-tem-sistema-socioeducativo-lotado.shtml?fbclid=IwAR0s8IXVXbCrhz2fEr3bV98kAYbv2ARH1jPn7S5sQgOtPP8OL87R6ZsgppU Acesso em: 28 maio 2020.
    » https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/07/doze-estados-tem-sistema-socioeducativo-lotado.shtml?fbclid=IwAR0s8IXVXbCrhz2fEr3bV98kAYbv2ARH1jPn7S5sQgOtPP8OL87R6ZsgppU
  • VARGAS, J. D. Fluxo do sistema de justiça criminal. In: LIMA, Renato Sérgio de; RATTON, José Luiz Ratton; AZEVEDO, Rodrigo (org.). Crime, polícia e justiça no Brasil São Paulo: Contexto, 2014, pp. 411-426.
  • VARGAS, J. D.; PLATERO, Klarissa. Homicídio, suicídio, morte acidental…: O que foi que aconteceu? Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 10, n 3, pp. 621-641, 2017.
  • VARGAS, J. D.; RODRIGUES, J.N.L. Controle e cerimônia: O inquérito policial em um sistema de justiça criminal frouxamente ajustado. Sociedade e Estado (UnB. Impresso), vol. 26, pp. 77-96, 2011.
  • VINUTO, Juliana. “O outro lado da moeda”: O trabalho de agentes socioeducativos do estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Autografia, 2020.
  • VINUTO, Juliana; ABREO, Leandro; GONÇALVES, Hebe Signorini. No fio da navalha: Efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural, vol. 24, n. 1, pp. 54-77, 2017.
  • VINUTO, Juliana; BUGNON, Géraldine. Superlotação no sistema socioeducativo: uma análise sociológica sobre normativas e disputas no Brasil e na França. Sociologias, vol. 23, pp. 106-137, 2022.
  • VINUTO, Juliana; FRANCO, Túlio Maia. “Porque isso aqui, queira ou não, é uma cadeia”: As instituições híbridas de interface com a prisão. Mediações, vol. 24 n. 2, pp. 265-277, maio/ago. 2019.
  • VINUTO, Juliana; VARGAS, Joana Domingues; GONÇALVES, Hebe Signorini. “Falta de fechamento”: Conflitos profissionais e centralidade dos procedimentos de segurança no sistema socioeducativo do Rio de Janeiro. Sociedade e Estado, vol. 36, pp. 1037-1058, 2021.
  • WEEGELS, Julienne. Freedom in the Face of Nicaragua’s Hybrid Carceral System. The Cambridge Journal of Anthropology, vol. 38, n. 1, pp. 52-69, 2020.

Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Jan 2023
  • Aceito
    09 Abr 2023
Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, 1, Sala 109, Cep: 20051-070, Rio de Janeiro - RJ / Brasil , (+55) (21) 3559.1926 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: coordenacao.dilemas@gmail.com