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A estrutura fundiária de Goiás: mediações e conteúdo subjacente à propriedade privada da terra3 3 Agradeço ao Programa de Apoio à Pós-Graduação (PROAP), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGEO), da Universidade Estadual de Goiás (UEG) pelo apoio a produção e tradução deste manuscrito.

Resumo

O domínio histórico da terra no Brasil significou domínio do território e controle do Estado e de seus fundos públicos. A cerca cerceou o direito à terra e, como contradição viva, também pariu a luta na terra e pela reforma agrária. Nesse ínterim, este artigo apresenta a estrutura fundiária contemporânea de Goiás e as mediações históricas de sua constituição. Para isso, valeu-se de pesquisa bibliográfica e pesquisa documental. Os resultados apontam que a luta pela terra e pela reforma agrária, responsável por regularizações fundiárias e desapropriações, culminou na criação de 426 assentamentos, com 23.670 famílias assentadas. O latifúndio detém 62% da área e 6,10% dos imóveis rurais em Goiás. Já os minifúndios e as pequenas propriedades controlam 76,23‬% das propriedades e 17,93% da área dos imóveis.

Palavras-chave:
Estrutura fundiária; Campesinato; Latifundiário; Reforma agrária

Abstract

The historical domination of the land in Brazil has meant the domination of the territory, control of the state, and its public funds. As a living contradiction, fences curtailed the right to land and gave rise to the struggle for land and for agrarian reform. In the meantime, this article presents the contemporary land structure of the state of Goiás and discusses the historical mediations of its constitution. To that end, bibliographical and documentary research were carried out. The results show that the struggle for land and for agrarian reform, responsible for land regularization and expropriation, culminated in 426 settlements with 23,670 families settled. Latifundia hold 62% of the area in hectares and 6.10% of the rural properties in the state of Goiás. On the other hand, minifundia and small properties control 76.23% of the properties and 17.93% of the real state area.

Keywords:
Land structure; Peasantry; Landowner; Agrarian reform

Resumen

El dominio histórico de la tierra en Brasil significó dominio del territorio, control del Estado y de sus fondos públicos. El cerco cercenó el derecho a la tierra, como contradicción viva, también parió la lucha en la tierra y por la reforma agraria. En este ínterin, este artículo presenta la estructura agraria contemporánea de Goiás y diserta sobre las mediaciones históricas de su constitución. Para ello, se utilizó de investigación bibliográfica y investigación documental. Los resultados apuntan que la lucha por la tierra y por la reforma agraria, responsable por regularizaciones agrarias y expropiación de tierras, culminó con la creación de 426 asentamientos con 23.670 familias asentadas. El latifundio detiene 62% del área en hectáreas y 6,10% de las propiedades rurales en Goiás. Ya los minifundios y las pequeñas propiedades controlan 76,23% de las propiedades y 17,93% del área de los inmuebles.

Palabras clave:
Estructura de la tierra; Campesinado; Terrateniente; Reforma agraria

Introdução

Digo: O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. Guimarães Rosa, 2001, p. 80

Este texto se origina do projeto de pesquisa “Os paridos da terra estranhos em sua própria casa: cercamentos camponeses em Goiás, 2021 a 2023”, desenvolvido na Universidade Estadual de Goiás, no mestrado acadêmico em geografia no campus Cora Coralina. A propriedade privada capitalista da terra é produto de relações sociais de classe, de estratégias usadas para sua obtenção (Motta; Secreto, 2011MOTTA, M. M. M.; SECRETO, M. V. (Org.). O direito às avessas: por uma história social da propriedade. Guarapuava, PR: Unicentro, 2011. ). Não é um dado a-histórico, despido de produção social. A cerca envolve sangue e lágrimas e eliminação de camponeses, quilombolas e indígenas. Igualmente, envolve exploração, contradição e cerceamento do direito à terra.

Os números são relevantes e comprovam a natureza da estrutura fundiária, mas não explicam o fenômeno na sua condição de processo social. É preciso escrutinar a historiografia da propriedade privada e compreender as mediações e o conteúdo subjacente a sua constituição. Em Goiás, o que se descortina quando se percorrem as mediações, o conteúdo subjacente a conformação da propriedade privada capitalista da terra? Há historicamente uma criação institucional de camponeses deserdados da terra? Existe mediação institucional na formação do latifúndio? Como essas situações se apresentam na estrutura fundiária de Goiás?

O objetivo do texto é apresentar a estrutura fundiária contemporânea de Goiás e discutir mediações históricas subjacentes a sua constituição. Para isso, se fez pesquisa bibliográfica, com localização, levantamento, leitura e fichamento de referências de conceitos concernentes ao tema. Soma-se a isso uma pesquisa documental e na internet, com download dos dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCRINCRA. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. SNCR. SISTEMA NACIONAL DE CADASTRO RURAL. Imóveis do estado de Goiás 2019/2020. Brasília: Incra, 2018. Disponível em: Disponível em: https://sncr.serpro.gov.br/sncr-web/public/pages/index.jsf?faces-redirect=true&windowId=75f . Acesso em: 14 de jun. de 2021.
https://sncr.serpro.gov.br/sncr-web/publ...
) e da Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento (DT), pertencentes ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (IncraINCRA. INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA. SNCR. SISTEMA NACIONAL DE CADASTRO RURAL. Imóveis do estado de Goiás 2019/2020. Brasília: Incra, 2018. Disponível em: Disponível em: https://sncr.serpro.gov.br/sncr-web/public/pages/index.jsf?faces-redirect=true&windowId=75f . Acesso em: 14 de jun. de 2021.
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).

Na tabulação, os dados dos imóveis rurais foram organizados em minifúndios, pequenas e grandes propriedades, com valores da área e do número de unidades na escala municipal, mediante o parâmetro do módulo fiscal. No texto, não se apresentam valores das médias propriedades. Os assentamentos foram dispostos segundo o número de projetos e de famílias assentadas na escala municipal. A tabulação foi sucedida pela elaboração dos mapas. No método de exposição, há uma apresentação multiescalar dos dados, com atenção às escalas estadual, regional, municipal. O intuito foi salientar desigualdades, semelhanças, combinações e contradições no desenvolvimento e na formação da propriedade privada da terra. O artigo está dividido em duas seções: na primeira, se apresenta a distribuição da grande propriedade e dos minifúndios, na segunda, a localização dos assentamentos e da pequena propriedade.

A propriedade privada da terra em Goiás: distribuição do latifúndio e do minifúndio

O Mapa 1 mostra o número e a área dos grandes imóveis rurais em Goiás na escala municipal. Nota-se maior concentração de área pelos latifundiários nas mesorregiões norte, noroeste, leste e sul. No norte, da área total em hectares que detêm as diferentes classes de propriedade, o latifúndio concentra 62% e 6,10% dos imóveis rurais; no noroeste, esses números são de 61,48% e 9,48%; no leste, de 52,74% e 6,14%, e, no sul, de 51,14% e 7,74%. O centro destoa desse cenário: os grandes imóveis são 35,79% da área e as propriedades rurais da mesorregião, 3,32%.

Em Goiás, as grandes propriedades são 6,22% dos imóveis rurais e concentram 53,75% do total: em dados absolutos, são 19.637 imóveis que detêm 31.228.476,30 ha. No norte, em Cavalcante, o latifúndio controla 21,40% das propriedades e 80,16% da área; em Niquelândia, detém 5,98% dos imóveis e 82,26% das terras; em Porangatu, concentra 7,86% das propriedades e 55,61% da superfície; em Nova Roma, domina 9,94% das unidades e 59,72% da terra, e em São João D’Aliança detém 11,30% e 57,33%, respectivamente.

