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Atores profissionais de teatro: aspectos ambientais e sócio-ocupacionais do uso da voz

Resumos

OBJETIVO: Verificar a ocorrência de queixas e sintomas vocais em atores profissionais de teatro e sua relação com aspectos ambientais desta atividade laboral e com o histórico de intervenções especializadas. MÉTODOS: Estudo transversal com 48 atores profissionais realizada a partir de questionário sobre sintomas e queixas vocais e extra-vocais, bem como aspectos ambientais, hábitos e demandas relacionados ao trabalho de ator de teatro. Foi utilizado protocolo padronizado específico previamente estruturado (PROTEA). RESULTADOS: O histórico de treinamento vocal para atuar foi referido por 40 (83,3%) entrevistados. Os recursos mais utilizados foram aquecimento vocal, hidratoterapia e métodos alternativos. Dificuldades para a manutenção da qualidade vocal nas demandas do dia-a-dia foram referidas por 14 (35,0%) sujeitos, sendo que oito (16,7%) as percebem desde o início da carreira. Durante a atuação, 14 (29,2%) referem dificuldades de coordenação entre fala e respiração. Todos os entrevistados consideraram que a saúde vocal é importante para o ator de teatro. A maioria dos atores negou dificuldades quanto à projeção vocal, respiração e/ou articulação das palavras em cena. Entretanto, o palco italiano parece estar mais relacionado que o teatro de arena com dificuldades de coordenação pneumofonatória (p=0,00). CONCLUSÃO: Em que se pese que atores profissionais têm histórico de treinamento e orientação para a utilização da voz profissional, há porção significativa destes com queixas em relação ao uso profissional da voz, especialmente relacionadas a condições físicas presentes no ambiente de trabalho.

Doenças profissionais; Qualidade da voz; Disfonia; Treinamento da voz; Saúde do trabalhador


PURPOSE: To investigate the occurrence of vocal complaints and symptoms among professional theatre actors, and its relationship with environmental aspects of this professional activity and with the history of specialized intervention. METHODS: Cross-sectional study with 48 professional actors who answered a questionnaire regarding vocal and extra-vocal complaints, as well as environmental aspects, habits and demands related to their professional activity in the theatre. A specific previously structured protocol (PROTEA) was used for this purpose. RESULTS: Previous history of acting vocal training was reported by 40 (83.3%) subjects. The most used resources were vocal warming, hydrating therapy, and alternative methods. Vocal difficulties in day-to-day demands were reported by 14 (35.0%) subjects, and eight (16.7%) of them noticed these difficulties since the beginning of their career. During performances, 14 (29.2%) reported difficulties coordinating breathing and speaking. All actors interviewed consider vocal health important for theatre acting. Most actors denied difficulties regarding vocal projection, breathing and/or articulation of words in scene. However, the Italian stage seems to be more related to difficulties coordinating breathing and speaking than the arena theater (p=0.00). CONCLUSION: In spite of professional actors who have a history of training and orientation regarding the use of professional voice, a significant portion of them have complaints related to professional voice use, especially associated to the environment conditions at work.

Occupational diseases; Voice quality; Dysphonia; Voice training; Occupational health


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Atores profissionais de teatro: aspectos ambientais e sócio-ocupacionais do uso da voz

Bárbara Niegia Garcia de GoulartI; Juliana Richinitti VilanovaII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre (RS), Brasil

IIUniversidade Feevale, Novo Hamburgo (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Bárbara Niegia Garcia de Goulart Universidade Federal do Rio Grande do Sul R. Ramiro Barcelos, 2600 sala 211, Porto Alegre – RS, Brasil, CEP: 90035-003. E-mail: bgoulart@ufrgs.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a ocorrência de queixas e sintomas vocais em atores profissionais de teatro e sua relação com aspectos ambientais desta atividade laboral e com o histórico de intervenções especializadas.

MÉTODOS: Estudo transversal com 48 atores profissionais realizada a partir de questionário sobre sintomas e queixas vocais e extra-vocais, bem como aspectos ambientais, hábitos e demandas relacionados ao trabalho de ator de teatro. Foi utilizado protocolo padronizado específico previamente estruturado (PROTEA).

