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Impacto da atividade laboral de teleatendimento em sintomas e queixas vocais: estudo analítico

Resumos

OBJETIVO: Estimar a prevalência de sintomas vocais, os fatores de risco ocupacionais associados e o impacto desses sintomas na atividade profissional do teleoperador. MÉTODOS: Estudo transversal analítico com 124 teleoperadores e 109 funcionários da área administrativa (grupo controle) selecionados a partir de amostra aleatória estratificada por gêneros. Os participantes responderam a um questionário autoaplicável, anônimo, envolvendo questões referentes à presença de sintomas vocais, potenciais fatores de risco para disfonia e impacto dos sintomas vocais na atividade profissional. A presença de um ou mais sintomas vocais referidos com frequência diária ou semanal foram considerados como positivos para a presença de sintomas vocais. RESULTADOS: A prevalência de sintomas vocais encontrada foi de 33% em teleoperadores e 21% no grupo controle, indicando uma associação entre sintomas vocais e a atividade de teleoperador. Quando ajustado para fatores de confundimento, essa associação permaneceu no sentido do risco. Em teleoperadores com sintoma vocal, a sensação de ar seco, o ruído ambiental e a ausência de repouso vocal se mostraram mais frequentes. Quase 70% dos teleoperadores com sintomas vocais referiram que estes interferem na sua atividade profissional. A taxa de absenteísmo pelos sintomas vocais no grupo foi de 29%. CONCLUSÃO: Os sintomas vocais são mais frequentes em teleoperadores se comparados com seus pares controles e afetam de modo significativo seu desempenho profissional.

Voz; Disfonia; Distúrbios da voz; Saúde do trabalhador; Doenças profissionais; Fatores de risco; Serviços de atendimento


PURPOSE: To estimate the prevalence of vocal symptoms, occupational risk factors, associated symptoms and their impact on the professional activity of the telemarketers. METHODS: Cross-section analytical study with 124 telemarketers and 109 administrative workers (control group) selected from a random sample stratified by gender. The subjects answered an anonymous self-administered questionnaire involving issues related to the presence of vocal symptoms, potential risk factors for dysphonia, and vocal impact of symptoms in professional activity. The presence of one or more voice symptoms that occurred daily or weekly was considered positive for the presence of vocal symptoms. RESULTS: The prevalence of vocal symptoms was found in 33% of telemarketers and in 21% of the control group, indicating an association between vocal symptoms and the activity of the telemarketer. When adjusted for confounders, this association remained in the sense of risk. In telemarketers, the sensation of dry air, ambient noise, and lack of vocal rest were the most frequently reported complaints reported by those presenting vocal symptoms. Almost 70% of telemarketers with vocal symptoms reported that these symptoms interfere with their professional activity. The rate of absenteeism by vocal symptoms in this group was 29%. CONCLUSION: Vocal symptoms are common in most telemarketers when compared to their peer controls, and significantly affect their job performance.

Voice; Dysphonia; Voice disorders; Occupational health; Occupational diseases; Risk factors; Answering services


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Impacto da atividade laboral de teleatendimento em sintomas e queixas vocais - estudo analítico

Leila RechenbergI; Bárbara Niegia Garcia de GoulartII; Renato RoithmannIII

IPrograma de Pós-Graduação (Mestrado) em Ciências Médicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil

IIIFaculdade de Medicina, Universidade Luterana do Brasil - ULBRA - Canoas (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Leila Rechenberg R. Ramiro Barcelos, 1450/604, Rio Branco Porto Alegre (RS), CEP: 90035-002. E-mail: leila.rech@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Estimar a prevalência de sintomas vocais, os fatores de risco ocupacionais associados e o impacto desses sintomas na atividade profissional do teleoperador.

MÉTODOS: Estudo transversal analítico com 124 teleoperadores e 109 funcionários da área administrativa (grupo controle) selecionados a partir de amostra aleatória estratificada por gêneros. Os participantes responderam a um questionário autoaplicável, anônimo, envolvendo questões referentes à presença de sintomas vocais, potenciais fatores de risco para disfonia e impacto dos sintomas vocais na atividade profissional. A presença de um ou mais sintomas vocais referidos com frequência diária ou semanal foram considerados como positivos para a presença de sintomas vocais.

