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Memória de trabalho fonológica: estudo comparativo entre diferentes faixas etárias

Resumos

OBJETIVO: Considerando-se que as habilidades de memória de trabalho fonológica se estendem até certa idade e que podem regredir com o envelhecimento, este estudo teve por objetivo verificar o desempenho de indivíduos de diferentes faixas etárias sem alterações de linguagem em provas que avaliam a memória de trabalho fonológica (não-palavras e dígitos). MÉTODOS: O estudo envolveu 90 sujeitos normais, sendo 30 crianças (entre 6 e 8 anos), 30 adultos (entre 19 e 35 anos) e 30 idosos (idade igual ou superior a 60 anos). Os sujeitos que atenderam aos critérios de inclusão foram submetidos à avaliação de memória de trabalho por meio da prova de não-palavras, que consiste na repetição de 40 palavras inventadas (de duas a cinco sílabas) e prova de dígitos (repetidos em ordem direta e ordem inversa). Os resultados foram analisados estatisticamente. RESULTADOS: Na pontuação total da prova de não-palavras, houve diferença entre os grupos de crianças, adultos e idosos (idosos < crianças < adultos). Na prova de dígitos, a diferença ocorreu em todos os grupos em ordem direta, ordem inversa e na pontuação total (crianças < idosos < adultos). CONCLUSÃO: Idosos apresentam pior desempenho em provas de memória de trabalho fonológica, sugerindo que esta habilidade sofre declínio com o processo de envelhecimento. Já os adultos apresentam melhor desempenho, evidenciando que eles têm melhor capacidade de armazenagem de material verbal.

Desenvolvimento da linguagem; Memória; Cognição; Envelhecimento; Avaliação; Efeito idade


PURPOSE: Considering phonological working memory abilities extend until a certain age and can decline with aging, this study had the aim to verify the performance of individuals without language deficits at different ages in tasks that assess the phonological working memory (non-words and digits). METHODS: The study involved 90 normal individuals: 30 children (with ages between 6 and 8 years), 30 adults (ages between 19 and 35 years), and 30 elderly (60 years old or older). The selected subjects were submitted to a phonological working memory assessment that included a task of non-words repetition, consisting of the repetition of 40 invented two- to five-syllable words, and a task of repetition of digits, which should be repeated in direct and reverse order. The results were statistically analyzed. RESULTS: There were differences between the groups of children, adults and elderly (elderly < children < adults) in the total score of the non-words repetition task. In the digits repetition task, the difference occurred in all groups in the direct order, in the reverse order, and in the total score (children < elderly < adults). CONCLUSION: The elderly have worse performance in phonological working memory tasks, suggesting that this ability declines with the aging process. The adults present better performance, evidencing that they have better abilities to store verbal material.

Language development; Memory; Cognition; Aging; Evaluation; Age effect


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Memória de trabalho fonológica: estudo comparativo entre diferentes faixas etárias

Marcia Aparecida GrivolI; Simone Rocha de Vasconcellos HageII

IPrograma de Pós-graduação (Mestrado) em Fonoaudiologia, Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo – USP – Bauru (SP), Brasil

IIDepartamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo – USP – Bauru (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marcia Aparecida Grivol Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo Al. Octávio Pinheiro Brisola, 9/75, Bauru (SP), CEP: 17012-901 E-mail: mgrivol@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Considerando-se que as habilidades de memória de trabalho fonológica se estendem até certa idade e que podem regredir com o envelhecimento, este estudo teve por objetivo verificar o desempenho de indivíduos de diferentes faixas etárias sem alterações de linguagem em provas que avaliam a memória de trabalho fonológica (não-palavras e dígitos).

