Acessibilidade / Reportar erro

Sociabilidade pública: interação social e espaços públicos

Public sociability: social interaction and public spaces

Sociabilidad pública: interacción social y espacios públicos

Resumo

O tema central deste artigo é a reflexão sobre um fenômeno ainda pouco explorado pela geografia, a sociabilidade pública, isto é, as diferentes formas de interação social que ocorrem nos espaços públicos das cidades. Apesar de pouco estudado pelos geógrafos, disciplinas acadêmicas como a sociologia e a antropologia, por exemplo, parecem cada vez mais engajadas na discussão desse importante e relativamente negligenciado tema, cuja problemática evoca, direta ou indiretamente, as esferas política, social, econômica, cultural, temporal e espacial da vida pública em nossas cidades. Ao destacar a importância da dimensão espacial no estudo da sociabilidade pública, propomos uma reflexão teórica sobre encontros e desencontros públicos. Finalmente, o artigo sugere que abandonemos as ideias de “evolução linear” e “regressão linear” no tempo e no espaço da vida pública, da esfera pública, dos espaços públicos e dos comportamentos públicos, ideias muito populares na bibliografia especializada.

Palavras-chave:
Sociabilidade pública; Espaços públicos; Encontros

Abstract

As its central theme of reflection, this article has a phenomenon still little explored by geography, public sociability, that is, the different forms of social interaction that occur in the public spaces of cities. Although little studied by geographers, academic disciplines such as sociology and anthropology, for example, have seemed increasingly engaged in the discussion of this important and relatively neglected theme, whose problem evokes, directly or indirectly, the political, social, economic, cultural, temporal and spatial spheres of public life in our cities. By highlighting the importance of the spatial dimension for the study of public sociability, we propose a theoretical reflection on the theme of public meetings and disagreements. In the final considerations, the article suggests that we need to abandon the ideas of “linear evolution” and “linear regression” in time and space, of public life, public sphere, public spaces, and public behaviors, very popular ideas in specialized bibliography.

Keywords:
Public sociability; Public spaces; Encounters

Resumen

Este artículo tiene como tema central de reflexión un fenómeno aún poco explorado por la geografía, la sociabilidad pública, es decir, las diferentes formas de interacción social que se producen en los espacios públicos de las ciudades. Aunque poco estudiadas por los geógrafos, disciplinas académicas como la sociología y la antropología, por ejemplo, parecen cada vez más comprometidas en la discusión de este tema importante y relativamente descuidado, cuyo problema evoca, directa o indirectamente, las esferas políticas, sociales, económicas, culturales, temporales y espaciales de la vida pública en nuestras ciudades. Destacando la importancia de la dimensión espacial para el estudio de la sociabilidad pública, proponemos una reflexión teórica sobre los encuentros y desajustes públicos. En las consideraciones finales, el artículo sugiere que abandonemos las ideas de “evolución lineal” y “regresión lineal”, en el tiempo y el espacio, de la vida pública, de la esfera pública, de los espacios públicos y los comportamientos públicos, ideas muy populares en la bibliografía especializada.

Palabras clave:
Sociabilidad pública; Espacios públicos; Encuentros

Introdução

Atualmente, a maior parte da população global vive nas cidades. Conforme estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU, [s.d.]), divulgada após a revisão do relatório Population division: world urbanization prospects, em 2018, éramos 7 bilhões de seres humanos, 54% dos quais vivendo em cidades. Considerando a escala global, a população urbana passou de 746 milhões em 1950 para 3,9 bilhões em 2014. Projeções recentes indicam que até 2050 a população urbana global deve superar a impressionante marca de 6 bilhões de pessoas, com parte substantiva desse total vivendo em “megacidades”, aglomerados urbanos com mais de 10 milhões de habitantes (ONU, 2021ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Population division: world urbanization prospects 2018. Disponível em: Disponível em: https://population.un.org/wup/ . Acesso em: 16 dez. 2021.
https://population.un.org/wup/...
).

Do ponto de vista etimológico, a palavra cidade é geralmente concebida como uma união, indissociável, entre aquilo que os romanos chamavam de um lado de urbs, que corresponde ao espaço físico das cidades e de outro civitas, que representa a comunidade de cidadãos que a habita (Choay, 1999CHOAY, F. O reino do urbano e a morte da cidade. Projeto História, v. 18, p. 67-89, 1999. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/10977 . Acesso em: 26 dez. 2021.
https://revistas.pucsp.br/index.php/revp...
). Pólis (Antiguidade Clássica), burgo (Idade Média), metrópole (Idade Moderna) etc.; esses diferentes tipos de cidade podem ser caracterizados e/ou diferenciados por suas respectivas estruturas sociais, políticas, econômicas, culturais e, também, por suas diversas morfologias físicas. Em certo sentido, podemos dizer que essas diferentes “formas-conteúdos” do histórico processo de urbanização do mundo, podem ser caracterizadas por uma contínua relação entre morfologias urbanas e comportamentos sociais (Gomes, 2010GOMES, P. A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2010 [2000].[2000]). Não é por acaso que diversas denominações que designam determinados códigos comportamentais - cortesia, civilidade, polidez, urbanidade, cidadania, cosmopolitismo etc. - têm raízes etimológicas que se referem, direta ou indiretamente, à forma urbana.

A tese que desenvolvemos neste artigo é de que podemos conceber a sociabilidade pública, isto é, as diferentes formas de interação social que têm lugar nos espaços públicos, como códigos comportamentais de convivência característicos da vida pública. À luz dessa reflexão, objetivamos vislumbrar novas possibilidades interpretativas, propondo uma leitura alternativa à assim chamada tese do fim dos espaços públicos, que advoga a hipótese de que espaços públicos das cidades contemporâneas perderam ou estão perdendo sua importância, leia-se, deixando de cumprir sua tradicional função política (Felix de Souza, 2018FELIX DE SOUZA, A. Os espaços públicos nas cidades contemporâneas: uma (re)visão. Geografares, v. 1, n. 26, p. 182-213, 2018. doi: https://doi.org/10.7147/GEO26.21005.
https://doi.org/https://doi.org/10.7147/...
). Fenômeno esse que, geralmente, é interpretado como parte de um contexto mais amplo de “regressão”, “decadência” ou “crise” da vida pública, da esfera pública e dos espaços públicos, que teria ocorrido ao longo do processo de constituição da modernidade (Arendt, 2007ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.; Habermas, 1984HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.; Sennett, 1989SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.).

Sem desconsiderar esse ponto de vista, dialogamos aqui com outras abordagens. Como mostraremos no decorrer do texto, temas relativos ao estudo dos espaços públicos têm alimento um intenso, complexo e controverso debate na comunidade acadêmica, ao qual a geografia certamente tem uma inequívoca contribuição a dar. Ao destacar a importância da dimensão espacial para o estudo da sociabilidade pública, dialogando com autores de diversas disciplinas acadêmicas e correntes teórico-metodológicas, propomos uma reflexão teórica acerca dos encontros e desencontros públicos. Para tal, dividimos o texto em duas partes: na primeira, discutimos o conceito de sociabilidade pública e, na segunda, propomos uma revisão bibliográfica sobre encontros e desencontros públicos nas humanidades, nas ciências sociais, na geografia e nos assim chamados estudos urbanos.

Sociabilidade pública: uma discussão conceitual

Em praticamente todas as cidades do mundo, ou pelo menos onde predominam regimes político-sociais republicanos e democráticos, os espaços públicos (ruas, praças, largos, calçadas, parques, praias, jardins, esquinas, áreas centrais, alamedas etc.) constituem parte significativa do espaço urbano. Em contraste com o que ocorre nos espaços privados, os logradouros públicos são lugares de encontro dos mais diversos estratos sociais e culturais. Todas as ações e comportamentos que têm lugar nos espaços públicos ostentam uma visibilidade de tipo especial, uma visibilidade pública. Nesses espaços, as pessoas se reconhecem e representam como indivíduos, grupos e cidadãos. Nos espaços públicos, as diferenças individuais e coletivas se manifestam (ou deveriam se manifestar) livremente, pela interação social de todos os que ali se reúnem como públicos. Nessa reunião plural de indivíduos e grupos em que todos têm, a priori, interesses muito diversos, os conflitos e os acordos são inevitáveis: além dos códigos normativos que regulamentam a vida de todos os cidadãos em todos os lugares, as leis, a vida cotidiana desses espaços é permeada por aquilo que poderíamos chamar de um verdadeiro “debate político” (Gomes, 2010GOMES, P. A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2010 [2000].[2000]).

Quando pensamos no tema dos espaços públicos, quase instintivamente, a primeira associação que fazemos é a que os vincula à sua tradicional dimensão política, conforme argumentavam, por exemplo, Hannah Arendt (2007ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.) e Jürgen Habermas (1984HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.), apenas para citar dois clássicos. Porém, é importante ter em mente o fato de que a noção de espaço público é polissêmica. Considerando os trabalhos realizados especificamente por geógrafos, como bem demonstram Lynn Staeheli e Don Mitchell (2007STAEHELI, L. A.; MITCHELL, D. Locating the public in research and practice. Progress in Human Geography, v. 31, n. 6, p.792-811, 2007. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0309132507083509.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.117...
) (Gráfico 1), essa polissemia é rapidamente perceptível, o que tem vantagens e desvantagens: por um lado, a multiplicidade de fenômenos e significados desse conceito torna esse objeto de investigação científica um tema extremamente complexo, instigante e desafiador para os pesquisadores que se propõem a estudá-lo, diversificando sobremaneira as possibilidades empíricas e analíticas; por outro, um conceito que engloba fenômenos e significados muito diversos perde sua especificidade e, portanto, torna-se questionável sua função como conceito.

