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Soberania territorial em disputa: o caso da intervenção da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti e seus impactos no território

Territorial sovereignty in dispute: the case of the intervention of the United Nations Stabilization Mission in Haiti and its impact on the territory

Souveraineté territoriale en litige: le cas de l’intervention de la mission des Nations Unies Pour la Stabilisation en Haïti et ses impacts sur le Territoire

Resumo

O objetivo deste trabalho é fomentar o debate sobre soberania territorial em disputa tendo como foco a intervenção da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah) no território haitiano, partindo da análise de que a soberania se insere no campo semântico da concepção de poder supremo, racionalização jurídica, princípio de ordem ou de legitimidade do poder. Suas fundamentações são variadas, mas todas têm como referência geral a autoridade suprema, o apogeu da estrutura de poder. Entendemos a soberania como uma das ferramentas importantes para o Estado realizar e cumprir seus objetivos, métodos e princípios nos limites de sua jurisdição. Para cada um deles, considera sua ação autônoma dentro de um território como base técnica ou do setor de intervenção. Analisarmos as consequências e implicações da Minustah e de outras ajudas humanitárias ao país, questionando em que sentido aquelas asseguraram ou restabeleceram a normalidade institucional ou a soberania do território haitiano. Para identificar as consequências de tal missão, procedeu-se a uma análise bibliográfica, à qual se somam a análise de documentos e informações em órgãos nacionais e internacionais, artigos científicos, livros e dissertações que tratam das atuações da ONU e da Minustah no território haitiano e a fragmentação de sua soberania.

Palavras-chave:
Soberania territorial; Estado; Território; Minustah

Abstract

The purpose of this article is to bring up a debate on disputed territorial sovereignty with a focus on the intervention of United Nations Stabilization Mission in Haiti (Minustah) in Haitian territory, based on the analysis that the sovereignty of the State to make a permanent and effective decision in any conflict that effectively tries to transform the unity of the territorial social, without excluding the positive law. We understand Sovereignty as one of the important tools for the State to realize and fulfill its objectives, methods, and principles within its jurisdictional limits. For each of them, it thinks its action as much autonomous within a territory like a technical base or the sectors of intervention. We analyze the consequences and implications brought by Minustah and other humanitarian aid to the country, questioning in what sense they ensured and reestablished the institutional normality and the sovereignty of the Haitian territory. In order for the consequences of such a mission to be identified, a bibliographic analysis is carried out. Added to it is the analysis of documents and information in both national and international bodies, scientific articles, books and dissertations that deal with the actions of the UN and Minustah in Haitian territory and the fragmentation of its sovereignty.

Keywords:
Territorial sovereignty; State; Territory; Minustah

Résumé

L’objectif de ce travail est d’établir le débat sur la souveraineté territoriale en dispute en se concentrant sur l’intervention de la Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti (Minustah) dans le territoire haïtien, à partir de l’analyse que la souveraineté s’insère dans son champ sémantique du concept de pouvoir suprême, de rationalisation juridique, de principe d’ordre ou de légitimité du pouvoir. Ses fondements sont variés, mais ils impliquent tous une référence générale à l’autorité suprême, à l’apogée de la structure du pouvoir. Nous comprenons la souveraineté comme l’un des plus importants outils dont dispose l’Etat pour réaliser ses objectifs, méthodes et principes dans les limites de sa compétence. Pour chacun entre eux, il considère son action autonome dans un territoire comme une base technique ou le secteur d’intervention. Nous analysons les conséquences et les implications apportées par la Minustah et les autres aides humanitaires au pays, en nous interrogeant dans quel sens elles ont assuré et rétabli la normalité institutionnelle et la souveraineté du territoire haïtien. Afin d’identifier les conséquences d’une telle mission, une analyse bibliographique est effectuée. À cela s’ajoute l’analyse de documents et d’informations dans les instances nationales et internationales, des articles scientifiques, des livres et des mémoires qui traitent des actions de l’ONU et de la Minustah sur le territoire haïtien et la fragmentation de sa souveraineté.

Mots-clés:
Souveraineté territorial; Etat; Territoire; Minustah

Introdução

Pode-se definir a soberania territorial como o poder de comando final numa sociedade política que busca a racionalização legal do poder no sentido de transformar força ou capacidade coercitiva em poder legítimo, ou seja, de poder de fato em poder de direito ( Miranda, 2004MIRANDA, N. Globalização, soberania nacional e direito internacional. Revista CEJ, Brasília, v. 27, p. 86-94, 2004. Disponível em: Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/211930405.pdf . Acesso em: 20 maio 2021.
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; Cataia, 2010CATAIA, M. A. 2010. Fronteiras: territórios em conflito. In: ENCONTRO PARANAENSE DE ESTUDANTES DE GEOGRAFIA, 13., 2010, Cascavel: Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Anais... Cascavel, PR, 2010. ). Além disso, reproduz uma dupla face, ou seja, interna e externa; pois tem capacidade para manter a paz entre os componentes da sociedade, a fim de permitir ao Estado garantir a ordem social, e enfrentar outros Estados no cenário internacional. Manifesta-se numa esfera de superioridade sobre as forças sociais excessivas presentes na arena política ( Karvat, 2009KARVAT, T. P. Soberania: o desenvolvimento de um conceito na sociedade internacional contemporânea. Cadernos da Escola de Direite Relações Internacionais, Curitiba, v. 2, n. 11, p. 83-114, 2009. ).

Considerando o que foi concebido sobre a racionalização do poder e a superioridade das forças sociais por Foucault (1987FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987. ), a controvérsia do governo (poder jurídico: representativo e responsável versus poder biopolítico e governança) apresenta duas faces do internacionalismo liberal contemporâneo. Tradicionalmente, os liberais aspiraram à ideia de governo que substituiria o poder e a rivalidade bélica dos Estados soberanos. Portanto, Foucault (1994FOUCAULT, M. Dits et écrits. Paris: Gallimard, 1994. ) destaca que seu projeto de internacionalismo liberal era, e continuou sendo, impulsionado e frustrado por discursos de poder jurídico e pela sociedade civil que se desenvolveu no curso da evolução do Estado soberano. Seus sistemas interestatais, atualmente relacionados à governança global, atuam por meio de técnicas biopolíticas de poder.

Existem profundas desigualdades na execução da soberania entre os Estados, na difusão pelo cumprimento do poder, tanto no interior dos territórios, na relação entre Estado e cidadão, quanto nas relações interestatais ( Cataia, 2011CATAIA, M. A. Território político: fundamento e fundação do Estado. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 23, n. 1, p.115-125, 2011. doi: https://doi.org/10.1590/S1982-45132011000100010.
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). Diante disso, a soberania é um elemento importante para o Estado na gestão do território nacional, meio pelo qual detém poder no exercício de sua função, tem controle sobre sua população, bem como a defende em caso de ameaça externa. Atualmente, a noção de soberania é posta em questão pelo fato de que alguns Estados como os EUA e a França, que estão no centro do sistema capitalista, procuram estender seus limites territoriais. Assim, a soberania permite obter poder em escala local a global, tendo como uma das vias a lei internacional estabelecida pela Carta das Nações Unidas em 1945 na Conferência de São Francisco/EUA.

Durante o exercício de suas funções políticas no que tange à gestão da soberania, cada Estado é livre para determinar e cumprir seus próprios objetivos, métodos e princípios que vão conduzir determinadas intervenções. Nessa perspectiva, tais diretrizes de gestão são compartilhadas entre Estados ou entre a própria comunidade internacional na tomada de decisões, onde o poder pode ser mensurado de acordo com a capacidade de desempenhar seu papel proativo no exercício de suas funções.

