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Habilidades psicolinguísticas e escolares em crianças com mielomeningocele

Resumos

OBJETIVO: Descrever o desempenho de indivíduos com mielomeningocele quanto às habilidades psicolinguísticas e escolares. MÉTODOS: Participaram cinco indivíduos, com idade cronológica entre 9 anos e 10 meses e 11 anos e 7 meses, com diagnóstico de mielomeningocele e lesão lombo-sacral (Grupo 1 - G1), e cinco indivíduos com desenvolvimento típico (Grupo 2 - G2), que foram pareados ao G1 quanto a idade, gênero e grau de escolaridade. A avaliação constou de entrevista com os responsáveis e aplicação dos seguintes testes: Teste de Illinois de Habilidades Psicolinguísticas; Teste de Desempenho Escolar; Teste de Velocidade de Leitura; e Teste de Nomeação Automática Rápida. RESULTADOS: A comparação entre os grupos nos subtestes do Teste de Illinois de Habilidades Psicolinguísticas indicou que os valores máximos obtido pelo G1 corresponderam aproximadamente aos valores mínimos obtidos pelo G2, confirmando a diferença entre eles, exceto para o subteste closura auditiva. No Teste de Desempenho Escolar foram observadas alterações significativas no desempenho do G1 em todas as provas. Nos testes de Velocidade de Leitura e de Nomeação Rápida, os indivíduos do G1 também apresentaram prejuízos consideráveis, cometendo mais erros nas tarefas e realizando a atividade de modo mais lento. CONCLUSÃO: Indivíduos com mielomeningocele apresentam alterações nas habilidades psicolinguísticas, no desempenho escolar, na velocidade de leitura e na nomeação automática rápida.

Meningomielocele; Leitura; Aprendizagem; Transtornos de aprendizagem; Transtornos da percepção; Linguagem


PURPOSE: To describe the performance of individuals with myelomeningocele regarding psycholinguistic and scholastic abilities. METHODS: Participants were five individuals with myelomeningocele and lumbar sacral abnormalities, and chronological age between 9 years and 10 months and 11 years and 7 months (Group 1 - G1); five subjects with typical development (Group 2 - G2), matched to G1 for age, gender, and educational level. The evaluation consisted of interview with parents/caregivers, and application of the following tests: Illinois Test of Psycholinguistic Abilities (ITPA); School Performance Test; Speed Reading Test; and Rapid Automatized Naming Test. RESULTS: The between-groups comparison in the ITPA subtests showed that the maximum values obtained by G1 corresponded approximately to the minimum values obtained by G2, confirming the difference between the groups, except for the auditory closure subtest. In the Scholastic Performance Test, significant alterations were observed on the performance of G1 in all tasks. In the Speed Reading and Rapid Automatized Naming tests, individuals in G1 also presented considerable deficits, making more mistakes and spending more time than G2 to perform the same tasks. CONCLUSION: Individuals with myelomeningocele present deficits in psycholinguistic abilities, school performance, reading speed, and rapid automatized naming.

Meningomyelocele; Reading; Learning; Learning disorders; Perceptual disorders; Language


ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE

Habilidades psicolinguísticas e escolares em crianças com mielomeningocele

Dionísia Aparecida Cusin LamônicaI; Luciana Paula MaximinoI; Greyce Kelly da SilvaII; Adriano Yacubian-FernandesI; Patrícia Abreu Pinheiro CrenitteI

IDepartamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo - USP - Bauru (SP), Brasil

IIPrefeitura Municipal de Uru - Uru (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Dionísia Aparecida Cusin Lamônica. Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo. Al. Octávio Pinheiro Brisolla 9-75, Vila Universitária Bauru (SP), Brasil, CEP: 17012-901. E-mail: dionelam@uol.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Descrever o desempenho de indivíduos com mielomeningocele quanto às habilidades psicolinguísticas e escolares.