MÉTODOS: O estudo envolveu 90 sujeitos normais, sendo 30 crianças (entre 6 e 8 anos), 30 adultos (entre 19 e 35 anos) e 30 idosos (idade igual ou superior a 60 anos). Os sujeitos que atenderam aos critérios de inclusão foram submetidos à avaliação de memória de trabalho por meio da prova de não-palavras, que consiste na repetição de 40 palavras inventadas (de duas a cinco sílabas) e prova de dígitos (repetidos em ordem direta e ordem inversa). Os resultados foram analisados estatisticamente.

RESULTADOS: Na pontuação total da prova de não-palavras, houve diferença entre os grupos de crianças, adultos e idosos (idosos < crianças < adultos). Na prova de dígitos, a diferença ocorreu em todos os grupos em ordem direta, ordem inversa e na pontuação total (crianças < idosos < adultos).

CONCLUSÃO: Idosos apresentam pior desempenho em provas de memória de trabalho fonológica, sugerindo que esta habilidade sofre declínio com o processo de envelhecimento. Já os adultos apresentam melhor desempenho, evidenciando que eles têm melhor capacidade de armazenagem de material verbal.

Descritores: Desenvolvimento da linguagem, Memória, Cognição, Envelhecimento, Avaliação, Efeito idade

INTRODUÇÃO

A memória é a capacidade de elaborar, estocar, recuperar e utilizar a informação(1). É também a capacidade de aprendizagem, conservação, armazenamento e evocação de informações sobre nós mesmos e sobre o mundo que nos cerca, que pode ser analisada segundo diferentes aspectos(2). O desenvolvimento desta habilidade na infância ocorre paralelamente ao desenvolvimento cognitivo geral, sendo que, assim como a atenção, ela intervém em todas as atividades cognitivas (relacionadas ao desenvolvimento da linguagem ou ao reconhecimento de pessoas e objetos). Quando avaliamos, por exemplo, a linguagem de um indivíduo, a memória de curto prazo age obrigatoriamente.

A memória é conceituada conforme a sua função, seu tempo de duração e seu conteúdo. Assim, podem ser distinguidos três níveis: memória sensorial, com duração inferior a um segundo; memória de curto prazo, que corresponde a um tempo de alguns segundos a alguns minutos e é sinônimo de memória operacional (capacidade de arquivar temporariamente a informação para o desempenho de diversas habilidades cognitivas); e memória de longo prazo, que cobre um tempo que vai de algumas horas a anos e é dividida em memória implícita e memória explícita. Resumidamente, memória implícita é a memória para habilidades e procedimentos e memória explícita é a memória para fatos e eventos(3).

A memória de curto prazo possibilita, ainda, o acesso aos eventos que ocorreram muito recentemente. Já a memória de longo prazo, refere-se a eventos que ocorreram há vários minutos, horas, dias meses ou anos(4).

A memória de trabalho (MT) é um sistema de processamento e armazenamento de informações em curto prazo que mantém o pensamento, a aprendizagem e a comunicação(5). A MT envolve o armazenamento temporal e a manipulação da informação necessária para a realização de complexas atividades cognitivas, como a compreensão da leitura, o acesso ao léxico e o raciocínio(6-10).

Sabe-se que a MT é limitada na capacidade de armazenar imediatamente a informação. Assim, é limitada quanto ao tempo, mas pode ser mantida se for ativada pela repetição ou pela transferência à memória de longo prazo. Sabe-se, ainda, que a capacidade de armazenamento na memória de trabalho é de cinco a nove elementos(11).

O modelo de MT mais estudado na abordagem cognitiva diz que a memória de curto prazo não funciona como um sistema unitário e sim como um sistema tripartido. Há um controlador atencional executivo central (central executive) e dois subsistemas especializados no processamento e manipulação de quantidades limitadas de informações, em domínios altamente específicos: a alça ou circuito fonológico (phonological loop) e o esboço visuoespacial (visual sketchpad). O executivo central atua como um regulador do fluxo de informação, processando e armazenando esta informação. A alça fonológica armazena e manipula material baseado na fala e possui dois subcomponentes: o armazenador fonológico, que recebe a informação tanto por via direta (apresentação auditiva) quanto por via indireta (apresentação visual), e o processo de reverberação ou ensaio subvocal, que ocorre serialmente, em tempo real, e atua para refrear o decaimento natural do armazenador fonológico. A alça visuoespacial realiza o processamento e a manutenção do material visual e espacial(12). Em revisão do modelo proposto, um novo componente foi incluído, o buffer episódico, um armazenador responsável pela integração de informações, tanto dos componentes verbal e visual quanto da memória de longo prazo, em uma representação episódica única, porém, de códigos multidimensionais(13).

