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Percurso e resultados da terapia fonoaudiológica na síndrome de Prader-Willi (SPW): relato de caso

Resumos

O objetivo deste estudo foi descrever o percurso e os resultados da terapia fonoaudiológica na síndrome de Prader-Willi, por meio do estudo longitudinal do caso de uma criança de 8 anos de idade, do gênero masculino, ao longo de quatro anos de terapia fonoaudiológica em uma clínica-escola. Foram realizadas filmagens de sessões de terapia e análise documental de informações dos prontuários referentes à anamnese, avaliação e relatórios terapêuticos fonoaudiológicos e avaliações multidisciplinares. A criança apresentou características típicas da síndrome de Prader-Willi como obesidade, hiperfagia, ansiedade, problemas de comportamento e auto-agressões. Em avaliação fonoaudiológica foram observados hipotonia orofacial, sialorréia, voz hipernasal, alterações cognitivas, dificuldades de compreensão oral, comunicação por meio de gestos e produção de palavras isoladas ininteligíveis. Inicialmente, a terapia fonoaudiológica teve o objetivo principal de promover o desenvolvimento da linguagem com ênfase na interação social por meio de atividades lúdicas. Com a evolução do caso o direcionamento principal passou a ser o desenvolvimento de habilidades conversacionais e narrativas. Foram observadas evoluções quanto à manutenção da atenção, brincadeira simbólica, contato social e comportamento. Além disso, houve aumento do vocabulário, evolução quanto à compreensão oral e desenvolvimento de habilidades narrativas. Dessa maneira, a intervenção fonoaudiológica em caso de síndrome de Prader-Willi foi eficaz em diferentes níveis, no que se refere às habilidades fonológicas, sintáticas, lexicais e pragmáticas da linguagem

Síndrome de Prader-Willi; Transtornos de linguagem; Obesidade; Ansiedade; Hiperfagia; Transtorno do comportamento; Estudos de intervenção; Relatos de casos


The aim of this study was to describe the trajectory and the outcomes of speech-language therapy in Prader-Willi syndrome through a longitudinal study of the case of an 8 year-old boy, along four years of speech-language therapy follow-up. The therapy sessions were filmed and documental analysis of information from the child's records regarding anamnesis, evaluation and speech-language therapy reports and multidisciplinary evaluations were carried out. The child presented typical characteristics of Prader-Willi syndrome, such as obesity, hyperfagia, anxiety, behavioral problems and self aggression episodes. Speech-language pathology evaluation showed orofacial hypotony, sialorrhea, hypernasal voice, cognitive deficits, oral comprehension difficulties, communication using gestures and unintelligible isolated words. Initially, speech-language therapy had the aim to promote the language development emphasizing social interaction through recreational activities. With the evolution of the case, the main focus became the development of conversation and narrative abilities. It were observed improvements in attention, symbolic play, social contact and behavior. Moreover, there was an increase in vocabulary, and evolution in oral comprehension and the development of narrative abilities. Hence, speech-language pathology intervention in the case described was effective in different linguistic levels, regarding phonological, syntactic, lexical and pragmatic abilities

Prader-Willi syndrome genetics; Language disorders; Obesity; Anxiety; Hyperphagia; Conduct disorder; Intervention studies; Case reports


RELATO DE CASO CASE REPORT

Percurso e resultados da terapia fonoaudiológica na síndrome de Prader-Willi (SPW): relato de caso

Andréa Regina Nunes MisquiattiI; Melina Pavini CristovãoII; Maria Claudia BritoIII

IDepartamento de Fonoaudiologia, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Marília (SP), Brasil

IIFonoaudióloga da Prefeitura Municipal de Novo Horizonte - SP, Brasil

IIIDepartamento de Educação Especial, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Marília (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Andréa Regina Nunes Misquiatti Av. Hygino Muzzi Filho, 737 Marília (SP), Brasil, CEP: 17525-050 Email: amisquiatti@uol.com.br

