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Manter-se desperto na cidade-dormitório: São Gonçalo-RJ e a cristalização de representações

Staying awake in the dormitory town: São Gonçalo-RJ and the crystallization of representations

Rester éveillé dans la ville-dortoir : São Gonçalo-RJ et la cristallisation des représentations

Resumo

Entende-se que o conceito de cidade-dormitório, há muito presente nas discussões sobre São Gonçalo-RJ, provoca uma ausência: as várias possibilidades de ver e representar a cidade se ofuscam sob a onipresença desse conceito. Procuramos tratar das implicações da cristalização de certas representações que se conformam em torno dele. Entende-se que, quando deixa de ser mediação entre o vivido e o concebido, o conceito pode se cristalizar e bloquear o entendimento. Neste artigo, recuperamos alguns usos do conceito cidade-dormitório na Região Metropolitana do Rio de Janeiro confrontando-os com dados da realidade atual do município. Também discutimos implicações simbólicas e materiais devidas à cristalização dessas representações, acompanhadas de seu papel na produção do espaço da cidade. Como resultado de pesquisa, concluímos que é preciso fazer emergir um entendimento que ultrapasse a primazia do centro metropolitano; há que compreender as representações para deslindar seus nós, observá-las para ver além delas.

Palavras-chave:
Cidade-dormitório; Representação; Produção do espaço urbano; São Gonçalo-RJ

Abstract

The concept of commuter town, always present in discussions about São Gonçalo-RJ, provokes (when it becomes evident) an absence: the multiple possibilities of representing the city are obfuscated by the omnipresence of the concept. We seek to deal with the implications of the crystallization of representations that are formed around the commuter town concept. When the concept ceases to be a mediation between the experienced and the conceived, it can crystallize and cause a blockage of understanding. Along this paper, we recall some uses of the commuter town concept in Rio metropolitan region, confronting them with some data regarding the municipality’s current situation. Subsequently, we deal with symbolic and material implications derived from the crystallization of these representations and their role in the production of urban space. As a result, we concluded that it is necessary to develop an understanding that goes beyond the dominance of the metropolitan center; it is imperative to understand those representations in order to untangle their knots, and to observe them in order to see beyond them.

Keywords:
Commuter town; Representation; Production of urban space; São Gonçalo-RJ

Résumé

Le concept de ville-dortoir, longtemps présent dans les discussions sur São Gonçalo-RJ, provoque, lorsqu’il devient évident, une absence: les différentes possibilités de représenter la ville sont éclipsées par l’omniprésence de ce concept. Nous cherchons à aborder les implications de la cristallisation de certaines représentations qui se forment autour du concept de ville-dortoir. Lorsqu’un concept cesse d’être une médiation entre le vécu et le conçu, il peut se cristalliser et provoquer un blocage de la compréhension. Au cours de cet article, nous récupérons quelques utilisations du concept de ville-dortoir dans la région métropolitaine de Rio, en les confrontant à quelques informations de la réalité actuelle de la municipalité. Nous discutons ensuite des implications symboliques et matérielles de la cristallisation de ces représentations et leur rôle dans la production de l’espace urbain. Comme résultat de la recherche, nous avons conclu qu’il est nécessaire de faire émerger une compréhension qui va plus loin que la prépondérance du centre métropolitain; il faut comprendre les représentations pour défaire leurs nœuds, les observer pour pouvoir voir au-delà d’elles.

Mots-clés:
Ville-dortoir; Représentation; Production de l’espace urbain; São Gonçalo-RJ

Introdução

O postiço empastado ao realcomo uma camada sobre outra camada [...]como uma página velando outra página [...]uma pátina outra pátina Haroldo de Campos

O espanto que levou - como ainda é hoje - os primeiros pensadores à especulação filosófica foi o que disse Aristóteles (2002ARISTÓTELES -. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002., p. 11). Para conhecer, é preciso desconhecer novamente, fazer estranho, tentar ver pela primeira vez o já visto várias vezes - se dispor a se assombrar com o óbvio. É preciso deslocar o olhar, desestabilizar certas representações ossificadas e cristalizadas pelo uso e pelo senso comum para aprender novas. É preciso ver as coisas sob outro ângulo, sob outra luz. Ou seja, “se quisermos tornar verdadeiramente familiares coisas que parecem familiares, é preciso, antes de mais nada, fazê-las estranhas” (Bauman, 2011BAUMAN, Z. 44 cartas do mundo líquido moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 2011., p. 10).

Aquilo que já se tornou o “natural”, não mais nos espanta - é como se as coisas se escondessem sob seu manto de obviedade. Aquilo para o que temos um olhar de reconhecer - aquilo que já cristalizamos nas sensações, permeadas por uma série de clichês físicos e percepções já prontas (Deleuze, 2007DELEUZE, G. Francis Bacon: lógica da sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007., p. 91-92) -, por vezes nos impede de ter um olhar de descobrir, numa apreensão diária dos processos. Falta-nos certo estranhamento, uma predisposição ao espanto. Entende-se aqui que isso acontece na aplicação da expressão cidade-dormitório ao município de São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ): acompanhando a expressão, cristalizam-se representações que nos impedem de ver a cidade a partir dela mesma.

Quando tratamos de São Gonçalo, falamos da 16ª cidade mais populosa de um país continental, tendo hoje uma população estimada de 1.098.357 pessoas (IBGE, [2021IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA . [2021]. Disponível em: Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2021/ . Acesso em: 1 set. 2022.
https://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_P...
]). No Brasil, exceto as capitais de estado, São Gonçalo é a terceira maior cidade em termos populacionais, estando atrás apenas de Guarulhos e Campinas (13ª e 14ª, respectivamente, no ranking geral). Fazendo parte da RMRJ - sendo que a população do estado é estimada em 17.463.349 pessoas -, de cada 17 cidadãos do Rio, aproximadamente um reside em São Gonçalo. Não bastando o expressivo número de pessoas vivendo no município, 99,9% desse contingente residem em áreas urbanas (IBGE, 2021IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA . [2021]. Disponível em: Disponível em: https://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2021/ . Acesso em: 1 set. 2022.
https://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_P...
).

Inserida nesse contexto, a cidade de São Gonçalo faz parte da RMRJ, abrigando um grande número de trabalhadores que se desloca e trabalha entre os municípios de Niterói e Rio - entretanto, o que costuma ser pouco observado, é que, considerando razões e dados de proporcionalidade, há mais trabalhadores ocupados residentes de São Gonçalo trabalhando no próprio município (61%) do que no Rio (15%) ou em Niterói (22%) (IBGE, 2010IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA Base de dados do Censo, 2010. Disponível em: Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html . Acesso em: 10 maio 2022.
https://censo2010.ibge.gov.br/resultados...
).

Na RMRJ, São Gonçalo é vizinha dos municípios de Niterói, Itaboraí e Maricá, tendo também uma área litorânea voltada para a parte interna da baía de Guanabara (Figura 1).

Figura 1 -
Mapa da localização do município de São Gonçalo-RJ

O texto que segue coloca em questão o uso a expressão cidade-dormitório aplicada à cidade. Para abordar efetivamente as implicações de seu uso no contexto gonçalense, por método, partimos do conceito em si, tentando abarcar seu caráter difuso e a imprecisão de seu significado; em seguida, resgatamos seu uso em livros, artigos e documentos institucionais que abordam o contexto da RMRJ, confrontando os textos com alguns dados objetivos da cidade gonçalense. Depois, tratamos das implicações materiais e simbólicas endossadas pelo uso da expressão. Todo o texto é articulado por uma discussão mais ampla a respeito da cristalização de um sistema de representações e a necessidade de ir além dele para compreender a cidade e desbloquear seu devir.