Compreender a ação do Estado no território continua fundamental, mas é preciso ir além do Estado Westphaliano 1 1 A mudança na ordem internacional a partir de 1648 é marcada por Estados soberanos dentro de suas fronteiras nacionais, onde vigora um regime jurídico-político. O princípio da soberania do Estado Westfaliano seria pautado essencialmente pela delimitação territorial, ou seja, pela definição das fronteiras. A soberania indicava que esse era o poder mais alto do Estado, e o território demonstrava o tamanho desse poder ( Dallari, 2005 ). - um território de exercício do poder do Estado ( Santos, 1993SANTOS, M. O retorno do território. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A.; SILVEIRA, M. L. (org.). Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec , 1993. p. 15-20. ; Ribeiro, 2005RIBEIRO, A. C. T. Território usado e humanismo concreto: o mercado socialmetne necessário. In: ENCONTRO DE GEÓGRAFOS DA AMÉRICA LATINA, 10., 2005, São Paulo. Anais... São Paulo, 2005. p. 12458-12470. ), a exemplo do caso do território haitiano com a intervenção das forças estrangeiras da Missão das Nações Unidas para Estabilização no Haiti (Minustah) em 2004, considerada a intervenção mais intensa da comunidade internacional em países do Terceiro Mundo, pela qual a soberania territorial não é mais governada pelo Estado haitiano.

Diante disso, este trabalho tem como objetivo discutir a questão da soberania territorial a partir do contexto da Minustah no território haitiano, trazendo reflexões sobre a independência e a fragmentação da soberania territorial, a fragilidade do Estado frente à intervenção que o tornou interdependente e com território nacional dominado e as consequências sanitárias e socioeconômicas correspondentes.

A discussão é realizada a partir de um panorama da independência e da fragmentação da soberania territorial do Estado no período contemporâneo com base no caso do território haitiano, perpassando a questão de sua fragilidade a partir da intervenção. Adicionalmente, o trabalho correlaciona a globalização com o conceito de soberania a partir da prática da ajuda humanitária, mostrando dados orçamentários para o território haitiano neste contexto e suas consequências sanitárias e socioeconômicas para a população.

Interdependência e fragmentação da soberania territorial do Estado no período contemporâneo

No período contemporâneo, a soberania confere superioridade ao poder do Estado, no sentido de que, dentro dos limites de sua jurisdição, este não encontra nenhum outro poder que se oponha a suas ações impostas frente ao indivíduo ou a outras estruturas sociais. Do ponto de vista do direito internacional, apesar da relativização da soberania, não há possibilidade de dizer que deixou de ser um elemento essencial no conceito de Estado no que diz respeito ao controle da jurisdição do território. Nesse caso, o Estado passa a deter o monopólio do controle sobre o espaço no limite de sua jurisdição, tomando sua feição moderna, nacional e internacional ( Moraes, 2005MORAES, A. C. R. Território e história no Brasil. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2005. ). Essa superação do particularismo é importante para o domínio capitalista, pois fundamenta a emergência do capital nacional. Mas o Estado pressupõe a individualidade da soberania sobre todos os lugares sob sua jurisdição e a delimitação da formação territorial do espaço.

A soberania territorial em seu autêntico senso de autoridade suprema não existe e não pode existir na ordem externa, pelo fato de que os Estados estão sujeitos ao Direito Internacional por um processo semelhante ao que estão sujeitos na ordem interna, em que os indivíduos se submetem às normas do direito nacional ( Russomano, 1989RUSSOMANO, G. M. C. M. Direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1989. ; Karvat, 2009KARVAT, T. P. Soberania: o desenvolvimento de um conceito na sociedade internacional contemporânea. Cadernos da Escola de Direite Relações Internacionais, Curitiba, v. 2, n. 11, p. 83-114, 2009. ). Entretanto, a ordem externa é guiada por relações de equilíbrio geralmente estáveis e duvidosas entre os diferentes Estados, sendo instrumento poderoso na guerra, que agora é racionalizado por meio de tratados e os coloca em situação de igualdade formal no contexto de uma ordem internacional ( Miranda, 2004MIRANDA, N. Globalização, soberania nacional e direito internacional. Revista CEJ, Brasília, v. 27, p. 86-94, 2004. Disponível em: Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/211930405.pdf . Acesso em: 20 maio 2021.
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).

A coexistência dos Estados estabelece uma relação de independência, mas não de subordinação. Em nível externo, o Estado não pode estar sujeito à lei de outro, mas à ordem jurídica internacional, viabilizando uma limitação à soberania absoluta. A igualdade entre Estados é proclamada desde os Tratados Westphalianos (1648), entretanto, só foi consagrada na Carta de São Francisco, de 1945, que criou a Organização das Nações Unidas (ONU) com base no princípio da igualdade entre seus membros. De acordo com o tratado, cada Estado tem soberania sobre seu território; portanto, a interferência nos assuntos internos de um país é reconhecida como uma violação dos direitos internacionais ( Cataia, 2010CATAIA, M. A. 2010. Fronteiras: territórios em conflito. In: ENCONTRO PARANAENSE DE ESTUDANTES DE GEOGRAFIA, 13., 2010, Cascavel: Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Anais... Cascavel, PR, 2010. ).

Quanto à violação do direito internacional do Haiti por diversos países centrais do sistema capitalista, a divisão de sua soberania é considerada absurda, uma vez que a separação de direitos pode levar a sua própria destruição ( Barros, 1996BARROS, A. E. O conceito de soberania no Methodus de Jean Bodin. Discurso, São Paulo, v. 27, n. 1, p. 139-155, 1996. doi: https://doi.org/10.11606/issn.2318-8863.discurso.1996.140419.
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; Rodrigues, 2010RODRIGUES, E. B. Território e soberania na globalização: Amazônia, jardim de águas sedento. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Pulo, São Paulo, 2010. ). Nesse sentido, cada grupo social tinha um poder central com direitos e, em algumas ocasiões, com posição de superioridade ao Estado territorial.

O território 2 2 De acordo com Milton Santos (2012 ), o território é definido como um espaço social, espaço usado, espaço apropriado, o lugar onde se materializa o cotidiano da vida humana e a reprodução das relações sociais, caracterizado por disputas de poder, dominação e controle. Assim, O território “é o chão das políticas sociais” embora carregue em si contradições, pois caracteriza-se como um terreno clássico de lutas políticas e urbanas e do campo. Conhecer essa realidade e apreender os jogos de interesses e disputas, assim como os limites e aspotencialidades, permite que ele se torne ponto de partida e não de chegada ao processo de elaboração de políticas sociais ( Koga, 2011 ; Sainté, 2017 ). é o limite da competência de um Estado, ou seja, a projeção espacial de sua soberania e autoridade ( Cataia, 2011CATAIA, M. A. Território político: fundamento e fundação do Estado. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 23, n. 1, p.115-125, 2011. doi: https://doi.org/10.1590/S1982-45132011000100010.
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). Assim, o mundo é dividido em entidades políticas nas quais o poder do Estado é exercido, como no caso do Haiti, onde, diante do estabelecimento do poder em seu território, reivindicou legitimidade; ou seja, controle da ordem política, que deve ser reconhecida por todos aqueles que vivem sob o mesmo território e nos arredores de seu círculo eleitoral. Tal ação para legitimar essa ordem política soberana é realizada quando se concede o direito à agressão.

Ao referir o pensamento de Foucault (1987FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 1987. ), a norma se vale do monitoramento como um dos dispositivos mais efetivos. Assim, os efeitos de poder, bem como o autocontrole das atitudes e dos gestos, são produzidos não exclusivamente pela violência física e pela força, mas sobretudo pela intuição de estar sendo vigiado pelo Estado. Para que o monitoramento hierárquico tenha efeitos, este deve ter a sanção normalizadora. A norma regular vai além da punição referida ao indivíduo por ocasião de violações, crimes e delitos, e pretende repelir a possibilidade de um comportamento perigoso, ao fazer uso de pequenas recompensas e correções pelo poder do Estado.