RESUMO

O objetivo deste estudo foi descrever o percurso e os resultados da terapia fonoaudiológica na síndrome de Prader-Willi, por meio do estudo longitudinal do caso de uma criança de 8 anos de idade, do gênero masculino, ao longo de quatro anos de terapia fonoaudiológica em uma clínica-escola. Foram realizadas filmagens de sessões de terapia e análise documental de informações dos prontuários referentes à anamnese, avaliação e relatórios terapêuticos fonoaudiológicos e avaliações multidisciplinares. A criança apresentou características típicas da síndrome de Prader-Willi como obesidade, hiperfagia, ansiedade, problemas de comportamento e auto-agressões. Em avaliação fonoaudiológica foram observados hipotonia orofacial, sialorréia, voz hipernasal, alterações cognitivas, dificuldades de compreensão oral, comunicação por meio de gestos e produção de palavras isoladas ininteligíveis. Inicialmente, a terapia fonoaudiológica teve o objetivo principal de promover o desenvolvimento da linguagem com ênfase na interação social por meio de atividades lúdicas. Com a evolução do caso o direcionamento principal passou a ser o desenvolvimento de habilidades conversacionais e narrativas. Foram observadas evoluções quanto à manutenção da atenção, brincadeira simbólica, contato social e comportamento. Além disso, houve aumento do vocabulário, evolução quanto à compreensão oral e desenvolvimento de habilidades narrativas. Dessa maneira, a intervenção fonoaudiológica em caso de síndrome de Prader-Willi foi eficaz em diferentes níveis, no que se refere às habilidades fonológicas, sintáticas, lexicais e pragmáticas da linguagem.

Descritores: Síndrome de Prader-Willi/genética, Transtornos de linguagem, Obesidade/etiologia, Ansiedade/etiologia, Hiperfagia/etiologia, Transtorno do comportamento/etiologia, Estudos de intervenção, Relatos de casos

INTRODUÇÃO

A literatura científica descreve heterogeneidade clínica e possibilidades variáveis de intervenção em casos de pessoas com a síndrome de Prader-Willi (SPW). Este estudo destaca a Fonoaudiologia como área específica de atuação, que deve necessariamente ser considerada durante o processo de busca por melhores resultados, dependendo do fenótipo clínico de cada caso.

A SPW foi relatada em 1956 como uma desordem neurocomportamental rara, de natureza genética(1,2), que acomete de 1:10.000 a 1:15.000 nascimentos(3). A etiologia refere-se à ausência de genes paternos que decorre da deleção da porção proximal do braço longo do cromossomo 15 paterno (15q11q13) ou, mais raramente, translocações, dissomia materna do cromossomo 15 ou anormalidades do imprinting cromossômico(3). O diagnóstico baseia-se em critérios clínicos e pode ser estabelecido de modo definitivo por meio de análise genética.

A SPW caracteriza-se por atraso no desenvolvimento neuropsicomotor em 98,9% dos casos, características faciais em 88,4%, hipotonia neonatal em 87,9%, e hiperfagia em 84,4%. Além disso, são observados: saliva espessa e viscosa (88,9%), mão pequenas e gordas (87,8%), problemas de comportamento (86,7%), lesões de pele por auto-agressão (83,3%), desvio fonológico (80%), apnéia do sono (75,6%), ganho excessivo de peso (66,7%), dentre outras características(4). Transtornos psiquiátricos também são descritos(1,2,5,6), como transtorno obsessivo-compulsivo, hábito alimentar compulsivo(6), sintomas psicóticos(1), depressão e agressividade quando o alimento solicitado lhe é recusado(6).

Alguns autores referem a presença de comportamentos repetitivos semelhantes aos apresentados em casos de distúrbios do espectro autístico(7), sintomas de déficit de atenção e hiperatividade, dificuldades em habilidades de vida diária e socialização(1). Aponta-se ainda deficiência intelectual que varia de grau moderado a severo(1,8), sendo que a maioria dos indivíduos a apresenta em grau moderado(8).