RESULTADOS: O histórico de treinamento vocal para atuar foi referido por 40 (83,3%) entrevistados. Os recursos mais utilizados foram aquecimento vocal, hidratoterapia e métodos alternativos. Dificuldades para a manutenção da qualidade vocal nas demandas do dia-a-dia foram referidas por 14 (35,0%) sujeitos, sendo que oito (16,7%) as percebem desde o início da carreira. Durante a atuação, 14 (29,2%) referem dificuldades de coordenação entre fala e respiração. Todos os entrevistados consideraram que a saúde vocal é importante para o ator de teatro. A maioria dos atores negou dificuldades quanto à projeção vocal, respiração e/ou articulação das palavras em cena. Entretanto, o palco italiano parece estar mais relacionado que o teatro de arena com dificuldades de coordenação pneumofonatória (p=0,00).

CONCLUSÃO: Em que se pese que atores profissionais têm histórico de treinamento e orientação para a utilização da voz profissional, há porção significativa destes com queixas em relação ao uso profissional da voz, especialmente relacionadas a condições físicas presentes no ambiente de trabalho.

Descritores: Doenças profissionais, Qualidade da voz, Disfonia, Treinamento da voz, Saúde do trabalhador

INTRODUÇÃO

Desde a antiguidade o teatro faz parte da nossa cultura. Somando-se à expressão corporal e caracterização dos personagens, a voz constitui um importante instrumento de trabalho do ator de teatro(1-3). Contudo, geralmente as energias da equipe de trabalho estão centradas na história, personalidade e caráter de seu personagem. A caracterização vocal associada à manutenção da saúde vocal do ator ainda parece secundária ao trabalho corporal desenvolvido em cena.

O período de preparação dos espetáculos é caracterizado por rotinas intensas de ensaios que demandam uso vocal em demasia(2-7). A rotina de apresentações é igualmente intensa, devendo-se manter um padrão fonatório que caracterize adequadamente o personagem(2,3). Esses aspectos precisam ser considerados no planejamento e na implementação de ações efetivas para a manutenção da qualidade vocal adequada ao atendimento das demandas comunicativas destes profissionais(1-7). Desta forma, o mapeamento de sintomas, queixas vocais e repercussões ambientais inerentes às atividades do ator de teatro são importantes para o desenvolvimento de ações mais diretas e efetivas quanto à intervenção especializada(2-12).

Este estudo teve o objetivo de verificar a ocorrência de queixas e sintomas vocais em atores profissionais de teatro e sua relação com aspectos ambientais desta atividade laboral e com o histórico de intervenções especializadas.

MÉTODOS

O estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Feevale, sob o protocolo número 4.07.03.06.470. Todos os sujeitos envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme descrito na resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Participaram do estudo atores profissionais de grupos de teatro de Porto Alegre (RS). Entre os 50 sujeitos elegíveis para o estudo, 48 foram entrevistados, dos quais 26 (54,2%) eram do gênero masculino e 22 (45,8%) do gênero feminino. Os dois sujeitos excluídos (4,0%) não tinham disponibilidade para responder à entrevista do estudo.

A idade dos entrevistados variou entre 20 e 50 anos (média de 34 anos; DP=10). A escolaridade dos entrevistados variou entre zero e 23 anos de estudo, com média de 13 anos (DP=6,3). Quanto à formação profissional, 28 (58,3%) referiu formação em outra área de atuação. Metade dos entrevistados (n=24) necessita do uso intenso da voz em outra ocupação, em um total de 30 (62,5%) que possuem outra atividade além do teatro.

Os dados dos sujeitos foram levantados na base de dados da entidade organizadora do projeto teatral, a partir de consentimento prévio da entidade gestora do projeto. Os critérios de inclusão adotados foram: participação em espetáculos do projeto de verão do teatro gaúcho, ocorridos durante a coleta de dados e concordância em participar do estudo. Somente foram excluídos do estudo aqueles atores que não consentissem em participar deste ou não pudessem responder à entrevista.

Os atores passaram por entrevistas individuais, seguindo o roteiro de um protocolo estruturado e previamente validado (PROTEA – Protocolo de Entrevista com Atores) a partir de estudo piloto (Anexo 1). Do PROTEA constam perguntas sobre formação e atuação em outras áreas; hábitos relacionados à voz, direta ou indiretamente; histórico de saúde vocal; histórico e formação profissional em teatro; e impressões sobre a atuação e repercussões vocais.

Foram verificadas as frequências das variáveis e sua distribuição. Foram utilizadas, ainda, as medidas de associação (Qui-quadrado, razão de prevalências ou teste exato de Fischer, conforme o caso). O nível de significância adota foi de 95%.