Cidade-dormitório como categoria difusa

Embora a expressão cidade-dormitório designe essencialmente a mobilidade pendular e o número significativo de pessoas que se deslocam de seu próprio município para seu posto de trabalho em outra cidade, nem sempre ele é usado nesse sentido. Há cidades com uma grande proporção de pessoas se deslocando para outros municípios e que, ainda assim, não são comumente designadas como cidades-dormitório; do mesmo modo, há outras que são categorizadas como cidades-dormitório, mas por outros motivos que não o da proporção significativa de mobilidade pendular (Ojima; Pereira; Silva, 2008OJIMA, R.; PEREIRA, R. H. M., SILVA, R. B. Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na redistribuição dos riscos ambientais? In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 29 set.-3 out. 2008, Caxambu, MG: Fapesp/CNPq. Anais... Caxambu, 2008., p. 9). Hoje, a expressão acaba servindo para designar “cidades demograficamente diferentes, com funções diversas e tipologias por vezes antagônicas” (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 275).

Quando alguém fala em cidade-dormitório, portanto, não se refere apenas à intensa mobilidade pendular. Em sua imprecisão, a expressão conforma um difuso núcleo de representações que acaba por se cristalizar na cidade a que se refere. No caso de São Gonçalo, é uma “convergência de elementos” (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 281) que a designa como cidade-dormitório (e, no mesmo texto, o autor mostra que tais elementos não são completamente verdadeiros, apesar de estarem no imaginário do senso comum sobre a cidade):

[...] o grande movimento pendular, uma suposta homogeneidade da pobreza, o fato de sua centralidade (Christaller, 1966) 1 1 CRISTALLER, W. Central places in Southern Germany. New Jersey: Prentice Hall, 1996. não subordinar outras cidades, a transição da função majoritariamente industrial para uma função mista com predomínio das funções residenciais e de serviços e as carências de infraestrutura urbana (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 281).

Por ter acabado se tornando uma categoria tão difusa e imprecisa - e, não bastando, sendo por vezes aplicada inadequadamente -, ela tende a se tornar uma expressão universalizante que, ao invés de ser uma mediação entre o vivido e o concebido, abriga um núcleo de representações. A própria ciência não está livre de alimentar a cristalização de determinadas representações quando reproduz, sem cuidado, esses conceitos; quando eles deixam de ser mediadores - não servindo mais ao movimento de pensar, mas à cristalização e à estabilização de uma forma de entender determinado processo -, tornam-se ideologias, fornecendo ao poder uma retórica na produção da cidade:

[...] os protocolos de experimentos e análises pontuais se acumulam, mas se ratifica um “real” que consiste em representações que já se tornaram familiares, ainda que tenham sido impostas, e que se incorporam na prática. Se renuncia a crítica radical ou a simples crítica [...]. Resumindo, se consolidam as representações e se permite a elaboração de ideologias de caráter científico (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 42).

Em outras palavras, o entendimento de São Gonçalo como uma cidade-dormitório acaba por endossar uma priorização unilateral do centro metropolitano, contribuindo para a perpetuação de um urbano em que as verticalidades2 2 Pontos no espaço que, separados uns dos outros, asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia (Santos, 2006, p. 194). são favorecidas, em detrimento das horizontalidades.3 3 Extensões formadas por pontos que se agregam sem descontinuidade (Santos, 2006, p. 192). Tomando o espaço contíguo e o lugar como secundários, tal núcleo de representações serve à construção e à perpetuação da cidade-polvo:

[...] novas rodovias se espraiam como tentáculos, articulando partes da cidade nas quais está sendo investido novo dinheiro, ligando, digamos, um shopping center a torres de escritórios e a novos prédios residenciais; essas ligações atravessam partes negligenciadas da cidade ou contornam favelas, bairros pobres e assentamentos improvisados (Sennett, 2018SENNETT, R. Construir e habitar: ética para uma cidade aberta. Rio de Janeiro: Record, 2018., p. 124).

A discussão do espaço público em sua materialidade, em seus atributos e significados, se desvanece quando já se adota a priori a representação prevalente: sendo São Gonçalo uma cidade-dormitório, seu espaço público será encarado como um obstáculo, uma contingência entre a casa e o trabalho - e a maioria das intervenções urbanas passam a ser pensadas na perspectiva de encurtar o tempo desse trajeto.

Já adiantando e evitando malentendidos, quando dizemos espaço público ao longo deste texto, não o tomamos na concepção mais corriqueira do senso comum, como um sistema de praças, parques, largos e monumentos - acreditamos que esse entendimento acaba endossando a redução do espaço público a um espaço fragmentado e fragmentário, pontual, monovalente e isolado. Tais espaços podem chegar a perder o sentido na dinâmica diária dos sujeitos e se tornar meros locais de passagem; deslocados, tornam-se, como afirma Sennett (2014SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. Rio de Janeiro: Record , 2014. , p. 90), meros “monumentos a si mesmos” ou “museus da natureza”. Também não se trata de diminuir ou justapor o espaço público à noção de espaço do Estado. Ao contrário, entendemos que “o termo público significa o próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele” (Arendt, 2007ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007., p. 62, grifos nossos). Nesse sentido, “a cidade é o espaço público” (Borja, 2003BORJA, J. La ciudad conquistada. Madrid: Alianza, 2003. , p. 119).

Quando se diz aqui espaço público, pretende-se resgatar certa “tradição urbanística [...] que não faz do espaço público um elemento especializado e refúgio de pedestres em um tecido urbano concebido como a soma dos edifícios e vias para veículos, senão identificá-lo e concebê-lo como a forma mesmo da cidade e, portanto, presente em toda ela” (Borja, 2003BORJA, J. La ciudad conquistada. Madrid: Alianza, 2003. , p. 132). Não sendo um espaço isolado e bem delineado que possa “ser vendido como se vende um quilo de açúcar; utilizado, enfim, como utilizamos uma máquina bastante especializada” (Lefebvre, 1972LEFEBRVE, H. Entrevista com Henri Lefebvre. 1972. 1 vídeo (34min 26s). Publicado pelo canal de Pedro Resende. Disponível em: Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=z4klH4Hz3yg . Acesso em: 15 out. 2021.
https://www.youtube.com/watch?v=z4klH4Hz...
), é amplo e difuso como o próprio tecido urbano; abarcando a rua e a malha urbana, é um “espaço intermediário” (Stavrides, 2016STAVRIDES, S. Hacia la ciudad de umbrales. Madrid: Akal, 2016., p. 117) que pode favorecer a abertura e a permeabilidade entre as diferenças ou, ao contrário, se retrair perante elas, enquadrá-las e as isolar entre si. É a “síntese entre os lugares e os fluxos” (Borja, 2003BORJA, J. La ciudad conquistada. Madrid: Alianza, 2003. , p. 119), o lugar do encontro (Whyte, 1980WHYTE, W. H. The social life of small urban spaces. New York: Project of Public Spaces, 1980. ; Lofland, 1973LOFLAND, L. A world of strangers: order and action in urban public space. New York: Basic, 1973.; Lefebvre, 2008LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.; Goffman, 2010GOFFMAN, E. Comportamento em lugares públicos: notas sobre a organização social dos ajuntamentos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010[1961].[1961]; Sennett, 2014SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. Rio de Janeiro: Record , 2014. ), não de um encontro romantizado, mas em que se reúnem as possibilidades de permeabilidade e dos conflitos ocasionados pelo encontro - o contato, a aspereza, as dificuldades e o atrito de sua fricção. É onde a atração e o medo do imprevisto convivem, ambivalentemente, onde o fascínio e o espectro do desconhecido andam lado a lado (Bauman, 2009BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2009., p. 47).

Retomando: a cristalização de um núcleo de representações, por vezes, faz com que os atributos que não são contemplados por ele sejam deixados de lado, tornando-os absolutamente secundários. A materialidade que se desdobra a partir de então reforçará essa representação. O espaço público, relegado do ponto de vista do uso, do estar e do fruir, é visto apenas como uma espécie de pista de rolagem que leva os trabalhadores aos grandes centros. O real e as práticas socioespaciais que desmentem tal fato; revelando uma cidade mais complexa do que a expressão cidade-dormitório, nos permitem enxergar, se tornam acidentes, são vistos como secundários.

