Acessibilidade / Reportar erro

A extensão média do enunciado (EME) como medida do desenvolvimento de linguagem de crianças com síndrome de Down

Resumos

OBJETIVO: Caracterizar a extensão média de enunciados em morfemas (EME-m) e palavras (EME-p) produzida por crianças com síndrome de Down (SD) e verificar a eficácia da utilização da EME-p como medida do desenvolvimento linguístico geral de crianças com SD. MÉTODOS: Participaram 15 crianças com SD, com idades entre cinco e 12 anos, que foram submetidas à situação de interação livre. As crianças foram divididas em três grupos, com base na idade cronológica e mental, a partir da aplicação do Primary Test of Nonverbal Intelligence. Os 100 primeiros enunciados foram analisados quanto a: número de morfemas gramaticais para artigos, substantivos e verbos (MG-1) e pronomes, preposições e conjunções (MG-2); extensão média dos enunciados considerando-se morfemas (EME-m) e palavras (EME-p). RESULTADOS: A comparação intergrupos mostrou que quanto maior a idade, mais altas foram as médias obtidas, havendo diferença para todas as variáveis, com exceção de MG-2. Os mesmos resultados foram obtidos na comparação intragrupo para todas as variáveis. Houve forte correlação entre EME-m e EME-p. CONCLUSÃO: A EME-p pode ser utilizada como medida de identificação de desenvolvimento linguístico geral. No entanto, ressalta-se que a utilização de todas as variáveis relacionadas à extensão média de enunciados fornece maior eficiência na identificação do desenvolvimento linguístico e na análise de suas alterações.

Síndrome de Down; Desenvolvimento da linguagem; Desenvolvimento infantil; Criança; Linguística; Estudos da linguagem; Transtornos da linguagem


PURPOSE: To characterize the mean length utterance in morphemes (MLU-m) and words (MLU-w) produced by children with Down syndrome (DS), and to verify the effectiveness of using EME-w as a measure of general language development of children with DS. METHODS: Participants were 15 children with ages between 5 and 12 years, who were submitted to a free interaction situation. They were divided into three groups, according to chronological and mental age, as established by the results of the Primary Test of Nonverbal Intelligence. The first 100 utterances were analyzed considering: number of grammatical morphemes (GM) for articles, nouns and verbs (GM-1), and pronouns, prepositions and conjunctions (GM-2); mean length utterance for morphemes (MLU-m) and words (MLU-w). RESULTS: The between-groups comparison showed that the MLU averages were higher for older groups, and differences were found for all variables, except for GM-2. The same results were obtained in the within-group comparison, for all variables. There was a strong correlation between MLU-m and MLU-w. CONCLUSION: MLU-w can be used as an identification measure of general linguistic development. However, it is emphasized that the use of all MLU variables provides more efficacy in the characterization of linguistic development and the analysis of language impairments.

Down syndrome; Language development; Child development; Children; Linguistic; Language arts; Language disorders


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

A extensão média do enunciado (EME) como medida do desenvolvimento de linguagem de crianças com síndrome de Down

Mean length utterance (MLU) as a measure of language development of children with Down syndrome

Suelen Fernanda Marques; Suelly Cecilia Olivan Limongi

Curso de Fonoaudiologia do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Suelly Cecilia Olivan Limongi R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária São Paulo (SP), Brasil, CEP: 05360-160 E-mail: slimongi@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Caracterizar a extensão média de enunciados em morfemas (EME-m) e palavras (EME-p) produzida por crianças com síndrome de Down (SD) e verificar a eficácia da utilização da EME-p como medida do desenvolvimento linguístico geral de crianças com SD.

MÉTODOS: Participaram 15 crianças com SD, com idades entre cinco e 12 anos, que foram submetidas à situação de interação livre. As crianças foram divididas em três grupos, com base na idade cronológica e mental, a partir da aplicação do Primary Test of Nonverbal Intelligence. Os 100 primeiros enunciados foram analisados quanto a: número de morfemas gramaticais para artigos, substantivos e verbos (MG-1) e pronomes, preposições e conjunções (MG-2); extensão média dos enunciados considerando-se morfemas (EME-m) e palavras (EME-p).

RESULTADOS: A comparação intergrupos mostrou que quanto maior a idade, mais altas foram as médias obtidas, havendo diferença para todas as variáveis, com exceção de MG-2. Os mesmos resultados foram obtidos na comparação intragrupo para todas as variáveis. Houve forte correlação entre EME-m e EME-p.