RESULTADOS

Não houve diferença quanto à associação entre gênero e dificuldades vocais autorreferidas (p=0,18), assim como entre a co-ocorrência de outras atividades profissionais que exijam uso da voz e dificuldades vocais autorreferidas (p=0,29).

Em relação ao uso de tabaco, 21 (43,8%) sujeitos declararam ser fumantes; um (2,1%) referiu uso de cocaína; 14 (29,2%) fazem uso regular de maconha; 35 (72,9%) fazem uso de bebida alcoólica e 15 (31,3%) utilizam algum tipo de medicamento de uso contínuo. Os resultados mostram a relação entre a utilização de substâncias químicas e as dificuldades vocais percebidas pelos entrevistados no dia-a-dia (Tabela 1).

Foram obtidos dados referentes aos profissionais buscados para o aperfeiçoamento ou manutenção da saúde vocal dos atores (Tabela 2). A dificuldade vocal em atividades diárias não apresentou diferença quando comparada à busca por acompanhamento preventivo para promoção da saúde vocal (p=0,75).

Os recursos utilizados pelos entrevistados para prevenção de distúrbios vocais e/ou manutenção da saúde vocal foram levantados (Tabela 3). Observamos associação entre o conhecimento a partir de contato prévio e uso de técnica vocal para atuar em teatro e a autopercepção da voz como "saudável" (p=0,02).

Entre os 14 atores que referiram dificuldades de uso da voz para suas demandas de rotina, oito (16,7%) informaram que estas são percebidas desde o início da carreira. A relação entre dificuldade vocal no dia-a-dia e autopercepção da qualidade vocal como "boa, suficiente, adaptada" não apresentou diferença (p=0,44). A autopercepção do entrevistado sobre a saúde vocal em relação à percepção (e menção) de terceiros sobre possíveis alterações vocais também não indicou diferença (p= 0,22).

Do total de entrevistados, 32 (66,7%) referiram não ter passado por qualquer tipo de avaliação vocal prévia. Destes, 26 (81%) nunca tinham sido submetidos à avaliação otorrinolaringológica.

Foi realizada análise comparativa dos tipos de acompanhamento ou intervenções aos quais os entrevistados já foram submetidos para a prevenção de distúrbios vocais e/ou ocorrência de desconforto vocal durante a atuação teatral (Tabela 4).

O tempo de atuação no teatro foi de 11 anos ou mais para 27 (56,3%) e 18 (38,3%) trabalham de 4 a 6 anos com o grupo. O tempo médio de duração dos ensaios é de 3,3 horas por dia (DP=1,4), sem intervalos regulares.

O palco italiano e o teatro de arena são os ambientes nos quais os atores entrevistados mais desenvolvem suas atividades artísticas. Dos 48 entrevistados, 47 (97,9%) julgam que o tipo de palco influencia na qualidade da emissão vocal do ator.

Houve diferença na relação entre tipo de palco e dificuldades de coordenação pneumofonoarticulatórias autorreferidas (p=0,00), indicando que o tipo de palco possivelmente influencia na ocorrência de dificuldades para emissão vocal durante a performance.

Dificuldades de projeção vocal foram apontadas por dez (20,8%) atores. Nove (18,8%) referiram dificuldades de articulação e 14 (29,2%) relataram dificuldades quanto à coordenação entre respiração e fala durante a atuação no teatro.

Não foram obtidas diferenças relacionando dificuldades de articulação e de respiração durante a atuação (p=0,42), tampouco entre dificuldade de articulação e dificuldade de projeção vocal em cena (p=0,08). Entre os 48 sujeitos entrevistados, 25 (52,1%) já tiveram suas dificuldades ou alterações vocais apontadas por outras pessoas.

Os resultados mostram, ainda, que quase todos os atores entrevistados (n=46; 97,9%) julga que os movimentos corporais realizados em cena influenciam na qualidade vocal da emissão durante a atuação. Todos os profissionais referiram que a saúde vocal do ator é importante ou fundamental no exercício de suas atividades. Entretanto, para 30 (69,8%) a maior preocupação durante a interpretação é conhecer o personagem e apropriar-se de suas características.