Quanto aos aspectos fonoaudiológicos, diversas alterações são mencionadas na literatura(1,9-11) e há considerável variabilidade na severidade de distúrbios da fala e da linguagem(1,6,10). São descritos hipotonia orofacial(1,6), sialorréia(6), prejuízos de voz(1) e de articulação da fala(1), habilidades morfossintáticas restritas, dificuldades lexicais e pragmáticas(10).

Nesse sentido a intervenção precoce na área de Fonoaudiologia é assinalada como fator determinante para o melhor prognóstico de indivíduos com a SPW(1). Contudo as pesquisas enfatizam os prejuízos no desenvolvimento fonológico e na fluência da fala(11), havendo poucos estudos sobre a intervenção fonoaudiológica direcionada principalmente a aspectos lexicais e pragmáticos da linguagem. Assim, este trabalho teve como objetivo descrever o percurso e os resultados de terapia fonoaudiológica na síndrome de Prader-Willi, por meio do estudo longitudinal de um caso.

APRESENTAÇÃO DO CASO CLÍNICO

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (UNESP), sob nº 1417/2009. O responsável pelo sujeito assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, elaborado para fins específicos desta pesquisa.

O trabalho baseia-se em um estudo de caso clínico de uma criança de oito anos de idade, gênero masculino e diagnóstico de síndrome de Prader-Willi. Como procedimento de coleta e análise de dados, foi realizado um estudo longitudinal por meio do acompanhamento do caso, ao longo de quatro anos de intervenção fonoaudiológica. Para isso, durante as sessões de terapia de linguagem foram realizados registros por meio de filmagens. Foi realizado um registro cada seis meses, totalizando oito registros. Houve, ainda, análise documental de informações do prontuário referentes a anamnese, avaliações e relatórios terapêuticos fonoaudiológicos, exames e avaliações multidisciplinares.

Dados da anamnese fonoaudiológica

A criança foi encaminhada à clínica-escola aos 4 anos. Primeiramente passou pelo setor de Psicologia por apresentar ansiedade excessiva, ato de morder as mãos, hiperfagia e comportamento agitado. Após avaliação psicológica, foi conduzida ao setor de Fonoaudiologia devido a atraso no desenvolvimento da fala.

Durante a anamnese fonoaudiológica, a mãe relatou que foi realizado todo o pré natal, a criança nasceu a termo, de parto normal, com 3,2 kg e 45 cm, sem intercorrências. A mãe referiu que o filho "quase não falava", apresentava comportamento muito agitado e não sabia utilizar objetos em brincadeiras. Sentou sem apoio com 1 ano e andou aos 2 anos de idade. No que se refere ao desenvolvimento da linguagem, emitiu os primeiros sons aos 4 meses e as primeiras palavras com 1 ano e meio. Aos três anos compreendia ordens simples e complexas e se expressava por meio de palavras isoladas e gestos indicativos. Por apresentar distúrbios alimentares, a criança era acompanhada em um grupo de obesidade por nutricionista, fonoaudióloga, cardiologista, neurologista e endocrinologista.

Dados de avaliação

Avaliação genética e neurológica clínica

Aos 5 anos de idade, a criança passou por avaliação genética e neurológica clínica. Foram observados agitação, obsessão por comida, crises convulsivas e de ausência, mesmo com o uso de anticonvulsivante. Quanto aos aspectos físicos, a criança apresentou obesidade e mãos pequenas e lesionadas devido à auto-agressão. Após realização de eletroencefalograma, a criança foi medicada com antidepressivo e anticonvulsivante em doses maiores e recebeu diagnóstico de deficiência intelectual. Além disso, recebeu diagnóstico clínico de síndrome de Prader-Willi.

Avaliação psiquiátrica

A avaliação psiquiátrica foi realizada por equipe composta por um psiquiatra responsável, uma psicóloga e as três fonoaudiólogas, autoras deste trabalho. Foram observados atrasos no desenvolvimento neuropsicomotor, sintomas de ansiedade, hiperfagia, obesidade, lesões de pele decorrentes de auto-agressão. Além disso, foi aplicada a Vineland Adaptive Behavior Scale(12), que avaliou o Quociente de Desenvolvimento. A criança obteve escores de 26 no domínio comunicacional, 24 no domínio social e 43 no domínio referente às atividades de vida diária. Alcançou, portanto, Quociente de Desenvolvimento total de 35, que indica retardo mental moderado. Durante a avaliação psiquiátrica foi realizado exame clínico, sendo observados sinais e sintomas que permitiram confirmar o diagnóstico de deficiência intelectual e síndrome de Prader-Willi.

