Acessibilidade / Reportar erro

Comportamento vocal de teleoperadores pré e pós-jornada de trabalho

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o comportamento vocal de teleoperadores receptivos em momento pré e pós-jornada de trabalho e relacionar os resultados à variável gênero. MÉTODOS: Participaram 55 teleoperadores de uma empresa de teleatendimento na cidade de Maceió (AL), sendo 11 homens e 44 mulheres, com atuação no modo receptivo. Inicialmente, foi aplicado um questionário antes da jornada de trabalho para identificação das queixas vocais. Em seguida foi feita gravação de amostras vocais compostas por emissões sustentadas e fala encadeada 10 minutos antes e 10 minutos após a jornada de trabalho para serem posteriormente avaliadas. Foram realizadas avaliações perceptivo-auditiva e acústica da voz. RESULTADOS: Os sintomas e queixas vocais referidos pelos teleoperadores após a jornada de trabalho foram: garganta seca (64%); dores na região de nuca e pescoço (33%); rouquidão (31%); falhas na voz (26%) e cansaço vocal (22%). Os teleoperadores apresentaram tempos máximos fonatórios reduzidos antes e após a jornada de trabalho (p=0,645). Os dados da avaliação perceptivo-auditiva da voz foram semelhantes nos momentos pré e pós-jornada (p=0,645). Também não houve diferença nos dados de análise acústica no início e ao final da jornada de trabalho (p=0,738). CONCLUSÃO: Os teleoperadores apresentam elevado índice de sintomas vocais após a jornada de trabalho, e não há diferenças entre a pré e pós-jornada de trabalho nas avaliações perceptivo-auditiva e acústica da voz.

Qualidade da voz; Distúrbios da voz; Saúde do trabalhador; Trabalho; Telefone; Acústica da fala; Questionários


PURPOSE: To evaluate the vocal behavior of receptive telemarketing operators in pre- and post-work shift moments, and to relate the results to the variable gender. METHODS: Participants were 55 telemarketing operators (11 men and 44 women) working in a receptive mode in the city of Maceió (Alagoas, Brazil). A questionnaire was applied before the work shift to initially identify the vocal complaints. After that, vocal samples were recorded, comprising sustained emissions and connected speech produced 10 minutes before and 10 minutes after the workday to be later evaluated. Auditory-perceptual and acoustic analyses of voice were conducted. RESULTS: Vocal complaints and symptoms reported by the operators after the work shift were: dry throat (64%); neck and cervix pain (33%); hoarseness (31%); voice failure (26%); and vocal fatigue (22%).Telemarketing operators presented reduced maximum phonation time before and after the day of work (p=0.645). Data from the auditory-perceptual assessment of voice were similar in pre- and post-shift moments (p=0.645). No difference was found between moments also on acoustic analysis data (p=0.738). CONCLUSION: Telemarketing operators have high indexes of vocal symptoms after the work shift, and there are no differences between pre- and post-work shift in auditory-perceptual and acoustic assessments of voice.

Voice quality; Voice disorders; Occupational health; Work; Telephone; Speech acoustics; Questionnaires


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Comportamento vocal de teleoperadores pré e pós-jornada de trabalho

The vocal behavior of telemarketing operators before and after a working day

Geová Oliveira de AmorimI; Silvana BommaritoII; Célia Akemi KanashiroIII; Brasilia Maria ChiariII

ICurso de Fonoaudiologia, Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas - UNCISAL - Maceió (AL), Brasil

IICurso de Fonoaudiologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil

IIICurso de Medicina, Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas - UNCISAL - Maceió (AL), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Geová Oliveira de Amorim Av. Mario Nunes Vieira, 266/301, Bairro Mangabeiras Maceió (AL), Brasil, CEP: 57037-170 E-mail: geovafono@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o comportamento vocal de teleoperadores receptivos em momento pré e pós-jornada de trabalho e relacionar os resultados à variável gênero.

MÉTODOS: Participaram 55 teleoperadores de uma empresa de teleatendimento na cidade de Maceió (AL), sendo 11 homens e 44 mulheres, com atuação no modo receptivo. Inicialmente, foi aplicado um questionário antes da jornada de trabalho para identificação das queixas vocais. Em seguida foi feita gravação de amostras vocais compostas por emissões sustentadas e fala encadeada 10 minutos antes e 10 minutos após a jornada de trabalho para serem posteriormente avaliadas. Foram realizadas avaliações perceptivo-auditiva e acústica da voz.