Com o direito que o Estado detém na gestão da ordem política para manter a soberania no limite de sua jurisdição, os poderes associados à soberania são estabelecidos interna e externamente e podem ser determinados na capacidade de decidir por uma guerra ou para assinar um acordo de paz; direito de nomear oficiais e magistrados-chave; moeda emissora; definir e/ou suspender impostos; conceder perdão, anistia e usar legitimamente a violência física para manter a ordem interna e defender o território nacional ( Miranda, 2004MIRANDA, N. Globalização, soberania nacional e direito internacional. Revista CEJ, Brasília, v. 27, p. 86-94, 2004. Disponível em: Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/211930405.pdf . Acesso em: 20 maio 2021.
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). Nesse sentido, a estrutura do território nacional é baseada em marcos legislativos, incluído, em particular, órgãos de legitimação do poder e reconhecimento da soberania ( Cataia, 2011CATAIA, M. A. Território político: fundamento e fundação do Estado. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 23, n. 1, p.115-125, 2011. doi: https://doi.org/10.1590/S1982-45132011000100010.
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). Diante disso, o conceito de soberania acaba mudando de forma, no sentido de que alcança um escopo mais distante da ordem interna, caracterizando determinado Estado-Nação como uma entidade única entre outros membros da comunidade internacional, o que acaba legitimando a soberania de tal nação e não justificando interferências em seus assuntos internos ( Miranda, 2004MIRANDA, N. Globalização, soberania nacional e direito internacional. Revista CEJ, Brasília, v. 27, p. 86-94, 2004. Disponível em: Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/211930405.pdf . Acesso em: 20 maio 2021.
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).

No cenário atual, o Estado é considerado uma unidade específica formada por um conjunto de Estados soberanos num sistema interestadual ( Miranda, 2004MIRANDA, N. Globalização, soberania nacional e direito internacional. Revista CEJ, Brasília, v. 27, p. 86-94, 2004. Disponível em: Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/211930405.pdf . Acesso em: 20 maio 2021.
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), sendo que nenhum Estado moderno é inteiramente soberano, uma vez que sempre há resistência interna a sua autoridade, levando à institucionalização de limites legais à soberania por meio do direito constitucional ( Wallerstein, 2002WALLERSTEIN, I. O fim do mundo como o concebemos. Rio de Janeiro: Revan, 2002. ). Além disso, nenhum Estado era efetivamente soberano externamente, uma vez que sempre houve interesses distintos por parte da comunidade internacional, com limites à soberania estrangeira representado pelo Direito Internacional. Sendo assim, a questão da soberania do Estado passa, então, por uma reavaliação conceitual, destacando as novas diretrizes na propriedade do direito internacional, estabelecendo novas configurações na esfera regulamentadora interna e externa de cada Estado, determinando, por exemplo, diferentes posições diante do problema do poder político.

O sistema jurídico de um território pode ter alguma extensão de espaço, desde que a jurisdição territorial estabeleça interesses comuns para sociedade, o que poderia permitir, por exemplo, maior resistência à mudanças no regime político a partir de rupturas de cunho natural ou político ( Gottmann, 1975GOTTMANN, J. The evolution of the concept of territory. Social Science Information, v. 14, n. 3, p. 29-47, 1975. doi: https://doi.org/10.1177/053901847501400302.
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). Nessa perspectiva, o território agora é considerado um limite usado para determinar uma área que circunda uma cidade-estado e que pode ser estabelecida sob sua jurisdição, sem a existência de um poder unitário central ( Cataia, 2011CATAIA, M. A. Território político: fundamento e fundação do Estado. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 23, n. 1, p.115-125, 2011. doi: https://doi.org/10.1590/S1982-45132011000100010.
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).

Geralmente, um território é constituído na medida em que sua inércia é grande demais para ter permanecido sem danos, pois pode ser apreciada por fragmentações socioeconômicas e infunde as qualidades das ações subsequentes, permitindo que o Estado tenha controle fundamental sobre o espaço e a sociedade. Assim, a natureza vem da divisão tripartida da geografia política sobre população, território e recursos naturais; determinando os possíveis horizontes da ação de interesses entre os Estados e regulamentação de recursos ( Raffestin, 1993RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. ; Koga, 2011KOGA, D. Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez, 2011. ). Desse modo, o território é o cenário de poder e o lugar dos relacionamentos, mas sem a população, é apenas um potencial, um dado estático para se organizar e integrar em uma estratégia.

O Estado territorial é necessário, pois é o criador de condições normativas e de infraestrutura que garantem o êxito dos investimentos principalmente em grandes capitais, considerado uma instituição racionalizadora da dominação territorial, de modo que a análise política em geografia estabelece como profissão o domínio do conhecimento que examina as relações entre o poder do Estado ( Cataia, 2011CATAIA, M. A. Território político: fundamento e fundação do Estado. Sociedade e Natureza, Uberlândia, v. 23, n. 1, p.115-125, 2011. doi: https://doi.org/10.1590/S1982-45132011000100010.
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). À medida que o território do Estado se torna considerável, a pluralidade da força coletiva tende a crescer, assim como riqueza e poder, tornando o espírito social mais rico na medida em que o progresso do Estado se estende pelo território, satisfazendo a população pela administração e pela organização socioespacial do território e do Estado.

O Estado era estritamente um agente que reivindicava um direito legítimo e foi enriquecido com recursos suficientes para estabelecer e fazer cumprir as regras e padrões que inspiraram os negócios em determinados territórios, com regras e padrões que se espera transformar a contingência em uma determinação de ambivalência regulatória ( Bauman, 1999BAUMAN, Z. A globalização: consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. ). Assim, o comando de determinado setor no contexto global exige o estabelecimento de um Estado dotado de soberania, o que significa ter a intenção de impor a ordem preferida em vez de outros modelos alternativos. No caso do Haiti, no que se refere ao Estado na busca de uma nova forma de manter o controle e impor a ordem no território, houve uma crise sociopolítica seguida do exílio do presidente Jean-Bertrand Aristide. Contínuos esforços foram exigidos para purificar, transferir e condensar o poder social, que requer recursos do Estado da forma burocrática ( Miranda, 2004MIRANDA, N. Globalização, soberania nacional e direito internacional. Revista CEJ, Brasília, v. 27, p. 86-94, 2004. Disponível em: Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/211930405.pdf . Acesso em: 20 maio 2021.
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).

Na compreensão dos contextos geopolíticos e geográficos de manter controle da soberania do território, o Estado busca ser coextensivo em qualquer relação, tornando inútil distinguir um poder político, econômico e cultural ( Raffestin, 1993RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. ). Como qualquer relacionamento é uma arena de poder, isso significa que este está intimamente ligado à manipulação dos fluxos que cruzam e desconectam o relacionamento, o conhecimento, a energia e a informação, permitindo que dois Estados entrem em contato e em conflito. Não se trata da posse de um território, mas de sua população e de seus recursos ( Raffestin, 2013RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. ).

No território haitiano, a relação território/sociedade se expressa no próprio espaço interno, constituído pela sociedade que vive no território haitiano, que resulta da totalidade de múltiplas instâncias derivadas de um componente complexo com vetores mais ou menos poderosos para determinar a existência espacial do Haiti. O alcance das autoridades sociais não é estritamente espacial, mas especializado, na medida em que não é possível pensar na dinâmica dos circuitos econômicos no sistema de ações que caracterizam as desigualdades numa sociedade, no poder entre Estados, identidades culturais, diferenças sociais separadas do espaço, entre outras, como se verifica no Haiti a partir da súbita intervenção militar da Minustah em 2004.

Com as sucessivas intervenções em seu território (EUA - 1915-1934, França e Canadá, além de organizações internacionais como ONG, a ONU e a OEA), sugere-se que, de fato, o Estado haitiano nunca foi soberano. Nesse contexto, o conceito de soberania tornou-se irrelevante ( Félix, 2015FÉLIX, G. La souveraineté, un non-référent pour Haïti. Nouvelliste - Idées et Options, 30 sept. 2015. Disponível em: Disponível em: https://lenouvelliste.com/article/148862/la-souverainete-un-non-referent-pour-haiti . Acesso em: 24 maio 2021.
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), e a entrada no novo milênio não é diferente dos séculos anteriores, contra um povo que ainda vive os reveses da negação da soberania. Nesse sentido, a presença de novas forças multinacionais, tanto da ONU quanto das ONG, é acobertada pela pretensão ou farsa do “destino manifesto” para América Latina e Caribe, tornando improvável uma real consolidação da política nacional interna por parte do Estado. A Figura 1 apresenta a localização geográfica do Haiti.