Gráfico 1 -
Definições do conceito de espaço público em artigos, capítulos e livros escritos por geógrafos em língua inglesa, em relação ao número absoluto de aparições, podendo haver diferentes definições em um mesmo trabalho

Dada a profusão de significados e definições do conceito de espaço público na bibliografia especializada, Paulo Cesar Gomes propõe: ao invés de recorrer mais uma vez à sedutora tentação de formular uma definição precisa do conceito, que falemos de suas principais propriedades e características. Comecemos por aquilo que ele não é: (1) o espaço público não é o simples oposto do espaço privado, (2) também não é seu mero estatuto jurídico que o qualifica como tal e (3) nem mesmo a forma de acesso livre e universal é suficiente para caracterizá-lo como espaço público. Segundo o autor, aquilo que confere a esses espaços o atributo de público, a publicidade, é exatamente sua essência política: “espaços públicos correspondem à dimensão espacial da política em sociedades democráticas ou republicanas” (Gomes, 2012GOMES, P. Espaços públicos: um modo de ser do espaço, um modo de ser no espaço. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. L. (Ed.). Olhares geográficos: modos de ver e viver o espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 19-41. , p. 24).

Como espaço físico, o espaço público pode ser uma rua, uma praça, uma calçada, uma esquina, um largo, uma praia, um parque etc. - as formas e funções desses espaços podem ser muito diversas; o importante, nesse caso, é que eles reúnam algumas características essenciais: (1) visibilidade, (2) copresença da diversidade e (3) regras de convivência (Gomes, 2012GOMES, P. Espaços públicos: um modo de ser do espaço, um modo de ser no espaço. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. L. (Ed.). Olhares geográficos: modos de ver e viver o espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 19-41. ). O princípio fundamental que decorre da natureza contratual dos espaços públicos é o que chamamos de cidadania. Nesse sentido, ela corresponde ao ordenamento espacial do pacto social que funda a democracia (Gomes, 2010GOMES, P. A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2010 [2000].[2000]).

Segundo o filósofo e sociólogo alemão Georg Simmel, quando indivíduos e grupos se reúnem com o expresso objetivo de interagir socialmente, ou seja, quando o encontro social se transforma no principal conteúdo de uma reunião de pessoas, estamos falando de um tipo específico de interação social, a sociabilidade (Simmel, 2006SIMMEL, G. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006.). Na interseção desses dois conceitos, espaço público e sociabilidade, encontra-se a noção de sociabilidade pública, que, conforme argumentamos aqui, pode ser concebida como um código comportamental de convivência diretamente associado a trocas individuais, interpessoais e coletivas que ocorrem cotidianamente nos espaços públicos citadinos (Felix de Souza, 2020FELIX DE SOUZA, A. Sociabilidade pública na cidade do Rio de Janeiro: uma reflexão geográfica sobre a importância dos espaços públicos para a existência das sociedades republicanas e democráticas. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.).

Todas as vezes que usamos esses espaços (ruas, calçadas, praças, parques etc.), estamos em constante interação com pessoas diversas. Em outras palavras, nos espaços públicos, tudo o que fazemos (ações, comportamentos, gestos, práticas, atividades, presenças etc.) é mediado pelas interações sociais com desconhecidos. Nesses lugares, onde indivíduos e grupos diversos se reúnem, onde interesses díspares “disputam” e “compartilham” os mesmos espaços, entra em cena aquilo que Georg Simmel (2006SIMMEL, G. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006.) chamava de jogo da sociedade: um conjunto de “normas” que delimita e condiciona os comportamentos, as ações e as práticas dos “jogadores”, isto é, das pessoas em interação.

Conforme argumenta Daniel Gordon (2017GORDON, D. Citizens without sovereignty: equality and sociability in French thought, 1670-1789. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2017.), a palavra sociabilité apareceu no vocabulário francês a partir do início do século XVIII como reflexo de um período marcado por profundas transformações sociais, políticas e econômicas na Europa, tornando-se uma palavra-chave na literatura e na filosofia francesa. O debate em torno das ideias de Thomas Hobbes amplificou uma série de discussões acerca da vida social na França. Com o objetivo de refutar as ideias de Hobbes e, mais especificamente, o argumento de que a “lei natural” deve ser concebida como um eterno “estado de guerra”, escritores iluministas, como o pioneiro filósofo Samuel Von Pufendorf (1632-1694), por exemplo, introduziram novos significados ao conceito sociabilidade. Os escritos de Pufendorf tornaram-se populares para um público amplo no século XVIII na França, em função das diversas edições de seus trabalhos que circularam no país entre 1706 e 1734. As palavras francesas sociable e sociabilité aparecem recorrentemente nesses trabalhos como traduções das palavras latinas socialitas, socialis e sociabilis. Segundo Gordon (2017GORDON, D. Citizens without sovereignty: equality and sociability in French thought, 1670-1789. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2017.), as traduções para o francês dos trabalhos de Pufendorf foram fundamentais para a introdução e popularização da expressão sociabilité na literatura e na filosofia francesa do século XVIII.

A concepção absolutista de “ordem” baseava-se na ideia de que a conquista da paz e da felicidade na vida em sociedade dependia, necessariamente, da existência de uma força coercitiva “exterior” (a “polícia”, o exercício do poder real, o Estado), que regulamentaria e organizaria todas as formas de interação social. A concepção iluminista de “ordem”, em contrapartida, vista como um produto da Razão, vislumbrava a existência de uma sociedade na qual a soberania, o poder dos reis ou das autoridades centrais ou estatais era essencialmente “desnecessário”. O indivíduo “polido”, “racional”, que faz uso da “civilidade” para se relacionar com outras pessoas, não precisa ser “coagido” para se comportar “corretamente”, pois, como argumentavam os filósofos, ele sabia encontrar a “felicidade” na “reciprocidade”. Sociabilidade significava, portanto, no sentido que lhe atribuíam os iluministas franceses, “autopoliciamento”, ou seja, a capacidade dos indivíduos de se relacionarem com pessoas diversas para satisfazer seus interesses individuais e coletivos, sem que haja necessariamente alguma forma de intermediação que seja “exterior” aos agentes em interação: eis o que hoje chamamos usualmente de sociedade civil (Gordon, 2017GORDON, D. Citizens without sovereignty: equality and sociability in French thought, 1670-1789. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2017.).

Como bem argumentou o teórico político Norberto Bobbio, de modo geral, chamamos de sociedade civil aquele conjunto de relações sociais que indivíduos e grupos estabelecem entre si fora das instâncias do Estado. A despeito de suas múltiplas acepções, essa noção geralmente distingue uma esfera política (Estado) de uma esfera não política (sociedade civil). Contudo, a partir da reflexão dos pensadores liberais da política, um novo significado foi atribuído ao conceito: para eles, sociedade civil significava sociedade civilizada (polida). Igualmente, na expressão société civile, o filósofo iluminista Rousseau entendia civile como “civilizado”. Apesar da conotação negativa que ele votava à expressão, não havia em sua obra uma oposição clara entre as ideias de sociedade política e sociedade civilizada (Bobbio, 2007BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.).

Para Norberto Bobbio, o significado preponderante da expressão adveio daquela concepção mais antiga, aristotélica, que não diferenciava ou contrapunha as noções de sociedade civil (cidadãos) e sociedade política (Estado). A situação parece ter mudado a partir dos trabalhos de Hegel, que introduziu um novo significado ao conceito: segundo esse ponto de vista, a existência da sociedade civil deve ser vista como uma condição essencial do processo pelo qual se forma um Estado. A partir de então, apesar de existirem interpretações concorrentes, sociedade civil e Estado não eram mais interpretados como sinônimos ou antônimos, mas como fenômenos mutuamente dependentes para o funcionamento dos sistemas político-sociais republicanos e democráticos, que renasceram na modernidade (Bobbio, 2007BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.).

Como bem argumentava o filósofo iluminista francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) em seu Do contrato social (1762), a vida política pode ser concebida como um grande contrato social no qual os contratantes, os indivíduos/cidadãos, condicionam suas liberdades individuais ao interesse comum/público das sociedades que compõem. A despeito do conflito de interesses que ele “encerra” ou ao menos “atenua”, esse contrato social funda um grande conjunto de convenções, uma institucionalização das formas de convívio social, um código individual e coletivo de conduta. Para Rousseau, na passagem do “estado natural” (formas pré-políticas de organização da vida social) ao “estado civil” (formas políticas de organização da vida social), a liberdade natural (individual) foi substituída pela liberdade civil (coletiva). Enquanto essas pessoas se mantiverem unidas num mesmo corpo político, fundado num “contrato social”, o bem comum será, ao menos em tese, o mais importante formatador da ética, da moral, dos costumes e das leis (Rousseau, 2001ROUSSEAU, J.-J. Do contrato social. São Paulo: Ridendo Castigat Mores, 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf. E-book . Acesso em: 26 dez. 2021.
https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/...
).

Nesse processo de transição, substitui-se um código de conduta baseado em instintos “naturais” por um baseado fundamentalmente no direito e na política. No estado civil, argumenta Rousseau, antes de agir, todos os seres humanos devem consultar a razão, leia-se, consultar as leis. As leis, quando emanadas do povo, unem os direitos aos deveres, delimitando-os. Trata-se de uma institucionalização das formas de convívio, um código “racional” de conduta que é sempre susceptível às mudanças em curso nas sociedades, pelo qual, diga-se de passagem, Rousseau nutria grande desconfiança, prevendo possíveis deformações. Chamamos de República todo Estado que é regido por leis e onde governa o interesse público. Nesse sentido, as leis nada mais são do que o estabelecimento das condições de associação civil, uma justa medida entre dois de seus princípios mais elementares: liberdade e igualdade: “Todos podem prescrever o que todos devem fazer, ao passo que ninguém tem o direito de exigir que outro faça aquilo que ele mesmo não faz” (Rousseau, 2001ROUSSEAU, J.-J. Do contrato social. São Paulo: Ridendo Castigat Mores, 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf. E-book . Acesso em: 26 dez. 2021.
https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/...
, p. 135).