CONCLUSÃO: A EME-p pode ser utilizada como medida de identificação de desenvolvimento linguístico geral. No entanto, ressalta-se que a utilização de todas as variáveis relacionadas à extensão média de enunciados fornece maior eficiência na identificação do desenvolvimento linguístico e na análise de suas alterações.

Descritores: Síndrome de Down, Desenvolvimento da linguagem, Desenvolvimento infantil, Criança, Linguística, Estudos da linguagem, Transtornos da linguagem

Registro no Clinical Trials nº NCT00952354.

ABSTRACT

PURPOSE: To characterize the mean length utterance in morphemes (MLU-m) and words (MLU-w) produced by children with Down syndrome (DS), and to verify the effectiveness of using EME-w as a measure of general language development of children with DS.

METHODS: Participants were 15 children with ages between 5 and 12 years, who were submitted to a free interaction situation. They were divided into three groups, according to chronological and mental age, as established by the results of the Primary Test of Nonverbal Intelligence. The first 100 utterances were analyzed considering: number of grammatical morphemes (GM) for articles, nouns and verbs (GM-1), and pronouns, prepositions and conjunctions (GM-2); mean length utterance for morphemes (MLU-m) and words (MLU-w).

RESULTS: The between-groups comparison showed that the MLU averages were higher for older groups, and differences were found for all variables, except for GM-2. The same results were obtained in the within-group comparison, for all variables. There was a strong correlation between MLU-m and MLU-w.

CONCLUSION: MLU-w can be used as an identification measure of general linguistic development. However, it is emphasized that the use of all MLU variables provides more efficacy in the characterization of linguistic development and the analysis of language impairments.

Keywords: Down syndrome, Language development, Child development, Children, Linguistic, Language arts, Language disorders

Clinical Trials registration number NCT00952354.

INTRODUÇÃO

A análise de amostra de fala é um método descritivo que permite compreender e avaliar as habilidades linguísticas da criança. Dentre os diversos instrumentos que podem ser utilizados com essa finalidade está o MLU - Mean Length Utterance(1), já utilizado em pesquisas no Brasil e referido como análise da Extensão Média do Enunciado (EME). Trata-se de medida de linguagem, cujo objetivo é obter dados sobre o desempenho dos aspectos morfológicos e sintáticos de crianças em desenvolvimento típico (DT) e com distúrbios de comunicação(1-4).

A extensão média em morfemas (EME-m) foi proposta(1) como um índice para verificação do desenvolvimento gramatical. Na literatura internacional, autores(5-7) afirmam haver relação entre idade cronológica e a EME. Considera-se, também, a possibilidade de predição da idade cronológica de uma criança a partir dos resultados de sua EME. Idade e vocabulário(8) podem interagir na predição do desenvolvimento gramatical, embora não haja nenhum estudo que indique o efeito do léxico no desenvolvimento da gramática e que poderia aumentar com a idade. Assim, primeiramente a criança demonstra sensibilidade para os princípios e regularidades gramaticais na compreensão para depois poder utilizá-los na produção.

Assim, tal instrumento cumpriria o objetivo de acompanhar o desenvolvimento linguístico de crianças e favorecer a indicação de casos de alterações de linguagem. Essas ideias são corroboradas por estudo(6,7) que indica que os achados, a partir da análise da EME, podem ser utilizados como indicadores tanto de déficits quanto de resultados obtidos após intervenção terapêutica em linguagem.

Além do cálculo da EME-m, alguns estudos sugerem o cálculo da EME em palavras (EME-p). Tal medida forneceria dados sobre o desenvolvimento linguístico geral da criança. A partir de estudo(9) em que foi encontrada alta correlação entre EME-m e EME-p, foi feita a indicação de utilização da EME-p como uma medida mais confiável para o cálculo da extensão do segmento e mais sensível à complexidade de linguagem da criança(10).

A correlação entre EME-m e EME-p também se mostrou alta em pesquisa(11) com crianças entre três anos e três anos e dez meses, em desenvolvimento típico de linguagem. Os autores relacionam os achados obtidos ao fato de crianças pequenas utilizarem número relativamente pequeno de morfemas gramaticais, o que influencia nos valores da EME. Além disso, mencionam que as oportunidades para utilização de morfemas gramaticais em situação de coleta de fala são pouco frequentes, justamente por se tratar de situação não natural(12). Outras pesquisas(7,13-15) reforçam essa ideia, além de oferecerem a sugestão de coleta de dados para análise do desenvolvimento linguístico e lexical em situações de maior descontração, que favoreçam participação mais ativa por parte das crianças.