Em São Gonçalo, a expressão cidade-dormitório costuma soar familiar, com uma naturalidade quase intuitiva. “Assim, é possível que muitas coisas (materiais, sociais, mentais) que têm um nome trivial, estejam envoltas em representações que desviam o intelecto. De tal modo que sua importância permanece durante muito tempo desconhecida” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 45). Uma expressão trivial, mesmo científica, que se torna “natural”, pode se transformar numa representação que, ao invés de esclarecer, encobre a complexidade daquilo que a extrapola. “É possível que a coerência formal dissimule as incoerências, incluindo os conflitos, os choques de representações, fazendo passar opiniões por pensamentos” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 49) - a coerência formal de cidade-dormitório talvez dissimule o que não é movimento pendular, o que não é cidade-dormitório, o que vai além da expressão e a ultrapassa, inclusive entrando em atrito com ela.

Já naturalizadas, como se fossem um dado de obviedade intuitiva, as representações cristalizadas são formas fixas que tomam vida própria e, por vezes, já estão descoladas daquilo que pretendiam inicialmente representar. É como se já não precisássemos pensar detidamente sobre aquilo que fixamos, que já “entendemos” e, consequentemente, a que já associamos certo núcleo de representações. Muitas vezes, toma-se a cidade por sua representação, o espaço por sua representação, reduzindo-os - “a substituição do representado pela representação consolida esta última” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 37-38). A representação passa a servir não mais como mediadora, mas como uma forma de bloquear o devir do pensamento. Fixa-se, portanto, determinado processo. Ocorre uma equivocada “associação entre o espacial e a fixação de seu significado” (Massey, 2008MASSEY, D. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008., p. 42). Reduzindo uma cidade ou um processo a determinado núcleo de representações, se logra “oferecer, sem ‘mentir’ particularmente, uma imagem que perpetua a dominação” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 60).

Se “o que bloqueia o possível, o que o arranca de si mesmo, o que provoca ou mantém o esquecimento e a perda é uma representação, ou melhor, um núcleo de representações” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 58), talvez seja preciso desestabilizar esse núcleo de representações, desfossilizá-lo, descristalizá-lo, torná-lo maleável e inserido numa dialética que inclua outros conteúdos e atributos. Sabemos, no entanto, que “para atravessar as representações há que se partir delas e encontrar certo apoio mais ou menos vacilante em tal ou qual representação” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 96). Se não há como viver sem representações, será preciso percorrê-las por dentro.

Resgate e desmistificação da expressão cidade-dormitório aplicada a São Gonçalo

Partimos delas, das representações: da expressão cidade-dormitório e dos significados que a rodeiam. Tentamos resgatar alguns usos da expressão na RMRJ para, de certo modo, confrontá-los com o real e traçar-lhes algum contraponto. Conforme Lefebvre (1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 26), “a teoria não permite abolir a representação, senão resistir às que fascinam e, quiçá, escolher as representações que permitem explorar o possível contra aquelas que fixam ao fixar-se” - trata-se, portanto, de resistir às representações que se impõem quase com uma espécie de naturalidade, fixando-se e, sob sua força, bloqueando os outros modos de compreender e pensar a cidade.

Resgatando o uso da expressão cidade-dormitório na RMRJ, começamos por Pedro Pinchas Geiger, em seus artigos “Urbanização e industrialização na orla oriental da Baía de Guanabara” (1956), “Ensaio para a estrutura urbana do Rio de Janeiro” (1960), “Aspectos do fato urbano no Brasil” (1961, em coautoria com Fanny Davidovich), todos publicados na Revista Brasileira de Geografia. Geiger (1969GEIGER, P. P. Urbanização e industrialização na orla oriental da Baía de Guanabara. Revista Brasileira de Geografia, v. 18, n. 4, p. 495-522, 1956. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/4235 . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 40) conceitua: “cidades-dormitório, isto é, cidades que abrigam pessoas que trabalham na capital” e “as cidades-dormitório são aquelas em torno do Rio de Janeiro que abrigam massas de trabalhadores que se dirigem diariamente para a capital federal” (Geiger, 1956GEIGER, P. P. Urbanização e industrialização na orla oriental da Baía de Guanabara. Revista Brasileira de Geografia, v. 18, n. 4, p. 495-522, 1956. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/4235 . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 499). E pondera:

[...] as cidades-dormitório se ampliaram em torno do RJ, onde propriedades rurais foram invadidas pelos loteamentos insuflados pela inflação que se acentuou depois da guerra. A crise de habitação levou muita gente a morar nos subúrbios que se expandiam ou nas cidades fluminenses vizinhas. Morar em Niterói ou em São Gonçalo não seria mais distante do que nos bairros mais afastados do distrito federal (Geiger, 1956GEIGER, P. P. Urbanização e industrialização na orla oriental da Baía de Guanabara. Revista Brasileira de Geografia, v. 18, n. 4, p. 495-522, 1956. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/4235 . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 449).

Fazendo uma análise à luz do centro metropolitano, diz o autor: “cidades-dormitório representam a ponta de lança da expansão metropolitana” (Geiger, 1961GEIGER, P. P.; DAVIDOVICH, F. Aspectos do fato urbano no Brasil. Revista Brasileira de Geografia, v. 23, n. 2, p. 263-362, 1961. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/1752 . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 315). Ainda hoje, apesar do adensamento urbano, do crescimento da complexidade da cidade e da consolidação de São Gonçalo como a 16ª população do país inteiro, onde, do total estimado em 1.098.357 habitantes em 2021, 99,9% são considerados população urbana (IBGE, [s.d.IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA . Cidades e estados: São Gonçalo. Disponível em: Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/rj/sao-goncalo.html . Acesso em: 10 maio 2022.
https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estado...
]), a cidade continua a ser analisada à luz do primado unilateral do centro metropolitano. “Em conjunto, observa-se que as cidades de Niterói e São Gonçalo constituem uma conurbação que cresce em parte com uma função residencial de trabalhadores e funcionários do Rio de Janeiro” (Geiger, 1956GEIGER, P. P. Urbanização e industrialização na orla oriental da Baía de Guanabara. Revista Brasileira de Geografia, v. 18, n. 4, p. 495-522, 1956. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/4235 . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 509). Mesmo atualmente, uma cidade onde se conformaram centralidades com funções comerciais e de serviços (Figura 2) por força de um núcleo de representações cristalizado, ainda é considerada uma cidade essencialmente residencial.

Figura 2 -
Mapa de zoneamento do bairro do Centro de São Gonçalo4 4 Contornado em vermelho, o bairro do Centro instituído e delimitado pelo poder público; o que extrapola o contorno inclui o centro imaginado por pessoas entrevistadas em outra pesquisa realizada pelo autor, em 2019.

Apesar desse vínculo da cidade com o centro metropolitano, alguns autores, no entanto, já assinalam que “ao contrário do senso comum entre os moradores da cidade, o maior período de crescimento não corresponde à institucionalização da região metropolitana e sua ligação rodoviária com o núcleo metropolitano” (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 279), que datam ambos de 1974. Isso pode ser visto claramente no exemplo apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 -
Lotes aprovados por município e década de aprovação

De acordo com a Tabela 1:

[...] o processo de loteamentos é mais intenso em São Gonçalo entre os anos de 1940 e 1960; [além disso], o maior crescimento proporcional de residentes de São Gonçalo está entre 1950 e 1960, o que desmistifica, por exemplo, a ideia de que foram a fusão do estado da Guanabara ao estado do Rio de Janeiro, a inauguração da ligação rodoviária entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói e a própria expansão da metrópole os únicos responsáveis pela conformação de uma cidade-dormitório (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 279).