Em sua obra mais importante, O processo civilizador, publicada originalmente em 1939, o sociólogo e historiador alemão Norbert Elias demonstra como aquilo que chamamos geralmente de “civilização” é o produto de um longo processo social e histórico. Para ele, grandes transformações políticas e econômicas ocorreram em paralelo a mudanças na estrutura social e comportamental de diferentes sociedades. Ao discorrer sobre os aspectos comuns e as disparidades existentes no modo de vida das sociedades de corte e do próprio significado da noção de “civilização” em algumas nações europeias, Elias descreve a evolução conceitual de noções fundamentais à época como cortesia, civilidade, polidez e urbanidade, e como essas transformações conceituais refletiam mudanças comportamentais significativas nessas sociedades, especialmente na transição da Idade Média para a Idade Moderna, caracterizada, entre outras coisas, pelo renascimento das cidades e pelo advento dos Estados-nação (Elias, 1994aELIAS, N. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994a. v. 2., 1994bELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1994b. v. 1.).

Nos séculos XIV, XV e XVI, algumas das maiores cidades europeias já eram caracterizadas como complexas formações socioespaciais, especialmente, quando comparadas com as cidades da Idade Média. É nesse momento que expressões como “coisa pública”, “pátria” e “Estado” começam a ser usadas para destacar o caráter “público” da função real (Elias, 1994ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1994b. v. 1.a, p. 183). No início do século XVI, na França, parte significativa das características consideradas essenciais ao regime absolutista já havia se consolidado. Em fins do século XVIII, pouco tempo antes da Revolução Francesa, a classe burguesa, cada vez mais poderosa e numerosa, exige em uníssono a abolição dos privilégios da nobreza e do clero. Com a “eliminação” dos privilégios, o papel do monarca absoluto tornou-se cada vez mais questionável e o poder da autoridade central, do rei, deixou de ter um peso fundamental no equilíbrio das relações de poder no interior do Estado, agora convertido em “coisa pública” (Elias, 1994aELIAS, N. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994a. v. 2., p. 190).

Para Norbert Elias, há uma estreita conexão entre a organização das sociedades em forma de “Estados” e o assim chamado “processo civilizador”, isto é, uma mudança de ordem comportamental de toda a sociedade numa direção específica: a “pacificação” das relações sociais. Esse processo civilizador, argumenta o autor, não foi planejado por nenhum indivíduo, grupo ou classe social, tendo ocorrido de maneira lenta e gradual. É o produto de uma nova ordem social, de uma complexificação das relações sociais e do crescimento das redes de interdependência que estabiliza um novo código social de conduta, um comportamento dito “civilizado”. Segundo Elias, é impossível dissociar essa “pacificação interna” de diferentes sociedades do processo de formação dos Estados modernos, especialmente em países que experimentavam um fantástico crescimento das cadeias de interdependência sociais e funcionais nas crescentes cidades (Elias, 1994aELIAS, N. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994a. v. 2., p. 193-248).

No entanto, atribui às sociedades aristocráticas das cortes europeias um papel preponderante na construção e na transformação desses códigos comportamentais. É justamente essa preponderância que ele atribui às cortes aristocráticas nesse “processo civilizador” uma das coisas que eu gostaria de questionar aqui, pois, do ponto de vista que defendo, os espaços públicos foram e continuam sendo lugares fundamentais para o nascimento, a experimentação, o questionamento e a formatação desses códigos comportamentais de convivência, leia-se, desses comportamentos públicos. Em certo sentido, Norbert Elias propõe um olhar diferenciado ao papel desses novos comportamentos no processo de formação dos Estados modernos, na transição da Idade Média para a Idade Moderna, oferecendo um importante contraponto aos argumentos de Jürgen Habermas, Hannah Arendt e, sobretudo, Richard Sennett, acerca do processo de “regressão”, “decadência” e “crise” da esfera pública, da vida pública e dos espaços e comportamentos públicos, que teria ocorrido ao longo do processo de constituição da modernidade (Arendt, 2007ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.; Habermas, 1984HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.; Sennett, 1989SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.).

Como argumenta Norbert Elias, não há como dissociar a estabilização desses novos códigos comportamentais de convivência do renascimento das cidades e do processo de transformação das monarquias absolutistas em instituições públicas, os Estados-nação modernos. Nessa obra de Elias, todavia, a expressão “espaço público” não aparece nenhuma vez no texto traduzido para o português. Não obstante, o autor qualifica várias vezes esses novos códigos comportamentais de convivência (cortesia, civilidade, polidez, urbanidade, civilização) como “comportamentos públicos”. Qual teria sido o papel dos espaços públicos, como lugares que reúnem públicos diversos, na criação, experimentação, contestação, transformação e estabilização desses novos códigos comportamentais de convivência, que surgiram, não por acaso, em paralelo ao processo de formação das repúblicas/democracias modernas e do “renascimento” das cidades e espaços públicos que ocorreu ao longo da modernidade?

A acepção do conceito de civilidade, por exemplo, variou substantivamente ao longo do tempo e em diferentes tradições teóricas. Grosso modo, há duas interpretações principais: a primeira acepção reduz a ideia de civilidade às boas maneiras, isto é, as formalidades, códigos e normas de comportamento socialmente instituídas nas interações face a face (etiqueta), variando enormemente em diferentes culturas, sociedades, etnias, classes, nações, povos, contextos geográficos etc.; a segunda acepção de civilidade concerne ao senso de pertencimento a uma comunidade política, isto é, ao reconhecimento mútuo dos direitos e deveres individuais e coletivos que as pessoas compartilham como membros de uma comunidade política, igualdade cívica. Richard Boyd propõe que pensemos na civilidade como um híbrido entre essas duas conotações. Segundo esse argumento, interagir socialmente de maneira polida, cortês, educada (civil) com outros cidadãos seria uma condição essencial para o exercício cotidiano da vida política e pública em sociedades republicanas e democráticas (Boyd, 2006BOYD, R. The value of civility?. Urban Studies, v. 43, n. 5-6, p. 863-878, 2006. doi: https://doi.org/10.1080%2F00420980600676105.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080%...
).

Nas sociedades de massas, como as grandes cidades, especialmente a partir do século XIX, quando a população das metrópoles se diversificou quantitativa e qualitativamente, esses novos códigos comportamentais de convivência passaram a cumprir uma função fundamental: “tornavam possível” a vida social em cidades cosmopolitas, onde indivíduos e grupos cada vez mais diversos entre si, com expectativas e interesses igualmente diversos, convivem conjuntamente socializados como partes de um mesmo corpo social, político e econômico, satisfazendo suas necessidades individuais e coletivas. Nesse contexto, a civilidade ganhou a conotação de um comportamento público essencialmente pluralista, um código comportamental concebido à luz da interação social, livre e igualitária, de indivíduos e grupos publicamente reunidos, permitindo às sociedades civis, cada vez mais diversas em termos socioculturais, estabelecerem novas formas de convivência nos espaços urbanos e públicos das grandes metrópoles (Boyd, 2006BOYD, R. The value of civility?. Urban Studies, v. 43, n. 5-6, p. 863-878, 2006. doi: https://doi.org/10.1080%2F00420980600676105.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080%...
).

Segundo a interpretação de Stefan-Ludwig Hoffmann, o cientista político estadunidense Robert Putnam, inspirado na teoria política que Alex de Tocqueville formulou para interpretar o nascimento da República estadunidense, dizia que a formação de uma sociedade civil não dependia apenas da capacidade dos indivíduos de obedecerem ao poder central ou da busca pela satisfação de interesses individuais e coletivos, mas daquilo que Tocqueville chamava de “virtude cívica”. Sem virtude cívica, conforme esse ponto de vista, não há como existir uma sociedade civil. Na prática, essa virtude cívica só pode se desenvolver com o desenvolvimento da assim chamada “arte da associação”, isto é, da interação social dos cidadãos uns com os outros, do convívio nas cidades, da sociabilidade nos espaços públicos (Hoffmann, 2007HOFFMANN, S. The politics of sociability: freemasonry and German civil society, 1840-1918. Michigan, MI: University of Michigan Press, 2007.).

Stefan Hoffmann (2007HOFFMANN, S. The politics of sociability: freemasonry and German civil society, 1840-1918. Michigan, MI: University of Michigan Press, 2007., p. 2), Robert Putnam e outros cientistas políticos da contemporaneidade reformularam alguns dos postulados teóricos de Tocqueville à luz da seguinte premissa: “In civil society, an apparently apolitical sociability has a political dimension”, propondo assim uma nova abordagem para a teoria política, centrada no estudo das relações individuais, interpessoais e coletivas de constituição da sociedade civil, concebida como um fenômeno essencialmente político (Hoffmann, 2007HOFFMANN, S. The politics of sociability: freemasonry and German civil society, 1840-1918. Michigan, MI: University of Michigan Press, 2007.). Nessa perspectiva, a sociabilidade dos cidadãos aparece como sendo uma das mais importantes formatadoras dos códigos de convivência. É nesse sentido que se pode afirmar que as diversas formas de sociabilidade, a partir do estabelecimento de diferentes códigos de convivência, nos conduzem a uma conduta “civilizada”, isto é, um comportamento de caráter público/político. Assim sendo, à luz do estudo da sociabilidade pública e dos códigos de convivência que dela emanam, estar-se-ia refletindo, pois, sobre a dimensão social do fenômeno político e, simultaneamente, sobre a dimensão política da vida social.