RESULTADOS: Os sintomas e queixas vocais referidos pelos teleoperadores após a jornada de trabalho foram: garganta seca (64%); dores na região de nuca e pescoço (33%); rouquidão (31%); falhas na voz (26%) e cansaço vocal (22%). Os teleoperadores apresentaram tempos máximos fonatórios reduzidos antes e após a jornada de trabalho (p=0,645). Os dados da avaliação perceptivo-auditiva da voz foram semelhantes nos momentos pré e pós-jornada (p=0,645). Também não houve diferença nos dados de análise acústica no início e ao final da jornada de trabalho (p=0,738).

CONCLUSÃO: Os teleoperadores apresentam elevado índice de sintomas vocais após a jornada de trabalho, e não há diferenças entre a pré e pós-jornada de trabalho nas avaliações perceptivo-auditiva e acústica da voz.

Descritores: Qualidade da voz, Distúrbios da voz, Saúde do trabalhador, Trabalho, Telefone, Acústica da fala, Questionários

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the vocal behavior of receptive telemarketing operators in pre- and post-work shift moments, and to relate the results to the variable gender.

METHODS: Participants were 55 telemarketing operators (11 men and 44 women) working in a receptive mode in the city of Maceió (Alagoas, Brazil). A questionnaire was applied before the work shift to initially identify the vocal complaints. After that, vocal samples were recorded, comprising sustained emissions and connected speech produced 10 minutes before and 10 minutes after the workday to be later evaluated. Auditory-perceptual and acoustic analyses of voice were conducted.

RESULTS: Vocal complaints and symptoms reported by the operators after the work shift were: dry throat (64%); neck and cervix pain (33%); hoarseness (31%); voice failure (26%); and vocal fatigue (22%).Telemarketing operators presented reduced maximum phonation time before and after the day of work (p=0.645). Data from the auditory-perceptual assessment of voice were similar in pre- and post-shift moments (p=0.645). No difference was found between moments also on acoustic analysis data (p=0.738).

CONCLUSION: Telemarketing operators have high indexes of vocal symptoms after the work shift, and there are no differences between pre- and post-work shift in auditory-perceptual and acoustic assessments of voice.

Keywords: Voice quality, Voice disorders, Occupational health, Work, Telephone, Speech acoustics, Questionnaires

INTRODUÇÃO

O avanço tecnológico associado ao estilo da vida moderna tem levado as empresas a buscarem novas estratégias de relacionamento com os clientes para dinamizarem seus lucros. Surgiu assim, o telemarketing, atualmente denominado de telesserviço, nascido da antiga profissão de telefonista e desenvolvido a partir de técnicas do marketing direto(1).

Assim, o telesserviço é caracterizado pela aplicação integrada das tecnologias de telecomunicações e de processamento de dados(2). Independentemente da modalidade de telesserviço, o teleoperador tem contato com diversos agentes estressores, e trabalha sob considerável pressão. Este profissional deve desempenhar sua função de maneira competente, obedecer a mecanismos de controles rigorosos e atingir metas determinadas pela empresa. Entretanto, existe uma norma regulamentadora, a NR 17, que recomenda que a jornada de trabalho do teleoperador seja de no máximo seis horas diárias, além de contemplar outros aspectos como medidas preventivas e de segurança desse profissional(3).

Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing - SINTRATEL, o telesserviço é um dos setores que mais cresce e gera empregos no Brasil com aproximadamente 850 mil trabalhadores(4). Portanto, é um setor que contribui de forma decisiva para o âmbito sócio-econômico do país.

Considerando-se a importância desse profissional para o cenário sócio-econômico do país, pode-se afirmar que qualquer alteração vocal ao longo de sua jornada de trabalho poderá comprometer significativamente seu desempenho profissional. Desta forma, é extremamente importante que haja uma assessoria fonoaudiológica para realizar intervenções vocais junto a essa população. Por conseguinte, é necessário não apenas compreender as particularidades desta categoria profissional, mas, também, as características vocais comuns ao grupo(3).