Dentro do período analisado - antes de 1929 a 1976 -, os anos 1950 também foram o período de maior aprovação de lotes em outros municípios da Baixada da Guanabara. No caso de São Gonçalo houve, portanto, um crescimento que lhe foi próprio, com “a introdução de uma indústria moderna numa área rural onde eram ainda fortes os elementos semifeudais e fracos os aglomerados urbanos” (Geiger, 1956GEIGER, P. P. Urbanização e industrialização na orla oriental da Baía de Guanabara. Revista Brasileira de Geografia, v. 18, n. 4, p. 495-522, 1956. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/4235 . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 510), o que inclusive leva o autor a apontar tal discrepância: “os precários serviços urbanos de São Gonçalo apresentam ao observador um contraste chocante com a riqueza da sua produção municipal” (Geiger, 1956GEIGER, P. P. Urbanização e industrialização na orla oriental da Baía de Guanabara. Revista Brasileira de Geografia, v. 18, n. 4, p. 495-522, 1956. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/4235 . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 509). A insipiência dos serviços e a precariedade do urbano não eram, mesmo àquela época, vinculadas à dependência de São Gonçalo ao centro metropolitano - diziam, na verdade, das contradições internas e da chegada da indústria num contexto espacial de parca infraestrutura urbana. Cremos que hoje, mesmo com o crescimento de centralidades urbanas e dos serviços no município, com a consolidação de uma população eminentemente urbana, ainda temos dificuldade de ver a cidade de uma maneira que não seja exclusivamente à luz da dependência da metrópole.

Continuando o resgate do uso de cidade-dormitório, temos Maria Therezinha Segadas Soares, em artigos como “Fisionomia e Estrutura do Rio de Janeiro” (1965SOARES, M. T. S. Fisionomia e estrutura do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, v. 27, n. 3, p. 329, 1965. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/2206 . Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
) ou “Bairros, bairros suburbanos e subcentros” ([2011]1968SOARES, M. T. S. Bairros, bairros suburbanos e subcentros. Espaço Aberto, v. 1, n. 1, p. 143-154, 2011[1968]. doi: https://doi.org/10.36403/espacoaberto.2011.2038.
https://doi.org/10.36403/espacoaberto.20...
), respectivamente na Revista Brasileira de Geografia e na Espaço Aberto). Segundo Soares (2011[1968SOARES, M. T. S. Bairros, bairros suburbanos e subcentros. Espaço Aberto, v. 1, n. 1, p. 143-154, 2011[1968]. doi: https://doi.org/10.36403/espacoaberto.2011.2038.
https://doi.org/10.36403/espacoaberto.20...
], p. 146), “esses subúrbios não têm existência própria e suas relações são íntimas e frequentes com o centro da cidade”. Há neles a predominância absoluta da função residencial com algum desenvolvimento da função comercial. Acreditamos que dizer, hoje, que São Gonçalo é uma cidade que não tem existência própria, é bastante impreciso. “Nessa faixa, faz-se sentir a influência direta da metrópole, através da profusão de loteamentos, para abrigar sua população, dos núcleos-dormitório” (Soares, 1965SOARES, M. T. S. Fisionomia e estrutura do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, v. 27, n. 3, p. 329, 1965. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/2206 . Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 379). Apesar de o município ser uma periferia que tem um caráter de complementaridade ao centro da metrópole, a complexidade de seu espaço ultrapassa a mera função residencial; hoje, o município tem inclusive certa centralidade, acolhendo pessoas de alguns municípios vizinhos; além disso, cerca de 61% da população economicamente ativa trabalha em São Gonçalo.

Ainda conforme Soares (2011SOARES, M. T. S. Bairros, bairros suburbanos e subcentros. Espaço Aberto, v. 1, n. 1, p. 143-154, 2011[1968]. doi: https://doi.org/10.36403/espacoaberto.2011.2038.
https://doi.org/10.36403/espacoaberto.20...
[1968], p. 148), “o crescimento axial do Rio de Janeiro resultou no alongamento extraordinário das distâncias entre as zonas de residência e o centro da cidade”, o que termina por favorecer o aparecimento de subcentros - “o fenômeno subcentro é comum às grandes metrópoles, onde a expansão urbana vai aumentando as distâncias e levando os moradores a procurarem estabelecimentos mais próximos, em busca, pelo menos, de mercadorias e serviços não especializados”. No entanto, à época, São Gonçalo não era qualificada como subcentro - entre os subcentros regionais, mencionavam-se Méier, Madureira, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e Campo Grande (Soares, 2011SOARES, M. T. S. Bairros, bairros suburbanos e subcentros. Espaço Aberto, v. 1, n. 1, p. 143-154, 2011[1968]. doi: https://doi.org/10.36403/espacoaberto.2011.2038.
https://doi.org/10.36403/espacoaberto.20...
[1968], p. 150). Hoje em dia, São Gonçalo aparece como o sétimo maior PIB do estado do Rio, inclusive à frente de Nova Iguaçu (8°), citada no estudo.

Já em “Cidades-dormitório e a mobilidade pendular”, Ojima, Pereira e Silva (2008OJIMA, R.; PEREIRA, R. H. M., SILVA, R. B. Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na redistribuição dos riscos ambientais? In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 29 set.-3 out. 2008, Caxambu, MG: Fapesp/CNPq. Anais... Caxambu, 2008., p. p. 1) afirmam que essas cidades são “sempre associadas às situações de desvantagem econômica e social em relação a uma cidade que polariza os fluxos regionais tanto pelos aspectos econômicos quanto populacionais”, no entanto, “não há consenso sobre o que se entende por cidade-dormitório”. Em consequência disso, cidades muito díspares são agregadas na mesma categoria. Ojima, Pereira e Silva (2008OJIMA, R.; PEREIRA, R. H. M., SILVA, R. B. Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na redistribuição dos riscos ambientais? In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 29 set.-3 out. 2008, Caxambu, MG: Fapesp/CNPq. Anais... Caxambu, 2008., p. 3-4) dizem que “a característica que realmente marca a cidade-dormitório é o fato que nela os seus habitantes saem para trabalhar em outra cidade, voltando apenas para dormir, sendo, portanto, a mobilidade pendular um movimento característico importante para o melhor entendimento deste objeto”; apesar disso, “o fato é que muitos municípios que tradicionalmente são identificados como cidades-dormitório não apresentam necessariamente grande proporção de pessoas fazendo movimentos pendulares” (Ojima; Pereira; Silva, 2008OJIMA, R.; PEREIRA, R. H. M., SILVA, R. B. Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na redistribuição dos riscos ambientais? In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 29 set.-3 out. 2008, Caxambu, MG: Fapesp/CNPq. Anais... Caxambu, 2008., p. 9) - essa denominação acaba contemplando outras características do município que não são associadas à mobilidade pendular.

Ainda segundo Ojima, Pereira e Silva (2008OJIMA, R.; PEREIRA, R. H. M., SILVA, R. B. Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na redistribuição dos riscos ambientais? In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 29 set.-3 out. 2008, Caxambu, MG: Fapesp/CNPq. Anais... Caxambu, 2008., p. 4), há nesse tipo de cidade “a concretização do espaço urbano alienado que aumenta o abismo entre a estruturação desse espaço urbano e as necessidades sociais da população”. É possível dizer que esse comentário ainda se aplica à materialidade da cidade de São Gonçalo. Embora algumas práticas sociais já se configurem para além da concepção de cidade-dormitório e extrapolem as dinâmicas que a expressão envolve, a materialidade do espaço da cidade continua a ser pensada nesses termos. Refletindo sobre a atualidade, mesmo a própria organização das empresas de ônibus e a oferta de transporte público, por exemplo, valem-se da pendularidade como seu maior motor de arrecadação, sendo muitas vezes mais fácil se deslocar para outro município, como Rio e Niterói, do que entre bairros vizinhos (Rosa, 2018ROSA, D. P. De cidade-dormitório à centralidade da grande cidade periférica: trabalho, consumo e vida de relações de São Gonçalo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ). Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-12062019-150410/pt-br.php. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 172).