Figura 1
Mapa de localização do Haiti com seus respectivos limites departamentais e suas capitais e capital nacional

O Haiti passa, então, a depender de forças políticas e econômicas externas, sejam de Estados e/ou de organizações internacionais. Em consequência, a atuação de milícias, o caos social e a violência em que o país permaneceu acabaram oferecendo as justificativas necessárias aos atores internacionais para intervirem nos assuntos internos, juntamente com a dificuldade de estabelecer um sistema democrático e a crise econômica que perdura. Sendo assim, o que seria uma ajuda humanitária, apesar de alguns aspectos positivos, pode acabar aumentando problemas no âmbito socioeconômico.

A manutenção da paz contra a violência e o combate à pobreza são as principais justificativas de interferências por parte da ONU, tanto no Haiti como em outros países do Terceiro Mundo. O número de operações de prevenção e resolução de conflitos realizados pela organização tem aumentado ao longo dos anos. Diante disso, há interesses geopolíticos e econômicos e estratégicos dos agentes hegemônicos em explorar momentos de tragédias de grande magnitude - como foi o caso do Haiti com o terremoto de 12 de janeiro de 2010.

No Haiti, a consequência dessa ação foi o enfraquecimento da legitimidade do Estado no exercício de sua função, tanto na esfera interna quanto nas relações externas. O não cumprimento do seu papel na gestão de conflitos em seu território leva à fragmentação da soberania do Estado nacional e oferece justificativa plausível para intervenções de forças estrangeiras como a ONU e a Minustah, que são discutidas na próxima seção, para melhor compreensão dessa intervenção no território haitiano.

Fragilidade do Estado e a intervenção da Minustah: interdependência e dominação do território nacional

A função do Estado, no que concerne ao território, permanece sempre a mesma em princípio; o Estado protege o território contra os ataques externos que tendem a diminuí-lo. Na evolução política, a defesa das fronteiras 3 3 A fronteira não é considerada apenas um meio de diversificação territorial, mas também um meio de distinção temporal. Assim, é consenso na literatura que é com o surgimento do Estado Moderno que a fronteira linear ou limite, necessariamente demarcado, torna-se fundamental para a construção do Estado, que precisou impulsionar os critérios de soberania territorial. Essa lógica responde à idealização moderna de fronteira como delimitação territorial do Estado ( Cataia, 2010 ; Raffestin, 1993 ). Ao reconhecer a presença dos limites em zonas para que o Estado exerça a soberania, Ferrari (2014 ) ressalta que as fronteiras lineares evidenciam uma realidade política territorial particularizada, vinculada à noção de fronteira. Essa limitação entende-se por definição da linha de inserção de marcas sobre o território, possibilitando perceber o início ou o fim de um controle político territorial do Estado, podendo ser entendido como linha de controle legal de Estado-nação. Ao mesmo tempo, faz com que a fronteira seja mantida como um espaço geográfico entre dois ou mais sistemas estatais distintos. não é a única a servir a esse objetivo; o comércio, ao desenvolver todos os recursos do território, também é fundamental e pode aumentar o poder do Estado ( Ratzel, 1983RATZEL, F. O solo, a sociedade e o Estado. Revista do Departamento de Geografia, São Paulo: FFLCH-USP, n. 2, p. 93-101, 1983. ). Assim, os territórios podem ser construídos a partir de um espaço onde executaram um trabalho nas relevantes relações marcadas pelo poder e pela dominação ( Santos, 1993SANTOS, M. O retorno do território. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A.; SILVEIRA, M. L. (org.). Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec , 1993. p. 15-20. ). Nesse sentido, o território passa a ser considerado “a prisão que os homens criaram para si e o espaço é a prisão original” ( Raffestin, 1993RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. , p. 144).

No caso da intervenção da força na comunidade internacional e de sua dominação no território nacional, os Estados, nesse aspecto, não são vistos como unidades congruentes e a segurança não seria mais incondicionalmente o propósito relevante ( Keohane; Nye, 1989KEOHANE, R.; NYE, J. Power and interdependence. New York: Longman, 1989. ). Assim, a pluralidade de agentes, as organizações internacionais e a diversidade de conteúdos essenciais na política internacional, fazem com que os objetivos dos Estados sejam muito difíceis e complexos.

No ano de 2004, com a intervenção da Minustah, o Haiti passou a sofrer intervenções de diversos atores e forças militares de outros países, que atuavam no controle do território ao mesmo tempo em que as disputas por seu uso e sua ocupação cresciam gradativamente, juntamente com problemas sociais. Souza Junior e Vargas (2014SOUZA JUNIOR, B. C.; VARGAS, M. A. M. Território, identidade e territorialidades em assentamentos rurais, 2014. Disponível em: Disponível em: https://livrozilla.com/doc/1593173/territ%C3%B3rio--identidade-e-territorialidades-em . Acesso em: 20 maio 2021.
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) afirmam que essas disputas eram pelo poder, corroborando o fato de que território e poder constituem um par dialético. Tais relações de poder são caracterizadas por uma organização social e política dada, resultando inevitavelmente em conflitos menos ou mais intensos.

As capacidades organizacionais em determinado Estado são essenciais para o processo de barganha e podem ter efeitos determinantes no resultado das negociações entre os diversos atores políticos desse país ( Keohane; Nye, 1989KEOHANE, R.; NYE, J. Power and interdependence. New York: Longman, 1989. ). Sendo assim, quando o Estado não está disposto ou não é capaz de suportar a “responsabilidade” de sua própria soberania, outros atores acabam tendo grande potencial de interferência nas demandas do país ( Seixas, 2008SEIXAS, E. C. C. Governação global e ajuda ao desenvolvimento: “dilemas” das ONGIs nas periferias do sistema internacional. e-cadernos CES, n. 2, 2008. doi: https://doi.org/10.4000/eces.1429.
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).

Essas normas que mantêm a organização internacional e a governança das forças militares no território haitiano, difundem a concepção de inclusão e cooperação, que é a matriz atual da globalização ( Santos, 1993SANTOS, M. O retorno do território. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A.; SILVEIRA, M. L. (org.). Território, globalização e fragmentação. São Paulo: Hucitec , 1993. p. 15-20. ). A intervenção humanitária baseia-se na prática de intervenção militar para fins humanitários aparentes, dependendo de forças militares do país, mas principalmente de forças militares externas para alcançar seus objetivos e exercer suas funções. Sendo assim, observa-se complexidade quando a intervenção humanitária justifica a ação militar da ONU no Haiti, uma vez que diminui o poder do Estado e passa a ser conduzido por agentes externos ( Artiaga, 2012ARTIAGA, R. R. G. O Brasil e a intervenção humanitária no Haiti (2004-2011). Dissertação (Mestrado em Economia Política Internacional) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. ).

O envolvimento da ONU na política do Haiti teve início em 1981 por agências especializadas, como a Comissão e a Subcomissão de Direitos Humanos e outras organizações. A saída do presidente Jean-Claude Duvalier, ou Baby Doc, permite que a ONU estabeleça o primeiro contato no Haiti por meio de atores políticos e organizações não governamentais de direitos humanos. Durante esse período, a Assembleia Geral das Nações Unidas implementou uma série de medidas de assistência econômica no Haiti, sendo que após da década de 1990, uma missão de observação da ONU apoiou um processo eleitoral dentro da estrutura convencional de descolonização e resolução de conflitos ( Pouligny-Morgant, 1998POULIGNY-MORGANT, B. L’intervention de l’ONU dans l’histoire politique récente d’Haïti: les effets paradoxaux d’une interaction. Pouvoir dans la Caraïbe, Revues Du CRPLC, v. 10, p. 135-190, 1998. ).