Existem pesquisadores internacionais que se dedicam a estudar as habilidades linguísticas de crianças com síndrome de Down (SD) a partir da utilização da EME-m e EME-p(16-20). No Brasil, estão sendo iniciados estudos que abordam as questões linguísticas da criança com SD a partir da EME. Os resultados preliminares sobre o tema apontam para a eficácia da utilização tanto de EME-m quanto de EME-p para essa população(21,22).

Dessa forma, a partir das observações e dos dados encontrados na literatura, os objetivos desta pesquisa foram caracterizar a EME produzida por crianças com SD contada em morfemas (EME-m) e palavras (EME-p) e verificar a eficácia da utilização da EME-p como medida do desenvolvimento linguístico geral de crianças com SD.

MÉTODOS

A pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sob o protocolo nº 0940/07. Os responsáveis pelos participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Participaram 15 crianças com SD, com idades entre cinco e 12 anos, divididas em três grupos com cinco crianças, com base na idade cronológica e mental apresentadas por elas.

Para avaliação da idade mental foi utilizado oPrimary Test of Nonverbal Intelligence (PTONI)(23), que fornece o índice de inteligência não verbal para habilidades cognitivas e a correspondência à idade mental. Os grupos foram compostos em G1 - crianças com idade cronológica entre 5 anos e 1 mês e 7 anos e 6 meses (média de 6 anos e 3 meses) e idade mental entre 3 anos e 3 anos e 11 meses (média de 3 anos e 3 meses); G2 - crianças com idade cronológica entre 7 anos e 7 meses e 10 anos (média de 8 anos e 4 meses) e idade mental entre 4 anos e 4 anos e 11 meses (média de 4 anos e 4 meses); G3 - crianças com idade cronológica entre 10 anos e 1 mês e 12 anos e 6 meses (média de 10 anos e 9 meses) e idade mental entre 5 anos e 5 anos e 11 meses (média de 5 anos e 3 meses).

Foram considerados como critérios de inclusão: cariótipo por trissomia simples do cromossomo 21; audição social normal; inexistência de cardiopatias graves e outras comorbidades; utilização de linguagem oral como principal forma de comunicação; realização de processo terapêutico fonoaudiológico na instituição há pelo menos um ano.

A partir de situações de interação terapeuta-criança com a utilização de brinquedos durante jogo simbólico, gravadas em vídeo, foram transcritas as amostras de fala em protocolos específicos. Foram considerados: número de morfemas gramaticais relacionados a artigos, substantivos e verbos (MG-1); número de morfemas gramaticais relacionados a pronomes, preposições e conjunções (MG-2); extensão média dos enunciados, considerando-se o número de morfemas (EME-m); extensão média dos enunciados, considerando-se o número de palavras (EME-p). Os cinco minutos iniciais foram considerados como período de adaptação da criança a cada situação de observação e, portanto, foram desprezados.

As amostras de fala foram compostas pelos 100 primeiros segmentos (enunciados) produzidos pela criança, após os cinco minutos iniciais descartados. Para a correta divisão desses enunciados, adotou-se a mesma proposta de outra pesquisa realizada com crianças brasileiras(2).

Para fidedignidade da análisedos dados transcritos, 20% das amostras de fala, selecionadas aleatoriamente, foram submetidas à compatibilização por dois juízes fonoaudiólogos (um mestre e um doutor), com experiência no trabalho com linguagem de crianças com SD. Para essas transcrições foram adotados os mesmos critérios e utilizado o mesmo protocolo.

Para atender os objetivos do estudo, a pontuação no protocolo específico atendeu os itens EME-m, MG-1, MG-2, EME-p. Para comparação com os sujeitos da pesquisa, foram utilizados os dados de normalidade em relação à EME para o Português Brasileiro(2).

Os dados foram submetidos à análise estatística por meio dos testes ANOVA, Comparações Múltiplas de Turkey, T-Student Pareado e Teste de Correlação. O nível de significância adotado foi de 0,05.