Nesse sentido, o fonoaudiólogo é o profissional que exerce papel crucial junto aos teleoperadores, avaliando os parâmetros perceptivo-auditivos e as medidas acústicas da voz, no início e ao término da jornada de trabalho. Estes dados possibilitarão a avaliação e a programação de medidas preventivas eficientes para os problemas vocais enfrentados por teleoperadores.

Diante da importância desta categoria profissional faz-se necessário o desenvolvimento de estudos para melhor compreensão das particularidades destes profissionais. Os resultados obtidos possibilitarão que fatores que dificultam a comunicação sejam eliminados ou atenuados, por de programas de treinamento vocal específicos às necessidades dos teleoperadores.

Qualquer alteração vocal ou desequilíbrio na utilização dos recursos de comunicação poderá comprometer o desempenho profissional dos teleoperadores. Portanto, o objetivo desta pesquisa foi avaliar o comportamento vocal de teleoperadores receptivos em momento pré e pós-jornada de trabalho, e relacionar os resultados à variável gênero.

MÉTODOS

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), sob número 2012/08. Todos os participantes receberam informações sobre os objetivos do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participaram da pesquisa 55 teleoperadores de uma Companhia Energética do estado de Alagoas, com atuação no modo receptivo, sendo 11 homens e 44 mulheres, faixa etária entre 18 e 55 anos, que possuíam vínculo empregatício entre 6 meses e 15 anos. Foram excluídos do estudo profissionais que estavam em atendimento fonoaudiológico para problemas de voz, que já haviam realizado terapia vocal e que referiram exercer outra atividade com a utilização da voz profissionalmente.

Inicialmente, foi aplicado um questionário estruturado e adaptado aos teleoperadores para identificação do perfil vocal (Anexo 1 Anexo 1 ). O objetivo da aplicação do questionário foi investigar os aspectos sócio-demográficos, sinais e sintomas vocais e informações referentes aos cuidados vocais antes da jornada de trabalho.

A coleta dos dados foi realizada no início (situação denominada pré) e ao final (situação denominada pós) das seis horas da jornada de trabalho dos teleoperadores, em uma sala reservada e silenciosa (ruído inferior a 50 dB), na própria empresa. Após explicação da do procedimento ao teleoperador, foi realizada a gravação das amostras vocais, que foram compostas por: emissões sustentadas das vogais /ε:/, /i:/ e /u:/ por três vezes consecutivas em pitch e loudness confortáveis, sem apresentação de modelo pelo avaliador; emissão encadeada com contagem de números de 1 a 10. As amostras foram captadas por microfone unidirecional headset (Plantronics audio 40), colocado a aproximadamente 10 centímetros (cm) de distância dos lábios dos teleoperadores para a fala encadeada e a 4 cm para a emissão sustentada. Foi mantida angulação de 45º a fim de reduzir o ruído aerodinâmico da articulação.

A edição do CD contendo as amostras vocais (emissão sustentada e fala encadeada) dos momentos pré e pós-jornada de trabalho foi feita numerando-se as vozes de modo que não fosse possível a identificação por parte dos avaliadores quanto ao momento inicial e final da jornada de trabalho. Assim, evitou-se viés tendencioso na interpretação dos dados.

A emissão sustentada da vogal /ε:/ foi eleita por permitir a estabilização do trato vocal em posição neutra e intermediária. Para descrição da qualidade vocal foi utilizada a escala GRBASI(5), pontuada de 0 a 3, sendo que 0 indica ausência de alteração ou normalidade; 1 indica grau de desvio leve; 2 indica desvio moderado e 3 significa grau de alteração intenso. Os parâmetros relativos a ataque vocal, pitch, loudness e velocidade de fala foram avaliados com base na fala encadeada (contagem de 1 a 10).

As amostras vocais foram analisadas por três fonoaudiólogos especialistas, com experiência na área por mais de dez anos. A cada especialista foi entregue o CD com o número total de amostras, sem porcentagem adicional de repetições. Os especialistas receberam também o protocolo de avaliação perceptivo-auditiva para preenchimento dos respectivos julgamentos, juntamente com uma explicação sobre a sistemática da análise.