No noroeste, em Nova Crixás, o latifúndio concentra 29,38% dos imóveis e 75,04% das terras; em São Miguel do Araguaia são 12,20% das propriedades e 71,48% da área dos imóveis; em Crixás são 7,71% dos imóveis rurais e 65,85% da superfície; em Jussara, as grandes propriedades são 9,44% dos imóveis e 67,93% da área e em Montes Claros de Goiás, 18,17% e 65,21%, nessa ordem. No leste, em Cristalina, os latifúndios concentram 15,51% dos imóveis rurais e 61,98% da terra; em Formosa, 7,02% das propriedades e 61,40% da área; em Padre Bernardo, 10,12% das propriedades e 62,30% da superfície; em São Domingos, com 7,11% propriedades e 52,45% da terra; em Flores de Goiás, 10,82% das unidades e 72,70% da área.

No sul, em Caiapônia, os latifúndios controlam 9,70% dos imóveis rurais e 52,03% da área; em Mineiros, possuem 11,31% das propriedades e 58,19% da terra; em Serranópolis, 22,04% e 75,82%; em Jataí, 9,82% e 52,31%, e, em Rio Verde, 9,75% e 55,80% da área, nessa ordem. No centro, os municípios com maior concentração fundiária são Goianésia, Ivolândia, Barro Alto e Itapaci, que detêm respectivamente 8,22%, 11,06%, 11,35%, 6,4% das propriedades e 55,95%, 55,11%, 62,68%, 42,18% da área. No estado de Goiás, Niquelândia e Cavalcante são os municípios com maior concentração fundiária: no primeiro, o latifúndio detém 82% das terras; no segundo, 80%.

Mapa 1 -
Estado de Goiás - Número e área de grandes propriedades na escala municipal - 2018

A estrutura fundiária é o Estado determinado, transitório da correlação de forças tecido pelas classes sociais no espaço-tempo. Sua produção é fruto de lutas históricas, de tensões (Motta; Secreto, 2011MOTTA, M. M. M.; SECRETO, M. V. (Org.). O direito às avessas: por uma história social da propriedade. Guarapuava, PR: Unicentro, 2011. ). Nos séculos XVIII e XIX e, via de regra, no XX, o Estado legal em Goiás foi mera ficção - as oligarquias atuaram quase sempre ao arrepio da lei. O domínio da terra se fez conforme determinações de classe (Alencar, 1993ALENCAR, M. A. G. Estrutura fundiária de Goiás. Goiânia: Ed. UCG, 1993.): força física ou paramilitar, “macheza”, “brabeza” e uma suposta virilidade até o “cano da cartucheira” foram mediações para obter a propriedade privada da terra, e tudo isso com a anuência institucional da acumulação primitiva. Oligarquias também ampliaram seus domínios com compra, herança e casamentos intraclasse. Os latifúndios se configuraram em reservas de valor (Aguiar, 2000AGUIAR, M. A. A. A apropriação fundiária: Goiás século XIX. Anhanguera, Goiânia, v. 1, nº 1, p. 167-182, jan./dez. 2000. Disponível em: Disponível em: https://unigoias.com.br/wp-content/uploads/14_a_apropriacao_fundiaria_goias_seculo_xix.pdf . Acesso em: 12 jun. 2022.
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).

O intuito oligarca foi controlar a renda territorial (Maia, 2011MAIA, C. L. Lei de terras de 1850 e a ocupação da fronteira: uma abordagem sobre a história da ocupação das terras em Goiás. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais... São Paulo, 2011. Disponível em: Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548855457_a16893ea4da01cb248381361d5e242ff.pdf . Acesso em: 22 mar. 2022.
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), atingido com a assunção do poder do Estado. A província de Goiás foi controlada por clãs de origem portuguesa, como as famílias Fleury e Jardim (Aguiar, 2000AGUIAR, M. A. A. A apropriação fundiária: Goiás século XIX. Anhanguera, Goiânia, v. 1, nº 1, p. 167-182, jan./dez. 2000. Disponível em: Disponível em: https://unigoias.com.br/wp-content/uploads/14_a_apropriacao_fundiaria_goias_seculo_xix.pdf . Acesso em: 12 jun. 2022.
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). Nela as sesmarias foram diminutas, requerimentos, concessões, confirmações foram exíguos, além da observação de dimensão do terreno em três léguas de comprido e uma de largura após o século XVIII (Silva, M., 2000SILVA, M. A. D. Terra “sem lei, nem rei”: Goiás (1822-1850). Dissertação (Mestrado em História das Sociedades Agrárias) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2000.). Campearam na região a posse arbitrária e as glebas enormes; posseiros ricos se converteram em criadores de gado, senhores de engenho e especuladores; o tamanho da terra foi determinado pela ocupação do rebanho bovino (Silva, M., 2000SILVA, M. A. D. Terra “sem lei, nem rei”: Goiás (1822-1850). Dissertação (Mestrado em História das Sociedades Agrárias) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2000.; Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

Uma pequena parte deles solicitou a sesmaria ao Estado português; outros as abandonaram. As sesmarias medidas e confirmadas usaram técnicas inusitadas, como encher o cachimbo, andar a passo com o cavalo e, queimado todo o fumo, determinar uma légua (Silva, M., 2000SILVA, M. A. D. Terra “sem lei, nem rei”: Goiás (1822-1850). Dissertação (Mestrado em História das Sociedades Agrárias) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2000.). A Lei de Terras n. 601, normatizada pelo Regulamento n. 1.318, exigiu a confirmação das sesmarias e a validação das posses detidas até 1854. Foi executada ao sabor dos presidentes das províncias, dos posseiros ricos, de seus interesses escravocratas e de aferição da renda fundiária (Maia, 2011MAIA, C. L. Lei de terras de 1850 e a ocupação da fronteira: uma abordagem sobre a história da ocupação das terras em Goiás. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais... São Paulo, 2011. Disponível em: Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548855457_a16893ea4da01cb248381361d5e242ff.pdf . Acesso em: 22 mar. 2022.
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; Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

Na República Velha, o interesse oligárquico se manteve, com a transferência das terras devolutas para os estados. Soma-se a isso o coronelismo, com a política dos governadores, seus pactos, compromissos, tráfico de influência, sua objeção à oposição mediante a verificação de poderes (Campos, 1983CAMPOS, F. I. Coronelismo em Goiás. Goiânia: Ed. UFG, 1983.). Isso conformou o controle do executivo, legislativo, judiciário e engendrou o poder absoluto dos coronéis. Constituíram-se potentados defensores de sanções, ações, legislações favoráveis a oligarquia.

Em Goiás, nesse momento, a arrecadação fiscal foi detida pelos latifundiários, os tributos sobre a terra foram irrisórios e houve oposição às infraestruturas de circulação. Tentativas de moralização e efetivação da institucionalidade foram rechaçadas. No domínio xavierista, a proibição de condescendências fiscais suscitou a ira dos coronéis do norte e do sul de Goiás, que arregimentaram “homens de confiança” e avançaram sobre a capital (Campos, 1983CAMPOS, F. I. Coronelismo em Goiás. Goiânia: Ed. UFG, 1983.). A “revolução” de 1909 garantiu os interesses da oligarquia pecuarista.

Outra expressão do poder absoluto dos coronéis no início do século XX foi a questão judiciária. O conflito envolveu o poder executivo e o judiciário devido à concessão de 1.071.476 ha às margens do rio Araguaia a Antônio Caiado (Pereira, 2006PEREIRA, S. L. De fazendeiros e agronegocistas: aspectos do desenvolvimento capitalista em Goiás. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.). De acordo com esse autor, o irmão de Antônio Caiado, Brasil Ramos Caiado, propôs a modificação da Lei n. 725, que impunha pagamento dos custos processuais e demarcação da área, intento negado pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO). A contenda resultou na ampliação do número de desembargadores e a divisão do TJ-GO nas comarcas civil e criminal, o que permitiu o controle oligárquico do judiciário goiano.