No que tange à linguagem, a memória de trabalho verbal (fonológica) tem um papel fundamental. Estudos encontraram correlações entre as habilidades de memória fonológica e as habilidades de fala e linguagem, afirmando que a memória se expande com a idade, devido ao aumento na velocidade da "rechamada" subvocal, ou seja, o aumento nas habilidades de memória parece estar ligado a um aumento nas habilidades de fala e linguagem(14). Porém, diante de alterações biológicas, fisiológicas e psicológicas, a memória, assim como diversas outras habilidades, sofre um declínio(15).

O envelhecimento, fase natural da vida, é influenciado por fatores genéticos, pelo estilo de vida e pelo ambiente, sendo ainda marcado por alterações fisiológicas ao longo do tempo que leva a certas limitações e perdas de habilidades. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) é considerada idosa qualquer pessoa com idade igual ou superior a 60 anos(16).

Estudos que buscam a relação entre o envelhecimento e suas manifestações na memória vêm apontando que em testes que avaliam esta habilidade, pessoas jovens apresentam melhor desempenho que pessoas idosas. Isso ocorre pois, o desempenho delas em tarefas que exigem grande quantidade de processamento simultâneo na memória de trabalho vai se tornando deficitário em decorrência do envelhecimento normal(15).

A preocupação em estudar o envelhecimento cognitivo humano se intensificou nos últimos 50 anos(17), já que a cada ano a expectativa de vida da terceira idade aumenta e há necessidade de melhorar a qualidade de vida destas pessoas. No Brasil, a situação do idoso passou a despertar o interesse de diferentes áreas da sociedade após 1976, quando foram realizados os primeiros seminários sobre a problemática das pessoas idosas em nosso meio(18).

Embora existam diversas alterações fonoaudiológicas relacionadas ao processo de envelhecimento, como as auditivas, de memória e linguagem, de articulação e neurovegetativas, ainda há poucos estudos registrados sobre tais alterações. A compreensão, especificamente, sobre o desempenho da memória de trabalho em diferentes faixas etárias, permite a identificação de possíveis prejuízos nesta habilidade, possibilitando assim uma intervenção precoce e garantia de melhores condições de vida nos indivíduos com dificuldades desta natureza(15).

Em geral, as habilidades da MT verbal ou fonológica são avaliadas por meio de dois índices: o memory span (word span/digit span) e a repetição de não-palavras, aqui com o sentido de palavras não existentes, já que os testes de repetição de não-palavras exigem com maior confiança as habilidades de MT, devido ao fato do input (entrada) ou recepção ser desconhecido e, consequentemente, não sujeito às influências lexicais, impedindo a possibilidade de mascaramento das reais condições do sistema(19-21). Para repetir não-palavras é necessária uma conexão entre o seu sistema de análise perceptiva e seu planejamento fonológico, sendo que a análise perceptiva fornece o que vai ser imitado, ou seja, a sequência de fonemas que não pode ser gerada no léxico(22).

Um estudo que validou teste de memória de trabalho fonológica comprovou a influência da idade, da escolaridade e da extensão das não-palavras no desempenho das crianças, já que as mais velhas e com maior escolaridade apresentaram melhor desempenho. Outro fato observado foi que o desempenho das crianças de todas as faixas etárias diminui conforme o número de sílabas das não-palavras aumenta. Isso ocorre pelo fato das não-palavras serem retidas por um determinado tempo na memória de trabalho. Assim, quanto maior o número de sílabas das não-palavras, maior a dificuldade do processo subvocal da memória de trabalho resgatar as informações verbais em declínio e manter o material verbal na memória(23).