Os especialistas ouviram cada amostra por no máximo cinco vezes. As avaliações feitas por eles foram computadas. Em seguida, foi realizada uma reunião entre os três avaliadores, em que a concordância entre a maioria dos examinadores definiu o parecer vocal final de cada sujeito.

Para a avaliação da eficiência fonatória utilizou-se as vogais sustentadas /a:/, /i:/ e /u:/ emitidas de forma confortável por três vezes consecutivas 10 minutos antes da entrada e 10 minutos após a saída do turno de trabalho. Logo após a mensuração de cada vogal, foi calculada a média para cada uma delas. Os resultados foram apresentadas em tabela considerando-se a variável gênero(6).

A avaliação acústica da voz foi realizada por meio do registro da vogal /ε/ sustentada no Programa Voxmetria® versão 2.0h (CTS informática), em pitch e loudness confortáveis. A frequência utilizada para as gravações foi de 44.100 Hz. Foram desconsiderados o início e o final das emissões por apresentarem características irregulares e que podem interferir na análise dos dados.

O tempo de padronização da emissão sustentada da vogal /ε/ foi de sete segundos, utilizando-se o programa Sound Forge 7.0 da Sony®. Foram contemplados os parâmetros acústicos da voz relativos à frequência fundamental (ƒ0), intensidade vocal, jitter e shimmer.

As informações pessoais de cada sujeito da pesquisa, para fins de catalogação no programa de análise acústica, bem como todas as gravações e extrações de medidas acústicas objetivas, foram realizadas na presença exclusiva do pesquisador. Os dados obtidos foram tabulados e processados. Após verificação da distribuição normal das amostras aplicando-se os testes de Kolmogorov-Smirnov e Shapiro-Wilk, o valor médio de cada variável da avaliação perceptivo-auditiva foi comparado pelo teste paramétrico Qui-quadrado de Pearson. A variável referente às medidas fonatórias foi comparada pelo teste T Student. Cada variável da análise acústica foi comparada pelo teste paramétrico T pareado nos momentos pré e pós-jornada de trabalho. O nível de significância adotado foi de 0,05 e o valor do erro β admitido foi de 0,1.

RESULTADOS

Os resultados mostram que todos os teleoperadores relataram sintomas vocais e queixas associadas, embora com frequências diferentes. Os sintomas mais referidos foram: garganta seca (64%), dores na região de nuca e pescoço (33%), rouquidão (31%), falhas na voz (26%) e cansaço vocal (22%) (Tabela 1).

Em relação ao grau geral do desvio vocal, rugosidade, soprosidade, astenia, tensão e instabilidade foram semelhantes quando comparados os momentos pré e pós-jornada de trabalho (Tabela 2).

A avaliação perceptivo-auditiva mostrou que as características vocais de homens e mulheres não tiveram diferença entre os momentos pré e pós-jornada de trabalho (Tabela 3).

Em relação aos tempos máximos fonatórios (TMF), verificou-se que tanto homens quanto mulheres apresentaram valores de sustentação das vogais reduzidos nos momentos pré e pós-jornada (Tabela 4).

Não foram observadas diferenças nas medidas acústicas da voz quando comparados os momentos pré e pós-jornada de trabalho dos teleoperadores (Tabela 5).

DISCUSSÃO

Dentre os profissionais da voz falada, os teleoperadores correspondem à segunda categoria mais estudada em publicações científicas(3). Assim, o presente estudo teve como objetivo avaliar o comportamento vocal de teleoperadores durante o exercício profissional, nos momentos pré e pós-jornada de trabalho. Tal decisão está relacionada ao fato de a maior parte dos estudos desenvolvidos com teleoperadores concentrarem suas avaliações em um único momento da jornada de trabalho ou investigarem questões referentes à expressividade vocal durante os atendimentos(7-8).