Acrescem-se as leis agrárias do interregno de 1890 a 1930, tais como a Lei n. 28, conhecida como Lei de Terras de Goiás, suprimida pela Lei n. 134, ou a Lei n. 735, de 1919. Essas leis privilegiaram a oligarquia agrária, e também se descumpriram as determinações do Regulamento da Lei de Terras n. 1.318, uma vez que os cartórios reconheceram como títulos legítimos o registro paroquial ou contratos de compra e venda posteriores a esse regulamento.

O Brasil se inseriu no regime de acumulação urbano-industrial pela via prussiana de desenvolvimento capitalista (Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

Frações da burguesia urbano-industrial se aliaram à oligarquia agrária, e o poder do Estado foi entregue a frações oligárquicas opositoras (Pereira, 2006PEREIRA, S. L. De fazendeiros e agronegocistas: aspectos do desenvolvimento capitalista em Goiás. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.). Segundo o autor, o bloco de poder conformado em Goiás pós-1930 foi constituído no sul goiano, especificamente em Rio Verde. Descontentes com o caiadismo, o coronel Martins Borges e seu genro Pedro Ludovico migraram para oposição e se aliaram à burguesia mercantil do Triângulo Mineiro, isso os legitimou ao poder no governo Vargas.

De 1930 a 1964, a oligarquia Ludovico não alterou a estrutura fundiária. Contraditoriamente, as Leis n. 52, n. 313, n. 3.059 e os artigos 141 e 136 da Constituição Estadual de 1947 cogitaram sua revisão. Contudo, os artigos constitucionais não foram efetivados, e a Lei n. 52 não foi regulamentada (Campos, 2015CAMPOS, F. I. Questões agrárias: bases sociais da política goiana. Goiânia: Kelps, 2015.). Já o artigo constitucional 150 e a Lei n. 1.067 foram efetivados conforme os interesses oligárquicos. Na ditadura militar, as oligarquias Caiado e Lage disputaram no interior da União Democrática Nacional (UDN) o controle de Goiás nos gabinetes militares de Brasília (Pereira, 2006PEREIRA, S. L. De fazendeiros e agronegocistas: aspectos do desenvolvimento capitalista em Goiás. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.).

Com a abertura política, Mauro Borges, aliado de Henrique Santillo, e Íris Resende, pactuado com Derval de Paiva, disputaram o controle do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). A maior capacidade de arregimentação garantiu o domínio de Íris, que enfrentou as oligarquias Caiado e Lage, aglutinadas no Partido Democrático Social (PDS). Apesar de cisões intraclasse, esses grupos representavam interesses conservadores oligarcas. O período marconista (1999-2018) manteve os interesses oligárquicos com verniz de modernização, desenvolvimentismo e planejamento estratégico.

Contemporaneamente, Ronaldo Caiado radicaliza tais interesses. A análise da política goiana comprova que historicamente frações da oligarquia agrária se alternaram no poder. O controle da propriedade capitalista da terra viabilizou o domínio do território. Em Goiás, há um imaginário social ideológico deliberado do fazendeiro, concebido como produtor do espaço, honesto, laborioso e cúpido e, por isso, detentor de propriedades imensas.

Essa captura simbólica, que legitima o controle material, se expressa, por exemplo, no ícone de um homem montado num cavalo4 4 A Praça Doutor Pedro Ludovico Teixeira, também chamada Praça Cívica, é o marco inicial da edificação de Goiânia, capital do estado de Goiás, localizada no centro da cidade. Está aí a estátua de Pedro Ludovico Teixeira sobre um cavalo. A despeito da menção a seu suposto deslocamento por Goiânia no momento de sua construção, o símbolo reforça a concepção ideológica de bandeirantes, latifundiários e brugreiros como agentes fundamentais de produção do espaço goiano. na praça Cívica, ponto nuclear do poder do Estado. A ideologia do trabalho permeia classes e grupos sociais, que entendem que a posse da terra resulta de trabalho laborioso. Considerados homens de sucesso e inteligentes, os latifundiários são legitimados como competentes e eficientes para o governo do estado. Subjaz aí o entendimento de que a riqueza material é sinônimo de trabalho e de que a promessa capitalista de bonança é exequível para todos.

O poder do Estado significa domínio da legitimidade social da ação, da sanção, da política pública, da normatização do espaço. Em Goiás, o Estado é oligárquico porque viabiliza os negócios da oligarquia agrária. No Brasil, a grilagem é um instrumento histórico de apropriação da terra. Grileiros, pactuados com serventuários, tabeliães de cartórios de imóveis, juízes, promotores, deputados, delegados, advogados, assentados em redes de solidariedade, em subornos, legalizam o ilegal (Motta, 2001MOTTA, M. M. M. A grilagem como legado. In: MOTTA, M. M. M.; PINEIRO, T. L. Voluntariado e universo rural. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2001. p. 1-32. Disponível em: Disponível em: https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Politica_Agraria/7MottaAGrilagemcomoLegado.pdf . Acesso em: 22 mar. 2022.
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; Campos, 2015CAMPOS, F. I. Questões agrárias: bases sociais da política goiana. Goiânia: Kelps, 2015.; Maia, 2011MAIA, C. L. Lei de terras de 1850 e a ocupação da fronteira: uma abordagem sobre a história da ocupação das terras em Goiás. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais... São Paulo, 2011. Disponível em: Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548855457_a16893ea4da01cb248381361d5e242ff.pdf . Acesso em: 22 mar. 2022.
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).

Segundo os autores, em Goiás, há o fenômeno das “cercas andantes”, dos nomes de rios e montanhas modificados, dos documentos forjados em forno com uso de folhas de assa-peixe (Vernonia polysphaera) e de grilos, redigidos e timbrados com tinta e selos antigos. Igualmente, existem as cadeias sucessórias fabricadas: antigos latifundiários concebem filhos nas artimanhas dos cartórios. Segundo Motta (2001MOTTA, M. M. M. A grilagem como legado. In: MOTTA, M. M. M.; PINEIRO, T. L. Voluntariado e universo rural. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2001. p. 1-32. Disponível em: Disponível em: https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Politica_Agraria/7MottaAGrilagemcomoLegado.pdf . Acesso em: 22 mar. 2022.
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), consta no Livro branco da grilagem de terras no Brasil que, em 1999, eram suspeitos de grilagem 100 milhões de hectares no território nacional, dos quais 1.306.363 ha estariam em Goiás.

Borba (2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.) menciona, também em Goiás, a chamada “estranha caravana”, grupo grileiro liderado por João Inácio. Seus membros se intitularam funcionários do “Ministério das Coisas Velhas”, o que legitimou o acesso a paróquias para amealhar folhas do livro de registros paroquial, como se fez no distrito do Carmo, em Porto Nacional. Naquele momento, vigorava no estado, sobretudo no norte, o regime de posse; o propósito dos grileiros era obter registros paroquiais e antigas cartas de concessão de sesmarias, forjar cadeias sucessórias, fabricar títulos de propriedade e expulsar posseiros pobres (Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

O autor menciona ações de João Inácio em Porangatu, Pirenópolis e estados limítrofes, comprovadas por comissão parlamentar de inquérito de 1960. Também afirma a (in)ação dos governadores José Feliciano e José Ludovico acerca de ações discriminatórias para averiguar títulos fundiários e desatenção com a atuação de corretores de imóveis e grileiros no Departamento de Terras e Colonização de Goiás (DTC-GO). Acresçam-se acusações de levantamento de terras devolutas com favorecimento a correligionários políticos e latifundiários.