No que se refere à prova de repetição de dígitos, comprovou-se que sujeitos recordam mais dígitos na ordem direta do que na ordem inversa. A ordem inversa apresenta maior grau de complexidade, estando assim relacionada com o executivo central, enquanto em ordem direta estaria relacionada com a alça fonológica. Sabe-se ainda que, na ordem direta, crianças foram capazes de memorizar uma média de cinco dígitos e na ordem inversa, três dígitos. Já os adultos foram capazes de memorizar cinco dígitos na ordem direta e quatro dígitos na ordem inversa(24).

Em provas de repetição de dígitos e não-palavras encontraram-se desempenhos superiores nos indivíduos mais jovens do que nos indivíduos idosos. Na memória de trabalho fonológica, os idosos foram capazes de reter entre três e quatro sílabas em não-palavras, enquanto os adultos retiveram uma média de cinco sílabas. Além disso, os idosos retiveram entre quatro e cinco dígitos e os adultos seis dígitos(15).

Os estudos sobre a avaliação da memória de trabalho fonológica mostram a relevância da investigação desta habilidade na população de crianças, adultos e idosos. Assim, tendo como hipótese que as habilidades de memória de trabalho fonológica se estendem até certa idade e que posteriormente podem regredir com o envelhecimento, este estudo teve por objetivo verificar o desempenho de indivíduos de diferentes faixas etárias sem alterações de linguagem, em provas de memória de trabalho fonológica (não-palavras e dígitos).

MÉTODOS

O estudo envolveu 90 sujeitos, sendo 30 crianças em idade escolar (16 do gênero feminino e 14 do gênero masculino), com idades entre 6 anos e 8 anos e 11 meses; 30 adultos jovens (18 do gênero feminino e 12 do gênero masculino), com idades entre 19 e 35 anos; e 30 idosos (17 do gênero feminino e 13 do gênero masculino), com idades igual ou superior a 60 anos. Os sujeitos não foram pareados pelo gênero.

As 30 crianças foram selecionadas aleatoriamente entre as 200 que foram avaliadas para obter parâmetros de memória de trabalho fonológica por ocasião do trabalho de iniciação científica realizado entre os anos de 2006 e 2007. Para esse estudo anterior, as 200 crianças haviam sido selecionadas em escolas de educação infantil de cidades do interior do estado de São Paulo, considerando os seguintes fatores de inclusão: não apresentar histórico de alterações de linguagem oral e/ou audição; apresentar desempenho compatível com a idade cronológica em prova de fonologia e em teste de desempenho escolar (crianças em fase escolar).

Os 30 adultos jovens entre 19 e 35 anos foram selecionados entre alunos do ensino superior de uma universidade pública, considerando os seguintes critérios de inclusão: não apresentar histórico de alterações de linguagem oral e/ou audição; não apresentar queixa de memória.

Os 30 idosos com idade igual ou superior a 60 anos foram selecionados por conveniência na comunidade, sem considerar seus níveis de escolaridade e tendo como fatores de inclusão: não apresentar histórico de alterações de linguagem oral; não apresentar queixa de memória; não apresentar doenças degenerativas progressivas.