A análise dos aspectos sócio-demográficos do presente estudo revelou que , 70% eram mulheres com média de idade de 29,9 anos e que 58,1% dos teleoperadores possuíam ensino médio completo. Estes dados são corroborados por outro estudo, realizado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing-SINTRATEL, que verificou que 84% dos postos de serviços são ocupados por jovens com faixa etária entre 23 e 25 anos de idade, predominantemente mulheres com grau de escolaridade em torno do ensino médio completo e superior completo/incompleto(4). Portanto, é importante chamar a atenção para o fato de que os teleoperadores são adultos jovens, que estão em período de máxima eficiência vocal (25 a 45 anos). Nesse momento da vida, alterações estruturais na laringe podem ser identificadas com maior ou menor efeito(8). Além disso, alterações vocais prejudiciais, inerentes a esta atividade profissional, cuja tendência é crescer cada vez mais, podem trazer sérios prejuízos sócio-econômicos para o país.

Os resultados demonstram uma auto-percepção positiva dos teleoperadores em relação às suas vozes. A maior parte deles gosta da própria voz. Este fato pode estar relacionado com a manutenção de hábitos saudáveis relacionados à produção vocal, como por exemplo, realizar uma boa hidratação durante a jornada de trabalho. Atualmente, vários estudos vêm procurando correlacionar os efeitos da hidratação na regulação da vibração das pregas vocais(9-11), apesar da complexidade na determinação do efeito da hidratação e da viscosidade nas pregas vocais em humanos(9). É interessante ressaltar que alguns fatores podem comprometer a hidratação, tais como ingestão insuficiente de água, baixos níveis de umidade do ar e ação de medicamentos que promovem o ressecamento da mucosa das pregas vocais(9,11-13).

Em termos de sintomas vocais e queixas associadas, todos os teleoperadores referiram mais de um deles, porém com frequências variáveis. A principal queixa foi de garganta seca, seguida de dores na região de nuca/pescoço, rouquidão, falhas na voz e cansaço vocal. Outras queixas também foram citadas por estes profissionais, porém com menor frequência. As queixas reportadas pelos teleoperadores podem indicar um quadro incipiente de disfonia e podem gerar riscos elevados para a função vocal, uma vez que o teleoperador permanece em suas atividades mesmo com a presença de desconforto fonatório.

A queixa de garganta seca relatada por um grande número de teleoperadores pode ser decorrente da combinação entre exposição ao ar condicionado e abertura frequente da cavidade oral pelo uso contínuo da voz. As dores na região cervical podem ser atribuídas, dentre outros fatores, à manutenção de postura incorreta por muito tempo durante a jornada de trabalho. Uma pesquisa realizada por um grupo sueco, também evidenciou uma alta prevalência de distúrbios cervicais e de extremidades superiores em teleoperadores, quando comparados a outros profissionais usuários de computadores(14).

Estudos demonstram elevada prevalência de disfonia entre teleoperadores, independentemente de sua frequência(8,15)e que as principais queixas referidas pelos teleoperadores são ansiedade, estresse e fadiga, problemas visuais e auditivos e dorsalgias(14). Estudos sobre possíveis modificações vocais de teleoperadores ainda são pouco frequentes, demonstrando que é imprescindível que haja maiores investigações dessa categoria profissional.

As reclamações concernentes à rouquidão, falhas na voz e cansaço vocal, poderiam ser decorrentes do uso prolongado da voz durante a jornada de trabalho. Portanto, investigações dirigidas a parâmetros relacionados ao uso intensivo de voz, bem como ao período necessário para o repouso vocal, de forma que as pregas vocais e as estruturas paralaríngeas não entrem em fadiga, são imprescindíveis, visto que estas informações ainda não estão totalmente esclarecidas na literatura(13). A literatura reporta-se aos sintomas de voz fraca, cansaço vocal, falhas na voz, dores na garganta e rouquidão em indivíduos com uso intensivo de voz como indicativos de sobrecarga vocal(16-18).

Em relação à avaliação perceptivo-auditiva da voz, observou-se operadores apresentaram qualidade vocal com desvio de grau geral leve, tanto antes quando após jornada de trabalho. Provavelmente, as condições de trabalho favoráveis atreladas a um grau de adaptação dessas vozes ao longo da jornada favoreçam para que esses teleoperadores não apresentem alterações importantes na produção vocal.

Embora os dados de avaliação da qualidade vocal não tenham apresentado diferenças entre os momentos pré e pós, observa-se que mesmo na presença de um grau geral desvio fonatório leve, esses profissionais continuam desempenhando suas atividades. Tal fator pode aumentar o risco de desenvolvimento de alterações laríngeas e vocais.