Avaliação otorrinolaringológica

Durante o processo terapêutico a criança passou por duas avaliações otorrinolaringológicas na clínica-escola. Foi realizada inspeção otológica clínica e não foram observadas alterações.

Avaliação audiológica

Foi realizada avaliação audiológica aos 4 e aos 8 anos de idade. Em ambos os momentos, foram observados limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade.

Avaliação fonoaudiológica clínica

A avaliação fonoaudiológica clínica envolveu a análise de aspectos da motricidade oral, voz, audição, fala e linguagem. Estes aspectos foram avaliados por meio de análise de amostra de linguagem espontânea e dirigida, realizada por meio de observação comportamental e aplicação da prova de vocabulário do ABFW(13), que investigou o desempenho lexical da criança. Foi também avaliada a atividade lúdica por meio de observação comportamental para verificar o tipo de ação e manipulação dos objetos e interação com o terapeuta e com a mãe. Além disso, para complementar a avaliação foram levados em consideração os resultados obtidos na aplicação do Vineland Adaptive Behavior Scale(12) já descrita anteriormente. Os aspectos de motricidade orofacial e de aspectos vocais foram avaliados de forma passiva por meio da antroposcopia ou avaliação visual e auditiva devido à falta de compreensão e colaboração do paciente. Tais avaliações foram complementadas por inspeção oral e ausculta cervical.

A criança apresentou tempo de atenção auditiva e visual reduzida, sendo necessária a apresentação de diferentes estímulos sonoros e visuais em curtos períodos de tempo para manter a criança envolvida em atividades lúdicas. Os aspectos fonológicos, lexicais e pragmáticos foram avaliados por meio de análise de amostras de linguagem espontâneas e dirigidas, por meio de observação comportamental. Além disso, foi avaliada a atividade lúdica por meio de observação comportamental para verificar o tipo de ação e manipulação dos objetos e interação em sessões individuais com o terapeuta e com a mãe e em sessões grupais realizadas com outras crianças.

Foram observadas dificuldades de interação, choro sem motivo aparente, utilização de gestos indicativos e representativos acompanhados de palavras isoladas como "não" e "em cá" (vem cá) para se comunicar e respostas assistemáticas ao ser solicitado. Nas sessões grupais realizadas com outras crianças, a criança demonstrou dificuldades de interação, apatia, isolamento e choro.

A criança demonstrou intenção comunicativa, por meio de expressão facial, gestos indicativos e algumas vocalizações, geralmente para expressar protesto em relação às atividades propostas pela terapeuta e desejo de isolar-se. Em atividades lúdicas recusou-se a brincar e utilizar objetos com funcionalidade, sendo que as ações e a forma de manipulação de objetos não foram compatíveis com a idade. Em relação à emissão oral, demonstrou dificuldades na práxis oral e articulatória, não nomeou objetos ou figuras durante provas e atividades lúdicas. A recepção oral se mostrou aquém à idade, sendo que a criança era capaz de compreender apenas ordens verbais simples de vocabulário cotidiano.

Para complementar a avaliação foi aplicada a prova de vocabulário do ABFW(13), sendo possível observar repertório lexical inferior à idade cronológica, verificando-se que o paciente não respondeu à maioria dos questionamentos, nem mesmo por meio de indicação gestual. Realizou poucos processos de substituição, que se caracterizaram por segmentos ininteligíveis e co-hipônimos próximos. Em avaliação da motricidade orofacial e de aspectos vocais foram observados hipotonia orofacial, protrusão de língua, sialorréia e voz hipernasal.

Devido às alterações nos aspectos fonológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos da linguagem, a criança recebeu diagnóstico fonoaudiológico de distúrbio de linguagem.