RESULTADOS: A prevalência de sintomas vocais encontrada foi de 33% em teleoperadores e 21% no grupo controle, indicando uma associação entre sintomas vocais e a atividade de teleoperador. Quando ajustado para fatores de confundimento, essa associação permaneceu no sentido do risco. Em teleoperadores com sintoma vocal, a sensação de ar seco, o ruído ambiental e a ausência de repouso vocal se mostraram mais frequentes. Quase 70% dos teleoperadores com sintomas vocais referiram que estes interferem na sua atividade profissional. A taxa de absenteísmo pelos sintomas vocais no grupo foi de 29%.

CONCLUSÃO: Os sintomas vocais são mais frequentes em teleoperadores se comparados com seus pares controles e afetam de modo significativo seu desempenho profissional.

Descritores: Voz; Disfonia/epidemiologia; Distúrbios da voz/epidemiologia; Saúde do trabalhador; Doenças profissionais/epidemiologia; Fatores de risco; Serviços de atendimento

INTRODUÇÃO

A necessidade do uso da voz como ferramenta de trabalho tem crescido nas últimas décadas. Estimativas recentes apontam que entre 20% e 30% da força de trabalho mundial exercem atividades em que há uma significativa demanda vocal(1,2). Cantores, atores, dubladores, professores, telefonistas e teleoperadores fazem parte dessas estimativas, sendo denominados profissionais da voz(3-5).

Em muitas empresas, o telemarketing tem se tornando a principal ferramenta de vendas e atendimento ao consumidor, sendo o teleoperador o profissional responsável pelo elo de comunicação entre a empresa e o cliente(6-8). Esse profissional utiliza primordialmente a voz em sua atividade, durante um período contínuo de seis horas diárias, com um intervalo de, em média, 15 minutos. Impressões clínicas sugerem que a sobrecarga de uso da voz demandada nessa atividade profissional, somada a fatores ambientais e individuais, pode produzir, em médio prazo, um quadro de disfonia(2,4,9,10).

A disfonia é um sintoma que pode ser representado por qualquer dificuldade na emissão vocal que impeça a produção natural da voz. Manifesta-se através de esforço para emissão, dificuldade em sustentar a fonação, fadiga vocal, falta de volume e projeção vocal, rouquidão ou outras alterações da qualidade vocal(11). Uma disfonia pode acarretar danos à inteligibilidade da fala do sujeito, resultando em comprometimento emocional, social, profissional e econômico(5,10,12).

Tal questão se torna mais relevante, na medida em que, sob o ponto de vista do paciente, o impacto de uma disfonia na comunicação, por uma demanda excessiva em sua atividade profissional, não é menor que o de doenças já incluídas na legislação trabalhista como doenças ocupacionais(4,13,14).

A partir da década de 1990, evidenciou-se um maior interesse por estudos que possibilitem compreender as alterações de voz relacionadas ao uso ocupacional(2,4,10,13). Tais estudos têm buscado estimar dados de prevalência da disfonia e seus fatores de risco em populações com maior exposição vocal em situações de fala, como professores(5,15-21) e, mais recentemente, teleoperadores(3,7-9,22-26).

No que se refere aos teleoperadores, é crescente o número de publicações que busca investigar a ocorrência de disfonia nessa população(7-9,22-26). Um estudo de prevalência, realizado nos Estados Unidos, aferiu a presença de sintomas vocais em teleoperadores e em uma amostra comparada, por meio de um questionário autoaplicável. A prevalência de sintomas vocais encontrada nesses grupos foi de 68% e 48%, respectivamente(9).

Outro estudo avaliou a frequência e magnitude de sintomas vocais em 45 teleoperadores de uma empresa de call center na Finlândia. Os sintomas foram avaliados em diferentes momentos da jornada de trabalho e a magnitude dos sintomas vocais foi medida através de uma escala análoga-visual. Os sintomas mais frequentemente reportados foram rouquidão e sensação de esforço à fonação. Os resultados indicaram um aumento linear na magnitude dos sintomas ao longo do dia de trabalho(3).