Em 1994, com a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, os EUA lançaram a Operação “Restaurar a Democracia”. Essa intervenção foi justificada sob a égide da ONU, enfatizando a necessidade de restaurar a democracia no Haiti ( Pouligny-Morgant, 1998POULIGNY-MORGANT, B. L’intervention de l’ONU dans l’histoire politique récente d’Haïti: les effets paradoxaux d’une interaction. Pouvoir dans la Caraïbe, Revues Du CRPLC, v. 10, p. 135-190, 1998. ). Assim, a Resolução n. 940/1994, autorizada pelo Conselho de Segurança, apoiou o envio de força multinacional com 20.000 soldados, com a justificativa de facilitar o rápido retorno das autoridades haitianas legítimas e manter a segurança e a estabilidade no país, promovendo a Estado de direito no território nacional. Posteriormente, houve mais uma série de missões da ONU entre 1994-2001, incluindo a Missão das Nações Unidas no Haiti (Minuh), que assumiu todas as suas funções em março de 1995; além da Missão das Nações Unidas no Haiti (Unsmih), Missão de Transição das Nações Unidas para o Haiti (Untmih) e a Missão de Polícia Civil das Nações Unidas no Haiti (Miponuh).

Em 2002, as tropas americanas se retiraram gradualmente do Haiti e permitiram que a missão da ONU se transformasse numa missão de construção da paz. Essa Missão Internacional de Apoio Civil ao Haiti (Micah) incluiu 80 consultores técnicos da ONU que assessoraram o governo haitiano, fornecendo apoio nas áreas de policiamento, justiça e direitos humanos ( Cavallaro, 2005CAVALLARO, J. Mantendo a paz no Haiti? Uma avaliação da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti usando o cumprimento de seu mandato como parâmetro de sucesso. Cambridge, MA: Harvard Law Student Advocates for Human Rights, 2005. ). Já em 2004, diante da falência do país, a situação acabou atraindo a produção do conhecimento por parte de especialistas, o que resultou, por exemplo, na criação do índice da comunidade internacional, que oferece 12 indicadores para identificar um Estado falido: pressão demográfica, taxa de deslocados e refugiados, ocorrência de desastres coletivos, migração e fuga de cérebros, desenvolvimento desigual, pobreza e declínio econômico, legitimidade do Estado nos serviços públicos, direitos humanos e Estado de Direito, aparato de segurança, fragmentação das elites e intervenção externa ( Verlin, 2014VERLIN, J. Haïti: État failli, État à (re)construire. Cahiers des Amériques Latines, n. 75, p. 25-40, 2014. doi: https://doi.org/10.4000/cal.3093.
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).

A situação da segurança no Haiti deteriorou-se e exacerbou-se especialmente em 2003, devido aos distúrbios que ocorreram em Gonaives e à formação de um grupo de milícias. Aristide foi, então, forçado ao exílio em 29 de fevereiro 2004, acompanhado pelas forças especiais do exército americano, fato que alguns consideraram uma espécie de golpe de Estado orquestrado pelos países do centro do sistema capitalista. Entre os países do Terceiro Mundo que sofreram intervenção internacional, o Haiti é considerado o de maior intervenção, de acordo com o índice da comunidade internacional, comparável à Libéria e ao Afeganistão. Nesta análise, esse índice foi criado a partir dos indicadores “ajuda externa”, “presença de missões de paz”, “presença de missões da ONU”, “intervenção militar estrangeira”, “sanções” e “avaliações de crédito”. Como resultado, a construção concreta da metodologia para tal intervenção parecia funcional num Estado fraco, contudo, a construção do indicador suscita controvérsias quanto à força da medida ( Verlin, 2014VERLIN, J. Haïti: État failli, État à (re)construire. Cahiers des Amériques Latines, n. 75, p. 25-40, 2014. doi: https://doi.org/10.4000/cal.3093.
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).

Na complexidade das intervenções humanitárias, é possível encontrar nas da Minustah diversas correntes, destacando-se duas delas: uma entende que as intervenções provêm de um sistema internacional que beneficia a desigualdade e outra que ela se deve à polarização dos interesses geopolíticos dos países no centro do sistema capitalista ( Artiaga, 2012ARTIAGA, R. R. G. O Brasil e a intervenção humanitária no Haiti (2004-2011). Dissertação (Mestrado em Economia Política Internacional) - Instituto de Economia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. ). Com base nessas premissas, a ONU enviou ao Haiti em 2004 uma missão de paz liderada pelo Brasil.

Além do exercício do comando militar da missão, o Brasil já contribuiu com treze mil homens no Haiti. Esse contingente é equivalente a aproximadamente 4,5% das forças armadas do país e às forças internacionais que compõem a Minustah, com a participação brasileira correspondendo a aproximadamente 18% ( Hirst; Lima, 2010HIRST, M.; LIMA, M. R. S. Haïti: quelle refondation ? Análise de conjuntura OPSA, Observatório Sul-Americano/Instituto de Estudos Sociais e Políticos Iesp-Uerj, n. 2, p. 1-19, 2010. ). O Quadro 1 mostra 19 países participantes da operação militar da Minustah/ONU no Haiti em 2016, composta pela Força Policial das Nações Unidas (Unpol) e 2.361 soldados.

Quadro 1
Força policial da ONU e forças militares da Minustah no território haitiano em 2016, por país

A força policial da ONU no Haiti amplia a vigilância nas principais cidades do país e em numerosos campos de deslocados, presta assistência especializada em investigações e apoia a reforma, reestruturação e reconstrução da polícia nacional haitiana por meio de treinamento e aconselhamento. Desse modo, o Estado frágil que o Haiti está enfrentando atualmente com a comunidade internacional, em particular a ONU, a OEA, a Minustah, os países doadores e a sociedade civil internacional não podem contribuir para fortalecer a democracia haitiana ou a soberania local, mas desempenham um papel de protetorado territorial ( Hirst; Lima, 2010HIRST, M.; LIMA, M. R. S. Haïti: quelle refondation ? Análise de conjuntura OPSA, Observatório Sul-Americano/Instituto de Estudos Sociais e Políticos Iesp-Uerj, n. 2, p. 1-19, 2010. ). Por outro lado, o Haiti e a soberania se enfraquecem pelas intervenções internacionais de manutenção da paz.

Globalização, soberania e ajuda humanitária

A globalização hoje representa um desafio importante para o exercício da soberania do Estado no contexto do direito internacional ( Bauman, 1999BAUMAN, Z. A globalização: consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. ). Esses desafios podem levar um país a uma crise de soberania, no sentido de questionar não apenas a utilidade do conceito e explicar as características atuais do fenômeno, mas também o que seria, de fato, objeto da soberania territorial. Nesse sentido, na escala nacional e internacional, os limites da soberania do Estado surgem a partir de circunstâncias que muitas vezes não condizem com a capacidade de intervenção de determinado país, pelo fato de ser baseada nos princípios do Direito Internacional, e não na imposição dos interesses de países com maior poder militar e/ou econômico ( Miranda, 2004MIRANDA, N. Globalização, soberania nacional e direito internacional. Revista CEJ, Brasília, v. 27, p. 86-94, 2004. Disponível em: Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/211930405.pdf . Acesso em: 20 maio 2021.
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).

Nessa perspectiva, a intervenção da Minustah ou de forças estrangeiras é uma intrusão cujo objetivo é restaurar o status quo , sem buscar vantagem visível para quem interfere, apresentando uma categoria objetiva para defender os interesses específicos de um ator ou grupo de atores. Se trata de um exercício incondicional de um poder apto e reproduz o Estado de natureza hobbesiana 4 4 O principal aspecto que apresenta o estado de natureza hobbesiana é a completa ausência de um poder comum aceito por todos os homens. Não há leis. Estabelecer, promulgar e fazer cumprir as leis são funções exclusivas do Estado. A justiça e a propriedade têm início com a constituição do Estado ( Kesserlring, 1989 ). no cenário internacional ( Seitenfus, 2012SEITENFUS, R. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. ). Quanto à assistência levada ao Haiti, o poder de conceder ao Estado a proteção de seu território é inseparável da soberania nacional, contudo, é cada vez mais plutocrático que os próprios direitos das potências ocidentais imperialistas de interferir na soberania dos países, precisam de menos pretextos para obtê-las ou trazê-las de volta à dominação ( Fils-Aimé, 2013FILS-AIMÉ, M. A. Souveraineté nationale ou souveraineté populaire pour Haïti? L’idéologie nationaliste et l’Etat de droit au service de la nation oligarchique. Rencontre - Revue Haïtienne de Société et de Culture, n. 28-29, p. 34-40, 2013. Disponível em: Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/Haiti/cresfed/20130513051246/art4.pdf . Acesso em: 20 maio 2021.
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). Esse é o principal ponto que colocou o Haiti desde 2004 na ordem da Minustah.