MÉTODOS: Participaram cinco indivíduos, com idade cronológica entre 9 anos e 10 meses e 11 anos e 7 meses, com diagnóstico de mielomeningocele e lesão lombo-sacral (Grupo 1 - G1), e cinco indivíduos com desenvolvimento típico (Grupo 2 - G2), que foram pareados ao G1 quanto a idade, gênero e grau de escolaridade. A avaliação constou de entrevista com os responsáveis e aplicação dos seguintes testes: Teste de Illinois de Habilidades Psicolinguísticas; Teste de Desempenho Escolar; Teste de Velocidade de Leitura; e Teste de Nomeação Automática Rápida.

RESULTADOS: A comparação entre os grupos nos subtestes do Teste de Illinois de Habilidades Psicolinguísticas indicou que os valores máximos obtido pelo G1 corresponderam aproximadamente aos valores mínimos obtidos pelo G2, confirmando a diferença entre eles, exceto para o subteste closura auditiva. No Teste de Desempenho Escolar foram observadas alterações significativas no desempenho do G1 em todas as provas. Nos testes de Velocidade de Leitura e de Nomeação Rápida, os indivíduos do G1 também apresentaram prejuízos consideráveis, cometendo mais erros nas tarefas e realizando a atividade de modo mais lento.

CONCLUSÃO: Indivíduos com mielomeningocele apresentam alterações nas habilidades psicolinguísticas, no desempenho escolar, na velocidade de leitura e na nomeação automática rápida.

Descritores: Meningomielocele; Leitura; Aprendizagem; Transtornos de aprendizagem; Transtornos da percepção; Linguagem

INTRODUÇÃO

A mielomeningocele (MMC) é um defeito de fechamento do tubo neural, que acarreta malformação congênita caracterizada por protrusão cística que contém meninges anormais, líquido cefalorraquidiano, elementos da medula espinhal e nervos(1,2). A gravidade das manifestações clínicas da MMC varia desde discretas deficiências sensitivo-motoras de localização distal e disfunção neurogênica dos esfíncteres, até paralisia completa, malformações ósseas graves e uma série de anomalias concomitantes, do desenvolvimento e do sistema nervoso, com déficits cognitivos, da percepção ou da atenção que afetam a deambulação, a independência das atividades de vida diária, o desempenho na escola e a qualidade de vida(3-11).

Os indivíduos com MMC tendem a apresentar nível intelectual variável, a depender das anormalidades neuropatológicas, das anomalias da neuroembriogênese, das complicações decorrentes do tratamento cirúrgico, da hidrocefalia, da estimulação ambiental, entre outros(3,4,9,12). Além disso, apresentam forte potencial para desenvolver problemas de aprendizagem associados à redução do funcionamento cognitivo, déficits perceptivos e alteração nas habilidades não verbais(2,5,8,13-20). São esperados, ainda, déficits no controle, organização e qualidade dos atos motores e dificuldade de lidar com estímulos(2,5,6,9,12,14-17).

A literatura aponta que as habilidades linguísticas básicas em crianças com MMC estão frequentemente intactas. No entanto, as habilidades discursivas e a flexibilidade no uso da linguagem podem estar prejudicadas, influenciando principalmente a aprendizagem escolar(17-25) .

Diante o exposto, o objetivo deste estudo foi descrever o desempenho de indivíduos com mielomeningocele quanto às habilidades psicolinguísticas e escolares.

MÉTODOS

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (protocolo número 088/2008). Foram cumpridos todos os critérios da Resolução 196/96. Os responsáveis legais dos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Participaram cinco crianças com diagnóstico de MMC, com lesão lombo-sacral, sendo três do gênero masculino e duas do gênero feminino, com idades entre 9 anos e 10 meses e 11 anos e 7 meses e grau de escolaridade entre a terceira e quinta séries do Ensino Fundamental (G1), e cinco crianças com desenvolvimento típico, sem histórico de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor (G2), que foram pareadas ao G1 quanto à idade, gênero e grau de escolaridade. A idade cronológica, para ser considerada pareada, não deveria ultrapassar cinco meses de diferença entre as crianças.