Para realização da pesquisa nas dependências da Faculdade de Odontologia de Bauru – Universidade de São Paulo (USP) foi solicitada autorização do diretor desta instituição e obtida aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos sob o número 94/2008. Todos os sujeitos (ou seus responsáveis) foram informados sobre o objetivo do estudo e assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Para atender aos fatores de inclusão do grupo das crianças foi aplicado um breve questionário aos responsáveis (Questionário 1) e aos professores (Questionário 2), que continham perguntas a respeito de possíveis queixas de linguagem, audição e desempenho escolar, mesmo em atividades de pré-alfabetização. As crianças com histórico de dificuldades de linguagem, audição ou desempenho incompatível com a idade e escolaridade foram excluídas da amostra. As que não apresentaram tal histórico foram submetidas à Prova de Fonologia (imitação) do Teste de Linguagem Infantil ABFW(25) para verificar se o sistema fonológico estava compatível com a idade cronológica e as crianças de 7 e 8 anos foram submetidas ao Teste de Desempenho Escolar – TDE(26) , desenvolvido para a faixa etária entre 7 e 12 anos, com o intuito de verificar compatibilidade com a escolaridade.

Para atender aos fatores de inclusão nos grupos de adultos e idosos foi aplicado breve questionário com perguntas a respeito de possíveis queixas de comunicação (Questionário 3). Os indivíduos que apresentaram histórico de dificuldade de linguagem, audição (exceto os idosos), aprendizagem e memória, foram excluídos da amostra.

A partir do momento que se atendeu aos critérios de inclusão, os sujeitos de todos os grupos foram submetidos às provas de memória de trabalho fonológica(26) em local silencioso. A prova de não-palavras foi criada com base na estrutura fonológica da língua portuguesa, contendo 40 palavras inventadas com sequências de duas a cinco sílabas. Todas as palavras inventadas são paroxítonas e foram elaboradas contendo em ordens distintas: seis fonemas oclusivos (/p/, /t/, /k, /b/, /d/, /g/), três nasais (/m/; /n/; /η/), seis fricativos (/f/;/v/, /∫/, //, /s/, /z/), três líquidos (/l/; /R/; /λ/) e cinco vogais fechadas (/a/, /e/, /i/; /o/; /u/). Os padrões silábicos utilizados foram: CV; VC; CVC; CCV.

Para a aplicação da prova, o avaliador falava cada palavra da lista e os sujeitos as repetiam imediatamente. Para a pontuação atribuiu-se: dois pontos quando a repetição era correta na primeira vez; um ponto quando a repetição era correta na segunda vez; zero ponto quando o sujeito não repetia corretamente após duas tentativas.

A prova de dígitos foi constituída por diversas sequências de números de um a nove para ser repetida em ordem direta e inversa. A sequência direta variou de dois a oito dígitos e a inversa, de dois a sete. A forma de pontuação foi idêntica à utilizada na prova de não-palavras.

Os resultados foram apresentados considerando medidas descritivas com valores de média, valores mínimos e máximos com seus respectivos desvios padrões e percentuais de acerto. Para comparação entre o número de sílabas da prova de não-palavras foi utilizado o teste de Tukey e Análise de Variância para Medidas Repetidas. Para comparar o desempenho entre as idades foi utilizado o teste de Tukey e Análise de Variância; para comparar o desempenho entre dígitos em ordem direta e ordem inversa foi utilizado o teste t Pareado. Por fim, para comparar o desempenho entre a prova de não-palavras e a prova de dígitos, baseado no percentual de acerto também foi utilizado o teste t Pareado. Adotou-se nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Foram obtidas as medidas do desempenho dos grupos de crianças, adultos e idosos na prova de não-palavras (de duas a cinco sílabas e pontuação total), com a média da pontuação e porcentagem de acerto (Figura 1).


Ao se comparar o desempenho dos grupos na prova de não-palavras, pode-se constatar que houve diferença entre o grupo de crianças, adultos e idosos (idosos < crianças < adultos) (Tabela 1).

Os resultados mostram, ainda, as medidas do desempenho dos grupos referentes às crianças, adultos e idosos na prova de dígitos (em ordem direta, em ordem inversa e pontuação total), com a média da pontuação e a porcentagem de acerto (Figura 2).