As denúncias no DTC-GO implicaram a criação do Instituto de Terras e Colonização de Goiás (Idago) em 1960, mas Mauro Borges não avançou na investigação de títulos fundiários suspeitos, favoreceu a especulação fundiária e a questão agrária foi suprimida pela questão técnica (Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). No regime militar, os pactos de especuladores e grileiros com capitalistas internacionais, como Stanley Amos Selig, mediante requerimentos de terras em nome de terceiros e uso da grilagem, permitiu o esbulho de terras devolutas.

Nas primeiras décadas do século XXI, a política fundiária brasileira favorável à oligarquia agrária se manifesta nas Leis n. 422/2008, n. 558/2009 e n. 13.465/2017 e no projeto de Lei n. 191/2020 (Alentejano, 2020ALENTEJANO, P. R. R. As políticas do governo Bolsonaro para o campo: a contra-reforma em marcha acelerada. Revista da Anpege, v. 16, n. 29, p. 353-392. 2020. doi: https://doi.org/10.5418/ra2020.v16i29.1243a.
https://doi.org/10.5418/ra2020.v16i29.12...
). As duas primeiras compuseram o Programa Terra Legal, instrumento criado no governo Lula que facilitou e aumentou o limite de regularização fundiária na Amazônia para 1.500 ha. A terceira ampliou esse número para 2.500 ha, com parcelamento e pagamento irrisório em 20 anos, carência de três para início da quitação e juros reduzidos.

Já o projeto de Lei n. 191/2020, válido em todo o Brasil, reafirma 2.500 ha passíveis de regularização e dispensa a fiscalização. Também se baseia na autodeclaração do posseiro rico, amplia o prazo de ocupação inicial para o ano de 2018 e concede regularização de mais um imóvel por titular (Alentejano, 2020ALENTEJANO, P. R. R. As políticas do governo Bolsonaro para o campo: a contra-reforma em marcha acelerada. Revista da Anpege, v. 16, n. 29, p. 353-392. 2020. doi: https://doi.org/10.5418/ra2020.v16i29.1243a.
https://doi.org/10.5418/ra2020.v16i29.12...
). Em Goiás, a Lei n. 18.826/2015 dispõe sobre as terras devolutas, cobra pelo valor da terra nua e pelos procedimentos administrativos e regulariza áreas de até 1.000 ha (Silva, E., 2021SILVA, E. B. S. Camponeses: cercados e a contrapelo. Curitiba: CRV, 2021.). Essa legislação reitera a valorização da propriedade privada capitalista.

Campos (2015CAMPOS, F. I. Questões agrárias: bases sociais da política goiana. Goiânia: Kelps, 2015.) e Borba (2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.) mencionam o descontrole histórico das terras devolutas, a conivência com a grilagem e a inoperância da legislação agrária em Goiás. Maia (2011MAIA, C. L. Lei de terras de 1850 e a ocupação da fronteira: uma abordagem sobre a história da ocupação das terras em Goiás. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais... São Paulo, 2011. Disponível em: Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548855457_a16893ea4da01cb248381361d5e242ff.pdf . Acesso em: 22 mar. 2022.
https://anpuh.org.br/uploads/anais-simpo...
) entende que o Estado participou da limpeza das áreas griladas e amparou a expulsão de posseiros pobres. Maria Aparecida Daniel da Silva (2000SILVA, M. A. D. Terra “sem lei, nem rei”: Goiás (1822-1850). Dissertação (Mestrado em História das Sociedades Agrárias) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2000.) afirma que persiste em Goiás uma mentalidade de poder ilimitado do latifundiário, de propriedade absoluta da terra. Isso quer dizer que subjaz a edificação do latifúndio, conteúdos de acumulação primitiva, assegurada pelo poder paramilitar e pelo abono legal do Estado ao esbulho das terras devolutas.

A modernização do território com ferrovias e rodovias, a edificação de Goiânia e de Brasília e a construção de usinas hidrelétricas elevou a renda fundiária (Campos, 2015CAMPOS, F. I. Questões agrárias: bases sociais da política goiana. Goiânia: Kelps, 2015.; Pereira, 2006PEREIRA, S. L. De fazendeiros e agronegocistas: aspectos do desenvolvimento capitalista em Goiás. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.). A via prussiana de desenvolvimento capitalista, com pacto de classes, conformou o endosso ao latifúndio como reserva de valor. Amparada na “modernização conservadora”, a política agrícola possibilitou uma suposta modernização do latifúndio.

Políticas públicas como o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro), o Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento Agrícola dos Cerrados (Prodecer) compuseram o conjunto de condições efetivas de viabilização do latifúndio. Em Goiás, se adiciona o Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO) e o Fomento à Industrialização do Estado de Goiás (Fomentar).

A política agrícola acentuou a concentração fundiária, expulsou o meeiro, o agregado para as corruptelas, para centros urbanos médios e metropolitanos (Campos, 2015CAMPOS, F. I. Questões agrárias: bases sociais da política goiana. Goiânia: Kelps, 2015.; Ferreira; Mendes, 2009FERREIRA, I. M.; MENDES, E. P. P. A organização do espaço agrário em Goiás: povoamento e colonização (do século XVIII ao XX). In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 19., 2009, São Paulo: USP. Anais... São Paulo, 2009. ). Na escala mesorregional, a formação dos latifúndios no sul goiano se deu principalmente no final do século XIX, com isenção fiscal e validação da “guerra justa” contra os indígenas (Alencar, 1993ALENCAR, M. A. G. Estrutura fundiária de Goiás. Goiânia: Ed. UCG, 1993.). Também contribuíram as condições fisiográficas, a posição geográfica em relação ao Sudeste, a dotação de infraestrutura de circulação e o avanço da pecuária.

Maia (2011MAIA, C. L. Lei de terras de 1850 e a ocupação da fronteira: uma abordagem sobre a história da ocupação das terras em Goiás. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 26., 2011, São Paulo. Anais... São Paulo, 2011. Disponível em: Disponível em: https://anpuh.org.br/uploads/anais-simposios/pdf/2019-01/1548855457_a16893ea4da01cb248381361d5e242ff.pdf . Acesso em: 22 mar. 2022.
https://anpuh.org.br/uploads/anais-simpo...
) acrescenta que áreas enormes foram regularizadas por contratos de compra e venda e ativo mercado de terras foi impulsionado pela expansão cafeeira. Após 1970, muitos fazendeiros “tradicionais” do sul negociaram seus latifúndios com paranaenses, gaúchos e catarinenses. No norte, a grilagem, a sanha para apropriação de terras, foi simultânea à dotação de infraestruturas urbanas e de circulação, como a construção de Brasília e da BR-153, embora antes disso já existissem latifúndios resultantes dos períodos minerário e pecuário (Aguiar, 2000AGUIAR, M. A. A. A apropriação fundiária: Goiás século XIX. Anhanguera, Goiânia, v. 1, nº 1, p. 167-182, jan./dez. 2000. Disponível em: Disponível em: https://unigoias.com.br/wp-content/uploads/14_a_apropriacao_fundiaria_goias_seculo_xix.pdf . Acesso em: 12 jun. 2022.
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).

No centro e no leste, a formação dos latifúndios também foi concomitante à extração do ouro de aluvião. A pecuária foi a atividade que acentuou a formação de enormes posses. No leste, enormes sesmarias e posses se constituíram pelo avanço da pecuária do vale do São Francisco (Bertran, 1994BERTRAN, P. História da terra e do homem no Planalto Central, eco-história do Distrito Federal: do indígena ao colonizador. Brasília: Solo, 1994.). Inúmeros desses latifúndios foram negociados com mineiros e paulistas no decorrer do século XX, sobretudo no período da Marcha para o Oeste e da construção de Brasília.