Ainda hoje, como acrescenta Rosa (2018ROSA, D. P. De cidade-dormitório à centralidade da grande cidade periférica: trabalho, consumo e vida de relações de São Gonçalo na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RJ). Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-12062019-150410/pt-br.php. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8...
, p. 164), “São Gonçalo continuaria a ser caracterizada como cidade-dormitório pelo perfil majoritariamente da classe trabalhadora, mas também pela dinâmica da hierarquia de centralidades”. Essa representação se consolida mesmo institucionalmente falando. Já em 2011, um estudo para a revisão de seu último plano diretor assinala: “todavia, São Gonçalo ainda é considerada uma cidade-dormitório, perfil que tende a mudar diante dos investimentos em infraestrutura e no trabalho de mudança da imagem da cidade” (PMSG, 2011PMSG. PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO GONÇALO . Agenda São Gonçalo 21. São Gonçalo, RJ: Comperj, 2011. Disponível em: Disponível em: https://casafluminense.org.br/wp-content/uploads/2017/08/Agenda-21_SG.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://casafluminense.org.br/wp-content...
, p. 27); em estudo para analisar o potencial de investimento na região, também o Grupo Votorantin Asset (2014GRUPO VOTORANTIN ASSET. Relatório do administrador RB capital Renda II Fundo de Investimento Imobiliário - FII. Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: Disponível em: https://bvmf.bmfbovespa.com.br/sig/FormConsultaPdfDocumentoFundos.asp?strSigla=RBRD&strData=2015-05-06T15:45:35.480 . Acesso em: 6 jan. 2023.
https://bvmf.bmfbovespa.com.br/sig/FormC...
) conclui que, “apesar de São Gonçalo ser considerada uma cidade-dormitório, com poucos empreendimentos comerciais relevantes, os investimentos imobiliários têm aumentado na região”. No âmbito acadêmico, alguns autores como Gonçalves (2012GONÇALVES, T. G. B. Periferias segregadas, segregação nas periferias: por uma análise das desigualdades intraurbanas no município de São Gonçalo, RJ. Dissertação (Mestrado em Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012. Disponível em: Disponível em: http://objdig.ufrj.br/21/teses/797673.pdf . Acesso em: 20 jan. 2022.
http://objdig.ufrj.br/21/teses/797673.pd...
, p. 117) afirmam que “o quadro baixo de dinamismo econômico e altas taxas de crescimento demográfico seriam os pontos essenciais na condição de São Gonçalo enquanto cidade-dormitório”, e Mendonça (2007MENDONÇA, A. M. Transformações sócio-econômicas no eixo Niterói-Manilha em São Gonçalo. Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007., p. 44) assinala que ainda hoje o município é “frequentemente classificado como subúrbio industrial ou cidade-dormitório”.

Cidade-dormitório e cristalização de um núcleo de representações

Sabe-se que há implicações na atitude de sempre tratar o espaço de São Gonçalo como uma cidade-dormitório, como afirma Hall (2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 49), corroborando a apreensão de Foucault acerca das relações entre poder, representação e conhecimento: “o conhecimento não opera no vazio. Ele é colocado para trabalhar, através de certas tecnologias e estratégias de aplicação, em situações específicas, contextos históricos e regimes institucionais”. Os autores acrescentam que os signos e as palavras trabalham simbolicamente - representam conceitos e significados -, mas seus efeitos são sentidos no mundo material e social. Inclusive em casos mais simples como, por exemplo, o dos semáforos: “vermelho e verde funcionam na linguagem do tráfego como signos, mas eles têm efeitos materiais e sociais reais” (Hall, 2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 27).

Igualmente, o conceito de cidade-dormitório terá implicações e desdobramentos materiais - “todo conhecimento, uma vez aplicado no mundo real, tem efeitos reais e, em certo sentido, se ‘torna verdade’” (Hall, 2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 49). Da mesma maneira, “a cidade-dormitório existe de forma simultânea como teoria e como materialidade” (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 280). A cidade se conforma em torno de uma representação que se repete - essa representação ganha desdobramentos espaciais e materiais. Sendo assim, mesmo a cidade de São Gonçalo não tendo seu boom de crescimento por conta de sua vinculação e proximidade com o centro da metrópole, ela vai sendo produzida como cidade-dormitório e subjugada a essa hierarquia. Nas palavras de Rosa (2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 279):

[...] ao contrário do senso comum entre os moradores da cidade, o maior período de crescimento não corresponde à institucionalização da região metropolitana e sua ligação rodoviária com o núcleo metropolitano, mas sim aos períodos onde a função industrial possui proeminência no âmbito estatal.

Mesmo sem preponderar a centralidade metropolitana no crescimento de São Gonçalo, o Estado se vale dessa representação para conformá-la como tal; o poder produz a cidade-dormitório. Segundo Hall (2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 50, grifo nosso), “o poder não é apenas negativo, reprimindo o que ele quer controlar. Ele é também produtivo. Ele não só pesa sobre nós como uma força que diz não, mas ele atravessa e produz coisas, ele induz prazer, formas de conhecimento, produz discursos”.

O poder não só reprime como produz - e o faz se valendo também das representações do conhecimento. Em São Gonçalo, de certo modo, isso se manifesta em alguns exemplos, como quando o projeto da linha 3 do metrô - que liga São Gonçalo a Niterói -, ainda não implementado, se desenha como um plano de superfície, cortando e dividindo a cidade ao longo de todo o centro; ou quando uma rodovia nacional (BR-101) é construída rente ao litoral do município, isolando-o do resto da cidade e reduzindo drasticamente a possibilidade de seu uso comum, impondo-se materialmente como uma barreira entre a cidade e o litoral (Figura 3).

Figura 3 -
(Imagem 1) Partes do litoral de São Gonçalo e Niterói: na metade superior da fotografia, o litoral de São Gonçalo entrincheirado pela BR-101; na metade inferior, o litoral do centro de Niterói, sem interferência da rodovia. (Imagem 2) Litoral e embarreiramento da BR-101 compreendendo mais de oito bairros de São Gonçalo representados na imagem. (Imagem 3) BR-101 como divisa entre litoral e cidade.

Ou seja, se o que vale é a movimentação pendular e a primazia da centralidade metropolitana; se São Gonçalo é, enfim, apenas uma cidade-dormitório - “cidades que abrigam pessoas que trabalham na capital” (Geiger, 1960GEIGER, P. P. Ensaio para a estrutura urbana do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, v. 22, n. 1, p. 3-45, 1960. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/920 . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 40) e que “representam a ponta de lança da expansão metropolitana” (Geiger, 1960GEIGER, P. P. Ensaio para a estrutura urbana do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Geografia, v. 22, n. 1, p. 3-45, 1960. Disponível em: Disponível em: https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rbg/article/view/920 . Acesso em: 20 jan. 2022.
https://www.rbg.ibge.gov.br/index.php/rb...
, p. 315) -, não importa a maneira que será implantado o metrô, a rodovia, nem os espaços que eles atravessam e nos quais se situam - o que passa a valer é o deslocamento para atender às demandas do centro metropolitano. Como aponta Lefebvre (1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 42), por meio das ciências parcelares, “se consolidam as representações de caráter científico que acompanham inquietantes técnicas”.

Alguns autores, entretanto, já sinalizam que “uma análise crítica da realidade urbana dos tempos atuais instiga a tarefa de revisitar a formulação de conceitos quando estes são apropriados por agentes produtores do espaço, rotulando determinados recortes espaciais” (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 275). A representação pode acabar substituindo aquilo que pretendia representar. Ao invés de ser um processo, um movimento, a representação se estagna, estagnando a ação e o movimento de pensar, igualmente, ao estagnar-se. Acontece uma espécie de metonímia, em que ocorre a substituição do todo pela parte - “se fortalece a coerência do discurso, mas empobrecendo a realidade” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 89). Assim, uma única expressão universalizante, como cidade-dormitório, que se refere a parte do movimento pendular, acaba servindo para representar o todo de uma cidade, descartando da análise uma série de outros elementos que conformam e constituem sua complexidade. E sabe-se: representações como “interpretações da prática, mutilando-a ou transpondo-a, são utilizadas politicamente” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 29). É possível que esse tipo de representação redutora seja “parte dos serviços e processos de conservação, de proteção contra o devir, à estabilização, de luta contra as transformações” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 174).