Todos os participantes eram estudantes de escolas públicas e os pares foram formados por crianças que frequentavam a mesma sala de aula. Ressalta-se que todas as crianças passaram por avaliação da audição e do nível intelectual, com resultados dentro dos padrões de normalidade. Quanto à acuidade visual, 60% do G1 faziam uso de lentes corretivas.

Os familiares responderam uma entrevista contendo informações sobre a história pregressa de saúde geral (G1 e G2) e da MMC (G1), desde a gestação até o momento atual. As perguntas foram referentes ao desenvolvimento, tratamentos realizados e história acadêmica da criança. Todas as crianças do G1 realizaram procedimento cirúrgico para fechamento do tubo neural ainda no primeiro mês de vida e apresentaram hidrocefalia, realizando procedimentos cirúrgicos para colocação de válvula de derivação até o terceiro mês de vida. O atraso no desenvolvimento neuropsicomotor ocorreu em 100% dos participantes do G1, sendo que todos faziam uso de cadeira de rodas até o momento por não apresentarem marcha independente. Além disso, 100% dos familiares do G1 relataram queixa quanto à aprendizagem escolar e dificuldade para acompanhar as atividades acadêmicas. Todas as crianças do G1 frequentavam sessões de fisioterapia regularmente, mas nunca haviam passado por processo terapêutico fonoaudiológico.

Foi realizada a caracterização da casuística referente ao G1 e G2, quanto à idade cronológica (IC), série escolar (SE) e gênero (Quadro 1).


Foram aplicados os seguintes procedimentos:

- Teste Illinois de Habilidades Psicolinguísticas - ITPA. Subtestes: Recepção Auditiva (RA); Recepção Visual (RV); Memória Sequencial Auditiva (MA); Memória Sequencial Visual (MV); Associação Auditiva (AA); Associação Visual (AV); Closura Auditiva (CA); Closura Visual (CV); Expressão manual (EM); Expressão Verbal (EV); Closura Gramatical (CG); Combinação de Sons (CS) quanto à idade Psicolinguística (IPL). A análise seguiu as normas descritas no Manual do Teste(25) (adaptação brasileira).

- Teste de Desempenho Escolar (TDE)(26). Foram aplicados os subtestes de leitura, aritmética e escrita e se obteve o escore total (soma dos escores brutos nos três subtestes) no TDE a partir da tabela de padronização fornecida pelo próprio teste. Os participantes foram classificados em três níveis de desempenho acadêmico: inferior, médio ou superior, conforme o nível de escolaridade apresentado.

- Teste de Velocidade de Leitura (TVL)(27). Teve o objetivo de verificar a velocidade de leitura, em milissegundos, associada à sua compreensão. Foi aplicado um texto para leitura oral (As travessuras de Afonsinho). Foi observado se a leitura estava dentro do esperado para idade cronológica e nível de escolaridade. Marcava-se cinco minutos do início da leitura oral e solicitava-se que o participante indicasse qual havia sido a última palavra lida. Foi verificado se o número de palavras lidas era compatível com a idade e o nível de escolaridade e se o participante havia sido capaz de compreender o conteúdo lido.

- Teste de Nomeação Automática Rápida - RAN(28). Consiste de quatro subtestes de nomeação: cores, dígitos, letras e objetos. As respostas da criança e o tempo despendido (em segundos) em cada atividade foram anotados em protocolo específico. A análise foi feita de acordo com as instruções contidas no manual proposto pelo teste.

O tratamento dos dados constou de análise descritiva por meio dos valores mínimo e máximo, média, desvio padrão e pela aplicação do teste Mann-Whitney, considerando p<0,05 o valor de significância.