A fragmentação subsequente de muitos deles se deveu à urbanização, à concentração de infraestruturas de circulação e comunicação e à divisão familiar. No noroeste, as condições fisiográficas e as infraestruturas de circulação conformaram a região da “Estrada do Boi”. Segundo Barreira (1997BARREIRA, C. C. M. A. Região da estrada do boi: usos e abusos da natureza. Goiânia: Ed. UFG, 1997.), a ocupação inicial foi por nordestinos, criadores de bovinos em moldes tradicionais. A frente pioneira se concretizou com goianos originários do sul e do centro do estado e com mineiros e paulistas que instalaram latifúndios, monocultura de pastagem e a pecuária moderna.

A pecuária moderna foi o gatilho para construção da GO-164, que articulou a mesorregião aos mercados nacional e internacional, elevou a renda fundiária e ativou a especulação da terra. Contraditoriamente, o minifúndio representa a dimensão irrisória da propriedade da terra, o que pode impedir a reprodução camponesa. Parafraseando Chayanov (1974CHAYANOV, A. V. La organización de la unidad económica campesina. Buenos Aires: Nueva Visión, 1974.), representa o desequilíbrio dos elementos terra, trabalho e capital. No Mapa 2, se observa sua distribuição em Goiás na escala municipal. Esses imóveis controlam 3,53% da área das diferentes classes de propriedade; em contrapartida, detêm 42,14% das propriedades.

Em números absolutos, são 133.053 imóveis rurais numa área de 2.393.743,88 ha. Na escala mesorregional, o leste goiano detém 2,18% da área e 49,83% do número de unidades de produção. No sul, 3,31% da área e 35,62% dos imóveis; no centro, 8,19% da área e 49,31% das propriedades; no noroeste, 3,81% da área e 36,24% das unidades de produção; e, no norte, respectivamente 3,25% e 40,72%. No centro, os minifúndios são expressivos em Bela de Vista de Goiás, com 68,98% das propriedades e 21,02% da área, em São Luís de Montes Belos, com 62,25% e 15,67%, em Itapuranga, com 53,42% e 12,28%, em Anápolis, com 52,67% e 8,63%, e em Jaraguá com 41% e 6,15%, nessa ordem (Mapa 2).

No noroeste, Goiás, com 48,89% dos imóveis e 8,38% da área, Faina, com 39,68% e 6,97%, Piranhas, com 37,36% e 4,43%, Jussara, com 43,26% e 3,20%, e Crixás, com 37,75% e 3,06%, nessa ordem, são os municípios mais destacados. No norte, em Mara Rosa, os minifúndios são 48,94% das propriedades e 9,53% da área, em Uruaçu, 46,84% e 9,38%, em Minaçu, 43,40% e 7,58%, em Porangatu, 37,65% e 3,40%, e em Niquelândia, 39,16% e 1,37%, respectivamente. No sul, Orizona concentra 51,72% das propriedades e 11,96% da área, Morrinhos, 46,69% e 8,52%, Silvânia, 45,83% e 7,11%, Catalão, 42,96% e 5,67%, e Piracanjuba, 42,50% e 6,94, nessa ordem.

No leste, em Buritinópolis, os minifúndios correspondem a 83,77% dos imóveis rurais e detêm 27,53% da área, em Damianópolis, 71,85% e 19,88%, em Novo Gama, 79,35% e 13,11%, em Águas Lindas de Goiás, 67,80% e 16,76%, e em Abadiânia, 66,44% e 15,77%, respectivamente. As hipóteses para a distribuição desigual dos minifúndios envolvem aspectos da renda da terra, do binômio latifúndio-minifúndio, da relação capital-trabalho e do fenômeno da segunda residência. Nas mesorregiões sul, centro e leste, especificamente na microrregião do entorno de Brasília, a presença de monoculturas de exportação, densas redes de circulação e comunicação, centros urbanos médios e metropolitanos e condições fisiográficas favoráveis elevam a renda fundiária. Camponeses minifundiários arrendam suas terras para agentes do agronegócio, dada sua impossibilidade de adquirir glebas de familiares e vizinhos.

Mapa 2 -
Estado de Goiás - número e área dos minifúndios na escala municipal - 2018

No sul, inúmeros minifúndios são arrendados para a produção de cereais e cana-de-açúcar. Outros sobrevivem subalternos ao agronegocinho, usam o pacote tecnológico das corporações multinacionais, são integrados às cadeias de aves, leite, suínos. Nos municípios das regiões metropolitanas, que sediam cidades médias, se consolida um cinturão de abastecimento de hortifrutigranjeiros e de derivados lácteos. Como hipótese, esses seriam os casos das regiões metropolitanas de Brasília, Goiânia, dos centros urbanos médios de Catalão, Jataí, Rio Verde, Itumbiara, Anápolis, de municipalidades do Entorno de Brasília.

Os camponeses minifundistas são beneficiados pela renda diferencial I. A localização em relação ao mercado e, em menor grau, a qualidade dos solos garantem a reprodução social. Essas famílias são funcionais para o capitalismo: sofrem pela monopolização do território pelo capital (Oliveira, 1995OLIVEIRA, A. U. Geografia e território: desenvolvimento e contradições na agricultura. Boletim de Geografia Teorética, n. 25, p. 15-58, 1995.) e produzem hortifrutigranjeiros, criam pequenos animais, fabricam produtos lácteos e da cana-de-açúcar, comercializados em feiras-livres, feiras da agricultura familiar, redes de supermercados, frutarias, padarias, lanchonetes e nas Centrais de Abastecimento de Goiás (Ceaasa).

Assegurado na renda da terra, afirma-se que a condição de camponês minifundista no norte, especificamente na microrregião da Chapada dos Veadeiros, é diametralmente oposta àquela desse sujeito no Centro, por exemplo, na microrregião de Goiânia. Também são associados aos minifundiários um universo de sujeitos oriundos da classe média que carregam uma imagem social bucólica do campo, ou o veem como espaço de lazer. Como afirma Williams (1989WILLIAMS, R. O campo e a cidade na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.), concebem essa forma espacial como expressão de paz, inocência, virtude simples, refúgio, salvação, lugar do homem gentil, fuga da violência e do suposto caos dos centros urbanos metropolitanos, ojeriza ao modo de vida urbano-industrial.

Soma-se a isso a memória da vida pretérita no campo, o desejo de experimentar sabores, cheiros, sons, sensações vividas na infância/adolescência proporcionadas pela vida campestre. Isso promove um ativo mercado imobiliário, em que diminutas áreas são negociadas próximas a lagos de usinas hidrelétricas, rios caudalosos ou lugares de paisagens cênicas, o que configura o fenômeno da segunda residência. No norte, no noroeste e no leste, sobretudo na microrregião do Vão do Paranã, assim como nas demais mesorregiões, muitas vezes o minifúndio é recriado na relação capital-trabalho pela cessão da força de trabalho aos latifundiários limítrofes ou a “empresários” rurais produtores de commodities.