No período atual, ao oferecer ajuda humanitária no Haiti e em outras áreas que têm situação semelhante, os países dominantes estendem seu território para controlar seus interesses, usando outros territórios, como Michel Foucault (2003FOUCAULT, M. Society must be defended: lectures at the Collège de France (1975-76). Trad. David Macey. New York: Picador, 2003. ) o chamou de “efeito boomerang”, ou seja, o controle/monitoramento dos países mais ricos por meio de ações nos mais pobres com o objetivo de experimentar novas técnicas de controle e usá-las em seus territórios. Portanto, invadir militarmente o território de países do Terceiro Mundo enfraquece o poder dos Estados locais e fortalece a hegemonia de países que atuam na linha de frente, gerando conflitos velados de ajuda humanitária e aumento da pobreza.

Orçamento da ONU no Haiti a partir de 2004

No que se refere aos gastos da ONU nos contingentes da Minustah no Haiti durante o período de 2004 a 2016, observou-se dados orçamentários que foram analisados em três grandes períodos, sendo 2004 a 2009, 2010 a 2012 e 2013 a 2016. O cálculo revelou que 90% dos gastos da ONU no Haiti giram em torno da segurança ( Hirst; Lima, 2010HIRST, M.; LIMA, M. R. S. Haïti: quelle refondation ? Análise de conjuntura OPSA, Observatório Sul-Americano/Instituto de Estudos Sociais e Políticos Iesp-Uerj, n. 2, p. 1-19, 2010. ). A Figura 2 apresenta os gastos da ONU em contingentes militares no Haiti durante o período de 2004 a 2016.

Figura 2
Gastos da ONU em contingentes da Minustah no Haiti - 2004 a 2016

O primeiro período analisado (2004-2009), quando o Haiti havia passado por mudanças políticas e sociais devido à interferência da ONU no território haitiano pela Resolução n. 59/17, de 29 de outubro de 2004, autorizando o Conselho de Segurança a disponibilizar um crédito de US$ 221,7 milhões para custeio e manutenção da operação, mencionado na seção IV da Resolução n. 49/233 da Assembleia Geral da ONU.

Posteriormente, após aprovação da Resolução n. 1.608 do Conselho de Segurança de 22 de junho 2005, o relatório com o valor revisado passou para US$ 518,8 milhões. Nesse período, havia um aumento dos orçamentos pela manutenção da Minustah se for comparado ao período anterior (seria o dobro do orçamento anterior), embora tenha diminuído no período de 2006/2007 com a Resolução n. 60/18B, de 30 de junho de 2006 ( ONU, 2006ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti. S/2006/60. 2006. Disponível em: Disponível em: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/2006/60 . Acesso em: 20 mar. 2018.
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).

Em 2007, sete membros da Minustah morreram e 35 foram evacuados por motivos sanitários, além de outras 40 pessoas que foram levadas a unidades de saúde, o que acabou gerando preocupação da ONU com a integridade do contingente. Houve uma baixa de alguns membros que precisaram retornar a seu país de origem por diversos motivos, como vítimas de ataques, por exemplo. Nesse sentido, a Assembleia Geral da ONU aproveitou aprovou a Resolução nº 61/284, de 2007, para aumentar o orçamento da manutenção da força de paz no Haiti, sendo esse custo estimado em US$ 535,4 milhões para o período de 1º de julho de 2007 a 30 de junho de 2008 ( ONU, 2007ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti. S/2007/503. 2007. Disponível em: Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/4853945A02491C8D8525734C0054AF2B-Full_Report.pdf . Acesso em: 20 mar. 2018.
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).

Já em 2008, a Resolução n. 62/261 permitiu o Conselho de Segurança alimentar os gastos dos contingentes das tropas da ajuda humanitária com o valor de US$ 574,9 milhões no período de 1º de julho de 2008 a 30 de junho de 2009 ( ONU, 2008ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti. S/2008/202. 2008. Disponível em: Disponível em: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/2008/202 . Acesso em: 20 mar. 2018.
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, p. 19). Nesse sentido, em 2009 continuou a aumentar significativamente o número de soldados da ONU, com a perspectiva de especular que havia uma guerra civil no território haitiano para aumentar o uso das tropas.

No segundo período analisado (2009-12), a Assembleia Geral da ONU decidiu com a Resolução n. 63/294 aumentar o orçamento para US$ 611,7 milhões para manter permanentes suas tropas no território haitiano por período de julho de 2009 a junho de 2010 ( ONU, 2009ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti. S/2009/129. 2009. Disponível em: Disponível em: http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=S/2009/129 . Acesso em: 20 mar. 2018.
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) e sob a Resolução n. 64/278, de 24 de junho de 2010, ao engajar um orçamento de US$ 853,8 milhões. Ressalta-se que, durante este período, o orçamento dessa missão foi reduzido de maneira drástica em decorrência da tragédia de 12 de janeiro de 2010 ( ONU, 2010ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti. S/2010/200. 2010. Disponível em: Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/5E86A26437F6A83085257712006FCD5D-Full_Report.pdf . Acesso em: 20 mar. 2018.
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). Porém, sob os auspícios da ONU, com a Resolução n. 65/256, em 2011, autorizou o Conselho de Segurança a diminuir o orçamento dos soldados humanitários a US$ 793,5 milhões um ano depois a tragédia ( ONU, 2010ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti. S/2010/200. 2010. Disponível em: Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/5E86A26437F6A83085257712006FCD5D-Full_Report.pdf . Acesso em: 20 mar. 2018.
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).

Se for observado o terceiro período (2013-16), a Resolução n. 66/277 permitiu a aprovação de um aumento no orçamento da Minustah, viabilizando um crédito de US$ 648,4 milhões para financiar a tropa da ajuda humanitária no Haiti e o Conselho de Segurança aprova um aumento do orçamento da Minustah ao Haiti. Em junho de 2013, havia um total de 1.070 soldados que foram repatriados para o Haiti, e as tropas passaram a ter um efetivo de 6.270 tropas. Além disso, no mesmo período, houve uma redução de 640 membros da força policial dentro de 2.601 membros que estavam no Haiti, incluindo 50 agentes penitenciários ( ONU, 2013ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti. S/2013/139. 2013. Disponível em: Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/Report%20of%20the%20Secretary-General%20on%20the%20United%20Nations.pdf . Acesso em: 20 mar. 2018.
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).

Com a Resolução n. 67/275, de 28 de junho de 2013, a Assembleia Geral apropriou os custos da Minustah no valor de US$ 609,2 milhões para o período de 1º de julho de 2013 a 30 de junho de 2014. Em seguida, para o ano de 2014 a junho de 2015, a Assembleia Geral da ONU, com a Resolução n. 68/289, reduziu os custos da missão a US$ 500 milhões devido à diminuição dos efetivos no Haiti. Neste contexto, com a nova Resolução n. 69/299 de 14 de outubro de 2015, a Assembleia Geral da ONU estimou os custos em US$ 380,4 milhões para manutenção da Minustah no período de 1º de julho de 2015 a 30 de junho 2016 ( ONU, 2015ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti. S/2015/667. 2015. Disponível em: Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/N1525971.pdf . Acesso em: 20 mar. 2018.
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).

A redução da presença operacional da Minustah, frente ao progresso dos acordos mútuos no plano de consolidação de 2013-2016, resultou no aumento da capacidade das autoridades nacionais em tomar suas próprias decisões, assim como desempenhar papel importante no Conselho Eleitoral Provisório na organização de eleições, fazendo com que, por exemplo, a polícia nacional se torne independente do apoio operacional da força da Minustah ( ONU, 2015ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Report of the Secretary-General on the United Nations Stabilization Mission in Haiti. S/2015/667. 2015. Disponível em: Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/N1525971.pdf . Acesso em: 20 mar. 2018.
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). Essa mudança permitiu uma redução de 52% no orçamento da Missão de Paz da ONU entre os anos fiscais de 2011-2012 e 2015-2016.