No Brasil, um levantamento realizado com 120 teleoperadores de uma empresa de call center do Município de São Paulo identificou sintomas vocais autorreportados em, ao menos 45% da amostra, incluindo ressecamento da garganta, cansaço ao falar, rouquidão e perda da voz(7). Outro estudo, realizado com 95 teleoperadores no Município de Porto Alegre, identificou a sensação de garganta seca e o cansaço ao falar como os sintomas mais frequentemente reportados(26). Um estudo mais recente, utilizando uma análise retrospectiva de 404 prontuários de registros de saúde ocupacional de teleoperadores, buscou relacionar dados demográficos e tempo de atuação na função de teleoperador a sintomas vocais(25) .

É possível observar que há, no Brasil, um crescente esforço da comunidade cientifica na tentativa de compreender melhor esta população de teleoperadores e a repercussão de sua atividade laboral na saúde. Entretanto, não são encontrados, até o momento, estudos brasileiros avaliando os sintomas vocais na população de teleoperadores utilizando uma amostra comparada (grupo controle), que permita avaliar a magnitude dos achados em relação ao risco encontrado na profissão. Pesquisas neste campo no Brasil são necessárias para que, em um futuro breve, seja possível desenvolver políticas de intervenção mais adequadas, que possam minorar o impacto social, econômico, profissional e pessoal da disfonia.

MÉTODOS

Delineamento do estudo

Trata-se de estudo transversal, cujo fator em estudo foi o uso contínuo da voz e o desfecho, a presença de sintomas vocais.

Seleção de sujeitos

O presente estudo foi desenvolvido com funcionários de empresas que possuem centrais de call center em suas instalações. Para tanto, todas as empresas sediadas em uma capital do sul do Brasil com mais de 100 funcionários atuando nas centrais de call center e cadastradas no Sindicato dos Telefônicos do Estado (SINTTEL) foram convidadas a participar. Das cinco empresas existentes, três se dispuseram a participar e duas recusaram, alegando falta de condições logísticas para a realização do estudo no momento da coleta.

A amostra foi constituída por dois grupos - teleoperadores e o grupo controle. O grupo controle foi composto por funcionários do setor administrativo das empresas (setor de contabilidade, recursos humanos e almoxarifado), com faixa salarial semelhante e que não utilizavam a voz de forma contínua durante a jornada de trabalho (dadas as características das suas funções). Para os dois grupos foi calculada média ponderada a fim de garantir uma participação proporcional de cada uma das três empresas incluídas.

O setor de recursos humanos de cada empresa participante forneceu o banco de dados dos funcionários (nome e horário de trabalho) e, a partir deste, foi determinada uma amostra aleatória (sorteio), estratificada por gênero. A estratificação foi necessária, pois a proporção de mulheres empregadas no setor de teleatendimento é maior que a de homens(6,7). Além disso, a prevalência de alterações vocais é maior entre mulheres(5,9).

Cada sujeito sorteado foi contatado por um dos pesquisadores, sendo verificada a disponibilidade em participar do estudo. Foram incluídos todos os funcionários sorteados que aceitaram participar da pesquisa. Não houve critérios de exclusão e, em caso de recusa, novo sorteio foi realizado para preencher o número de sujeitos necessários ao estudo.

Para o cálculo do tamanho da amostra foram utilizados os dados de prevalência de sintomas vocais encontrados no estudo de Jones et al.(9) - 68% para o grupo de teleoperadores e 48% para o grupo controle. A amostra calculada foi de 104 sujeitos para cada grupo. A este cálculo, foram acrescidos 20% em cada grupo para o preenchimento de eventuais perdas.

Instrumento de pesquisa e variáveis em estudo

Para que as empresas autorizassem a realização do estudo, foi necessário adaptar a coleta de dados de forma a não prejudicar a rotina de trabalho dos participantes. Por essa razão, a medição do desfecho por meio de uma avaliação otorrinolaringológica ou de gravação das vozes para análise perceptivoauditiva não pôde ser realizada. Assim, o desfecho foi medido pela presença de um ou mais sintomas vocais referidos com frequência diária ou semanal(21).