Trata-se de campesinato recriado como trabalhador para o capitalista mediante baixíssima remuneração (Martins, 1986aMARTINS, J. S. Não há terras para plantar neste verão: o cerco das terras indígenas de trabalho no renascimento político no campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986a.). Os minifúndios fornecem trabalhadores temporários para o processo de modernização da agricultura em Goiás (Pereira, 2006PEREIRA, S. L. De fazendeiros e agronegocistas: aspectos do desenvolvimento capitalista em Goiás. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.). Martins (1986aMARTINS, J. S. Não há terras para plantar neste verão: o cerco das terras indígenas de trabalho no renascimento político no campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986a.) informa que o capital invade a propriedade camponesa, retira dela os braços de maior vitalidade, insere o trabalho feminino e infantil prematuro na produção agrícola, o que garante a reprodução do camponês e, contraditoriamente, do operário para o capital. O trabalho camponês barato, em sua condição de operário, ocorre porque sua reprodução não é mediada apenas pelo salário.

No leste, norte e noroeste, minifundiários sediados nas adjacências dos centros urbanos também são recriados pelo fornecimento de hortifrutigranjeiros, de derivados lácteos, pela criação e comercialização de pequenos animais. A incidência de minifúndios também se associa ao processo histórico desigual, contraditório e combinado de colonização do território goiano, de avanço da frente de expansão e da frente pioneira. A título de exemplo, nas áreas de mineração, os minifúndios também se constituíram pela divisão subsequente das propriedades (Alencar, 1993ALENCAR, M. A. G. Estrutura fundiária de Goiás. Goiânia: Ed. UCG, 1993.). Latifúndios e minifúndios são expressões da reforma agrária, que deve ser conduzida conforme as especificidades regionais/locais.

Camponeses goianos: a labuta e a luta em pequenas propriedades e assentamentos

No Mapa 3, se observa a distribuição das pequenas propriedades na escala municipal. No estado de Goiás, esses imóveis correspondem a 34,09% das diferentes classes de propriedades e detêm 14,40% da área, em dados absolutos são 315.697 unidades que concentram 58.096.266 ha. Na escala mesorregional, no norte concentra 36,46% das propriedades e 12,45% da área, no sul, 35,73% e 14,94%, no noroeste, 33,36% e 10,16%, no leste, 27,40% e 12,99%, no centro, 34,47% e 24,72%, nessa ordem. Em Goiás os minifúndios e as pequenas propriedades controlam 76,23%.

Na escala mesorregional, no leste essas classes de propriedade detêm 77,23‬% das unidades de produção e 15,17% da área, no sul, 71,35% e 18,25%, no centro, 83,78% e 32,91%, no noroeste, 69,6% e 13,97%, no norte, 77,18% e 15,7%, nessa sequência. No leste, em Luziânia, os pequenos imóveis formam 33,50% das diferentes classes de propriedade e 20,43% da área, em Pirenópolis, 26,13% e 23,79%, em São Domingos, 31,23% e 14,59%, em Cristalina, 33,30% e 8,37%, respectivamente. No norte, em Uruaçu as pequenas propriedades são 38,98% e possuem 34,43% da área; em Minaçu, 42,18% e 27,34%; em Mara Rosa, 36,81% e 26,76%, e, em Nova Roma, 39,64% e 14,23%, nessa ordem.

No centro, em Bela Vista de Goiás, os pequenos imóveis concentram 25,47% das propriedades e 42,30% da área; em Iporá esses percentuais são de 41,73% e 35,98%; em Itapuranga, 33,96% e 30,43%, e, em Hidrolândia, 27% e 29,06%. No noroeste, em Faina, as pequenas unidades são 40% dos imóveis rurais e 27,60% da área; em Goiás, esses percentuais são de 33,22% e 21,92%; em São Miguel do Araguaia, 30% e 21%, e, em Piranhas, 38% e 18,59%. No sul, em Orizona, as pequenas propriedades detêm 36,43% dos imóveis e 37,68% da área; em Morrinhos, 37,38% e 29,11%; em Piracanjuba, 38,56% e 27%, e, em Silvânia, 36,36% e 25,16%.

Mapa 3 -
Estado de Goiás - número e área das pequenas propriedades na escala municipal - 2018

Conjectura-se que a reprodução histórica da pequena propriedade envolve a divisão vintenária das grandes e médias propriedades, as políticas agrárias do Estado, a recriação funcional camponesa, a luta pela terra e pela reforma agrária, a elevação da renda fundiária e a cessão de glebas como pagamento de pactos de lealdade. No período colonial, nas áreas de mineração, escravos forros, empregados leais aos seus senhores receberam doações de terras de meia légua em quadra (Aguiar, 2000AGUIAR, M. A. A. A apropriação fundiária: Goiás século XIX. Anhanguera, Goiânia, v. 1, nº 1, p. 167-182, jan./dez. 2000. Disponível em: Disponível em: https://unigoias.com.br/wp-content/uploads/14_a_apropriacao_fundiaria_goias_seculo_xix.pdf . Acesso em: 12 jun. 2022.
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; Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

Os camponeses com terra foram representados pelos posseiros: escravizados “libertos”, mestiços, bastardos, brancos pobres com ranchos de capim construídos em terrenos devolutos ermos, com lavouras de autoconsumo, conduzidas com exíguos instrumentos técnicos (Campos, 2015CAMPOS, F. I. Questões agrárias: bases sociais da política goiana. Goiânia: Kelps, 2015.; Silva, M., 2000SILVA, M. A. D. Terra “sem lei, nem rei”: Goiás (1822-1850). Dissertação (Mestrado em História das Sociedades Agrárias) - Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2000.). Como sujeitos sociais determinados, foram submetidos à precedência legal da sesmaria sobre a posse (Martins, 1986bMARTINS, J. S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986b.). O posseiro é o sujeito das franjas, das margens da colonização. Motta (2001MOTTA, M. M. M. A grilagem como legado. In: MOTTA, M. M. M.; PINEIRO, T. L. Voluntariado e universo rural. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2001. p. 1-32. Disponível em: Disponível em: https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/Politica_Agraria/7MottaAGrilagemcomoLegado.pdf . Acesso em: 22 mar. 2022.
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) os compreende como sujeitos anônimos de uma história de expulsão que questionam a legalidade do latifúndio.

No século XX, o centro-norte e o norte de Goiás se converteram em espaços de recriação do posseiro, isso ampliou o número de pequenos imóveis entre 1920 e 1960 (Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). Requerimentos impetrados no estado com alegação do caráter devoluto das terras, contraposição ao direito absoluto, foram usados na luta pela regularização fundiária, aspectos negligenciados pela oligarquia agrária. A despeito de, com a luta na terra em Trombas e Formoso, o estado de Goiás haver adquirido a fazenda Onça e regularizado 343 imóveis, pagos pelos posseiros pelo valor de Cr$ 1.000.000,00 por posse.

Mas os “moradores de favor”, em maior número, foram historicamente explorados pelo latifúndio e orbitaram em torno do coronel, que os usou politicamente e os submeteu à exploração pelas rendas em trabalho, dinheiro e produto (Lisita, 1996LISITA, C. Fronteiras e conflitos: o processo de ocupação das terras de Goiás. Boletim Goiano de Geografia, v. 16, n. 1, p. 29-40, jan./dez. 1996. doi: http://dx.doi.org/10.5216/bgg.v16i1.4317.
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; Ferreira; Mendes, 2009FERREIRA, I. M.; MENDES, E. P. P. A organização do espaço agrário em Goiás: povoamento e colonização (do século XVIII ao XX). In: ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA, 19., 2009, São Paulo: USP. Anais... São Paulo, 2009. ). Nos séculos XVIII e XIX e, via de regra, no XX, o cativeiro da terra sujeitou o trabalho no campo em Goiás. O camponês agregado formou a “roça de toco”, manejou o rebanho bovino e pagou com pastagens, produção de bezerros e de cereais o uso da terra.