Afinal, “a representação não é nem a verdade nem o erro, nem a presença nem a ausência, nem a observação nem a produção, senão algo intermediário” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 15). A representação não é, portanto, uma verdade absoluta nem definitiva - é um meio de se interpretar o real, um intermediário. Quando se diz que São Gonçalo é uma cidade-dormitório, se faz uma interpretação da prática que, de fato, diz da relevância do movimento pendular vinculado ao mercado de trabalho. Entretanto, quando se apresenta essa interpretação, quando se evidencia essa presença, produz-se também uma ausência, composta de tudo aquilo (e todos aqueles) que é(são) deixado(s) de fora - assim como a parte iluminada da lua esconde sua outra metade obscura, que permanece atrás dela, oculta e mantida na escuridão. De acordo com Hall (2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 59), “A representação trabalha tanto pelo que é mostrado, quanto por aquilo que não se mostra”.

No entanto, muitas vezes esses conceitos que nos são apresentados não só escondem outros elementos na ausência, mas substituem o representado. Alguns deles adquirem uma espécie de cidadania intelectual (Alcoreza, 2014ALCOREZA, R. P.. El mito de la modernidad: los mitos de la racionalidad abstracta. Rebelión, 16 abr. 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.rebelion.org/los-mitos-de-la-racionalidad-abstracta /. Acesso em: 20 jan. 2022.
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), substituindo as dinâmicas do mundo vivido, quando os conceitos deveriam ser apenas orientadores que nos lançam para as dinâmicas do mundo, dos acontecimentos e não a finalidade científica. Ou seja, os conceitos, assim como determinadas representações, devem servir apenas como intermediários.

Do contrário, quando o conceito é a finalidade e passa a substituir o representado, a complexidade é reduzida a um só termo universalizante; assim, passa-se a discutir a categoria em si, empobrecida de seu contexto, como se o “mundo verdadeiro” radicasse na racionalização abstrata. Dessa maneira, as representações imaginárias e os conceitos que são transformados em “sujeitos” - enquanto os sujeitos e os objetos de fato desaparecem - submetem a vida a categorias do pensamento, ao invés de avaliar o pensamento de acordo com as categorias da vida.

Ao invés de partir de uma apreensão da cidade e procurando estar despidos dos códigos e estereótipos que a priori recaem sobre ela, partimos já do próprio arcabouço categórico-conceitual. Deixamos de pensar as dinâmicas da percepção, das experiências e das memórias sociais para refinar, polir, engordar, lapidar determinado conceito, como se esse ente abstrato representasse a totalidade. Assim, “o racionalismo abstrato reduz a vida a um conceito ou, o que é pior, descarta a vida, converte-a em um acessório da ‘verdadeira vida’, que se apresentaria na abstração pura, na essência ou na substância metafísica” (Alcoreza, 2014ALCOREZA, R. P.. El mito de la modernidad: los mitos de la racionalidad abstracta. Rebelión, 16 abr. 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.rebelion.org/los-mitos-de-la-racionalidad-abstracta /. Acesso em: 20 jan. 2022.
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). Quando uma cidade é reduzida a uma categoria - por exemplo, cidade-dormitório -, o que não se enquadra objetivamente dentro dela será tido como secundário, menor, um acidente que não representa a totalidade. Assim, “a razão fechada rejeita como inadmissíveis fragmentos enormes da realidade, que então se tornam espuma das coisas, puras contingências” (Morin, 2005MORIN, E. Rumo ao abismo? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil , 2005., p. 168). Portanto, o que o conceito não abriga nem contempla tende a permanecer velado.

É exatamente assim que, num tipo de análise que prioriza o movimento pendular - tendo sempre como ponto de partida o centro metropolitano, relegando a cidade subalternizada apenas como cidade-dormitório -, permanecem ausentes os 61% dos moradores que, vivendo em São Gonçalo, também trabalham no município. Paradoxalmente, o que representa a maior parcela da população ocupada da cidade torna-se irrisório e secundário em tal análise. Ficam ocultas as pessoas que não estão em idade economicamente ativa, sejam crianças ou idosos, e que fazem uso da cidade. Em nome do movimento atrelado às dinâmicas de trabalho, negligenciam-se a cidade em si e sua materialidade. Relega-se igualmente que a cidade está longe de ser um vazio demográfico durante o dia em consequência de sua mobilidade pendular significativa - pelo contrário, além dos moradores, a cidade de São Gonçalo tem inclusive certa centralidade no contexto estadual, abrigando diariamente trabalhadores vindos de Itaboraí, Guapimirim, Maricá, Magé, Niterói e Tanguá (Tabela 2).

Tabela 2 -
Origem e destino dos trabalhadores ocupados na RMRJ

Embora haja “centralidades fora da metrópole que anulam a leitura de que algumas cidades, a exemplo de São Gonçalo, seriam cidades-dormitório por possuírem predominantemente a função residencial” (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 284), a cidade continua a ser produzida tendo por base o imaginário de cidade-dormitório, como uma “semicolônia da metrópole” (Lefebvre, 2008LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2008.), como se a função última da cidade fosse servir de abrigo para trabalhadores do centro metropolitano, como se ela fosse um imenso vazio demográfico durante o dia.

Cidade-dormitório passa então, de conceito relevante para tratar do movimento pendular, a ser um argumento retórico que endossará o planejamento territorial e a produção de uma cidade que atenda aos interesses do centro da metrópole que “avança como um spot de uma rede de fluxos globalizada” (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 276). Cristalizado o núcleo de representações, este servirá ao poder que, relegando a própria cidade e seu espaço contíguo, servirá a um planejamento territorial mais amplo, submisso à centralidade da metrópole. A produção conformada em torno desse imaginário reforça, direta e indiretamente, o abandono da cidade como uso e a escassez da produção de equipamentos urbanos que favoreçam sua apropriação.

Diante disso, Rosa (2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 282) coloca que, das três grandes cidades periféricas da RMRJ (Nova Iguaçu, Duque de Caxias e São Gonçalo), só esta última ainda é tratada como cidade-dormitório. Isso acontece apesar da considerável diversidade econômica do município, inclusive com um percentual ligeiramente maior nos substratos mais altos que as outras duas grandes periferias (também chama atenção a existência de diversas agências bancárias prime no município); mesmo que em 2013 São Gonçalo apareça no ranking das 50 cidades que mais geraram postos de trabalho (4.556), superada apenas pelo Rio (48.974), por Niterói (5.025) e levemente por Nova Iguaçu (4.839) (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 283). Seguindo nessa linha, o autor conclui que essas periferias recebem um tratamento diferente:

[...] não pela ausência de moradores de classes médias na cidade (embora estas também migrem para os bairros da zona sul de Niterói), mas pelo fato de São Gonçalo não possuir um bairro que concentre classes médias, à exemplo do bairro K11 de Nova Iguaçu (Simões, 2006)7 7 SIMÕES, M. A cidade estilhaçada: restruturação econômica e emancipações municipais na Baixada Fluminense. Tese (Doutorado em Geografia) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006. e do bairro Vinte e Cinco de Agosto em Duque de Caxias, bairros de cidades periféricas que se encaixam nesse segmenta (ROSA, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 282).

É assim que, estranhamente, aquilo que deveria ser considerado um aspecto positivo da cidade - uma não separação espacial tão evidente entre as classes que convivem no município, certo tipo de coesão social, ao menos nos ambientes frequentados e por onde se deslocam as pessoas - se torna também um ponto de confusão no entendimento da cidade. Será que apenas com a consolidação de um bairro de classe média será possível ter uma compreensão da cidade que vá além de um local de pobreza homogênea? E ainda: será que a mera conformação de um bairro de classe média segregado pode justificar um entendimento para além do de cidade-dormitório? Queremos crer que é possível adotar outras representações para a cidade, mesmo que ela não tenha um bairro de classe média para chamar de seu.