RESULTADOS

Os dados referentes a comparação de G1 e G2, todos os subtestes do ITPA apresentaram diferenças, exceto para CA. Quanto aos valores mínimo e máximo, foi possível verificar que G1 apresentou índices de acertos modestos e o valor máximo obtido por este grupo correspondeu aproximadamente ao valor mínimo obtido pelo G2, confirmando a diferença entre os grupos. Quanto às provas de closura, os participantes do G1 apresentaram maior dificuldade na CG. (Tabela 1).

Nas provas de recepção, tanto auditiva quanto visual, foi possível verificar que a IPL obtida pelo G1 corresponde a escores inferiores à faixa escolar de 7 anos (exceto para o sujeito 4 no subteste de RV) (Tabela 2).

Considerando os dados do Teste de Desempenho Escolar (TDE), todos os participantes do G1 apresentaram a classificação inferior. No G2, um participante obteve classificação média e quatro superior. Analisando os valores mínimo e máximo, é possível verificar que o G1 apresentou índices considerados inferiores nas provas de leitura, escrita e aritmética. O valor máximo alcançado por este grupo correspondeu aproximadamente ao valor mínimo do G2, confirmando a diferença entre os grupos (Tabela 3).

No teste de velocidade de leitura, verificando os valores mínimo e máximo, os resultados mostram que o valor máximo alcançado pelo G1 é menor que o valor mínimo do G2, confirmando a diferença entre os grupos (Tabela 4).

Os resultados obtidos pelos participantes do G1 e G2, na aplicação do Teste de Nomeação Automática Rápida (RAN), mostraram que G1 apresentou o valor máximo maior que o valor mínimo alcançado por G2, confirmando a diferença entre os grupos. Em relação aos subtestes, o G1 apresentou melhores escores na nomeação rápida automática de objetos, dígitos, letras e cores, respectivamente. (Tabela 5).

DISCUSSÃO

A recepção de estímulos envolve processos complexos iniciados por meio de mecanismos de atenção. Várias são as implicações das dificuldades no processo receptivo, entre elas a dificuldade de apreender informações e associá-las a outros estímulos, ou mesmo de apreender conceitos verbais e não verbais(12,21,24). O mesmo pode ser observado para as habilidades de AA, AV e CG. Estas provas relacionam-se ao desempenho das habilidades perceptivas. O desenvolvimento perceptivo depende da qualidade das experiências sensório-motoras vividas pela criança, da sua elaboração e organização, além obviamente dos aspectos anatomofuncionais do sistema nervoso(1,5,6,10,14,29). Neste sentido, a criança com MMC, apresentando alterações no SNC e prejuízos no seu desenvolvimento, pode ter desvantagens nas habilidades que envolvam a recepção, a integração e a expressão dos estímulos.

Observou-se influência do controle da atenção nas atividades, ou seja, os participantes do G1 demonstraram mais distração e desatenção. Cabe ressaltar que esta é uma queixa escolar comum a todos os participantes de G1, que também é descrita na literatura(5,14,18). Estudos(5,7) mostraram que o sucesso em atividades escolares é potencialmente dependente do ambiente familiar, do desenvolvimento da linguagem e das habilidades específicas perceptuais que favorecerão a apreensão de estratégias utilizadas no processo de aprendizagem.

A orientação da atenção para um determinado local ou estímulo é geralmente acompanhada por movimentos, dos olhos, da cabeça e/ou do corpo, produzindo o que é denominado de comportamento de orientação ou comportamento exploratório. Este comportamento permite que o sistema nervoso central identifique a fonte de estimulação, com o objetivo de fazer o organismo reagir a ela(30). Na verdade, a atenção é fundamental para qualquer ato a ser aprendido, pois ela corresponde à seleção ou priorização do processamento de categorias de informação. Assim, o sistema de processamento de informações deve selecionar, a partir de uma miríade de estímulos presentes no ambiente, aqueles que receberão processamento mais intenso e que eventualmente exercerão controle sobre as ações do organismo(9). Um estudo indicou(9) que existem dois sistemas da atenção, um posterior, no qual ocupa-se com os estímulos dirigidos, orientando e focando independente da atenção direcionada, e um anterior, interessado na manutenção voluntária, na vigilância e atenção sustentada. Ainda sobre o assunto, autores(6) concluíram que crianças com MMC apresentam maiores alterações no sistema posterior. Além disso, um estudo apresentou que as crianças com MMC são mais lentas na realização de atividades e cometem mais erros nas tarefas que envolvem atenção sustentada(9).