A formação da pequena propriedade, também se deu pelos projetos de colonização, como a Colônia Agrícola Nacional de Goiás (Cang), ou planos estaduais, como em Itapirapuã, Rubiataba, Santa Cruz e no distrito de Colônia de Uvá (Goiás), ou de combinados agrourbanos no governo Mauro Borges (Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.; Campos, 2015CAMPOS, F. I. Questões agrárias: bases sociais da política goiana. Goiânia: Kelps, 2015.). É evidente que o boom inicial foi suprimido pela frustração, e as péssimas condições para a produção resultaram em abandono dos projetos, revoltas e reconcentração fundiária.

Houve também a rebeldia do Movimento de Trombas e Formoso, em Goianésia, na Fazenda São Carlos, além de conflitos entre posseiros e grileiros em Porangatu, Santa Tereza, Jussara, Britânia, Novo Brasil, Pilar de Goiás, São Miguel do Araguaia, Itapuranga, Baliza, Itapaci, Ceres e Planaltina, o que ocasionou conquistas de regularizações fundiárias (Campos, 2015CAMPOS, F. I. Questões agrárias: bases sociais da política goiana. Goiânia: Kelps, 2015.; Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

O campesinato atuou como classe, tanto pelas ligas camponesas, associações, lutas de guerrilha, sindicatos, quanto pelos movimentos sociais. Na década de 1960, o campesinato organizou o campo de treinamento guerrilheiro em Dianópolis, coordenado pela Associação Goiana dos Trabalhadores do Campo (AGTC), setor revolucionário das ligas camponesas (Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.).

O campesinato também participou do Congresso Nacional de Lavradores e realizou a Conferência Regional de Ceres, momentos em que propôs a reforma agrária radical mediante a luta armada, projeto contrário ao da Igreja Católica, ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e ao governo Mauro Borges. Essa classe foi expulsa, vítima de assassinatos e ameaças de morte, torturada, despejada, agredida, humilhada e desqualificada. Esse conjunto de ações violentas com endosso do Estado resultou em acumulação primitiva. A maioria das posses foi convertida em parte do latifúndio. A modernização do território aumentou a renda fundiária, o que também restringiu a reprodução social camponesa e, contraditoriamente, converteu médios proprietários em camponeses.

Em Goiás, subjazem à edificação da forma espacial da pequena propriedade conflitos de classe, (in)ação de políticas agrárias do estado e estratégias de economia familiar camponesa. O processo desigual, combinado e contraditório do desenvolvimento capitalista, que converte os camponeses em sujeitos funcionais ao capitalismo em determinados espaços, mesmo detendo pequena área e, contraditoriamente, os expulsa em outros onde há interesse de produção e especulação da oligarquia agrária. Os camponeses goianos abastecem o mercado interno, adquirem bens de consumo, oferecem mão de obra barata e dinamizam as economias municipais.

Nos municípios goianos, os camponeses comercializam produtos hortifrutigranjeiros, sobrevivendo da policultura ou integrados a cadeias agroindustriais como fornecedores dos impérios agroalimentares. Acrescentem-se redes dissidentes do agronegocinho, que articulam territórios-rede pelo uso do sistema técnico-científico-informacional e criam grupos de cestas camponesas agroecológicas pelo aplicativo WhatsApp.

Há, ainda, os camponeses que se recriam pelas Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSA). De algum modo, constituem geo-grafias do campesinato, contrapostas à geo-grafia do agronegócio. No universo das pequenas propriedades se inserem os assentamentos de reforma agrária. O Mapa 4 mostra sua distribuição no território goiano. No ano de 2020, existiam 426 assentamentos com 23.670 famílias assentadas. Cabe registrar que este último dado corresponde às famílias efetivamente estabelecidas na terra, em contraposição à capacidade de assentamento do projeto de reforma agrária, o que eleva o número de famílias atendidas.

Na escala mesorregional, o norte concentra 19,95% dos assentamentos e 18,39% das famílias assentadas, no noroeste esses percentuais são de 24,41% e 20,49%, no leste de 25,35% e 41,48%, no sul de 20,89% e 14,03% e no centro de 9,38% e 5,59%, respectivamente. Em valores absolutos, o leste concentra 108 assentamentos e 9.820 famílias assentadas. No noroeste esses números são de 104 e 4.850, no sul, 89 e 3.321, no norte, 85 e 4.354 e no centro 40 assentamentos e 1.325 famílias atendidas. No estado de Goiás, o município de Goiás é a maior municipalidade em dados de assentamentos, 24. Embora Formosa, localizada no leste, concentre o maior número de famílias atendidas, 2.937.

Mapa 4 -
Estado de Goiás - número de assentamentos e de famílias assentadas na escala municipal - 1985 a 2020

No norte, os municípios com maior número de assentamentos são Montividiu do Norte, Niquelândia, Porangatu e São João D’Aliança, com 13, 11, 10 e 8 projetos de reforma agrária, respectivamente. No que tange ao número de famílias assentadas, São João D’Aliança, Montividiu do Norte, Porangatu e Minaçu têm 661, 655, 580 e 438. No centro, se destacam Itaberaí, com seis assentamentos, e Fazenda Nova, Santa Rita do Novo Destino e Heitoraí, com cinco projetos de reforma agrária, tendo os três primeiros municípios 223, 190 e 143 famílias atendidas. Já em Goianésia há 215 famílias beneficiadas.

No leste, Flores de Goiás, Formosa, Cristalina e Padre Bernardo contam com 22, 17 e 9 assentamentos. Os dois primeiros têm 1.325, 2.937 famílias assentadas, enquanto Planaltina e Cristalina têm 802 e 596 famílias atendidas. No sul, se destacam Doverlândia, Caiapônia, Rio Verde e Jataí, com 15, 12, 9 e 6 assentamentos e 514, 555, 376 e 415 famílias assentadas. Os assentamentos constituídos em Goiás ocupam 1.342.597,89 ha, criados principalmente na década de 1990 e na primeira de 2000.

Depois de 2010, houve um descenso na política pública de reforma agrária, e, depois de 2015, foram construídos apenas 14 projetos em Goiás, dois dos quais correspondendo à titulação de territórios quilombolas no norte goiano, em Barro Alto e Cavalcante, com 898 famílias ocupando 263.813 ha. Nos assentamentos, foram territorializadas 417 famílias em 12.493,99 ha, situadas sobretudo nas mesorregiões noroeste e leste.

Na década de 1950, o governo de José Feliciano aventou a criação de colônias agrícolas no norte do estado (Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). Mauro Borges inclui no plano de governo uma proposta de reforma agrária cristã e democrática, representada por projetos de colonização. Segundo Pereira (2006PEREIRA, S. L. De fazendeiros e agronegocistas: aspectos do desenvolvimento capitalista em Goiás. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006.) e Borba (2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.), esses projetos convergiam com os interesses dos latifundiários e da burguesia urbana, quais fossem, o privilégio as terras devolutas do norte, com a criação de combinados agrourbanos inspirados nas experiências de colonização e cooperativismo dos kibutzin e moshaves israelenses.

A proposta não interferiu nas áreas de alta renda fundiária e atendeu a economia urbana, com redução dos custos com matérias-primas e capital variável. Tal como nos países capitalistas centrais, com a reforma agrária, as burguesias urbanas poderiam extrair a renda da terra. No Brasil e em Goiás, a proposição mobilizou setores reacionários contrários à reforma agrária, aglutinados na UDN, no Partido Social Democrático (PSD) e em organizações patronais do campo.