RESULTADOS

Os resultados foram submetidos a comparações intergrupos e intragrupo. Houve diferença entre os três grupos quanto às variáveis estudadas, com exceção de MG-2. Observa-se que quanto maior a idade dos participantes do grupo, maior é a média das pontuações (Tabela 1).

Para determinar com precisão onde ocorreram as diferenças, os grupos foram comparados aos pares. A partir disso, os resultados indicaram diferenças entre G1 e G3 para MG-1 (p=0,006), MG-total (p=0,007), EME-m (p=0,007) e EME-p (p=0,006). Foram encontradas tendências à diferença entre G2 e G3. Em ambas as comparações, não houve diferença para a variável MG2.

Na comparação intragupo para MG-1 e MG-2, observou-se diferença em G1, G2 e G3, e também no grupo geral composto por todos os participantes. Quanto maior a idade dos componentes dos grupos, mais altas foram as médias obtidas por eles (Tabela 2).

Houve diferença na comparação intragrupo para EME-m e EME-p, em G1, G2 e G3. Quanto maior a idade dos participantes, mais altas foram as médias obtidas por eles (Tabela 3)

Os resultados mostram, ainda, a existência de forte correlação entre EME-m e EME-p (Tabela 4).

A comparação entre as médias obtidas pelos participantes para as variáveis estudadas, e os valores apresentados por crianças em desenvolvimento típico, a partir de dados encontrados na literatura nacional(2)estão apresentados na Tabela 5.

Os resultados mostram que as crianças com SD apresentaram pontuações inferiores comparadas e equiparadas com seus pares de acordo com a idade mental.

DISCUSSÃO

A literatura aponta grande variabilidade no desempenho de indivíduos com SD, considerando-se os aspectos cognitivos e da linguagem (e seus subsistemas)(16,20,24,25). As pesquisas que têm por objetivo estudar o desenvolvimento linguístico de crianças com SD(7,16,19,24,26) organizam os participantes de acordo com idade mental, desenvolvimento lexical ou morfossintático, excludentes ou includentes. Deve-se considerar que tais pesquisadores, principalmente os americanos, contam com o auxílio precioso de testes padronizados para a língua inglesa, o que não é o caso do Brasil. Nesse sentido, com o objetivo de caracterizar a EME-p de crianças com SD, os participantes do presente estudo foram organizados em grupos a partir de medida da idade mental, além da investigação da idade cronológica. Dessa forma, foi cumprida a finalidade de minimizar a variabilidade entre desenvolvimento cognitivo e idade cronológica para essa população. Chama-se a atenção para o fato de que o controle dessas variáveis, muitas vezes, acaba por restringir o número de participantes, mas favorece maior confiabilidade aos resultados obtidos.

Quanto ao desempenho de linguagem, autores(16,17,20,24,26) afirmam que não há sincronia quanto os vários subsistemas dessa área. Muitos são unânimes em apontar a relação entre o léxico e a gramática, não apenas na criança com DT(8,27), como na com SD(16,24,26,28,29). Considera-se, ainda, que o desenvolvimento lexical, pelo menos inicialmente, deve ser anterior ao gramatical, uma vez que há necessidade de um mínimo de palavras para que a construção sintática aconteça(8,27).

Em estudos com crianças com DT, autores afirmam que não é possível considerar o aumento lexical que ocorre com a idade como fator de influência direta e de predição na evolução gramatical(8). Tais dados indicam que a aceleração no aumento lexical coincide com a combinação de palavras, embora haja a tendência de desaceleração a partir da continuidade do crescimento das combinações de palavras realizadas pela criança. Com referência à criança com SD, é considerado que o léxico se manterá com maior desenvolvimento que a morfossintaxe(16,20,24,26,28,29), cujas dificuldades são facilmente observadas, mesmo que ocorra o aumento nas combinações de palavras para formação das estruturas sintáticas. O desempenho obtido pelos participantes da presente pesquisa é semelhante aos resultados encontrados na literatura.

As variáveis estudadas MG-1, MG-2, EME-m e EME-p podem ser consideradas medidas confiáveis, que indicam índices a serem utilizados para a observação do desenvolvimento gramatical da criança com SD. Assim, MG-1 e MG-2 descrevem a condição de uso de palavras de classes aberta e fechada; EME-m descreve o desenvolvimento gramatical, por se referir ao estudo do emprego dos morfemas; e EME-p descreve o desenvolvimento linguístico geral, como referendado na literatura nacional e internacional(1,4,9-12,17,19,20).