Não foram encontrados graus de desvio para as características de rouquidão, soprosidade, astenia e tensão. Porém, a instabilidade vocal de grau leve esteve presente em toda a amostra de teleoperadores, de ambos os gêneros, nos momentos pré e pós-jornada de trabalho.

Na avaliação perceptivo-auditiva da voz, observa-se predomínio de ataque vocal isocrônico, pitch e velocidade de fala adequados, em indivíduos de ambos os gêneros, nos momentos pré e pós-jornada de trabalho. Os dados encontrados sugerem que esses profissionais são indivíduos vocalmente saudáveis e que provavelmente ocorre um grau de adaptação dessas vozes ao longo de toda a jornada de trabalho.

Em relação ao TMF, foram obtidos valores reduzidos no início da jornada, que se mantiveram ao final das atividades laborais, para teleoperadores de ambos os gêneros. O resultado encontrado pode ser sugestivo de certa inabilidade no controle da saída do fluxo de ar expirado por parte desses profissionais.

Em relação à avaliação acústica da voz, observou-se que não houve diferença entre os valores referentes à frequência fundamental, jitter e shimmer , nos momentos pré e pós-jornada, de teleoperadores de ambos os gêneros. O grupo masculino apresentou valores médios de frequência entre 118,4 e 119,64 Hz e o grupo feminino entre 212,47 e 211,12 Hz. Os dados apresentados estão ligeiramente acima dos valores encontrados para falantes do português da cidade de São Paulo(19), em que o valor da média da frequência fundamental para homens foi de 113 Hz e para mulheres de 205 Hz. No entanto, encontram-se dentro da faixa de distribuição esperada para vozes masculinas, de 80 a 150 Hz e feminina, de 150 a 250 Hz(18).

A literatura apresenta vários estudos(20-24) de investigação da frequência fundamental, com valores distintos em diferentes populações estudadas. Entretanto, todos se encontram dentro da faixa de distribuição esperada para os respectivos gêneros. Supõe-se que comparações entre resultados de diferentes programas de análise acústica da voz podem gerar diferenças mesmo com a utilização de medidas similares, provavelmente devido às diferenças de algoritmos, dos métodos de cálculo da frequência fundamental, dos tipos de armazenamento da voz gravada e dos tipos de fala contínua ou sustentada utilizados(25).

Dentre os diferentes sistemas de análise dos parâmetros acústicos, a f0 tem se mostrado o parâmetro mais consistente embora o menos sensível relacionado às características de gravação da voz(26-29). Outro parâmetro acústico contemplado no estudo foi intensidade vocal, que diz respeito à amplitude do sinal de áudio e tem relação direta com a resistência glótica à passagem de ar. No grupo masculino, as médias dos valores da intensidade nos momentos pré e pós-jornada foram 60,23 dB e 62,63 dB, respectivamente. No grupo feminino esses valores foram 56,90 dB e 59,20 dB. A existência dos valores de intensidade vocal abaixo dos referenciados na literatura(25) remete a uma reflexão. Provavelmente, o fato de os teleoperadores terem seus microfones com som amplificado, os leva a manter um padrão de intensidade vocal mais baixo. Essa característica vocal também pode ter relação com o fato de os teleoperadores terem aproximação das posições de atendimento e estarem muito próximos uns dos outros.

As medidas de perturbação da frequência contempladas no presente estudo foram jitter e o shimmer. O gênero masculino apresentou valores médios da vogal /ε/ para jitter de 0,21 e 0,24% e shimmer de 8,83 e 9,27%. No grupo do gênero feminino os valores de jitter foram 0,95 e 0,6% e shimmer 7,22 e 6,6%. De acordo com os valores de normalidade propostos para jitter pelo programa utilizado nesse estudo, compreendidos entre 0,0 a 0,6% e pelos dados encontrados na literatura(21,26), o grupo de teleoperadores do gênero masculino encontra-se dentro dos padrões de normalidade nos momentos pré e pós-jornada de trabalho, o que evidencia uma maior periodicidade da vibração das pregas vocais. Contrariamente, o grupo de operadores do gênero feminino apresenta medidas de jitter aumentadas apenas no período anterior à jornada de trabalho, sugerindo que a periodicidade da vibração das pregas vocais sofre adequação durante ou ao final da jornada de trabalho.