DISCUSSÃO

Quatro processos contribuem para a produção da fala: o mecanismo de fole utilizando o ar proveniente dos pulmões, a geração do som na glote através da vibração das pregas vocais, a ressonância e a articulação deste som. Existem consideráveis diferenças entre as vozes na fala coloquial e aquelas produzidas no para espetáculos artísticos(4,7,12).

Neste estudo, a maior parte dos entrevistados referiu fazer uso de bebida alcoólica e não utilizar tabaco ou medicamentos de forma contínua, de tal forma que neste grupo estes agentes possivelmente não contribuam para as queixas e dificuldades vocais relatadas. A literatura refere que substâncias ligadas ao consumo de cigarro e às drogas ilícitas constituem agentes agressores ao trato vocal e respiratório, podendo trazer prejuízos ao uso da voz profissional(7,9). Além disso, o uso contínuo de alguns tipos de medicamentos possui impacto potencial na qualidade vocal(9).

Métodos alternativos, tais como o uso de sprays, pastilhas e florais foram recursos referidos por quase metade dos entrevistados para a melhora instantânea da qualidade vocal. Cabe destacar que os cuidados relacionados à higiene vocal, embora amplamente relatados na literatura especializada, ainda possuem evidências frágeis de sua efetividade. Entretanto, podem ser importantes aliados em um programa de aprimoramento e/ou reabilitação vocal mais abrangente(9,13). A hidratação constitui aspecto relevante para a promoção e manutenção da saúde orgânica e funcional da laringe, aplicando-se essencialmente nos sujeitos que utilizam a voz profissionalmente(9,14, 15 ). A manutenção de uma hidratação adequada é muito importante no desempenho vocal, principalmente aos profissionais que fazem uso deste instrumento para realizar seu trabalho.

Dentre os entrevistados, apenas 5% realizaram acompanhamento de prevenção vocal com fonoaudiólogo. Destaca-se a oportunidade para ampliar a participação do fonoaudiólogo na equipe multiprofissional, principalmente para a prevenção de desgaste vocal e consequente prejuízo da saúde vocal.

Os resultados não significativos entre a percepção do sujeito sobre sua saúde vocal em comparação com a menção de outras pessoas sobre alteração em sua qualidade vocal merecem ser destacados, especialmente em virtude da natureza do intenso uso vocal feito pelo ator. Considerando a discrepância entre a percepção do próprio sujeito sobre suas limitações vocais em relação à percepção de outrem, é relevante que o ator seja capaz de identificar com maior precisão alterações em sua voz. Isso possibilitará a busca por tratamentos específicos com brevidade, atenuando o risco de complicações e consequente restrição de possibilidades de uso da voz na caracterização de personagens.

Os atores que referiram alterações ou dificuldades à fonação, ainda que não contem com acompanhamento profissional especializado, percebem que sua qualidade vocal vem piorando. Assim, a atuação fonoaudiológica junto a este segmento de profissionais pode ter como foco a maximização do potencial vocal e, quando necessário, reduzir sintomas relacionados ao uso ineficiente ou inapropriado de seu potencial vocal.

As queixas em relação à adaptação pneumofonoarticulatória foram bastante prevalentes nesta população, corroborando dados de outros estudos(5-7). Esse resultado aponta para a necessidade de previsão de treinamento e/ou monitoramento da saúde vocal desde a produção inicial e ensaios das peças teatrais, podendo ser extensível a todo o grupo de atores de uma companhia de teatro de forma a maximizar a potencialidade de uso da capacidade vocal na caracterização de personagens. Tal aspecto foi levantado em estudo anterior(8), em que houve menção à demanda por intervenção fonoaudiológica para a promoção da saúde vocal quando da ocorrência de longas jornadas de uso da voz com condições potencialmente nocivas à saúde vocal que se repetem ao longo dos anos.

Para a transmissão adequada da mensagem ao público, é importante que os atores tenham articulação precisa, projeção vocal suficiente e qualidade vocal condizente com as características do personagem. Além disso, é importante o controle do fluxo aéreo utilizado em cena, pois os intervalos (pausas) que intercalam os períodos de fonação com a respiração durante os diálogos são um dos parâmetros alterados frente às situações com impacto emocional(16-18). A mudança mais comum refere-se ao ritmo de inspiração/expiração(16,17,19).

Assim, podemos detectar a importância da utilização harmônica entre projeção vocal, articulação e respiração para que o texto seja compreendido pelo público. A literatura refere que a respiração deve ser praticada de maneira relaxada, sem rigidez ou contração muscular desnecessária(7,11,18).