O instrumento de pesquisa consistiu em um questionário autoaplicável e anônimo, baseado no instrumento elaborado por Jones et al.(9). As questões incluídas referiram-se a dados demográficos, uso da voz na atividade profissional, potenciais fatores de risco individuais e ocupacionais para sintomas vocais, presença de sintomas vocais, e o impacto dos sintomas na atividade profissional e social. O protocolo original foi traduzido da língua inglesa para a língua portuguesa e adaptado por meio de um estudo piloto, que consistiu em: a) aplicação do questionário em forma de entrevista com 20 teleoperadores e 20 controles a fim de avaliar a adequação de termos e compreensão do instrumento; b) revisão de questões mal compreendidas pelos respondentes; c) aplicação do questionário reformulado no formato autoaplicável com dez teleoperadores e dez controles.

Variáveis estudadas

As seguintes variáveis foram analisadas:

1) dados demográficos (gênero, idade, cor da pele, escolaridade);

2) variáveis ocupacionais (carga-horária diária, tempo de atuação profissional na área, outra atividade profissional com uso da voz, modalidade de atendimento* * Somente para os teleoperadores: ativo (faz o contato com o cliente), receptivo (recebe a ligação do cliente), ambos (faz o contato com o cliente e recebe sua ligação) , sensação de ruído excessivo no ambiente de trabalho, acesso à água durante o trabalho, sensação de ar seco no ambiente de trabalho, treinamento vocal, repouso vocal durante o horário de trabalho);

3) variáveis individuais (consumo diário de água, doenças de vias aéreas, fumo, hipoacusia diagnosticada, doença do refluxo gastresofágico, hábitos de lazer nocivos à voz);

4) sintoma vocal (fadiga vocal, esforço à fonação, sensação de rouquidão, piora da qualidade vocal ao final do dia, sensação de falhas na voz);

5) interferência do sintoma vocal na atividade profissional e absenteísmo por problemas vocais.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre sob o protocolo n. 01-196. Todos os participantes leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Às empresas, foi garantido o anonimato da participação no estudo.

Análise estatística

As características amostrais foram descritas em tabelas. Para comparar variáveis categóricas, utilizou-se o teste do Qui-quadrado, e para variáveis contínuas e com distribuição normal, foi utilizado o teste t de Student. Foram considerados significativos os valores de p<0,05. Odds ratio (OR) foram utilizados para verificar associações independentes.

Regressão logística foi utilizada para relacionar o fator em estudo ao desfecho. Das variáveis que representavam potenciais variáveis de confundimento, foram calculados os respectivos odds ratio (razão de odds ou razão de chances): tempo de atuação profissional, outra atividade profissional com uso da voz, sensação de ruído excessivo no ambiente de trabalho, sensação de ar seco no ambiente de trabalho, participação em treinamento vocal, repouso vocal durante o horário de trabalho, acesso à água no trabalho, doenças de vias aéreas, hipoacusia, fumo, refluxo, ingestão diária de água, lazer, idade, raça e escolaridade. Fizeram parte do modelo de regressão logística as variáveis que modificaram o OR bruto em 15%.

RESULTADOS

Foram incluídos no estudo 233 sujeitos, sendo 124 teleoperadores e 109 controles. Dois teleoperadores sorteados que não aceitaram participar do estudo foram substituídos em um novo sorteio. Analisando os questionários excluídos do grupo controle, não foram observadas características demográficas e de desfecho que pudessem ser diferentes da amostra analisada.

A distribuição por gênero nos dois grupos foi de 29% dos sujeitos do gênero masculino e 71% dos de gênero feminino. Quanto às variáveis demográficas, são apontadas diferenças entre os grupos no que se refere à idade, cor da pele e escolaridade. Entretanto, essas diferenças não alteraram a associação quando incluídas no modelo de regressão.

As variáveis ocupacionais indicaram que o tempo de atuação profissional foi maior no grupo controle. Aproximadamente 86% dos teleoperadores trabalhavam nessa área há menos de dois anos, enquanto no grupo controle 64% trabalhavam na área há menos de dois anos (Tabela 1).