Na correlação de forças, a oligarquia agrária garantiu a modernização do latifúndio tecendo um pacto de classes e dividindo o lucro e a renda da terra com as burguesias urbanas. O monopólio da terra representou um freio histórico ao avanço do capitalismo urbano/industrial, a interceptação da renda da terra se fez na Europa e nos EUA pelo apoio à pequena propriedade, com realização da reforma agrária (Amin; Vergopoulos, 1977AMIN, S.; VERGOPOULOS, K. A questão agrária e o capitalismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.).

O que se quer dizer é que, pelo monopólio da terra, os latifundiários garantiram historicamente direito à especulação sobre o mercado. Os camponeses precisaram usar toda a terra à disposição, são tomadores de preços, produzem independentemente da conjuntura de mercado, motivados pela reprodução social. Por isso a reforma agrária não elimina a monopolização do território pelo capital. Os capitalistas urbanos mantêm quase sempre a captura da renda da terra.

No Brasil, o capitalismo se realizou pela aliança do moderno com o atrasado, os industriais se converteram em latifundiários (Martins, 1986bMARTINS, J. S. Os camponeses e a política no Brasil: as lutas sociais no campo e seu lugar no processo político. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1986b.). Por isso, a despeito da industrialização da agricultura brasileira, com a criação das rendas de monopólio da vida e da morte, expressos nos royalties de germoplasmas de sementes e nas moléculas de princípios ativos de agrotóxicos, adicionado à fabricação do solo e as patentes industriais da mecanização pesada criadas pelo capitalismo monopolista financeiro/industrial, o monopólio da terra se impõe na interceptação de parte da renda da terra (Silva, E., 2021SILVA, E. B. S. Camponeses: cercados e a contrapelo. Curitiba: CRV, 2021.).

Apoiados por corporações multinacionais, mesmo como consumidores de pacotes tecnológicos, os latifundiários se apropriam dos fundos públicos do Estado tanto para adquirir o pacote tecnológico como para prover infraestrutura de circulação, armazenar e industrializar a produção. Constata-se que não é o “agro pop, tech, tudo” que produz o espaço do campo e das cidades adjacentes aos monocultivos. O domínio da terra conduz ao domínio do território, do Estado nacional, que direciona o orçamento, as regulamentações e a política cambial, ambiental em agrária em favor dos interesses da oligarquia agrária, pactuada com as burguesias urbanas.

Essa coalizão de classes implicou, por exemplo, que, na década de 1960, Mauro Borges reprimisse também os posseiros, uma vez que o Idago não regularizou as posses requeridas. Igualmente, aderiu à reforma agrária redigida pela Aliança para o Progresso e pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), com a proposta de modernizar o latifúndio e criar projetos pontuais em espaços de conflito (Borba, 2018BORBA, C. A. V. “Um povo sem-terra numa terra sem povo”: uma análise sobre a propriedade fundiária em Goiás 1930/60. Tese (Doutorado em História Econômica) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.). Ele também assinou a “Carta de Araxá”, documento redigido por 16 governadores conservadores, que pactuaram com o combate ao comunismo e a execução da contrarreforma agrária.

O Estatuto da Terra pós-1964 esvaziou a luta dos movimentos sociais do campo, privilegiou a empresa rural, o leilão das terras públicas, de tal modo que a reforma agrária perdeu força como instrumento de realização do capitalismo urbano-industrial. No Brasil e no campo goiano a estrutura fundiária concentrada resulta em concentração de poder, riqueza e negação da democracia. Os latifundiários sempre estão na “cadeira” ou se “sentam à mesa” do poder do Estado. Quanto aos assentamentos criados em Goiás, a maior parte fica longe das principais redes de circulação; o uso e a apropriação seletiva do espaço implica sujeitos e regiões marginalizadas (Silva, E., 2021SILVA, E. B. S. Camponeses: cercados e a contrapelo. Curitiba: CRV, 2021.).

Conforme esse autor, se constitui um espaço geográfico desigual, o centro-sul e a microrregião do entorno de Brasília se tornam áreas core do agronegócio goiano de grãos, nas quais são realizados os maiores dispêndios em redes de circulação e comunicação, o que resulta em elevação da renda fundiária. Também, apesar da fabricação dos solos, as características naturais são determinações importantes na escolha dos locais de cultivo. No centro-sul, as condições fisiográficas são superiores para produção de commodities. A renda fundiária determina “lugares” destinados aos assentamentos e espaços privilegiados para o agronegócio.

Segundo Silva, E. (2021SILVA, E. B. S. Camponeses: cercados e a contrapelo. Curitiba: CRV, 2021.), no norte-noroeste goiano e na microrregião do Vão do Paranã, a realização da renda da terra absoluta e a criação de viveiros de mão de obra barata se combinam para a criação de projetos de reforma agrária. No noroeste e centro goiano os assentamentos constituídos também foram oriundos da ação da igreja da caminhada pós-1970 e da oposição sindical, no sul resultaram do enfrentamento dos movimentos sociais ao agronegócio, sobretudo com a crise do setor em 1990. A luta pela terra e pela reforma agrária surge nas áreas de alta renda fundiária, mas, via de regra, os assentamentos foram construídos em lugares de renda fundiária menor.

Considerações finais

O escrutínio da estrutura fundiária goiana e a análise das mediações e dos conteúdos subjacentes a sua conformação revelam o Estado legal quase como mera peça de ficção. A propriedade se fez por aparatos paramilitares e coerção física. O jaguncismo, os grupos de extermínio e os matadores de aluguel compuseram em Goiás a militarização característica da via prussiana. A grilagem também expressou a pilhagem e a barbárie consentidas pelo Estado. O controle da renda da terra garantiu o domínio do território.

Tudo isso viabilizou os negócios oligárquicos, a condução intelectual das classes exploradas e a idealização dos sujeitos da classe dominante. Entende-se que não houve historicamente inoperância da legislação agrária; ela foi aplicada em prol dos interesses das frações oligárquicas.

O fito foi reproduzir propriedade absoluta da terra, com poder ilimitado dos latifundiários. A modernização do território não eliminou o atraso, que se fez pelo pacto com frações oligarcas. Se no Brasil o modelo urbano-industrial se realizou pela via prussiana, em Goiás, ocorreu pelas mãos oligárquicas; não havia agentes industriais hegemônicos, mas frações dissidentes intraoligarquia agrária.

Assim, o desenvolvimento foi desigual, combinado e contraditório, instituindo momentos e eventos desiguais para a formação dos latifúndios. Nota-se que a grande propriedade como classe de imóvel rural característico de Goiás. Essa mediação institucional deliberada consolidou o cerco instrumental do campesinato. O trabalho camponês foi sujeitado, o enfrentamento resultou na barbárie institucional, com cercas erigidas sobre cemitérios clandestinos, casas e roças destruídas. Contraditoriamente, regularizações e desapropriações se realizaram a reboque das pressões camponesas.

Pequenas propriedades e minifúndios também foram reproduzidos pelo arrendamento, pela integração às cadeias agroindustriais, pela cadeia vintenária, pelo binômio latifúndio/minifúndio, pelo fenômeno da segunda residência, pelas redes dissidentes e pelas políticas agrárias. Os assentamentos foram mediados pela renda da terra. Os camponeses ocuparam e acamparam em espaços de elevada renda fundiária, em contraposição, foram assentados sobretudo em lugares de renda fundiária menor. Na economia do agronegócio, os interesses pelos fundos territoriais impuseram a pilhagem das terras públicas e coletivas, o que reduziu drasticamente a criação pontual de assentamentos. A análise do percurso histórico de conformação da estrutura fundiária em Goiás releva geo-grafias hegemônicas do latifúndio, contrapostas a geo-grafias subalternizadas do campesinato.

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Editado por

Editora do artigo:

Márcia Yukari Mizusaki

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    18 Jul 2022
  • Aceito
    18 Nov 2022
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