Para que a sociedade civil possa se constituir como tal e atuar como uma espécie de fiscalizadora das instituições públicas e privadas, via esfera pública (Habermas, 1984HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.), é necessário que ela possa se desenvolver em algum espaço social, fisicamente constituído, onde os cidadãos possam se reunir e interagir socialmente de maneira livre, os espaços públicos (Arendt, 2007ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.). Como bem argumentou Stefan Hoffmann, a formação de uma cultura cívica nas principais capitais europeias do século XIX só se tornou possível quando foram criados diversos “espaços públicos” que possibilitaram à sociedade civil reunir-se publicamente. Entre esses “novos” espaços de sociabilidade pública estavam os museus, os teatros, os salões, os jardins zoológicos, os parques, os passeios, os festivais etc. Todos esses espaços tinham como característica fundamental o fato de que propiciavam a seus frequentadores formas “livres” e “igualitárias” de interação, onde se formavam e transformavam, pela sociabilidade, os códigos de convivência cotidianos (Hoffmann, 2007HOFFMANN, S. The politics of sociability: freemasonry and German civil society, 1840-1918. Michigan, MI: University of Michigan Press, 2007.).

Enquanto Richard Sennett (1989SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.) menciona uma espécie de “regressão linear” do comportamento público, entendido como parte de um incontornável processo de privatização dos espaços públicos nas cidades modernas, Norbert Elias propõe uma espécie de “evolução linear” do comportamento público, mas sem refletir sobre o papel específico desempenhado pelos espaços públicos nesse contexto. Em certo sentido, ambos se equivocam ao proceder dessa maneira, isto é, conferindo um caráter linear à “evolução” ou “regressão” do comportamento público. Por outro lado, Sennett reconhece a importância da dimensão espacial no estudo dos comportamentos públicos, e Elias confere maior relevância à dimensão temporal, sendo pouco sensível à espacialidade dos fenômenos estudados. Diga-se de passagem, aí reside propriamente o interesse da ciência geográfica nessa discussão: cabe a nós, como geógrafos, tornar inteligíveis as espacialidades da vida pública, da esfera pública, dos comportamentos públicos e dos encontros e desencontros públicos.

Quando indivíduos e grupos muito diversos entre si interagem socialmente de maneira livre, igualitária e regular nos espaços públicos, compartilhando os mesmos espaços, o caráter democrático da sociabilidade, de que falava Georg Simmel, emerge com clareza. Para evitar que os conflitos de interesse, que são inerentes à vida social de pessoas diversas (indivíduos e grupos), tornem as relações sociais insuportáveis, os indivíduos e grupos em interação precisam participar daquilo que Simmel (2006SIMMEL, G. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006., p. 71) chamou de um “jogo de faz-de-conta”: “faz-se de conta que todos são iguais, e, ao mesmo tempo, faz-de-conta que cada um é especialmente honrado”. Na sociabilidade, argumenta, um modelo sociologicamente ideal é contextualmente criado, em que a diversidade individual e coletiva, ao menos enquanto durar o rito da sociabilidade, é relativizada para que todos possam interagir como iguais. Essa exclusão momentânea das personalidades individuais que é característica do fenômeno da sociabilidade, contudo, não deve ser qualificada como se fosse uma relação social mentirosa ou falsificada: “O ‘faz-de-conta’ não é uma mentira, assim como não o são o jogo e a arte, com todos os seus desvios da realidade” (Simmel, 2006SIMMEL, G. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006., p. 71).

Trata-se daquilo que Simmel chamou de um jogo de cena, em que todos compartilham o mesmo direito à interação, ou seja, cria-se um cenário artificial mas real, contextual, social e espacialmente definido como tal para que as relações sociais transcorram efetivamente entre pessoas com expectativas e interesses diversos. Por esse motivo, criamos determinados códigos comportamentais, que se transformam ao longo do tempo e que diferem de maneira significativa em diversas culturas, sociedades, nacionalidades, etnias, grupos, classes, contextos geográficos etc. No mundo ocidental, como bem reconheceu Georg Simmel (2006SIMMEL, G. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006., p. 70-71), a cortesia se transformou num desses delimitadores comportamentais essenciais da vida social em geral e pública em particular: “um comportamento específico da sociabilidade é a cortesia, com a qual o forte e o extraordinário não somente se igualam aos mais fracos, como também agem como se o fraco fosse o mais valoroso e superior”.

Concluindo: podemos conceber a sociabilidade pública, os códigos comportamentais de convivência característicos dos espaços públicos, como um grande sistema de comportamentos, tributário de um conjunto de ideias, princípios e valores essenciais às sociedades republicanas e democráticas: cortesia, civilidade, polidez, urbanidade, cidadania e cosmopolitismo. Nos espaços públicos, onde indivíduos e grupos diversos compartilham os mesmos espaços, origina-se um processo de coexistência espacial onde é jogado o jogo socioespacial da vida pública (Gomes; Ribeiro, 2020GOMES, P.; RIBEIRO, L. (Org.). Formas de la sociabilidad: una geografía de los espacios públicos en Rio de Janeiro. Granada, ES: Ed. Universidad de Granada, 2020.). É nesse sentido que podemos afirmar, como argumentava Georg Simmel, que há uma natureza democrática no rito da sociabilidade. Inspirado no princípio kantiano de que todos os direitos e deveres dependem de uma justa medida da liberdade e da igualdade em coexistência, a isonomia, Simmel (2006SIMMEL, G. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006.) afirma que só se pode satisfazer o “impulso sociável” dos indivíduos e grupos quando os agentes envolvidos nesse processo de interação compartilham determinados códigos de convivência; trata-se, pois, daquilo que estamos chamando nesse artigo de sociabilidade pública.

Sobre encontros e desencontros públicos: espacialidades, sociabilidades e publicidades

Nas ciências humanas e sociais, como dito antes, os espaços públicos podem ser estudados de maneiras muito diversas: diferentes tradições teórico-metodológicas, por exemplo, tendem a enfocar aspectos díspares acerca desse fenômeno (Watson, 2019WATSON, S. The public city. In: ORUM, A. M. (Ed.). The Wiley Blackwell Encyclopedia of Urban and Regional Studies. New York: Wiley-Blackwell, 2019. Disponível em: Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/9781118568446.eurs0524 . Acesso em: 26 dez. 2021.
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1...
). Quando o tema dos espaços públicos se tornou realmente popular entre os estudiosos das cidades, especialmente após a década de 1990, houve uma diversificação significativa das abordagens de pesquisa. No presente tópico, propomos uma reflexão sobre o tema dos encontros e desencontros públicos. Apresentaremos diferentes estudos que, inspirados em alguns autores pioneiros, reconhecem as cidades e, mais especificamente, os espaços públicos, como lugares essenciais para o estabelecimento dos encontros e desencontros da diversidade sociocultural urbana (Goffman, 2010GOFFMAN, E. Comportamento em lugares públicos: notas sobre a organização social dos ajuntamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010 [1961].[1961]; Lofland, 1973LOFLAND, L. A world of strangers: order and action in urban public space. New York: Basic Books, 1973.; White, 1980WHITE, W. The social life of small urban spaces. New York: Project of Public Spaces, 1980. ).

A despeito das muitas convergências entre os trabalhos de Hannah Arendt (2007ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.) e Jürgen Habermas (1984HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.), há diferenças significativas entre as abordagens que eles propõem. Seria perfeitamente possível, por exemplo, afirmar que Habermas, apesar de dedicar boa parte de seu livro ao tema dos espaços públicos, concentra sua reflexão numa esfera de comunicação de caráter abstrato (sociedade de massas/democracia representativa) em que a imprensa teria um lugar de destaque na publicização dos debates e em que a sociedade civil é concebida como um fenômeno relativamente homogêneo (Habermas, 1984HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.). Em contrapartida, no modelo descrito por Hannah Arendt, os espaços públicos ganham destaque e a sociedade civil é concebida, via de regra, como um fenômeno de caráter mais heterogêneo. Segundo esse ponto de vista, nos espaços públicos, os conflitos de interesses característicos da diversidade de públicos das sociedades civis, à luz das interações face a face, ganhariam visibilidade e seriam publicizados, transformando-se em demandas políticas (Arendt, 2007ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.). No mundo ocidental, onde predominam regimes republicanos e democráticos, como bem argumentam os teóricos da política, a existência de uma sociedade civil que se desenvolva fora das instâncias do Estado seria uma condição sine qua non para o funcionamento desse sistema político e social (Bobbio, 2007BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.).

Nesse sentido, para além dos espaços institucionais da política, os espaços públicos cumpririam uma função fundamental nas democracias, possibilitando à sociedade civil compor múltiplos públicos (Parkinson, 2012PARKINSON, J. Democracy and public space: the physical sites of democratic performance. New York: Oxford University Press, 2012.). É nesse sentido que podemos afirmar que a ideia de uma sociedade civil abstrata, coesa e homogênea, mascara, em primeiro lugar, a diversidade humana em suas múltiplas manifestações (etnias, culturas, grupos, “raças”, tribos, gêneros, idades, religiões, visões de mundo etc.); e, em segundo lugar, as diferentes formas de desigualdade (etnias, grupos, classes, “raças”, gêneros etc.) (Fraser, 1990FRASER, N. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. Social Text, n. 25/26, p. 56-80, 1990. doi: https://doi.org/10.2307/466240.
https://doi.org/https://doi.org/10.2307/...
). Para que a sociedade civil possa se constituir como tal e compor públicos diversos de maneira democrática, é necessário que existam espaços sociais fisicamente constituídos (Latham; Layton, 2019LATHAM, A.; LAYTON. J. Social infrastructure and the public life of cities: studying urban sociality and public spaces. Geography Compass, v. 13, n. 7, p. 1-15, 2019. doi: https://doi.org/10.1111/gec3.12444.
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
), onde os mais diversos símbolos, representações e identidades são formulados e questionados, onde públicos e contrapúblicos podem, literalmente, coexistir (Cupers, 2005CUPERS, K. Towards nomadic geography: rethinking space and identity for the potentials of progressive politics in the contemporary city. International Journal of Urban and Regional Research, v. 29, n. 4, p. 729-739, 2005. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-2427.2005.00619.x.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.111...
; Orum, 2009ORUM, A. M. Public man and public space in Shanghai today. City & Community, v. 8, n. 4, p. 369-389, 2009. doi: https://doi.org/10.1111/j.1540-6040.2009.01298.x.
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
).