Dados ocupacionais específicos da amostra de teleoperadores apontaram que 94,4% têm uma carga horária diária de trabalho de seis horas, com intervalo de 15 minutos para lanche. Quanto à modalidade de atendimento ao cliente, a abordagem receptiva foi a mais frequente (71,8%), sendo que apenas 2,4% dos teleoperadores utilizavam exclusivamente a modalidade ativa. Os 25,8 % restantes utilizavam ambas as modalidades.

A sensação de ruído ambiental no trabalho, a participação em treinamento vocal e o envolvimento em outra atividade profissional em que há uso da voz não se mostraram diferentes entre os grupos. Entretanto, a sensação de ar seco no ambiente foi mais frequente entre os teleoperadores.

As variáveis individuais (saúde e hábitos de lazer) em ambos os grupos (teleoperadores e controles) indicaram que as amostras não diferem em relação à frequência de doenças de vias aéreas, fumo, refluxo, hipoacusia, uso da voz no lazer e estimativa de consumo diário de água (Tabela 2).

Os teleoperadores têm maior prevalência de sintomas vocais (33%) em comparação ao grupo controle (21%). Quando ajustada para potenciais fatores de confundimento esta associação permaneceu no sentido de risco (OR=2,24). Entretanto, a sensação de ar seco no ambiente mostrou-se uma variável independente que influencia esta associação. Como esta variável não foi controlada previamente, foi feita uma análise estratificada para a variável "ar seco". Tanto o grupo "exposto" ao ar seco como o "não exposto" não modificaram a direção da associação entre sintoma vocal e o fato do sujeito ser teleoperador (Tabela 3).

Os sintomas vocais mais frequentemente relatados no grupo de teleoperadores foram sensação de piora da voz ao final do dia, seguido de cansaço para falar e esforço à fonação (Tabela 4).

Quanto ao impacto dos sintomas vocais na atividade profissional dos teleoperadores, as queixas mais comuns relacionaram-se à dificuldade em ser compreendido pelo cliente e à sensação de que estão "economizando" a voz, falando apenas o necessário (Tabela 5).

Aproximadamente 70% dos teleoperadores referiram que os sintomas vocais comprometem sua atividade profissional. No grupo de teleoperadores, a taxa de absenteísmo por problemas vocais foi de 29%.

Mais de 30% da amostra de teleoperadores sinalizaram sintomas vocais com frequência diária ou semanal, enquanto que no grupo controle esta taxa foi de 21%. Os sintomas vocais mais frequentemente relatados no grupo de teleoperadores foram sensação de piora da voz ao final do dia (53,7%), seguido de cansaço para falar (46,3%) e esforço à fonação (43,9%).

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo apontam uma maior prevalência de sintomas vocais em teleoperadores do que no grupo controle, indicando uma associação entre a profissão de teleoperador e sintomas vocais. Dos teleoperadores com sintoma vocal, a grande maioria destes refere prejuízos no seu trabalho pelo problema de voz. Tais valores chamam atenção para uma população tão pouco estudada, em franco crescimento no mercado de trabalho.

Até o presente momento, poucos estudos relacionados a este tema foram publicados(3,7,9,22-26). No entanto, impressões clínicas e estudos de prevalência de sintomas vocais em outras populações sugerem uma maior prevalência de disfonia em indivíduos expostos do que em não expostos ao uso prolongado da voz(9,15,16,19,22,23). Na análise multivariada realizada neste estudo, quando ajustada para potenciais fatores de confundimento, esta associação permanece no sentido de risco (OR=2,24). Entretanto, a sensação de exposição ao ar seco mostrou ser uma variável independente, podendo explicar parte desta associação.