Metodologia e resultados da terapia fonoaudiológica

O atendimento fonoaudiológico da criança ocorreu durante quatro anos, por meio de sessões individuais, de 50 minutos cada, realizadas duas vezes por semana. A interação entre terapeuta e paciente foi priorizada a fim de promover o desenvolvimento cognitivo, a socialização e a comunicação da criança, com base na perspectiva pragmática. O objetivo principal foi promover a construção da linguagem e, consequentemente, aumentar o número de ocorrências de comportamentos comunicativos intencionais e favorecer a compreensão e o uso funcional da linguagem. Além disso, foram oferecidas orientações a mãe e à escola, a fim de contribuir com o desenvolvimento da criança.

No início do processo terapêutico a criança recusava-se a participar das atividades, apresentava intenção comunicativa e interações restritas, alterações de atenção, agressividade, isolamento social, choro (por algumas vezes sem motivo aparente e por outras expressando protesto em relação às atividades propostas pela terapeuta) e produção de palavras isoladas e ininteligíveis. A terapia foi conduzida por meio de atividades lúdicas, buscando valorizar os meios comunicativos da criança e propiciar a atividade dialógica com atividades e jogos que favorecessem a interação e auxiliassem a criança na compreensão de ordens e regras.

Aos 6 anos de idade, as sessões passaram a envolver atividades que visavam desenvolver a narrativa, conjuntamente ao trabalho de atenção auditiva e interação social. Aos 7 anos de idade a criança apresentou melhora na conduta e interação com a terapeuta, além de compreender melhor ordens simples e complexas e iniciar a atividade dialógica. Porém, não respeitava regras dos jogos, apresentava comportamentos infantilizados e perseverativos. Nesse período, apresentou evolução quanto à estruturação sintática, emitindo por muitas vezes frases complexas, porém com momentos de ininteligibilidade, compreendidas somente considerando-se o contexto. A criança mostrava-se mais envolvida em determinados tipos de atividades, demonstrando preferência por brincar com bonecas, de cabeleireiro, falar ao telefone e fazer compras no supermercado.

Ainda nesta época, aos 7 anos de idade, foram observadas dificuldades na emissão oral devido à alteração práxica. Porém, a criança apresentava estruturação sintática complexa e recontava partes de estórias. Durante as sessões a criança apresentava irritabilidade e agressividade quando não era compreendido pela terapeuta. Neste mesmo período passou a iniciar turnos e manter o tema da conversação durante um determinado período.

No último ano de terapia fonoaudiológica, a criança apresentava 8 anos de idade, 67,6 kg e 1,46 m de altura. Frequentava a escola comum e sala de recursos, não reconhecia grafemas e não participava das atividades pedagógicas na escola, de acordo com o relato da professora. Apresentava grande ansiedade e momentos de auto-agressão.

Foi possível observar intenção comunicativa, iniciativa em atividades dialógicas, com dificuldade na manutenção do tema, utilização de comunicação gestual e oral, com fala ininteligível devido apraxia de fala e voz hipernasal. Observou-se ainda comportamento agitado, prejuízo no raciocínio lógico e nos processos perceptivo-auditivos e visuais. A criança compreendia instruções simples, porém apresentava dificuldades em ordens complexas, indicativas de comprometimento na habilidade de recepção e expressão da linguagem oral.

Para avaliar a evolução do vocabulário da criança, foi reaplicada anualmente a prova de vocabulário do ABFW(13), sendo possível observar melhora no desempenho. Ainda assim, na última avaliação realizada, foram observados vários processos de substituição, caracterizados por segmentos ininteligíveis, vocábulos foneticamente expressivos e co-hipônimos próximos.

Após quatro anos do processo terapêutico aqui relatado, a conduta adotada foi a continuidade da terapia fonoaudiológica com ênfase no desenvolvimento de habilidades conversacionais e de narrativa, conjuntamente às de atenção e interação social. Tal conduta teve relação com o fato de a criança ter obtido um nível de desenvolvimento que permitisse trabalhar tais aspectos e por serem estas suas principais dificuldades após o período de terapia fonoaudiológica.