Na prova de associação visual, a criança deve relacionar os estímulos visualmente recebidos por meio da compreensão de seu significado e fazer analogias que requerem noções de diferentes conceitos, tais como associações funcionais, fortalecendo seu uso, ou seja, relacionado à pragmática. A literatura(18) evidenciou que indivíduos com MMC apresentam pobreza na performance de testes que requerem a integração de diferentes processos cognitivos.

O subteste closura gramatical descreve habilidade para fazer uso de redundância da linguagem oral na aquisição da sintaxe e inflexões gramaticais. De fato, a literatura aponta tais dificuldades, apresentando que indivíduos com MMC podem apresentar falhas graves nas habilidades discursivas e de flexibilidade no uso da linguagem(3,11-14).

O subteste CV avalia a capacidade para identificar um estímulo comum, a partir de uma apresentação visual incompleta, reconhecendo o todo por meio das partes. Isto pode indicar dificuldades em integrar partes individuais em uma imagem(10). A prova de CA avalia a habilidade para completar partes ausentes de uma palavra, captada por meio da apresentação auditiva. Nesta prova infere-se que os participantes tenham tido influência dos procedimentos acadêmicos e, além disto, há a participação do acesso lexical, favorecendo o reconhecimento da palavra alvo. Nas provas de memória auditiva e visual, os participantes de G1 apresentaram prejuízos. Falhas nas tarefas de memória interferem na aprendizagem, resolução de problemas e rendimento acadêmico. Estudos(2,5,11,20) apresentaram dados semelhantes aos aqui obtidos, ou seja, indivíduos com MMC apresentaram desempenho alterado nas provas envolvendo memória.

Um estudo(17) concluiu que indivíduos com MMC apresentam melhor desempenho na decodificação do que na compreensão, o que também foi observado neste estudo. Complementando as atividades de leitura, no teste de velocidade de leitura, também foi observado que os indivíduos do G1 apresentaram dificuldades relacionadas tanto à decodificação dos símbolos gráficos quanto a compreensão do conteúdo lido. Estas habilidades não foram condizentes com o grau de escolaridade que apresentavam, confirmando as queixas dos familiares e escola quanto às dificuldades no processo de alfabetização e aprendizagem dos conteúdos acadêmicos. Para as habilidades de escrita, espera-se domínio da ortografia e, neste sentido, vários processos perceptivos são necessários, como por exemplo, coordenação motora refinada, coordenação olho-mão, habilidades visoespaciais, visoperceptuais, atenção sustentada, discriminação, memória, entre outras. Estas habilidades estão geralmente comprometidas em indivíduos com MMC e hidrocefalia, conforme indicou a literatura(1,2,9,11,12,17,18,21).

Estudos(17,19,22) têm relatado alterações de leitura, escrita e aritmética em indivíduos com MMC e hidrocefalia, informando que eles tendem a apresentar problemas escolares. Apesar de a nomeação e a soletração de palavras se mostrarem geralmente intactas, a compreensão da leitura, a expressão escrita e as habilidades matemáticas são tipicamente empobrecidas(2,8,10,19,21,24,25). Um estudo(2) mostrou que indivíduos com MMC apresentam pobreza nas habilidades acadêmicas demonstrada por déficits perceptuais, dificuldades visomotoras, visoespaciais, alteração da atenção e memória de trabalho. Pesquisadores(19), estudando o processamento da aritmética em indivíduos com MMC, relataram que as falhas encontradas estão relacionadas às alterações cognitivas e neuropsicológicas, envolvendo memória de trabalho verbal e visual, dificuldades em habilidades visoespaciais e alterações de leitura na decodificação dos problemas.