As medidas de shimmer encontradas em homens e mulheres não estão dentro dos valores de normalidade (0,0 a 6,5%) estabelecidos pelo programa utilizado, nem quanto aos valores apresentados na literatura(21,25,26,29). Os valores encontraram-se elevados, indicando possível irregularidade no fechamento glótico. O desvio padrão encontra-se alto devido à variabilidade dos parâmetros vocais entre os sujeitos.

Mais uma vez acredita-se que essas variabilidades entre os resultados da avaliação acústica da voz encontrados no presente estudo e as encontradas na literatura, mesmo utilizando medidas similares, sejam decorrentes da diversidade de programas de análise acústica encontrados. São comuns diferenças quanto aos algoritmos, o que impossibilita a normatização de medidas objetivas da voz(28,30).

Deve-se ressaltar que os dados encontrados neste estudo referem-se a uma pequena amostra de teleoperadores de uma determinada instituição. Portanto, sugere-se que outros trabalhos sejam desenvolvidos com um maior número de teleoperadores, atuantes em diferentes modalidades de atendimento, para uma melhor compreensão das particularidades destes profissionais. Os resultados de tais estudos possibilitarão o desenvolvimento de programas de treinamento vocal, específicos às necessidades dos teleoperadores.

CONCLUSÃO

Os teleoperadores podem ser considerados profissionais da voz com elevado potencial em desenvolver alterações vocais, em função do alto índice de sintomas vocais apresentado por eles. O sintoma de maior ocorrência entre os teleoperadores é o de garganta seca. As avaliações perceptivo-auditiva e acústica da voz mostram que não existem diferenças expressivas no comportamento vocal dos teleoperadores entre a pré e pós-jornada de trabalho

Recebido em:21/5/2010

Aceito em: 22/11/2010

Trabalho realizado no Curso de Fonoaudiologia, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.