DISCUSSÃO

A criança participante do presente estudo apresentou diversas das características descritas na literatura referentes à síndrome de Prader-Willi como hiperfagia, ganho excessivo de peso, problemas comportamentais, deficiência intelectual(8), desordem psiquiátrica(1,2,5,6), hábito alimentar compulsivo(6). Os dados obtidos em avaliação fonoaudiológica clínica também corroboraram achados de outras pesquisas, uma vez que a criança apresentou hipotonia orofacial(1,6), sialorréia(6), prejuízos de voz(1) e de articulação da fala(1,14), e habilidades morfossintáticas restritas(10), que tornava a fala ininteligível(14). Foram observadas alterações lexicais(10,14) e pragmáticas(10), dificuldades na manutenção dos tópicos de conversação(6) e auto-agressividade(5).

Quanto à terapia fonoaudiológica sugere-se que, em decorrência da heterogeneidade clínica descrita pela literatura(1) e dos dados encontrados neste estudo, o prognóstico fonoaudiológico de indivíduos com SPW seja bastante variável. No caso aqui estudado, observou-se evolução em habilidades comunicativas como aumento do vocabulário, iniciativas e trocas de turnos no diálogo, manutenção do tema e melhora da conduta em relação à terapeuta. Tais achados evidenciam a evolução em habilidades lexicais, pragmáticas e de linguagem oral da criança, corroborando afirmações de outros autores sobre a importância de um trabalho focado em tais aspectos(1,9). A criança demonstrou também melhora na inteligibilidade de fala, mas continuou apresentando alterações quanto a esse aspecto, assim como nos achados de pesquisas que relatam a permanência de distúrbios de articulação, mesmo após intervenção(9).

Desta forma coloca-se o caráter fundamental da intervenção precoce, realizada por equipe multidisciplinar que inclua o profissional fonoaudiólogo, como afirmam diversos autores(1,6,9,11). Todavia, é necessário considerar que além do processo terapêutico fonoaudiológico, outras variáveis estão envolvidas no desenvolvimento da comunicação da criança em questão, como a deficiência intelectual, a ansiedade, os episódios de crises convulsivas e de ausência, além da dinâmica familiar e escolar em que está inserida.

Estudos que contribuem para a caracterização do fenótipo clínico da SPW são significantes, pois de acordo com a literatura(15) o exame genético não está sempre disponível na prática médica cotidiana, e por isso a utilização de critérios clínicos é bastante útil. Além disso, devido à raridade da desordem, estudos mais amplos e sistemáticos sobre intervenções comportamentais ainda são escassos(1). No Brasil, há poucos trabalhos enfocando as áreas de avaliação de saúde mental e intervenção comportamental na SPW(5). Assim, constata-se a necessidade de mais pesquisas longitudinais voltadas às manifestações clínicas e terapia fonoaudiológica nesta síndrome.

COMENTÁRIOS FINAIS

A partir deste estudo foi possível apresentar as características de uma criança com a síndrome de Prader-Willi referentes ao desenvolvimento físico, cognitivo, comportamental e especialmente ao desenvolvimento de fala e linguagem.

A maioria dos estudos acerca da SPW enfoca a descrição das alterações genéticas e fenotípicas presentes nos indivíduos estudados e tratamentos acerca de distúrbios alimentares decorrentes da síndrome. Portanto, os achados deste estudo podem auxiliar na compreensão dos fonoaudiólogos sobre as manifestações, processo terapêutico e prognóstico fonoaudiológico na SPW.

Recebido em: 7/9/2010

Aceito em: 10/1/2011

Trabalho realizado no Centro de Estudo da Educação e da Saúde - CEES - Universidade Estadual Paulista - UNESP - Marília (SP), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Andréa Regina Nunes Misquiatti
    Av. Hygino Muzzi Filho, 737
    Marília (SP), Brasil, CEP: 17525-050
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Mar 2011

    Histórico

    • Recebido
      07 Set 2010
    • Aceito
      10 Jan 2011
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