A maioria dos entrevistados referiu que conhecer o personagem e apropriar-se dele é imperativo na atuação teatral e todos referiram que a qualidade vocal do ator de teatro é importante. Entre os profissionais da voz, os atores de teatro recebem pouca atenção, visto que sua atuação parece mais voltada à arte de interpretar. Entretanto, tal tema deve ser estudado, pois a voz tem grande importância no papel de representação de um personagem(11,12). Além disso, a prioridade no trabalho da saúde vocal deve considerar o bem-estar do ator sempre que possível, buscando a melhora da qualidade de vida em relação a si próprio e ao público que o cerca(20), conforme destacam estudos que apontam a qualidade de vida como uma categoria analítica central para promover abordagens integradoras e interdisciplinares(20,21).

Observamos que a prevalência de queixas relacionadas à voz durante a atuação é maior que aquela ocorrida em atividades cotidianas. Essa diferença provavelmente é observada em virtude das exigências em relação ao sistema fonatório nas falas de teatro, as quais demandam maior potência e adaptações mais complexas para a emissão, em comparação à demanda de voz exigida em conversas com pequenos grupos durante atividades de rotina. Além disso, a população entrevistada possui sobreposição de demanda vocal, visto que além da atuação exerce outras atividades que requerem importante uso da voz.

Os atores de teatro deparam-se com demandas de adaptações vocais que caracterizam cada personagem e que se adequam a cada tipo de palco(3,11,12). Os atores referiram não ter dificuldade de projeção vocal quando utilizam palco italiano. Este aspecto merece destaque, uma vez a maior parte dos entrevistados concorda que o tipo de palco exerce influência sobre a voz do ator. O palco italiano é o tipo de palco característico dos teatros europeus existentes desde o século XVII. Trata-se do palco retangular, em que a relação entre atores e espectadores é sempre frontal e oferece condições de visibilidade e acústica o mais próximo possível da perfeição(16). Já a arena, fundada por jovens formados pela primeira turma da Escola de Arte Dramática (EAD) de São Paulo, teve esta denominação devido à escolha do palco(17). A arena existe desde o século XX e pode ser circular, com o público ocupando toda a volta em torno do palco, ou retangular, com o público acomodado em três ou quatro de seus lados(16). Ao utilizar a voz profissionalmente os atores competem com ruídos ambientais e com isso, tendem a elevar a intensidade vocal e apresentar maior esforço à fonação(3,13,22).

Possivelmente a sobreposição de atividades que requerem o uso da voz aliadas a características individuais que fragilizam o uso do aparelho fonador, tais como rinite, sinusite, alergias e fatores ambientais, sejam fatores importantes para a ocorrência de dificuldades perceptíveis para o uso requerido da voz na atuação teatral. Assim, ainda que os resultados não tenham sido significativos para detectar dificuldades e repercussões vocais específicas, diversos autores referem que os profissionais que utilizam a voz como meio de trabalho requerem atenção diferenciada do restante da população, principalmente em relação ao uso excessivo e abuso vocal(9,11,12,18,19).

CONCLUSÃO

A qualidade vocal do ator de teatro é importante para o êxito do trabalho cênico. Embora as queixas em relação à adaptação pneumofonoarticulatória sejam bastante prevalentes nesta população, a prevenção de distúrbios vocais assistida por um fonoaudiólogo é pouco comum.

Ainda que a maioria dos atores enfrente intensas atividades ligadas ao uso da voz no teatro, somente uma pequena parcela refere dificuldade vocal durante atividades cotidianas. Além disso, os hábitos vocais que potencialmente afetam a saúde vocal, não parecem contribuir para as queixas e dificuldades vocais enfrentadas pelos atores que apresentam queixas vocais, ainda que algumas condições do ambiente de trabalho pareçam trazer algum grau de prejuízo à performance vocal.

Recebido em: 29/10/2010

Aceito em: 13/7/2011

Trabalho realizado na Universidade Feevale, Novo Hamburgo (RS), Brasil e na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, Porto Alegre (RS), Brasil.

Anexo 1 - Clique para ampliar

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  • Endereço para correspondência:
    Bárbara Niegia Garcia de Goulart
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul
    R. Ramiro Barcelos, 2600 sala 211, Porto Alegre – RS, Brasil, CEP: 90035-003.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      29 Out 2010
    • Aceito
      13 Jul 2011
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