Comparando-se os grupos quanto à variável dígito (ordem direta, inversa, e ambas), houve diferença entre todos os grupos tanto em ordem direta, quanto em ordem inversa e na pontuação total. Os adultos tiveram melhor desempenho que as crianças e idosos, e as crianças tiveram pior desempenho que os idosos (Tabela 2).

Foi obtido o desempenho dos 90 indivíduos em relação ao número de sílabas das não-palavras (de duas a cinco sílabas) (Figura 3).


Os resultados mostram as diferenças quanto ao número de sílabas nos diferentes grupos. Verificou-se que, para as crianças, a extensão das não-palavras variou da seguinte forma: duas sílabas = três sílabas < quatro sílabas < cinco sílabas. Já para o grupo de adultos teve-se a seguinte característica: duas sílabas = três sílabas = quatro sílabas; duas sílabas e três silabas < cinco sílabas. Por fim os idosos apresentaram a seguinte variação de extensão de não-palavras: duas sílabas e três sílabas < quatro sílabas e cinco sílabas (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Tendo como hipótese que as habilidades de memória de trabalho se estendam até certa idade e, posteriormente, podem regredir com o envelhecimento, este estudo teve por objetivo verificar o desempenho de indivíduos em diferentes idades (crianças, adultos e idosos), sem alterações de linguagem, em provas que avaliam a memória de trabalho fonológica – provas de não-palavras e dígitos.

A opção por provas que envolvessem a repetição de dígitos e não-palavras baseou-se nos estudos que apontam que as habilidades de memória de trabalho fonológica normalmente são avaliadas por meio de dois índices: "digit span" (repetição de sequências de números) e repetição de palavras inventadas. Além disso, afirmam que os testes de repetição de não-palavras exigem com maior confiança as habilidades de memória de trabalho devido ao fato do material verbal ser desconhecido e, consequentemente, não sujeito às influências lexicais, impedindo assim a possibilidade de mascaramento das reais condições do sistema, já que não há suporte lexical(19,20,28,29).

Este estudo mostrou que os adultos jovens tiveram melhor desempenho em relação às crianças e aos idosos. Já os idosos tiveram desempenho pior na repetição de não-palavras tanto em relação aos adultos quanto às crianças, confirmando assim a hipótese que a memória fonológica se estende com a idade, mas declina na terceira idade.

A memória se expande com a idade, devido ao aumento na velocidade da "rechamada" subvocal, o que significa que o aumento nas habilidades de memória parece estar ligado com o aumento nas habilidades de fala e linguagem(14). Entretanto, a memória sofre declínio diante de alterações biológicas, fisiológicas e psicológicas relacionadas ao avanço da idade.

Outro fato verificado foi que, de forma geral, houve um declínio no desempenho dos indivíduos à medida que número de sílabas das não-palavras aumentava. Tais resultados corroboram dados de estudo que comprovou que o efeito da extensão das não-palavras refletiu no desempenho dos sujeitos, ou seja, quanto maior o número e sílabas das não-palavras, pior é o desempenho(23). Apesar do referido estudo(23) envolver apenas crianças, este aspecto parece ser empregado para outras faixas de idade.

CONCLUSÃO

O estudo confirma a hipótese que habilidades de memória de trabalho fonológica sofrem influência da idade, mostrando que quanto maior a idade, melhor o desempenho, porém, na terceira idade a memória apresenta declínio e mostra-se superior à de crianças apenas na prova de repetição de dígitos. Conclui-se, portanto, que a memória, assim como outras habilidades cognitivas, evolui ao longo dos anos, mas declina na terceira idade e, ainda que quanto maior o número de sílabas, maior a dificuldade em armazenar o material verbal na memória, independentemente da faixa etária.

Recebido em: 11/3/2010

Aceito em: 29/11/2010

Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo – USP – Bauru (SP), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Marcia Aparecida Grivol
    Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo
    Al. Octávio Pinheiro Brisola, 9/75, Bauru (SP), CEP: 17012-901
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      11 Mar 2010
    • Aceito
      29 Nov 2010
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