Após desmistificar alguns elementos que, além do movimento pendular, serviram para dar à cidade tal alcunha - como a de ser um espaço de pobreza homogênea e o fato de não ter uma centralidade que subordine outras cidades -, Rosa (2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 285) conclui: “o conceito de cidade-dormitório nos parece inadequado em relação à cidade de São Gonçalo, na medida em que a cidade atual caminha para maior heterogeneidade e a própria periferização não é um fenômeno urbano antitético à metrópole, mas sim complementar”.

Ou seja, como afirma Hall (2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 15), embora a representação seja parte essencial do processo em que se produzem o sentido e a troca entre membros de uma cultura, “elas [representações] nunca podem ser terminantemente fixadas, mas são sempre sujeitas a mudanças, tanto em diferentes contextos culturais como de um período para outro. Não há, portanto, um singular, imutável e universal ‘verdadeiro sentido’” (Hall, 2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 32). Ao contrário de ser fixadas, “interpretações nunca produzem um momento final de absoluta verdade. Ao invés disso, interpretações são sempre seguidas de outras interpretações, numa cadeia sem fim” (Hall, 2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 42). Assim também, cremos, a concepção de São Gonçalo como cidade-dormitório está permanentemente sujeita a mudanças, seja no tempo, seja no entendimento de que essa expressão é impreca para retratar a cidade.

Na mesma linha, “o ‘verdadeiro’ não é nem uma constante, nem o resultado de uma demonstração. É uma afirmação valorada, elevada ao absoluto (irrisoriamente) por um ato mental (seja individual ou social): o verdadeiro se toma por um resultado lógico e consiste em uma crença dogmática” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 108), de onde se tem que “o deslocamento e a substituição da representação são operações perpétuas” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 34). Não existe, portanto, uma verdade absoluta, constante e imutável que evidencie determinada vocação para a cidade. O sentido que damos às coisas, às cidades, os nomes e as categorias que traçamos para elas não lhes são imanentes. Ou seja, “o ponto principal é que o sentido não é inerente às coisas. É construído, produzido. É o resultado de uma prática de significar - uma prática que produz sentido, que faz as coisas terem um significado” (Hall, 2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 24). Se a cidade não se confunde com as categorias com as quais as rotulamos, nem são estáticas as representações, o seu devir deve ser entendido como um horizonte sempre aberto. Assim, há que “imaginar o espaço como sempre em aberto, nunca como um sistema fechado” (Massey, 2008MASSEY, D. Pelo espaço: uma nova política da espacialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008., p. 31).

É preciso, portanto, “apropriar-se do discurso para o remoldar” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 193) - e apresentar, nesse processo, uma diversidade de representações que evidenciem dinâmicas outras que não apenas a do movimento pendular. Como coloca Hall (2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 21), “o sentido não está no objeto, ou pessoa, ou coisa, nem na palavra. Somos nós que fixamos o sentido tão firmemente que, após algum tempo, ele passa a parecer natural ou inevitável”.

As representações e os significados, porém, não são fixos. Lago8 8 LAGO, L. C. A “periferia” metropolitana como lugar do trabalho: da cidade-dormitório à cidade plena. In: LAGO, L. C. (Org.) Olhares sobre a metrópole do Rio de Janeiro: economia, sociedade e território. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2010. p. 175-190. (apud Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 284) já constatara que “em grande parte dos municípios mais de 25% dos trabalhadores que, em 2000, saíam de seus municípios para trabalhar tinham como destino outros municípios periféricos, principalmente Nova Iguaçu, Caxias e São Gonçalo”. Já existia, em São Gonçalo, determinada centralidade que lhe era própria em dados de 22 anos atrás - hoje não é diferente. Devemos entender São Gonçalo como “uma periferia integrada, em oposição a uma periferia ‘au service du centre’ [...], [mais numa] relação de complementaridade do que essencialmente de dependência” (Rosa, 2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 282). No entanto, apesar de existir essa periferia integrada e de ela ser comprovada em números, ainda temos uma materialidade, uma produção e um imaginário vinculados à ideia de cidade-dormitório. Essa centralidade que lhe é própria acaba não se desdobrando materialmente em elementos e configurações espaciais que favoreçam a apropriação desse centro como uso. Se nas práticas essa centralidade já existe, as representações que lhe foram impostas ao longo de vários anos ainda fixam e bloqueiam seu devir, dando-lhe uma materialidade de cidade essencialmente vinculada à primazia do centro metropolitano.

Mesmo a concepção de cidade-dormitório vinculada ao movimento pendular - que costuma ser o elemento preponderante para essa classificação -, pode ser revista no caso de São Gonçalo. Embora haja um expressivo número de pessoas que se deslocam diariamente, há que ter em conta a também expressiva soma das que permanecem. Os dados devem ser lidos proporcionalmente. Como diz Rosa (2017ROSA, D. P. Consensos e dissensos sobre a cidade-dormitório: São Gonçalo (RJ), permanências e avanços na condição periférica. Política e Planejamento Territorial, Rio de Janeiro, v. 4, n. 2, p. 273-288, jul./dez. 2017. Disponível em: Disponível em: https://www.revistappr.com.br/artigos/publicados/Consensos-e-dissensos-sobre-a-cidade-dormitorio-Sao-Goncalo-(RJ)-permanencias-e-avancos-na-condicao-periferica.pdf. Acesso em: 20 ago. 2022.
https://www.revistappr.com.br/artigos/pu...
, p. 285), “apesar de São Gonçalo ser uma das cidades com maior índice de deslocamento pendular, o dado deve ser lido com razão de proporcionalidade”. Pois então, façamos isto: um estudo de Ojima, Pereira e Silva (2008OJIMA, R.; PEREIRA, R. H. M., SILVA, R. B. Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na redistribuição dos riscos ambientais? In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 29 set.-3 out. 2008, Caxambu, MG: Fapesp/CNPq. Anais... Caxambu, 2008.) sobre cidades-dormitório e mobilidade pendular traça esse ranking (Tabela 3).

Tabela 3 -
Ranking dos municípios com maior proporção de pessoas ocupadas que fazem deslocamentos pendulares - 2000.

Mesmo sendo a 16ª população do país e com o imaginário do senso comum sempre concebendo a cidade apenas como abrigo de trabalhadores, proporcionalmente, São Gonçalo não aparece nem entre as 30 cidades com maior proporção de pessoas ocupadas que fazem movimento pendular diariamente. E Ojima, Pereira e Silva (2008OJIMA, R.; PEREIRA, R. H. M., SILVA, R. B. Cidades-dormitório e a mobilidade pendular: espaços da desigualdade na redistribuição dos riscos ambientais? In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 16., 29 set.-3 out. 2008, Caxambu, MG: Fapesp/CNPq. Anais... Caxambu, 2008., p. 9) concluem:

[...] [no ranking] estão contidos municípios pouco conhecidos e, muitas vezes, não habitualmente identificados como cidades-dormitório. O que queremos destacar aqui é o fato de que muitos municípios que tradicionalmente são identificados como cidades-dormitório não apresentam necessariamente grandes proporções de pessoas realizando movimentos pendulares. Assim, uma das hipóteses aqui levantadas é que essa denominação atende a outras características do município que aquelas associadas à mobilidade pendular.