Em contrapartida, esses recursos financeiros provenientes da comunidade internacional para a manutenção da Minustah poderiam concorrer para o desenvolvimento de infraestruturas e programas sociais e para criar mecanismos para maior participação da população no contexto político do país. Essa missão pode ser transformada em algo para o qual não foi concedida, pois aparece como a força e, ao mesmo tempo, a fraqueza, ou seja, tem vitalidade porque se impôs em alto nível de segurança e é fraca porque não é capaz de enfrentar os problemas estruturais do país, o que contribui para a insegurança e a instabilidade políticas ( Hirst; Lima, 2010HIRST, M.; LIMA, M. R. S. Haïti: quelle refondation ? Análise de conjuntura OPSA, Observatório Sul-Americano/Instituto de Estudos Sociais e Políticos Iesp-Uerj, n. 2, p. 1-19, 2010. ).

Com a implementação desses projetos, a direção da ordem mundial não pode ser improvisada, razão pela qual existe essa estrutura de intervenção de países frágeis em Estados falidos. Os líderes desses Estados são responsáveis por tal situação e, devido à falta de gestão, ensejam o enfraquecimento e a ausência do Estado no sentido sociopolítico. No entanto, a causa desse Estado frágil no Haiti é a falta de estruturas nacionais favoráveis, autonomia e capacidade de responsabilidade, concorrendo para o controle e a dominação do território nacional por parte da ONU.

Em consequência da dominação por parte da ONU/Minustah, os conflitos existentes sempre são uma grande oportunidade para que países mais fortes tirem novos benefícios e aumentem o lucro, além de estabelecer novos negócios durante esse processo ( Klein, 2008KLEIN, N. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Trad. Vania Cury. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. ). Para defender o interesse da dominação global, a ONU sempre responsabiliza os países vitimados por seus atos, em vez de proteger a soberania do território haitiano. Esses motivos econômicos não foram as únicas justificativas dessas guerras e intervenções militares nos países do Terceiro Mundo, mas em cada uma delas um grande trauma coletivo foi explorado com o objetivo de preparar o terreno para a nova terapia de choque econômico.

Na análise e na prática das relações internacionais, há atividades políticas que podem ou não ser mais guiadas por uma ideologia, mas que são, na realidade, movidas por interesses e poder geoestratégicos. Nesse sentido, na coextensiva de qualquer relacionamento, torna-se inútil distinguir um poder político, econômico e cultural ( Raffestin, 1993RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. ). Cada relação num lugar de poder significa que o poder está intimamente ligado à manipulação de fluxos por meio dela, a saber, energia e fluxos de informação que permitem ao Estado manter o controle territorial. Segundo o autor, tais particularidades “permitem dois Estados a entrarem em conflitos, não pela posse de aquisição de um pedaço do território que está em questão, mas, é o que ele contém como população e de recursos que está em jogo” ( Raffestin, 1993RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. , p. 58).

A soberania do Haiti é, então, interceptada pelo exercício de forças externas que operam de maneira contraditória, sob manipulação e privação de liberdade no exercício de poder, gerando uma série de ameaças físicas e morais e divisão social, entre outras. Assim, além de reduzir o poder nacional, lhe impõe uma série de dificuldades e desafios, levando-o a renunciar a suas liberdades inalienáveis e imprescritíveis, assim como a seu território nacional ( Sainté; Lämmle, 2019SAINTÉ, G.; LÄMMLE, L. O Estado e a política da urbanização: nova perspectiva para o desenvolvimento socioeconômico da cidade de Porto Príncipe (Haiti). Revista de Geografia e Ordenamento do Território, n. 18, p. 179-208, 2019. doi: http://dx.doi.org/10.17127/got/2019.18.008.
https://doi.org/10.17127/got/2019.18.008...
).

Consequências sanitárias e socioeconômicas

Os custos da operação da Minustah seria o antagonismo entre o desejo de criar estabilidade no Haiti para o desenvolvimento socioeconômico, o enriquecimento dos atores internacionais, e o crescimento da miséria na população ( POHDH, 2012POHDH. PLATEFORME DES ORGANISATIONS HAÏTIENNES DES DROITS HUMAINS. Regard sur la situation des Droits Humains en Haïti durant l’année 2012. Compilation des rapports, 2012. p. 4-93. Disponível em: Disponível em: http://pohdh-ht.org/IMG/pdf/compilation_rapports_pohdh_2012.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020.
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). Contudo, o que se vê é pobreza, desemprego, crises sanitárias, carência de educação de qualidade e dependência socioeconômica. No âmbito sanitário, por exemplo, de acordo com Besen (2013BESEN, D. C. O Haiti nos tempos de cólera: A segurança humana e o papel das organizações não governamentais nas tragédias haitianas. CADRI, PUC. Rio, 012. Disponível em: Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/23756/23756.PDF . Acesso em: 14 fev. 2019.
https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/2375...
), a epidemia de cólera de outubro de 2010 desencadeada no país foi tão drástica que foi declarada pelo governo haitiano como problema de segurança nacional. Esses fatores estão em total contradição com a missão que é atribuída à Minustah, como a estabilidade, a segurança, o respeito e a proteção dos direitos humanos ( POHDH, 2012POHDH. PLATEFORME DES ORGANISATIONS HAÏTIENNES DES DROITS HUMAINS. Regard sur la situation des Droits Humains en Haïti durant l’année 2012. Compilation des rapports, 2012. p. 4-93. Disponível em: Disponível em: http://pohdh-ht.org/IMG/pdf/compilation_rapports_pohdh_2012.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020.
http://pohdh-ht.org/IMG/pdf/compilation_...
).

Durante muito tempo a economia haitiana declinou como consequência da queda na produtividade e da baixa competitividade no país, no qual resultou no aumento da dependência dos produtos importados. A Figura 3 mostra a variação na taxa de desemprego no Haiti durante o período de 2006 a 2012. Destaca-se que a população do país é de 11,12 milhões de habitantes (2018). Pode-se dizer que diminuiu ligeiramente de 7,3% para 7,2% em 2007; 7,4% em 2008, e 7,1% em 2009. Em 2010, ano que ocorreu o terremoto, a taxa de desemprego aumentou em 8,1. Em 2011, passou a baixar novamente, em 6,8%, e em 2012, a taxa do desemprego passou a ser de 7%. Entre os anos de 2013 e 2014 não havia variação: a taxa do desemprego continuou a ser 6,8%. Porém “a pobreza está fortemente ligada aos difíceis problemas que se apresentam no momento à população que busca um trabalho estável. A região tem, antes de mais nada, uma taxa de desemprego muito alta” ( PNUD, 2013PNUD. PROGRAMME DES NATIONS UNIES POUR LE DÉVELOPPEMENT. Rapport OMD 2013: Objectif Millénaire pour le Développement - Haïti, un nouveau regard. Port-au-Prince, 2014. Disponível em: Disponível em: https://reliefweb.int/sites/reliefweb.int/files/resources/UNDP-HT-HaitiRapportOMD2013_20140611.pdf . Acesso em: 28 jun. 2020.
https://reliefweb.int/sites/reliefweb.in...
, p. 53).

Figura 3
Taxa percentual de desemprego do Haiti - 2006-2014

O acréscimo exacerbado da população nas cidades não pode redirecionar o mercado de trabalho nos circuitos da economia urbana, economia essa que movimenta um conjunto de consumo, permitindo que haja desintegração espacial e do território, ao observar que, quanto maior e mais populosa for a cidade, mais diferenciadas são suas atividades e sua estrutura de classes e mais o quadro urbano se torna compositório, permitindo enxergar suas diferenças ( Santos, 1996SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. ). Tais características são próprias da sociedade contemporânea, “evidenciando uma urbanização seleta e corporativa, revelando uma divisão entre aqueles que podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços oferecidos e aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não têm condições de satisfazê-las” ( Santos, 2004SANTOS, M. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. 2. ed. São Paulo: Edusp , 2004. , p. 37). Nesse contexto, a intervenção da Minustah acabou contribuindo para que a população haitiana se enquadrasse entre as que não têm condições de satisfazer suas necessidades.