Autores sugeriram que a habilidade de processar símbolos visuais rapidamente também desempenha um papel importante na aprendizagem da leitura e da escrita em uma ortografia alfabética, e que uma desordem nessa habilidade pode constituir em déficit na consciência de fonemas, na relação fonema grafema(4,22).

Quanto à nomeação automática de objetos infere-se que os participantes do G1 apresentaram acesso ao léxico, com interferência dos significantes e significados. Na nomeação de letras, dígitos e cores infere-se que a habilidade no processamento de estímulos visuais é necessária para a realização da leitura textual, uma vez que para a compreensão dos estímulos deve ocorrer uma relação entre a habilidade de reconhecê-los rápida e sucessivamente, que exige o uso de recursos cognitivos como atenção, discriminação e memória de curta duração.

A velocidade de acesso ao léxico está diretamente relacionada à habilidade do processamento fonológico, que deve ser mensurada por meio de atividade que verifique não somente as habilidades de identificação e decodificação de palavras, mas também as habilidades de compreensão de leitura. Para tanto, torna-se necessário o uso de estratégias que verifiquem o processamento de reconhecimento e nomeação de cores, dígitos e objetos, como também de critérios que possam mensurar o tempo por minuto e o número de erros na leitura de palavras, parágrafos e textos. Isso garantirá a verificação com exatidão não somente do processamento fonológico, mas também de processos perceptivos - visuais e de processos mnemônicos. Um estudo mostrou que crianças com MMC e hidrocefalia apresentam déficits em testes que requerem respostas rápidas(11).

Alterações perceptivas, comprometimento do controle da atenção sustentada, da discriminação, da associação, da closura e da memória, interferem nos processos de aprendizagem. Tais alterações somadas à pobreza nas habilidades visoespaciais, visoperceptuais e construtivas, além de dificuldades em tarefas que requerem aprendizagem seriada e respostas rápidas em habilidades sensoriais e motoras, interferem no desempenho escolar, conforme indicou a literatura(1,2,4,8,9,11-13,19,20).

O desenvolvimento da aprendizagem escolar de indivíduos com MMC é um processo que exige acompanhamento constante. Nesta perspectiva, considerando a influência das habilidades psicolinguísticas no desenvolvimento da linguagem oral e na alfabetização, são necessários programas para auxiliar os indivíduos com MMC nas áreas que demonstrarem dificuldades.

As avaliações utilizadas neste estudo indicam reflexões importantes na direção do reconhecimento dos problemas escolares em indivíduos com MMC. Embora a casuística seja pequena, houve o controle de variáveis importantes como a idade, o gênero, o nível de escolaridade e o ambiente acadêmico. Não foram realizadas análises considerando as condições anatomofisiológicas, o que é uma indicação para estudos futuros.

CONCLUSÃO

Indivíduos com MMC apresentaram alterações nas habilidades psicolinguísticas, envolvendo recepção, memória sequencial, associação e closura, tanto auditiva quanto visual, combinação de sons e expressão verbal. No TDE estes indivíduos demonstraram classificação inferior nas provas de leitura, escrita e aritmética. A velocidade de leitura oral estava reduzida. No teste de nomeação automática rápida os indivíduos com MMC apresentaram prejuízos. Tais achados justificam as queixas no aprendizado escolar.

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Recebido em: 7/2/2011

Aceito em: 26/7/2011

Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo - USP - Bauru (SP), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Dionísia Aparecida Cusin Lamônica.
    Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo.
    Al. Octávio Pinheiro Brisolla 9-75, Vila Universitária
    Bauru (SP), Brasil, CEP: 17012-901.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      07 Fev 2011
    • Aceito
      26 Jul 2011
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