A análise do desempenho geral dos participantes mostrou que, com o aumento da idade, as pontuações aumentaram em todas as variáveis estudadas. Tais resultados corroboram outros estudos realizados com crianças com DT(4-8) e com SD(16,19,28). Nesse sentido, é importante ressaltar que as maiores diferenças para os participantes da pesquisa encontram-se entre as faixas de idade de quatro e cinco anos para MG-1, EME-m e EMEp. Esses achados estão de acordo com o que a literatura refere sobre crianças com DT(2), embora seja mantido o gap quando se compara as duas populações.

A diferença entre a média de MG-1 e MG-2 para os três grupos estudados é também encontrada em pesquisas realizadas com crianças com DT, considerando-se, também, a língua portuguesa falada no Brasil(2-4,30). Tal diferença é justificada, segundo os autores, pelo fato que MG-2 representa os vocábulos de classe fechada, que expressam mais funções sintáticas que semânticas. Isto é, estes se comportam como elementos de ligação frasal, além de terem menor ocorrência na língua. Para a criança com SD, é somada a tais fatores a questão da dificuldade com a compreensão morfossintática(16,17,19,28).

Ao relatarem a dificuldade morfossintática apresentada por crianças com SD, autores afirmam que um dos aspectos relacionados a essa questão diz respeito às dificuldades de compreensão que essa população apresenta, principalmente de compreensão sintática(16,17,19,20). Tal dificuldade se reflete na utilização de elementos representativos do MG-2, como comentado anteriormente. Esse fato pode ser observado em alguns tipos de frases que as crianças com SD utilizam e que a literatura identifica como telegráficas(16,20,24,28), justamente por não contarem com a presença de elementos indicadores de relação, ou de conectivos.

Autores que utilizam a EME como meio de observação do desenvolvimento linguístico de crianças afirmam que os resultados validam e confirmam sua utilização. Mencionam a possibilidade não só de avaliação do índice de aquisição de linguagem no DT, mas também como meio de comparação de amostras de pesquisas, além de serem indicadores de déficits de linguagem e de resultados de intervenções terapêuticas fonoaudiológicas(6,7,28).

Alguns autores ressaltam que, a depender de certos fatores, é recomendada precaução na utilização exclusiva da análise da utilização de morfemas. Dentre esses fatores podem ser citados: crianças novas que utilizam número relativamente pequeno de morfemas gramaticais(10,11); situação de coleta de amostra de fala que, por mais espontânea que seja não é uma situação natural, de forma que nem todas as oportunidades para utilização de morfemas gramaticais seriam dadas com frequência(12,13,17); parceiro de interação na situação de coleta, em que se observa que crianças, mesmo as com DT, produzem mais enunciados e mais palavras diferentes quando estão com adultos, principalmente pais(13,15); nessa mesma situação, em relação a crianças com distúrbios de linguagem, haveria maior produção de enunciados quando na presença de terapeutas fonoaudiólogos, uma vez que estes usariam estratégias para favorecer a produção oral(13); crianças com distúrbios de linguagem, desta vez relacionando-se à dificuldade em morfossintaxe(7,11,14), ou a dificuldades na fala, com foco na articulação(29). Tais fatores devem ser considerados durante trabalho com crianças com SD.

Outra questão que merece atenção está relacionada à influência da língua ao tomar como medida o cálculo da utilização de morfemas. Alguns autores apresentam comparações entre inglês e italiano, espanhol e francês(5,8). As três últimas, por sua estrutura, apresentam-se relativamente mais ricas, regulares e marcadas gramaticalmente, o que indicaria menor sincronia entre desenvolvimento lexical e morfossintático quando considerada a criança com SD(16,28). Nesse sentido, pode-se considerar o português, língua latina que obedece a mesma estrutura das mencionadas, que é a língua materna dos participantes deste estudo.

A partir dessas ideias, alguns autores indicam a utilização da EME-p(9,10,12). Pesquisa realizada com crianças novas com DT apontou que há correlação entre a utilização de morfemas e de palavras para medir a extensão de enunciados(1). Em relação a crianças com distúrbio específico de linguagem (DEL), outros autores também afirmam tal correlação(7), tanto para medir apenas a diversidade lexical(1), quanto na comparação com medidas (número de sentenças produzidas, número de palavras diferentes e proporção entre sentenças completas e inteligíveis)(13).