Num mundo majoritariamente urbanizado e globalizado, o multiculturalismo tornou-se uma realidade incontornável. Nas grandes metrópoles globais, grupos socioculturais e étnico-raciais distintos entre si compõem uma mesma rede de interdependência funcional, econômica e política (Bridge, 2008BRIDGE, G. City senses: on the radical possibilities of pragmatism in geography. Geoforum, v. 39, n. 4, p. 1570-1584, 2008. doi: http://dx.doi.org/10.1016%2Fj.geoforum.2007.02.004.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
). A convivência e o encontro da diversidade nas cidades, nos espaços de uso comum que reúnem públicos diversos (Laurier; Philo, 2006LAURIER, E.; PHILO, C. Possible geographies: a passing encounter in a café. Area, v. 38, n. 4, p. 353-363, 2006. Disponível em: https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.701.556&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 26 dez. 2021.
https://doi.org/https://citeseerx.ist.ps...
; Goverde, 2002GOVERDE, H. Politics and public space: the Amsterdam dam square urban ensemble in cultural geographic perspective. In: INTERNATIONAL CONFERENCE NATURE, NATION AND SOCIETY: RECONSIDERING POLITICS IN SOCIAL AND POLITICAL GEOGRAPHY, 13-15 June 2002, Nijmegen, NL: University of Nijmegen. Annals… The Netherlands, 2002.) e nos espaços públicos mais tradicionais, possibilita aos indivíduos e grupos que deles participam, à luz das interações face a face, estabelecer diferentes formas de comunicação e distanciamento, de representação e diferenciação (Campbell, 2005CAMPBELL, K. B. Theorizing the authentic: identity, engagement, and public space. Administration & Society, v. 36, n. 6, p. 688-705, 2005. doi: https://doi.org/10.1177%2F0095399704270582.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
). Assim sendo, seria legítima a seguinte afirmação: sem espaços públicos, isto é, sem a composição de uma pluralidade de públicos, nem a democracia, nem a sociedade civil poderiam existir plenamente (Jenlink, 2007JENLINK, P. M. Creating public spaces and practiced places for democracy, discourse, and the emergence of civil society. Systemic Practice and Action Research, v. 20, n. 5, p. 429-440, 2007. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11213-007-9077-1.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.100...
).

Nesse contexto, temas como o cosmopolitismo e as cidades cosmopolitas têm movido um interessante debate na comunidade científica. Nesses estudos, o cosmopolitismo é geralmente concebido como (1) como uma geografia ou filosofia política da cidadania global e (2) uma atitude ou um conjunto de habilidades que celebra a possibilidade do convívio e da negociação com a diversidade (Young; Diep; Drabble, 2006YOUNG, C.; DIEP, M.; DRABBLE, S. Living with difference? The “cosmopolitan city” and urban reimaging in Manchester, UK. Urban Studies, v. 43, n. 10, p. 1687-1714, 2006. doi: https://doi.org/10.1080%2F00420980600888486.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080%...
). Diga-se de passagem, como fenômeno, a cidade sempre foi uma espécie de realização empírica do cosmopolitismo, isto é, da convivência entre indivíduos, grupos, ideias, objetos, valores e comportamentos diversos (Souzis, 2015SOUZIS, A. E. Momentary ambiances: psychogeography in action. Cultural Geographies in Practice, v. 22, n. 1, p. 193-201, 2015. doi: https://doi.org/10.1177%2F1474474013519581.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
). Fenômeno que se tornou particularmente importante nas cidades contemporâneas, onde floresce, literalmente, uma sociabilidade cosmopolita (Schiller; Darieva; Gruner-Domic, 2011SCHILLER, N.; DARIEVA, T.; GRUNER-DOMIC, S. Defining cosmopolitan sociability in a transnational age: an introduction. Ethnic and Racial Studies, v. 34, n. 3, p. 399-418, 2011. doi: https://doi.org/10.1080/01419870.2011.533781.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
). Para alguns, o cosmopolitismo é uma escolha, como no caso dos turistas globais; para outros, é uma experiência forçada, a exemplo dos milhões de imigrantes e refugiados que fogem de epidemias, da pobreza, do terrorismo, de perseguições, da violência, de governos opressores, de guerras, de desastres socioambientais etc. (Popke, 2007POPKE, E. J. Geography and ethics: spaces of cosmopolitan responsibility. Progress in Human Geography, v. 31, n. 4, p. 509-518, 2007. doi: https://doi.org/10.1177%2F0309132507077090.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
).

Apesar do entusiasmo que muitos autores têm demonstrado por temas como a diversidade sociocultural urbana, o multiculturalismo e o cosmopolitismo, é preciso ter em mente o fato de que, em alguns casos, há certo grau de romantização acerca do potencial de transformação social dos encontros citadinos. Como bem adverte a geógrafa Gill Valentine, a idealização exacerbada desses encontros, públicos e privados, na literatura especializada, em alguma medida, limita nossa capacidade de perceber que, apesar de diversos, esses encontros estão inseridos em estruturas socioespaciais rígidas e desiguais (Valentine, 2008VALENTINE, G. Living with difference: reflections on geographies of encounter. Progress in Human Geography, v. 32, n. 3, p. 323-337, 2008. doi: https://doi.org/10.1177%2F0309133308089372.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
). Como mostram diferentes estudos, o convívio com a diversidade, por si só, não seria suficiente para produzir empatia, fraternidade e solidariedade entre os cidadãos, especialmente quando se trata de grupos populacionais minoritários, excluídos ou marginalizados (Valentine; Waite, 2011VALENTINE, G.; WAITE, L. Negotiating difference through everyday encounters: the case of sexual orientation and religion and belief. Antipode, v. 44, n. 2, p. 474-492, 2011. https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.2010.00866.x.
https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.2010...
; Valentine; Piekut; Harris, 2015VALENTINE, G.; PIEKUT, A.; HARRIS, C. Intimate encounters: the negotiation of difference within the family and its implications for social relations in public space. The Geographical Journal, v. 181, n. 3, p. 280-294, 2015. doi: https://dx.doi.org/10.1111/geoj.12095.
https://doi.org/https://dx.doi.org/10.11...
).

Os novos fluxos e circuitos globais de migração, em diferentes momentos, mas especialmente nas últimas décadas, propiciaram uma incrível diversificação das populações urbanas de diferentes cidades dos cinco continentes. Nesse contexto, por um lado, novas zonas de contato e convivência entre grupos etnoculturais distintos se formaram; por outro lado, porém, fenômenos como a intolerância cultural e religiosa (Houston, 2001HOUSTON, C. The brewing of Islamist modernity: tea gardens and public space in Istanbul. Theory, Culture, and Society, v. 18, n. 6, p. 77-97, 2001. doi: https://doi.org/10.1177/02632760122052057.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177/...
; Ammann, 2002AMMANN, L. Islam in public space. Public Culture, v. 14, n. 1, p. 277-279, 2002. doi: https://doi.org/10.1215/08992363-14-1-277.
https://doi.org/https://doi.org/10.1215/...
; Sadeghi; Baghi; Paston, 2020SADEGHI, A. R.; BAGHI, E. S. M. S.; PASTON, Z. Relationship among religious orientation, individual attributes, and presence of people in urban public space. Journal of Religion and Health, v. 0, n. 59, p. 59-81, 2020. doi: https://doi.org/10.1007/s10943-019-00842-6.
https://doi.org/https://doi.org/10.1007/...
), o racismo e a xenofobia transformam esses encontros citadinos em experiências demasiado violentas para determinados grupos (Peterson, 2020PETERSON, M. Micro aggressions and connections in the context of national multiculturalism: everyday geographies of racialisation and resistance in contemporary Scotland. Antipode, v. 52, n. 5, p. 1393-1412, 2020. doi: http://doi.org/10.1111/anti.12643.
https://doi.org/http://doi.org/10.1111/a...
; Listerborn, 2015LISTERBORN, C. Geographies of the veil: violent encounters in urban public spaces in Malmö, Sweden. Social & Cultural Geography, v. 16, n. 1, p. 95-115, 2015. doi: https://doi.org/10.1080/14649365.2014.950690.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
). Nesse sentido, as normas de convivência e os códigos de conduta se transformam, simultaneamente, em ferramentas de inclusão e de exclusão de diferentes públicos da arena pública (Ye, 2019YE, J. Re-orienting geographies of urban diversity and coexistence: analyzing inclusion and difference in public space. Progress in Human Geography, v. 43, n. 3, p. 478-495, 2019. doi: https://doi.org/10.1177%2F0309132518768405.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
).