O uso política, diríamos, é uma dessas características atendidas. Depois de cristalizado, o núcleo de representações dita inclusive o que é passível ou não de discussão. Por meio de um sistema de representações, o discurso diz que caminhos o conhecimento pode ou não percorrer. O poder diz em que circunstâncias o conhecimento pode ou não ser aplicado (Hall, 2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 48). Sabe-se:

[...] o discurso, Foucault argumenta, constrói o tópico. Ele define e produz os objetos do nosso conhecimento. Ele governa a maneira que um tópico pode ser significantemente discutido ou raciocinado sobre. Ele também influencia em como ideias podem ser colocadas em prática e usadas para regular a conduta de outros. Assim como o discurso “regula” certas maneiras de se falar sobre um tópico, definindo uma aceitável e inteligível maneira de falar, escrever ou se conduzir, assim também, por definição, ele “desregula”, limita e restringe outras maneiras de falar, de nos conduzirmos em relação ao tópico ou à construção de conhecimento sobre ele (Hall, 2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 44).

Será, portanto, extremamente difícil tratarmos de uso, de espaço público, do estar, enquanto a representação preponderante for a de cidade-dormitório; enquanto o imaginário dominante vincular a cidade ao estereótipo de um local de pobreza homogênea que deve ser apenas remediado em necessidades primárias, sem nenhuma espécie de centralidade própria, cuja função última é servir de abrigo de trabalhadores. Discutir uso e espaço público, no contexto de São Gonçalo, por conta da cristalização de certas representações, soa quase inverossímil. Há outras prioridades, aponta o sistema de representações. Por que discutir espaço público, se a mobilidade para o trabalho é o que se coloca como mais necessário, diante do número de pessoas que se desloca diariamente? - será preciso romper essa representação calcificada e que se mostra imprecisa em muitos aspectos. Romper ou torná-la apenas mais uma em meio a uma pluralidade de outras.

Assim como o poder, por meio do “sistema prisional, por exemplo, produz livros, tratados, regulações, novas estratégias de controle e resistência, debates no parlamento, conversas, confissões, ordens legais e recursos, regimes de treinamento para oficiais de prisão, dentre outras coisas” (Hall, 2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 50), uma representação prevalente de uma cidade - como cidade-dormitório -, vinculada a um núcleo de representações, pode se reproduzir materialmente em estradas, espaços relegados, descartados ou meramente residuais, ruas precarizadas para pedestres, discussões unilaterais sobre mobilidade pendular, conceitos acadêmicos que respondam apenas a essas discussões etc. Enfim, não se produzirá só uma representação para atender à cidade, mas também uma cidade que corresponda a essa representação.

Negligencia-se, nesse processo, o que permanece na ausência - o estar, a cidade como um direito, todas as outras necessidades e práticas socioespaciais que não perpassam a dinâmica da mobilidade pendular. É preciso, portanto, conduzir o tópico de outra maneira; apontar outros caminhos para a discussão da cidade. Se faz necessário dissolver qualquer elo que nos soe “natural” ou “inevitável” entre representação e representado. Se nenhuma representação é fixa nem guarda um sentido último, é preciso abrir a representação “ao constante jogo ou troca de sentido, à constante produção de novos sentidos, novas interpretações” (Hall, 2009HALL, S. (Ed.). Representation: cultural representations and signifying practices. London: Sage, 2009., p. 32).

Trata-se de encarar São Gonçalo em sua materialidade, em seus atributos, em suas significações, não como sendo um mero desdobramento do centro metropolitano, mas tendo as questões que lhe são próprias. Uma real discussão a respeito da cidade deve ir além da busca de meios mais rápidos para chegar à metrópole. Ampliar a discussão simbólica que rodeia a cidade é imprescindível para que ela não seja reduzida à expressão cidade-dormitório. Afinal de contas, a maneira como entendemos a cidade é também, em parte, o que ela é, além de sinalizar os caminhos para os quais ela será produzida. Ou seja, “um bairro urbano não é determinado apenas pelos fatores geográficos e econômicos, mas pela representação que seus moradores e os de outros bairros têm dele” (Debord, 2003DEBORD, G.-E. Teoria da deriva. In: JACQUES, P. B. (Org.). Apologia da deriva: escritos situacionistas sobre a cidade. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2003. p. 87-91., p. 87).

Considerações finais

Quando um núcleo de representações e conceitos passa a substituir a própria realidade geográfica de uma cidade - como a expressão cidade-dormitório acaba fazendo -, entendemos que é preciso retornar, dar um passo atrás; se torna necessário, como diria o poeta Manoel de Barros, “perder a inteligência das coisas para vê-las”. Se torna essencial voltar àquilo que já julgamos conhecer, àquilo que supostamente já “entendemos” e terminamos por estagnar, empalhando o real em representações, substituindo-o por conceitos rígidos. E acrescenta: “A gente precisa desconhecer tudo de novo. Temos de botar um olho virgem nas coisas”. Ou seja, é preciso buscar um olhar ainda despido dos códigos que já atribuímos às coisas, um olhar de descobrir, que ainda é capaz de se espantar, ao invés de simplesmente reconhecer e se limitar a reiterar os estereótipos que já temos sobre as coisas.

Partindo da expressão cidade-dormitório, este texto procura pensar para além dele. Entendemos que é fundamental pôr em evidência diferentes tipos de representação que estejam vinculados a outra espécie de valoração da cidade - “trata-se tão só de evitar as representações redutoras, surgidas dos lugares mais diversos [...]. Quando e como? Mediante outras representações” (Lefebvre, 1983LEFEBVRE, H. La presencia y la ausencia: contribuciones a la teoría de las representaciones. México: Fondo de Cultura Económica, 1983., p. 190). É preciso fomentar um conjunto de representações que, ao invés de afastar e desvincular as pessoas do espaço onde vivem, estimule sua vontade de agir e criar nesse espaço; um imaginário que fortaleça um sentido de pertencimento, ao contrário da vergonha e do constrangimento. Até porque, como coloca Borja (1998BORJA, J. Ciudadanía y espacio público: la agorafobia urbana. Ambiente y Desarrollo, v. 14, n. 3, p. 13-22, 1998. Disponível em: Disponível em: http://www.pieb.org/espacios/archivos/doconline_ciudadania_y_espacio_publico.pdf . Acesso em: 20 jan. 2022.
http://www.pieb.org/espacios/archivos/do...
, p. 6), “todo o mundo tem o direito de dispor ou acessar facilmente uma área com elementos de centralidade, a viver num bairro visto e reconhecido pelo resto dos cidadãos, a poder convidá-los para comer em sua casa sem se envergonhar disso”.

É preciso fazer emergir um entendimento para além da expressão cidade-dormitório e da primazia do centro metropolitano; é preciso livrar-se de uma noção de espaço público que, inadvertidamente, vem acompanhada dessas representações - como mera contingência, como mero trajeto entre a casa e o trabalho. Apesar de entendermos que, além de uma prática, a mobilidade é um desejo, uma necessidade e uma forma de estar na cidade, entendemos igualmente que reduzir o espaço público a essa dimensão é empobrecê-lo, sobretudo se se trata de mobilidade pendular, que em si é uma forma reduzida de compreender a mobilidade em sentido amplo. É necessário distanciar-se das reduções de espaço público como mero corredor e suporte do fluxo (mobilidade) ou como um espaço concebido apenas para reduzir o risco (segurança). É fundamental compreendê-lo de maneira mais ampla. A seu modo, este artigo pretende ser uma contribuição nesse sentido.

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    Pontos no espaço que, separados uns dos outros, asseguram o funcionamento global da sociedade e da economia (Santos, 2006SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006., p. 194).
  • 3
    Extensões formadas por pontos que se agregam sem descontinuidade (Santos, 2006SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2006., p. 192).
  • 4
    Contornado em vermelho, o bairro do Centro instituído e delimitado pelo poder público; o que extrapola o contorno inclui o centro imaginado por pessoas entrevistadas em outra pesquisa realizada pelo autor, em 2019.
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Editor do artigo:

Rodrigo Ramos Hospodar Felippe Valverde

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Citações de dados

IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA Base de dados do Censo, 2010. Disponível em: Disponível em: https://censo2010.ibge.gov.br/resultados.html Acesso em: 10 maio 2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2022
  • Aceito
    18 Nov 2022
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