A opção pela utilização da EME-p é reforçada, em alguns estudos, por fornecer vantagens, tais como: eliminação de decisões arbitrárias que devem ser feitas sobre a análise da utilização de morfemas(11); eliminação do aumento nos escores na medida da EME em línguas altamente flexionadas(5,9); facilitação na comparação entre línguas e dialetos(10,11); facilidade no cálculo da medida e rapidez em documentar o desenvolvimento estrutural da língua(11).

Em relação à criança com SD, a literatura aponta a utilização da EME como uma medida a ser utilizada na verificação do desenvolvimento linguístico dessa população, e principalmente na composição dos grupos de participantes de pesquisas(16,19,26,28) e quando é feita a comparação com outras populações(7,21). Quando se considera as dificuldades relacionadas à compreensão morfossintática, à utilização de elementos representativos de MG-2, às dificuldades na articulação que interfeririam na ininteligibilidade de fala, além de questões relacionadas à memória de trabalho(16,19,20,24,26,28,29), surge o questionamento sobre a eficiência da utilização da EME-p para essa população.

Os resultados da presente pesquisa apontaram a correlação entre os dados obtidos com a aplicação da EME-m e EME-p, com os participantes organizados em grupos de acordo com a idade mental e cronológica. Esse fato é corroborado por estudos realizados com crianças com DT(9-11,15) e por estudo em que foram estudadas crianças com SD, falantes de língua latina, o italiano(16). Os dados obtidos na presente pesquisa reforçam resultados que já haviam sido sugeridos por estudos realizados por nossa equipe(21,22).

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos permitem concluir que a EME-p pode ser utilizada como medida de identificação de desenvolvimento linguístico geral de crianças com SD, além de oferecer a vantagem de ser rápida e ter análise mais simples. No entanto, ressalta-se que a utilização de todas as variáveis relacionadas à extensão média de enunciados fornece maior eficiência na identificação do desenvolvimento linguístico e na análise de suas alterações. É importante que se dê continuidade aos estudos envolvendo EME-m e EME-p, uma vez que o grupo de participantes desta pesquisa foi restrito.

AGRADECIMENTOS

Essa pesquisa recebeu financiamento do CNPq processo nº2007/473492-5 e da FAPESP processo nº 08/57465-7.

Recebido em: 25/11/2010

Aceito em: 22/03/2011

Trabalho realizado no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica em Síndromes e Alterações Sensório-Motoras do Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.