Na bibliografia especializada, a publicidade citadina é geralmente descrita como um fenômeno de caráter variável nas cidades, levando em conta diferentes elementos e critérios de caracterização, que podem englobar variáveis temporais, espaciais e sociais e mesmo combinações entre elas (Németh, 2012NÉMETH, J. Controlling the commons: how public is public space? Urban Affairs Review, v. 48, n. 6, p. 811-835, 2012. doi: https://doi.org/10.1177%2F1078087412446445.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
). Há uma geografia da publicidade que é ainda pouco aludida. Em alguns casos, a simples transição temporal do período diurno para o período noturno, por exemplo, pode constituir um elemento fundamental de ativação da vida pública, reorganizando socioespacialmente determinadas áreas das cidades (Góis, 2017GÓIS, M. Paisagens luminosas e cenários noturnos: formas, práticas e significados da noite na cidade do Rio de Janeiro: Ed. UFF, 2017.), convertendo esses espaços em verdadeiros lugares centrais para a sociabilidade (Felix de Souza, 2015FELIX DE SOUZA, A. Lapa: da sociabilidade na cidade para a sociabilidade da cidade. Espaço Aberto, v. 5, n. 2, p. 61-78, 2015. doi: https://doi.org/10.36403/espacoaberto.2015.2524.
https://doi.org/https://doi.org/10.36403...
). A publicidade dos espaços públicos, conforme demonstram diversos estudos, não é um fenômeno homogeneamente distribuído, predeterminado e inato (Vigneswaran; Iveson; Low, 2017VIGNESWARAN, D.; IVESON, K.; LOW, S. Problems, publicity, and public space: a resurgent debate. Environment and Planning A, v. 49, n. 3, p. 496-502, 2017.doi: https://doi.org/10.1177%2F0308518X17690953.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
; Houssay-Holzschuch; Thébault, 2017HOUSSAY-HOLZSCHUCH, M.; THÉBAULT, E. Dis-locating public space: Occupy Rondebosch Common, Cape Town. Environment and Planning A: Economy and Space, v. 49, n. 3, p. 555-571, 2017. doi: https://doi.org/10.1177%2F0308518X15603985.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
).

Para a população LGBTQIA+, por exemplo, a presença pública e a convivência com indivíduos e grupos diversos nos espaços públicos, se deslocando, fazendo compras, se divertindo, namorando, existindo e, principalmente, resistindo, como grupos e como indivíduos, é considerada por diferentes autores um importante instrumento de empoderamento desses indivíduos e grupos específicos e de combate aos mais diversos tipos de preconceito. Não obstante, ao mesmo tempo em que a presença pública torna visíveis as diferenças e a diversidade de possibilidades, ela também deixa essas pessoas mais vulneráveis à violência e à intolerância. Por esse motivo, a visibilidade pública constitui, simultaneamente, uma prática de resistência, de ação política, de empoderamento e de inserção dessa e de tantos outros temas na esfera pública e nos espaços de discussão política; fenômenos tidos como fundamentais para a superação do machismo, da homofobia, da violência, do preconceito, das desigualdades etc. (Namaste, 1996NAMASTE, K. Genderbashing: sexuality, gender, and the regulation of public space. Environment and Planning D: Society and Space, v. 14, n. 2, p. 221-240, 1996. doi: https://doi.org/10.1068%2Fd140221.
https://doi.org/https://doi.org/10.1068%...
; Day, 2006DAY, K. Being feared: masculinity and race in public space. Environment and Planning A, v. 38, n. 3, p. 569-586, 2006. doi: https://doi.org/10.1068%2Fa37221.
https://doi.org/https://doi.org/10.1068%...
; Milanović, 2017MILANOVIĆ, A. Public space and a knot of visibility: genders and sexualities exposed. AM Journal of Art and Media Studies, n. 14, p. 113-122, 2017. doi: http://dx.doi.org/10.25038/am.v0i14.201.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.250...
; Campos, 2020CAMPOS, I. Estar, circular e curtir: gênero e sociabilidade em um pequeno espaço público da Zona Sul carioca. Geografares, v. 1, n. 30, p. 176-203, 2020. doi: https://doi.org/10.7147/GEO30.28585.
https://doi.org/https://doi.org/10.7147/...
etc.).

A maior parte dos geógrafos e cientistas sociais que se propõe a refletir sobre o tema da diversidade étnica nas cidades, focaliza o estudo em espaços de concentração da etnicidade: o bairro, o gueto, a favela, o distrito, o quarteirão etc., onde a segregação socioespacial geralmente aparece como ponto de partida e de chegada das análises, a exemplo dos estudos empreendidos pelas primeiras gerações de sociólogos da Escola de Chicago. Atualmente, em contrapartida, diversos autores se propõem a refletir sobre os espaços onde diferentes grupos étnicos e raciais interagem nas cidades e convivem nos espaços públicos, onde o cosmopolitismo é um fenômeno demograficamente inevitável, onde os encontros e desencontros públicos constroem e desconstroem categorias identitárias e onde o racismo e os preconceitos de todas as ordens são, simultaneamente, reproduzidos e questionados (Popke; Ballard, 2004POPKE, E. J.; BALLARD, R. Dislocating modernity: identity, space and representations of street trade in Durban, South Africa. Geoforum, v. 35, n. 1, p. 99-110, 2004. doi: http://dx.doi.org/10.1016%2FS0016-7185(03)00002-2.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.101...
; Keith, 2004KEITH, M. Racialization and the public spaces of the multicultural city. In: MURJI, K.; SOLOMOS, J. (Ed.). Racialization: studies in theory and practice. Oxford: Oxford University Press, 2004. cap. 12. p. 251-272. ; Britton, 2008BRITTON, M. “My regular spot”: race and territory in urban public space. Journal of Contemporary Ethnography, v. 37 n. 4, p. 442-468, 2008. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0891241607309883.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.117...
; Houssay-Holzschuch; Teppo, 2009 HOUSSAY-HOLZSCHUCH, M.; TEPPO, A. A mall for all? Race and public space in post-apartheid Cape Town. Cultural Geographies, v. 16, n. 3, p. 351-379, 2009. Disponível em: Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1474474009105052 . Acesso em: 26 dez. 2021.
https://journals.sagepub.com/doi/10.1177...
etc.).

Em diferentes partes do globo, os espaços públicos são conceituados e vivenciados como lugares de convivência, de encontros, de debates e de acordos (Cooper, 1998COOPER, D. Regard between strangers: diversity, equality and the reconstruction of public space. Critical Social Policy, v. 18, n. 4, p. 465-492, 1998. doi: https://doi.org/10.1177%2F026101839801805702.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
; Melucci; Avritzer, 2000MELUCCI, A.; AVRITZER, L. Complexity, cultural pluralism, and democracy: collective action in the public space. Social Science Information, v. 39, n. 4, p. 507-527, 2000. doi: https://doi.org/10.1177%2F053901800039004001.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
; Thompson, 2002THOMPSON, C. W. Urban open space in the 21st century. Landscape and Urban Planning, v. 60, n. 2, p. 59-72, 2002. doi: https://doi.org/10.1016/S0169-2046(02)00059-2.
https://doi.org/https://doi.org/10.1016/...
); mas esses espaços são também lugares de disputas, de contestações e de conflitos (Atkinson, 2016ATKINSON, R. Limited exposure: social concealment, mobility, and engagement with public space by the super-rich in London. Environment and Planning A, v. 48, n. 7, p. 1302-1317, 2016. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0308518X15598323.
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.117...
; Iveson, 2017IVESON, K. “Making space public” through occupation: the aboriginal tent embassy, Canberra. Environment and Planning A, v. 49, n. 3, p. 537-554, 2017. doi: https://doi.org/10.1177%2F0308518X16682496.
https://doi.org/https://doi.org/10.1177%...
), especialmente, quando se trata de indivíduos e grupos socialmente marginalizados e/ou excluídos (Crawford, 1995CRAWFORD, M, Contesting the public realm: struggles over public space in Los Angeles. Journal of Architectural Education., v. 49, n. 1, p. 4-9, 1995. doi: https://doi.org/10.1080/10464883.1995.10734658.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
; Staeheli; Thonpson, 1997STAEHELI, L. A.; THOMPSON, A. Citizenship, community, and struggles for public space. Professional Geographer, v. 49, n. 1, p. 28-38, 1997. doi: https://doi.org/10.1111/0033-0124.00053.
https://doi.org/https://doi.org/10.1111/...
; Parr, 1997PARR, H. Mental health, public space, and the city: questions of individual and collective access. Environment and Planning D: Society and Space, v. 15, p. 435-454, 1997. doi: https://doi.org/10.1068%2Fd150435.
https://doi.org/https://doi.org/10.1068%...
; Lobo, 2014LOBO, M. Everyday multiculturalism: catching the bus in Darwin, Australia. Social & Cultural Geography, v. 15, n. 7, p. 714-729, 2014. doi: https://doi.org/10.1080/14649365.2014.916743.
https://doi.org/https://doi.org/10.1080/...
). Em espaços urbanos fortemente caracterizados pelas desigualdades socioespaciais estruturais, como ocorre no Brasil e em tantas outras cidades do mundo, grupos sociais distintos têm direitos desiguais de acesso e uso dos espaços públicos (Robaina, 2018ROBAINA, I. População em situação de rua, espacialidades e vida cotidiana: mobilidades, permanências e ritmos espaciais na área central da cidade do Rio de Janeiro. Campos dos Goytacazes, RJ: Brasil Multicultural, 2018.). Nesse contexto, espaço público, esfera pública e política urbana precisam funcionar de maneira coordenada, dando visibilidade às demandas de diferentes grupos, transformando essas demandas em debates públicos e convertendo esses debates em políticas públicas efetivas (Machado, 2018MACHADO, A. B. Da política dos espaços públicos: esfera pública e política urbana no caso do ecolimite da Rocinha. Geografares, n. 26, p. 147-161, 2018. doi: https://doi.org/10.7147/GEO26.21003.
https://doi.org/https://doi.org/10.7147/...
).