A relação entre a baixa umidade do ar e o risco para disfonia é descrita na literatura(27-29). Estudos experimentais com exposição à baixa umidade do ar indicaram que o ressecamento provocado na mucosa das pregas vocais eleva o limiar de pressão fonatória, ou seja, são necessários maior pressão subglótica e maior esforço para iniciar a fonação(29). Embora este fator pudesse estar associado a níveis desiguais de consumo de água entre os grupos, não foram encontradas diferenças na amostra em relação a esse fato. A sensação de exposição ao ar seco provavelmente é efeito da exposição ao ar condicionado no ambiente de trabalho. Se isso tivesse sido previsto, idealmente o grupo controle deveria estar exposto ao ar condicionado da mesma forma que os teleoperadores. Porém, essa variável não foi controlada no planejamento do estudo podendo, na amostra, o grupo de teleoperadores ser mais exposto ao ar condicionado do que os participantes do grupo controle.

Para avaliar a magnitude dessa variável independente, foi feita uma sub-análise na qual se estratificou a associação entre o fator em estudo e o desfecho pela exposição à variável "ar seco" (entendida como sensação de ar seco no ambiente). Tanto no grupo exposto quanto no grupo não exposto ao ar seco, a associação entre sintomas vocais e a profissão de teleoperador permanece na direção de risco (OR= 1,43 e 1,52, respectivamente).

Outro estudo sobre a prevalência de sintomas vocais em teleoperadores encontrou uma taxa de sintomas vocais de 68% em teleoperadores e 48% nos indivíduos do grupo controle(9), valores mais elevados que os obtidos na presente pesquisa (33% em teleoperadores e 21% no grupo controle). Entretanto, o estudo em questão incluiu a sensação de garganta seca como parte das variáveis de caracterização do desfecho, sendo esta a variável mais frequente entre os teleoperadores. Este sintoma pode ser efeito da combinação de maior exposição ao ar condicionado e abertura frequente da cavidade oral durante a fala, pelo uso contínuo da voz. Sugere-se que, em estudos futuros com a população de teleoperadores, a exposição à baixa umidade do ar deva ser uma variável controlada.

Fatores de risco para disfonia relacionados ao ambiente de trabalho têm sido descritos na literatura(4). No ambiente de call center, vários desses fatores são claramente observados, como baixa umidade do ar, tempo prolongado de uso da voz sem repouso vocal adequado, ruído ambiental excessivo, além da ausência de programas de prevenção que permitem a identificação precoce de sintomas vocais. No presente estudo, foi feita uma sub-análise desses fatores de risco relacionados ao trabalho. Apesar da amostra não ter sido calculada para testar essa associação, os dados sugerem que, além da sensação de ar seco, o ruído ambiental excessivo e a ausência de repouso vocal durante o expediente foram mais frequentes em teleoperadores que apresentam sintoma vocal.

No presente estudo, não é possível determinar se as variáveis ocupacionais contribuem como causa dos sintomas vocais ou se, pelos sintomas, o desempenho vocal piora nessas condições ambientais. Entretanto, considerando a alta prevalência de sintomas vocais nesta população, medidas de controle das condições ambientais deletérias parecem factíveis e necessárias.

Os sintomas reportados pelos teleoperadores parecem estar associados à sobrecarga vocal. A sensação de piora da qualidade vocal ao final do dia foi o sintoma vocal mais frequentemente reportado (53%), seguido de cansaço (46%) e esforço ao falar (43%). Um estudo que avaliou o impacto do treinamento vocal em teleoperadores de um call center na Finlândia verificou que, apesar da magnitude dos sintomas vocais ter diminuído após o treinamento, estes tendem a ser mais intensos ao final do dia de trabalho(23). Tais dados parecem reforçar a ideia de que possa haver uma sobrecarga vocal inerente à atividade de teleoperador. A piora sistemática dos sintomas ao final do dia de trabalho pode sinalizar a fase inicial de uma disfonia funcional ou organofuncional(11).

Os sintomas vocais parecem gerar consequências que vão além do próprio teleoperador. Neste estudo, a dificuldade em ser compreendido pelo cliente e a necessidade de "economizar" a voz aparecem como as principais queixas dos teleoperadores relacionadas ao impacto dos sintomas vocais no trabalho. Como consequência, o tempo de cada ligação pode acabar sendo prolongado pela necessidade de repetir as informações. Isso pode gerar uma diminuição no número de ligações efetuadas pelo teleoperador ou fazer com que aumente o tempo de espera telefônica de um cliente que busca pelo call center. Cabe destacar que "economizar" a voz pela necessidade de falar menos pode fazer com que o teleoperador não aproveite o contato com o cliente para oferecer produtos além do que lhe foi solicitado. Resultados semelhantes são apresentados em outros estudos(8,9). Dentre os principais achados estão a necessidade de repetir as informações, a sensação de esforço para ser compreendido e a sensação de ser menos "entusiasmado" para vender.