  • 1. Brown R. A first language. Cambridge ()MA: Harvard University Press; 1973.
  • 2. Araujo K. Aspectos do desenvolvimento gramatical de crianças pré-escolares em desenvolvimento normal de linguagem [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; 2003.
  • 3. Fensterseifer A, Ramos AP. Extensão média de enunciados em crianças de 1 a 5 anos. Pró-Fono. 2003;15(3):251-8.
  • 4. Araujo K, Befi-Lopes DM. Extensão média do enunciado de crianças entre 2 e 4 anos de idade: diferenças no uso de palavras e morfemas. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2004;9(1):156-63.
  • 5. Thordardottir ET. Early lexical and syntactic development in Quebec French and English: implications for cross-linguistic and bilingual assessment. Int J Lang Commun Disord. 2005;40(3):243-78.
  • 6. Rice ML, Redmond SM, Hoffman L. Mean length of utterance in children with specific language impairment and in younger control children shows concurrent validity and stable and parallel growth trajectories. J Speech Lang Hear Res. 2006;49(4):793-808.
  • 7. Rice ML, Smolik F, Perpich D, Thompson T, Rytting N, Blossom M. Mean length of utterance levels in 6-month intervals for children 3 to 9 years with and without language impairments. J Speech Lang Hear Res. 2010;53(2):333-49.
  • 8. Dixon JA, Marchman VA. Grammar and the lexicon: developmental ordering in language acquisition. Child Dev. 2007;78(1):190-212.
  • 9. Hichey T. Mean length of utterance and the acquisition of Irish. J Child Lang. 1991;18(3):553-69.
  • 10. Malakoff ME, Mayes LC, Schottenfeld R, Howell S. Language production in 24- month-old inner-city children of cocaine and-other-drug- using mothers. J Appl Dev Psychol. 1999;20(1):159-80.
  • 11. Parker MD, Brorson KA. A comparative study between mean length of utterance in morphemes (MLU-m) and mean length utterance in words (MLU-w). First Language. 2005;25(3):365-76.
  • 12. Balason DV, Dollaghan CA. Grammatical morpheme production in 4-year-old children. J Speech Lang Hear Res. 2002;45(5):961-9.
  • 13. Hansson K, Nettelbladt U, Nilholm C. Contextual influence on the language production of children with speech/language impairment. Int J Lang Commun Disord. 2000;35(1):31-47.
  • 14. Owen AJ, Leonard LB. Lexical diversity in the spontaneous speech of children with specific language impairment: application of D. J Speech Lang Hear Res. 2002;45(5):927-37.
  • 15. Oosthuizen H, Southwood F. Methodological issues in the calculation of mean length of utterance. S Afr J Commun Disord. 2009;56:76-87.
  • 16. Vicari S, Caselli MC, Tonucci F. Asynchrony of lexical and morphosyntactic development in children with Down Syndrome. Neuropsychologia. 2000;38(5):634-44.
  • 17. Vicari S, Caselli MC, Gagliardi C, Tonucci F, Volterra V. Language acquisition in special populations: a comparison between Down and Williams syndromes. Neuropsychologia. 2002;40(13):2461-70.
  • 18. Johnson-Glenberg MC, Chapman RS. Predictors of parent-child language during novel task play: a comparison between typically developing children and individuals with Down syndrome. J Intellect Disabil Res. 2004;48(Pt 3):225-38.
  • 19. Miles S, Chapman R, Sindberg H. Sampling context affects MLU in the language of adolescents with Down syndrome. J Speech Lang Hear Res. 2006;49(2):325-37.
  • 20. Roberts JE, Price J, Malkin C. Language and communication development in Down syndrome. Ment Retard Dev Disabil Res Rev. 2007;13(1):26-35.
  • 21. Araujo K, Muhler LP, Telles P, Surian AC, Befi-Lopes DM, Fernandes FD, Limongi SC. Extensão média de enunciados de crianças com distúrbio específico de linguagem, síndrome de Down e do espectro autístico [resumo]. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006; Suplemento Especial.
  • 22. Surian AC, Limongi SC. Extensão media de enunciados de crianças com síndrome de Down [resumo]. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006; Suplemento Especial.
  • 23. Ehrler DJ, McGhee RL. Primary Test of Nonverbal Intelligence - PTONI. Texas: Pro-Ed; 2008.
  • 24. Ypsilanti A, Grouios G, Alevriadou A, Tsapkini K. Expressive and receptive vocabulary in children with Williams and Down syndromes. J Intellect Disabil Res. 2005;49(Pt 5):353-64.
  • 25. Limongi SC, Mendes AE, Carvalho AM, Do Val DC, Andrade RV. A relação comunicação não verbal-verbal na síndrome de Down. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2006;11(3):135-41.
  • 26. McDuffie AS, Sindberg HA, Hesketh LJ, Chapman RS. Use of speaker intent and grammatical cues in fast-mapping by adolescents with Down syndrome. J Speech Lang Hear Res. 2007;50(6):1546-61.
  • 27. Abbot-Smith K, Tomasello M. The influence of frequency and semantic similarity on how children learn grammar. First Language. 2010;30(1):79-101.
  • 28. Caselli MC, Monaco L, Trasciani M, Vicari S. Language in Italian children with Down syndrome and with specific language impairment. Neuropsychology. 2008;22(1):27-35.
  • 29. Yoder PJ, Camarata S, Camarata M, Williams SM. Association between differentiated processing of syllables and comprehension of grammatical morphology in children with Down syndrome. Am J Ment Retard. 2006;111(2):138-52.
  • 30. Puglisi ML, Befi-Lopes DM, Takiuchi N. Utilização e compreensão de preposições por crianças com distúrbio específico de linguagem. Pró-Fono. 2005;17(3):331-44.
  • Endereço para correspondência:

    Suelly Cecilia Olivan Limongi
    R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária
    São Paulo (SP), Brasil, CEP: 05360-160
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Nov 2010
    • Aceito
      22 Mar 2011
    Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Alameda Jaú, 684, 7ºandar, 01420-001 São Paulo/SP Brasil, Tel/Fax: (55 11) 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: jornal@sbfa.org.br