Anexo 1 - Clique para ampliar

Anexo 1

  • 1. Algodoal MJ. Voz profissional: o operador de telemarketing [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 1995.
  • 2. Stone B, Wyman J. Telemarketing. São Paulo: Nobel; 1988.
  • 3. Oliveira S, Raize T, Algodoal J, Moreira-Ferreira AE, Marchion MQ. A voz no Telesserviço. In: Oliveira IB, Almeida AAF, Raize T. Voz Profissional - Produção científica da fonoaudiologia brasileira [CD-ROM]. São Paulo: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia; 2008.
  • 4. Sindicato dos Trabalhadores em Telemarketing [homepage on the Internet]. São Paulo: SINTRATEL [citado 2009 Nov 9]. Disponível em: www.sintratel.org.br
  • 5. Behlau M. Consensus auditory - perceptual evaluation of voice (CAPE-V), ASHA 2003. Rev Soc Bras Fonoaudiologia 2004;9(3):187-9.
  • 6. Steffen LM, Moschetti MB, Steffen N, Hanayama EM. Paralisia unilateral de prega vocal: associação e correlação entre tempos máximos de fonação, posição e ângulo de afastamento.Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(4):450-5.
  • 7. Ferreira-Moreira AE. Recursos de expressividade oral e linguísticos-discursivos de operadores de telemarketing: relação com a sensação gerada em prováveis clientes e o desempenho profissional [dissertação]. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007.
  • 8. Ferreira LP, Akutsu CM, Luciano P, Viviano NA. Condições de produção vocal de teleoperadores: correlação entre questões de saúde, hábitos e sintomas vocais. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):307-15.
  • 9. Chan RW, Tayama N. Biomechanical effects of hydration in vocal fold tissues. Otolaryngol Head Neck Surg. 2002;126(5):528-37.
  • 10. Verdolini K, Titze IR, Fennell A. Dependence of phonatory effort on hydration level. J Speech Hear Res. 1994;37(5):1001-7.
  • 11. Yiu EM, Chan RM. Effect of hidration and vocalrest on the vocal fatigue in amateur karaoke singers. J Voice. 2003;17(2):216-27.
  • 12. Roy N, Merrill RM, Thibeault S, Parsa RA, Gray SD, Smith EM. Prevalence of voice disorders in teachers and the general population. J Speech Lang Hear Res. 2004;47(2):281-93.
  • 13. Titze I. Choir warm-ups: how effective are they? J Sing. 2000;56:31-2.
  • 14. Norman K. Call centre work - characteristics, physical, and psychosocial exposure, and health related outcomes [thesis]. Stockholm: Mechanical Engineering Linkoping University; 2005. Available from: http://www.arbetslivsinstitutet.se/
  • 15. Jones K, Sigmon J, Hock L, Nelson E, Sullivan M, Ogren F. Prevalence and risk factors for voice problems among telemarkers. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2002;128(5):571-7.
  • 16. Titze IR, Svec JG, Popolo PS. Vocal dose measures: quantifying accumulated vibration exposure in vocal fold tissues. J Speech Lang Hear Res. 2003:46(4):919-32.
  • 17. Patel S, Shrivastav R. Perception of dysphonic vocal quality: some thoughts and research updates - perspectives on voice and voice disorders. ASHA Division 3. 2007;17(2): 3-6.
  • 18. Rechenberg L. Prevalência de sintomas vocais em operadores de telemarketing. [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2005.
  • 19. Spinelli IC, Behlau M. Estudo comparativo das medidas de frequência fundamental, jitter e shimmer em diferentes sistemas de análise vocal. In: Behlau M, organizador. A voz do especialista I. Rio de Janeiro: Revinter; 2001. p.265-71.
  • 20. Zhang Y, Jiang JJ. Acoustic analysis of sustained and running voices from patients with laryngeal pathologies. J Voice. 2008;22(1):1-9.
  • 21. Holmberg EB, Doyle P, Perkell JS, Hammarberg B, Hillman RE. Aerodynamic and acoustic voice measurements of patients with vocal nodules: variation in baseline and changes across voice therapy. J Voice. 2003;17(3):269-82.
  • 22. Speyer R, Wieneke GH, Dejonckere PH. Documentation of progress in voice therapy: perceptual, acoustic and laryngostroboscopic findings pretherapy and posttherapy. J Voice. 2004;18(3):325-40.
  • 23. Morris RJ, Brown WS Jr. Comparison of various automatic means for measuring mean fundamental frequency. J Voice.1996;10(2):159-65.
  • 24. Fröhlich M, Michaelis D, Strube HW, Kruse E. Acoustic voice analysis by means of the hoarseness diagram. J Speech Lang Hear Res. 2000;43(3):706-20.
  • 25. Felippe AN, Grillo MH, Grechi TH. Normatização de medidas acústicas para vozes normais. Rev Bras Otorrinolaringol. 2006;72(5):659-64.
  • 26. Van Borsel J, Janssens J, De Bodt M. Breathiness as a feminine voice characteristic: a perceptual approach. J Voice. 2009;23(3):291-4.
  • 27. Awan SN, Roy N. Acoustic prediction of voice type in women with functional dysphonia. J Voice. 2005;19(2):268-82.
  • 28. Yu PR, Revis J, Wuyts FL, Zanaret M, Giovanni A. Correlation of instrumental voice evaluation with perceptual voice analysis using a modified visual analog scale. Folia Phoniatr Logop. 2002;54(6):271-81.
  • 29. Vasconcelos LR. Análise de intensidade no campo dinâmico vocal de acordo com o gênero e a idade [monografia]. São Paulo: Centro de estudos da Voz; 1994.
  • 30. Araujo AS, Grellet M, Pereira JC, Rosa MO. Normatização de medidas acústicas da voz normal. Rev Bras Otorrinolaringol. 2002;68(4):540-4.

Anexo 1

  • Endereço para correspondência:

    Geová Oliveira de Amorim
    Av. Mario Nunes Vieira, 266/301, Bairro Mangabeiras
    Maceió (AL), Brasil, CEP: 57037-170
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Aceito
      22 Nov 2010
    • Recebido
      21 Maio 2010
    Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Alameda Jaú, 684, 7ºandar, 01420-001 São Paulo/SP Brasil, Tel/Fax: (55 11) 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: jornal@sbfa.org.br