Considerações finais

Discutir o conceito de soberania de um Estado no período atual parece difícil, ainda mais num país com tantas instabilidades como o Haiti. Nesse sentido, o país é um exemplo consolidado das dificuldades e dos desafios dos países mais vulneráveis diante das grandes potências mundiais, que procuram se desenvolver para além do seu território, com ações gerenciadas pela ONU.

Assim, a própria ONU reconhece a liberdade de cada Estado no exercício de sua função em seu território, ratificado no direito público internacional e no direito interno de cada país. No caso de conflitos, por exemplo, a comunidade internacional viabiliza a interferência na soberania e em assuntos internos, velado no discurso da reestabilização da ordem interna e da preservação dos direitos humanos, tornando limitada a legitimidade do Estado, já que o território é o lugar onde o poder é exercido. Assim, para que o Estado desempenhe seu papel na organização de seu território e no estabelecimento de suas relações econômicas e diplomáticas, deve haver um acordo construído com base na confiança entre acordos estabelecidos.

No que tange à soberania, um país como o Haiti não tem meios adequados para controlar seu território diante das grandes potências e da supremacia da Minustah, levando à diminuição ou ao enfraquecimento do governo e aos diversos abusos de poder que levaram ao aumento da violência. Soma-se a isso a ocorrência de desastres naturais no país, como o terremoto de 2010, que também acaba concorrendo para a fragilidade estatal. Sendo assim, o Haiti se torna um Estado subordinado por outros Estados soberanos, o que coloca em xeque a dignidade da população haitiana. Sem poder tomar decisões reais no governo devido às interferências externas, grande parte do povo haitiano passa a ter seu desenvolvimento comprometido, mostrando a necessidade de essas intervenções respeitarem a soberania do país, sem substituir o Estado. Adicionalmente, o direito internacional dificilmente prevalece nos países mais pobres, o que faz com que o Haiti sofra cada vez mais com as intervenções.

Por fim, esse poder de não intervenção é recorrente apenas nos países do Terceiro Mundo, pelo fato de não terem capacidade suficiente para intervir num país do centro do sistema capitalista. Para a realização dos objetivos das grandes potências, o Haiti é obrigado a ceder a esses países, que aplicam inclusive sanções econômicas e pressões diplomáticas. Na falta de sua autoridade para desempenhar esse papel de tomada de decisão, o Haiti perde parte de sua soberania e se torna incapaz de defender os interesses de seu povo e consequentemente o ordenamento territorial do país. Nesse sentido, percebe-se que o poder do Estado é fragmentado e a soberania não existe na prática, fazendo com que a ordem e o direito social da população não sejam atendidos de fato.

A Minustah atuou no território haitiano durante 13 anos, e sua retirada foi gradativa, terminando definitivamente no dia 15 de outubro de 2017, sem cumprir o objetivo principal, de estabelecer os direitos humanos e reforçar as instituições estatais. Destaca-se que as intervenções da ONU e a Minustah tiveram consequências prejudiciais ao Haiti e deixaram marcas no espaço geográfico que atingirão gerações futuras. Nesses termos, é difícil afirmar que países da periferia do capitalismo exercem soberania no sentido original, de autoridade suprema e sem violações provenientes de outros Estados. Assim, o Haiti segue com os mesmos problemas que existiam antes das intervenções, com nova marcas no espaço e na busca incessante da soberania e do controle de seu próprio território e sua população.

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  • SEIXAS, E. C. C. Governação global e ajuda ao desenvolvimento: “dilemas” das ONGIs nas periferias do sistema internacional. e-cadernos CES, n. 2, 2008. doi: https://doi.org/10.4000/eces.1429.
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  • SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no século XXI. 9. ed. Rio Janeiro: Record, 2006.
  • SOUZA JUNIOR, B. C.; VARGAS, M. A. M. Território, identidade e territorialidades em assentamentos rurais, 2014. Disponível em: Disponível em: https://livrozilla.com/doc/1593173/territ%C3%B3rio--identidade-e-territorialidades-em . Acesso em: 20 maio 2021.
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  • VERLIN, J. Haïti: État failli, État à (re)construire. Cahiers des Amériques Latines, n. 75, p. 25-40, 2014. doi: https://doi.org/10.4000/cal.3093.
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  • WALLERSTEIN, I. O fim do mundo como o concebemos. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
  • 1
    A mudança na ordem internacional a partir de 1648 é marcada por Estados soberanos dentro de suas fronteiras nacionais, onde vigora um regime jurídico-político. O princípio da soberania do Estado Westfaliano seria pautado essencialmente pela delimitação territorial, ou seja, pela definição das fronteiras. A soberania indicava que esse era o poder mais alto do Estado, e o território demonstrava o tamanho desse poder ( Dallari, 2005DALLARI, D. A. Elementos de teoria geral do Estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. ).
  • 2
    De acordo com Milton Santos (2012SANTOS, M. Por uma geografia nova. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2012. ), o território é definido como um espaço social, espaço usado, espaço apropriado, o lugar onde se materializa o cotidiano da vida humana e a reprodução das relações sociais, caracterizado por disputas de poder, dominação e controle. Assim, O território “é o chão das políticas sociais” embora carregue em si contradições, pois caracteriza-se como um terreno clássico de lutas políticas e urbanas e do campo. Conhecer essa realidade e apreender os jogos de interesses e disputas, assim como os limites e aspotencialidades, permite que ele se torne ponto de partida e não de chegada ao processo de elaboração de políticas sociais ( Koga, 2011KOGA, D. Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez, 2011. ; Sainté, 2017SAINTÉ, G. O Estado haitiano e a Minustah: soberania territorial e intervenção internacional. In: SAINTÉ, G. Uso do território e o papel da Organização das Nações Unidas (ONU) na ajuda humanitária no Haiti de 2010 a 2012: Minustah (Missão de Estabilização de Paz ao Haiti). Monografia (Gradução em Geografia) - Instituto de Geociências, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2017. p. 42-79. ).
  • 3
    A fronteira não é considerada apenas um meio de diversificação territorial, mas também um meio de distinção temporal. Assim, é consenso na literatura que é com o surgimento do Estado Moderno que a fronteira linear ou limite, necessariamente demarcado, torna-se fundamental para a construção do Estado, que precisou impulsionar os critérios de soberania territorial. Essa lógica responde à idealização moderna de fronteira como delimitação territorial do Estado ( Cataia, 2010CATAIA, M. A. 2010. Fronteiras: territórios em conflito. In: ENCONTRO PARANAENSE DE ESTUDANTES DE GEOGRAFIA, 13., 2010, Cascavel: Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Anais... Cascavel, PR, 2010. ; Raffestin, 1993RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. ). Ao reconhecer a presença dos limites em zonas para que o Estado exerça a soberania, Ferrari (2014FERRARI, M. As noções de fronteira em geografia. Perspectiva Geográfica, v. 9, n. 10, p. 45-64, 2014. ) ressalta que as fronteiras lineares evidenciam uma realidade política territorial particularizada, vinculada à noção de fronteira. Essa limitação entende-se por definição da linha de inserção de marcas sobre o território, possibilitando perceber o início ou o fim de um controle político territorial do Estado, podendo ser entendido como linha de controle legal de Estado-nação. Ao mesmo tempo, faz com que a fronteira seja mantida como um espaço geográfico entre dois ou mais sistemas estatais distintos.
  • 4
    O principal aspecto que apresenta o estado de natureza hobbesiana é a completa ausência de um poder comum aceito por todos os homens. Não há leis. Estabelecer, promulgar e fazer cumprir as leis são funções exclusivas do Estado. A justiça e a propriedade têm início com a constituição do Estado ( Kesserlring, 1989KESSELRING, T. Thomas Hobbes: o Leviatan. Veritas, v. 34, n. 134, p. 199-218, 1989. ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    02 Fev 2021
  • Aceito
    17 Maio 2021
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