Considerações finais

Neste artigo, concebemos sociabilidade pública, os códigos comportamentais de convivência característicos dos espaços públicos, como um grande sistema de comportamentos, tributário de um conjunto de ideias, princípios e valores essenciais às sociedades republicanas e democráticas: cortesia, civilidade, polidez, urbanidade, cidadania e cosmopolitismo. Como argumentamos no texto, esses novos códigos comportamentais estabilizaram-se ao longo de séculos de “amadurecimento” da vida pública e da esfera pública em geral e das diferentes formas de interação face a face nos espaços públicos em particular, assumindo formas muito diversas em diferentes sociedades, culturas, nacionalidades, povos, etnias, classes, contextos geográficos etc. Mostramos como esses códigos comportamentais de convivência públicos surgiram, não por acaso, paralelamente ao processo de formação das repúblicas/democracias modernas e do “renascimento” das cidades e dos espaços públicos que ocorreu ao longo de processo de constituição da modernidade. Não obstante, consideramos fundamental abandonar as ideias de “evolução” e “regressão” lineares no tempo e no espaço, da vida pública, da esfera pública, dos espaços públicos e dos comportamentos públicos.

Nos espaços públicos das cidades contemporâneas, onde indivíduos e grupos diversos convivem cotidianamente, o jogo social da vida pública é jogado e, à luz da sociabilidade pública, isto é, dos códigos de convivência característicos desses espaços, os comportamentos considerados “adequados” ou “inadequados” são experimentados e questionados. Não por acaso, cresce o número de pesquisas que mostra enfaticamente o importante papel dos espaços públicos na celebração, reprodução, negociação e contestação de diferentes categorias identitárias, como as de gênero, sexualidade, “raça”, etnia, idade etc. Na maior parte desses estudos, a copresença da diversidade nesses espaços de visibilidade pública é concebida, entre outras coisas, como um importante instrumento (1) de questionamento das estruturas sociais, econômicas, políticas, comportamentais etc., (2) de combate ao racismo, ao machismo, à homofobia, à xenofobia, às intolerâncias, aos preconceitos, às desigualdades de diferentes naturezas etc. e (3) de inserção de uma série de questões e debates em esferas públicas e espaços de discussão política.