Nos teleoperadores da amostra, as taxas de absenteísmo decorrentes dos sintomas vocais situam-se ao redor de 29%. Em professores, as taxas de absenteísmo por disfonia situamse entre 18%(19) e 20%(16). As taxas mais altas de absenteísmo em teleoperadores parecem reforçar a percepção de que, na vigência de uma disfonia, o trabalho torna-se inviável. Para os professores, a presença da disfonia não parece tão crítica a ponto de gerar grandes taxas de absenteísmo, dada a possibilidade de utilizar outros recursos pedagógicos que viabilizam a continuidade do trabalho.

Na amostra estudada, menos de 33% dos teleoperadores participaram de palestras ou treinamento vocal nos quais pudessem obter informações acerca dos cuidados necessários para a preservação da saúde vocal. Chama a atenção que a proporção de participação em treinamento vocal encontrada no grupo controle é semelhante à de teleoperadores. Cabe ressaltar que, apesar de importante para a atividade profissional, não foi observada em nenhuma das empresas participantes do estudo a existência de programas sistemáticos de preservação da saúde vocal para os teleoperadores.

Fatores de risco para disfonia já amplamente descritos na literatura, como doenças de vias aéreas, fumo, hipoacusia diagnosticada e doença do refluxo gastresofágico não modificaram o valor de Odds ratio (OR) em mais de 15% e, desta forma, não foram incluídas no modelo de regressão como potenciais fatores de confundimento. Assim, apesar dos dados terem sido coletados por meio de um questionário autoaplicável (não complementado por avaliação médica e fonoaudiológica), estas variáveis parecem estar distribuídas igualmente entre os grupos, não modificando a força de associação entre disfonia e a profissão de teleoperador.

A disfonia em profissionais da voz é de gênese multifatorial, envolvendo fatores intrínsecos ao sujeito e fatores extrínsecos, como o trabalho e o ambiente. Ainda parece difícil estabelecer claramente os limites destes fatores e, talvez este seja o maior desafio para a criação de políticas de prevenção em saúde ocupacional nesta área(2,25). Um estudo de coorte parece ser a maneira mais adequada de estimar o risco a exposição ao uso profissional da voz. As condições de trabalho dos teleoperadores são muito específicas e, por isso, novos estudos neste campo devem buscar controlar as variáveis ambientais, como o ruído e a umidade do ar.

Sabe-se que um delineamento transversal com o uso de questionários autoaplicáveis apresenta limitações metodológicas, como o viés recordatório e a inviabilidade de checar a veracidade dos dados. Entretanto, os dados levantados neste estudo parecem reforçar resultados de outras pesquisas nesta mesma linha(9,30). Por envolverem uma população pouco estudada, estudos de prevalência de disfonia em teleoperadores em diferentes localidades ainda são necessários. A validação de um protocolo para estimar a prevalência de sintomas vocais em teleoperadores parece fundamental, a fim de tornar os diferentes estudos comparáveis. Espera-se que, em um futuro breve, resultados de estudos possam gerar ações concretas de prevenção de disfonias em profissionais da voz.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo indicam uma associação entre sintomas vocais e o uso contínuo da voz na atividade de teleoperador.

Recebido em: 30/3/2011

Aceito em: 12/7/2011

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Ciências Médicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS - Porto Alegre (RS, Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Leila Rechenberg
    R. Ramiro Barcelos, 1450/604, Rio Branco
    Porto Alegre (RS), CEP: 90035-002.
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    Somente para os teleoperadores: ativo (faz o contato com o cliente), receptivo (recebe a ligação do cliente), ambos (faz o contato com o cliente e recebe sua ligação)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      30 Mar 2011
    • Aceito
      12 Jul 2011
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