Referências

  • AMMANN, L. Islam in public space. Public Culture, v. 14, n. 1, p. 277-279, 2002. doi: https://doi.org/10.1215/08992363-14-1-277.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1215/08992363-14-1-277
  • ARENDT, H. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
  • ATKINSON, R. Limited exposure: social concealment, mobility, and engagement with public space by the super-rich in London. Environment and Planning A, v. 48, n. 7, p. 1302-1317, 2016. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0308518X15598323.
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1177/0308518X15598323
  • BENHABIB, S. Feminist theory and Hannah Arendt’s concept of public space. History of the Human Sciences, v. 6, n. 2, p. 97-114, 1993. doi: https://doi.org/10.1177%2F095269519300600205.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F095269519300600205
  • BOBBIO, N. Estado, governo e sociedade: para uma teoria geral da política. 14. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.
  • BOYD, R. The value of civility?. Urban Studies, v. 43, n. 5-6, p. 863-878, 2006. doi: https://doi.org/10.1080%2F00420980600676105.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080%2F00420980600676105
  • BRIDGE, G. City senses: on the radical possibilities of pragmatism in geography. Geoforum, v. 39, n. 4, p. 1570-1584, 2008. doi: http://dx.doi.org/10.1016%2Fj.geoforum.2007.02.004.
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1016%2Fj.geoforum.2007.02.004
  • BRITTON, M. “My regular spot”: race and territory in urban public space. Journal of Contemporary Ethnography, v. 37 n. 4, p. 442-468, 2008. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0891241607309883.
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1177/0891241607309883
  • CAMPBELL, K. B. Theorizing the authentic: identity, engagement, and public space. Administration & Society, v. 36, n. 6, p. 688-705, 2005. doi: https://doi.org/10.1177%2F0095399704270582.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F0095399704270582
  • CAMPOS, I. Estar, circular e curtir: gênero e sociabilidade em um pequeno espaço público da Zona Sul carioca. Geografares, v. 1, n. 30, p. 176-203, 2020. doi: https://doi.org/10.7147/GEO30.28585.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.7147/GEO30.28585
  • CHOAY, F. O reino do urbano e a morte da cidade. Projeto História, v. 18, p. 67-89, 1999. Disponível em: Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/10977 Acesso em: 26 dez. 2021.
    » https://revistas.pucsp.br/index.php/revph/article/view/10977
  • COOPER, D. Regard between strangers: diversity, equality and the reconstruction of public space. Critical Social Policy, v. 18, n. 4, p. 465-492, 1998. doi: https://doi.org/10.1177%2F026101839801805702.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F026101839801805702
  • CRAWFORD, M, Contesting the public realm: struggles over public space in Los Angeles. Journal of Architectural Education., v. 49, n. 1, p. 4-9, 1995. doi: https://doi.org/10.1080/10464883.1995.10734658.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/10464883.1995.10734658
  • CUPERS, K. Towards nomadic geography: rethinking space and identity for the potentials of progressive politics in the contemporary city. International Journal of Urban and Regional Research, v. 29, n. 4, p. 729-739, 2005. doi: http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-2427.2005.00619.x.
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1111/j.1468-2427.2005.00619.x
  • DAVIS, M. Cidade de quartzo: escavando o futuro em Los Angeles. São Paulo: Scritta, 1993.
  • DAY, K. Being feared: masculinity and race in public space. Environment and Planning A, v. 38, n. 3, p. 569-586, 2006. doi: https://doi.org/10.1068%2Fa37221.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1068%2Fa37221
  • ELIAS, N. O processo civilizador: formação do Estado e civilização. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994a. v. 2.
  • ELIAS, N. O processo civilizador: uma história dos costumes. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1994b. v. 1.
  • FELIX DE SOUZA, A. Sociabilidade pública na cidade do Rio de Janeiro: uma reflexão geográfica sobre a importância dos espaços públicos para a existência das sociedades republicanas e democráticas. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.
  • FELIX DE SOUZA, A. Os espaços públicos nas cidades contemporâneas: uma (re)visão. Geografares, v. 1, n. 26, p. 182-213, 2018. doi: https://doi.org/10.7147/GEO26.21005.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.7147/GEO26.21005
  • FELIX DE SOUZA, A. Lapa: da sociabilidade na cidade para a sociabilidade da cidade. Espaço Aberto, v. 5, n. 2, p. 61-78, 2015. doi: https://doi.org/10.36403/espacoaberto.2015.2524.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.36403/espacoaberto.2015.2524
  • FRASER, N. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. Social Text, n. 25/26, p. 56-80, 1990. doi: https://doi.org/10.2307/466240.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.2307/466240
  • GOFFMAN, E. Comportamento em lugares públicos: notas sobre a organização social dos ajuntamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010 [1961].
  • GÓIS, M. Paisagens luminosas e cenários noturnos: formas, práticas e significados da noite na cidade do Rio de Janeiro: Ed. UFF, 2017.
  • GOMES, P. Espaços públicos: um modo de ser do espaço, um modo de ser no espaço. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C.; CORRÊA, R. L. (Ed.). Olhares geográficos: modos de ver e viver o espaço. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012, p. 19-41.
  • GOMES, P. A condição urbana: ensaios de geopolítica da cidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2010 [2000].
  • GOMES, P.; RIBEIRO, L. (Org.). Formas de la sociabilidad: una geografía de los espacios públicos en Rio de Janeiro. Granada, ES: Ed. Universidad de Granada, 2020.
  • GORDON, D. Citizens without sovereignty: equality and sociability in French thought, 1670-1789. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2017.
  • GOVERDE, H. Politics and public space: the Amsterdam dam square urban ensemble in cultural geographic perspective. In: INTERNATIONAL CONFERENCE NATURE, NATION AND SOCIETY: RECONSIDERING POLITICS IN SOCIAL AND POLITICAL GEOGRAPHY, 13-15 June 2002, Nijmegen, NL: University of Nijmegen. Annals… The Netherlands, 2002.
  • HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
  • HOFFMANN, S. The politics of sociability: freemasonry and German civil society, 1840-1918. Michigan, MI: University of Michigan Press, 2007.
  • HOUSSAY-HOLZSCHUCH, M.; TEPPO, A. A mall for all? Race and public space in post-apartheid Cape Town. Cultural Geographies, v. 16, n. 3, p. 351-379, 2009. Disponível em: Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1474474009105052 Acesso em: 26 dez. 2021.
    » https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1474474009105052
  • HOUSSAY-HOLZSCHUCH, M.; THÉBAULT, E. Dis-locating public space: Occupy Rondebosch Common, Cape Town. Environment and Planning A: Economy and Space, v. 49, n. 3, p. 555-571, 2017. doi: https://doi.org/10.1177%2F0308518X15603985.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F0308518X15603985
  • HOUSTON, C. The brewing of Islamist modernity: tea gardens and public space in Istanbul. Theory, Culture, and Society, v. 18, n. 6, p. 77-97, 2001. doi: https://doi.org/10.1177/02632760122052057.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177/02632760122052057
  • IVESON, K. “Making space public” through occupation: the aboriginal tent embassy, Canberra. Environment and Planning A, v. 49, n. 3, p. 537-554, 2017. doi: https://doi.org/10.1177%2F0308518X16682496.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F0308518X16682496
  • JENLINK, P. M. Creating public spaces and practiced places for democracy, discourse, and the emergence of civil society. Systemic Practice and Action Research, v. 20, n. 5, p. 429-440, 2007. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11213-007-9077-1.
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1007/s11213-007-9077-1
  • KEITH, M. Racialization and the public spaces of the multicultural city. In: MURJI, K.; SOLOMOS, J. (Ed.). Racialization: studies in theory and practice. Oxford: Oxford University Press, 2004. cap. 12. p. 251-272.
  • LATHAM, A.; LAYTON. J. Social infrastructure and the public life of cities: studying urban sociality and public spaces. Geography Compass, v. 13, n. 7, p. 1-15, 2019. doi: https://doi.org/10.1111/gec3.12444.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1111/gec3.12444
  • LAURIER, E.; PHILO, C. Possible geographies: a passing encounter in a café. Area, v. 38, n. 4, p. 353-363, 2006. Disponível em: https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.701.556&rep=rep1&type=pdf. Acesso em: 26 dez. 2021.
    » https://doi.org/https://citeseerx.ist.psu.edu/viewdoc/download?doi=10.1.1.701.556&rep=rep1&type=pdf
  • LISTERBORN, C. Geographies of the veil: violent encounters in urban public spaces in Malmö, Sweden. Social & Cultural Geography, v. 16, n. 1, p. 95-115, 2015. doi: https://doi.org/10.1080/14649365.2014.950690.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/14649365.2014.950690
  • LOBO, M. Everyday multiculturalism: catching the bus in Darwin, Australia. Social & Cultural Geography, v. 15, n. 7, p. 714-729, 2014. doi: https://doi.org/10.1080/14649365.2014.916743.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/14649365.2014.916743
  • LOFLAND, L. A world of strangers: order and action in urban public space. New York: Basic Books, 1973.
  • MACHADO, A. B. Da política dos espaços públicos: esfera pública e política urbana no caso do ecolimite da Rocinha. Geografares, n. 26, p. 147-161, 2018. doi: https://doi.org/10.7147/GEO26.21003.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.7147/GEO26.21003
  • MELUCCI, A.; AVRITZER, L. Complexity, cultural pluralism, and democracy: collective action in the public space. Social Science Information, v. 39, n. 4, p. 507-527, 2000. doi: https://doi.org/10.1177%2F053901800039004001.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F053901800039004001
  • MILANOVIĆ, A. Public space and a knot of visibility: genders and sexualities exposed. AM Journal of Art and Media Studies, n. 14, p. 113-122, 2017. doi: http://dx.doi.org/10.25038/am.v0i14.201.
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.25038/am.v0i14.201
  • NAMASTE, K. Genderbashing: sexuality, gender, and the regulation of public space. Environment and Planning D: Society and Space, v. 14, n. 2, p. 221-240, 1996. doi: https://doi.org/10.1068%2Fd140221.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1068%2Fd140221
  • NÉMETH, J. Controlling the commons: how public is public space? Urban Affairs Review, v. 48, n. 6, p. 811-835, 2012. doi: https://doi.org/10.1177%2F1078087412446445.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F1078087412446445
  • ONU. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Population division: world urbanization prospects 2018. Disponível em: Disponível em: https://population.un.org/wup/ Acesso em: 16 dez. 2021.
    » https://population.un.org/wup/
  • ORUM, A. M. Public man and public space in Shanghai today. City & Community, v. 8, n. 4, p. 369-389, 2009. doi: https://doi.org/10.1111/j.1540-6040.2009.01298.x.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1111/j.1540-6040.2009.01298.x
  • PARKINSON, J. Democracy and public space: the physical sites of democratic performance. New York: Oxford University Press, 2012.
  • PARR, H. Mental health, public space, and the city: questions of individual and collective access. Environment and Planning D: Society and Space, v. 15, p. 435-454, 1997. doi: https://doi.org/10.1068%2Fd150435.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1068%2Fd150435
  • PETERSON, M. Micro aggressions and connections in the context of national multiculturalism: everyday geographies of racialisation and resistance in contemporary Scotland. Antipode, v. 52, n. 5, p. 1393-1412, 2020. doi: http://doi.org/10.1111/anti.12643.
    » https://doi.org/http://doi.org/10.1111/anti.12643
  • POPKE, E. J. Geography and ethics: spaces of cosmopolitan responsibility. Progress in Human Geography, v. 31, n. 4, p. 509-518, 2007. doi: https://doi.org/10.1177%2F0309132507077090.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F0309132507077090
  • POPKE, E. J.; BALLARD, R. Dislocating modernity: identity, space and representations of street trade in Durban, South Africa. Geoforum, v. 35, n. 1, p. 99-110, 2004. doi: http://dx.doi.org/10.1016%2FS0016-7185(03)00002-2.
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1016%2FS0016-7185(03)00002-2
  • ROBAINA, I. População em situação de rua, espacialidades e vida cotidiana: mobilidades, permanências e ritmos espaciais na área central da cidade do Rio de Janeiro. Campos dos Goytacazes, RJ: Brasil Multicultural, 2018.
  • ROUSSEAU, J.-J. Do contrato social. São Paulo: Ridendo Castigat Mores, 2001. Disponível em: Disponível em: https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf. E-book Acesso em: 26 dez. 2021.
    » https://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf. E-book
  • SADEGHI, A. R.; BAGHI, E. S. M. S.; PASTON, Z. Relationship among religious orientation, individual attributes, and presence of people in urban public space. Journal of Religion and Health, v. 0, n. 59, p. 59-81, 2020. doi: https://doi.org/10.1007/s10943-019-00842-6.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1007/s10943-019-00842-6
  • SCHILLER, N.; DARIEVA, T.; GRUNER-DOMIC, S. Defining cosmopolitan sociability in a transnational age: an introduction. Ethnic and Racial Studies, v. 34, n. 3, p. 399-418, 2011. doi: https://doi.org/10.1080/01419870.2011.533781.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080/01419870.2011.533781
  • SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • SIMMEL, G. Questões fundamentais da sociologia: indivíduo e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006.
  • SORKIN, M. (Ed.). Variations on a theme park: the new American city and the end of public space. New York: Hill and Wang, 1992.
  • SOUZIS, A. E. Momentary ambiances: psychogeography in action. Cultural Geographies in Practice, v. 22, n. 1, p. 193-201, 2015. doi: https://doi.org/10.1177%2F1474474013519581.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F1474474013519581
  • STAEHELI, L. A.; MITCHELL, D. Locating the public in research and practice. Progress in Human Geography, v. 31, n. 6, p.792-811, 2007. doi: http://dx.doi.org/10.1177/0309132507083509.
    » https://doi.org/http://dx.doi.org/10.1177/0309132507083509
  • STAEHELI, L. A.; THOMPSON, A. Citizenship, community, and struggles for public space. Professional Geographer, v. 49, n. 1, p. 28-38, 1997. doi: https://doi.org/10.1111/0033-0124.00053.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1111/0033-0124.00053
  • THOMPSON, C. W. Urban open space in the 21st century. Landscape and Urban Planning, v. 60, n. 2, p. 59-72, 2002. doi: https://doi.org/10.1016/S0169-2046(02)00059-2.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1016/S0169-2046(02)00059-2
  • VALENTINE, G. Living with difference: reflections on geographies of encounter. Progress in Human Geography, v. 32, n. 3, p. 323-337, 2008. doi: https://doi.org/10.1177%2F0309133308089372.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F0309133308089372
  • VALENTINE, G.; PIEKUT, A.; HARRIS, C. Intimate encounters: the negotiation of difference within the family and its implications for social relations in public space. The Geographical Journal, v. 181, n. 3, p. 280-294, 2015. doi: https://dx.doi.org/10.1111/geoj.12095.
    » https://doi.org/https://dx.doi.org/10.1111/geoj.12095
  • VALENTINE, G.; WAITE, L. Negotiating difference through everyday encounters: the case of sexual orientation and religion and belief. Antipode, v. 44, n. 2, p. 474-492, 2011. https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.2010.00866.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1467-8330.2010.00866.x
  • VIGNESWARAN, D.; IVESON, K.; LOW, S. Problems, publicity, and public space: a resurgent debate. Environment and Planning A, v. 49, n. 3, p. 496-502, 2017.doi: https://doi.org/10.1177%2F0308518X17690953.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F0308518X17690953
  • WATSON, S. The public city. In: ORUM, A. M. (Ed.). The Wiley Blackwell Encyclopedia of Urban and Regional Studies. New York: Wiley-Blackwell, 2019. Disponível em: Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/9781118568446.eurs0524 Acesso em: 26 dez. 2021.
    » https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/9781118568446.eurs0524
  • WHITE, W. The social life of small urban spaces. New York: Project of Public Spaces, 1980.
  • YE, J. Re-orienting geographies of urban diversity and coexistence: analyzing inclusion and difference in public space. Progress in Human Geography, v. 43, n. 3, p. 478-495, 2019. doi: https://doi.org/10.1177%2F0309132518768405.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1177%2F0309132518768405
  • YOUNG, C.; DIEP, M.; DRABBLE, S. Living with difference? The “cosmopolitan city” and urban reimaging in Manchester, UK. Urban Studies, v. 43, n. 10, p. 1687-1714, 2006. doi: https://doi.org/10.1080%2F00420980600888486.
    » https://doi.org/https://doi.org/10.1080%2F00420980600888486

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2020
  • Aceito
    20 Dez 2021
Universidade de São Paulo Av. Prof. Lineu Prestes, 338 - Cidade Universitária, São Paulo , SP - Brasil. Cep: 05339-970, Tels: 3091-3769 / 3091-0297 / 3091-0296 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistageousp@usp.br