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EFEITOS DO FOGO SOBRE O SOLO

INTRODUÇÃO

O fogo pode ser considerado um fator ecológico natural que, mesmo ocorrendo a baixas frequências, exerce uma significante influência sobre a estrutura e o funcionamento de diversos tipos de ecossistemas terrestres, e é capaz de delimitar caminhos evolutivos muito diferentes daqueles que ocorreriam na sua ausência.

É sobre o solo que o fogo faz sentir de maneira imediata seus efeitos, através de mudanças que podem ser prejudiciais ou até benéficas, como no caso de ecossistemas onde ele é elemento natural, dependendo de sua intensidade e das características do material combustível.

EFEITO DAS QUEIMADAS NO SOLO

Mudanças Físicas

Temperatura do Solo

A curto prazo, o fogo causa aumento da temperatura superficial do solo pela liberação de energia durante a combustão, a qual pode chegar a 1000° C, embora a penetração seja pequena. A longo prazo, o escurecimento da superfície queimada provoca uma maior absorção da radiação solar (Engel, 1992ENGEL, O Fogo e a vegetação. In: I Encontro sobre Incêndios Florestais - UNESP, Botucatu, 1992, 131 p, pp. 97-105.).

Vareschi (1962) citado por Coutinho (1980)COUTINHO, LEOPOLDO M. As queimadas e o seu Papel Ecológico. Brasil Florestal, nº 44, 1980, 7-23 p., observou o efeito sobre a temperatura do solo em região de savana da Venezuela, em que, no centro das chamas, estas atingiram temperaturas de 300 a 400°C. À superficie do solo os valores mantiveram-se entre 70 e 90°C, não se elevando portanto demasiadamente. A 2 cm de profundidade do solo o aquecimento foi de apenas frações de graus. Aquele chama a atenção para o fato de que a simples insolação direta no solo pode elevar a temperatura de sua superficie a valores semelhantes, com o agravante de que, durante a queimada, tais níveis térmicos ocorrem por alguns instantes, enquanto pela insolação podem perdurar por horas seguidas.

No caso dos cerrados brasileiros, Coutinho (1976) citado por Coutinho (1980)COUTINHO, LEOPOLDO M. As queimadas e o seu Papel Ecológico. Brasil Florestal, nº 44, 1980, 7-23 p., efetuou algumas determinações de temperatura do solo a diferentes profundidades, durante queimadas experimentais. O valor mais elevado que observou foi de 74°C, à superfície. À profundidade de 1,2 e 5 cm, o aquecimento foi bem menor, sendo que nesta última profundidade a temperatura elevou-se em apenas alguns graus.

O grau de aquecimento do solo, durante uma queimada, depende de uma série de fatores além da massa vegetal combustível por unidade de área, que determina maior ou menor intensidade de fogo. O grau de umidade do solo é de extrema importância. Os solos úmidos se aquecem bem menos durante uma queimada, pois, além de terem maior calor especifico e de conduzirem mais facilmente o calor, perdem-no por evaporação. Assim, se a queimada for feita em estação chuvosa ou seca, os seus efeitos sobre o aquecimento do solo poderão ser diversos. O grau de umidade presente na massa vegetal também é de grande importância, influindo no desenvolvimento das temperaturas. Material muito seco leva a uma combustão muito rápida. Se houver muita umidade o incêndio iniciado pode nem mesmo sê propagar. Neste particular , a hora em que a queima é realizada também influi, visto que as condições de temperatura e de umidade relativa do ar flutuam durante o dia (Coutinho, 1980COUTINHO, LEOPOLDO M. As queimadas e o seu Papel Ecológico. Brasil Florestal, nº 44, 1980, 7-23 p.).

Ainda com respeito à temperatura, uma outra conseqüência da destruição da massa vegetal pelo fogo é a exposição da superfície do solo à radiação solar diurna e à radiação térmica noturna, o que provoca um maior aquecimento durante o dia e um maior resfriamento à noite, aumentando assim a amplitude das variações térmicas diárias (Coutinho, 1980COUTINHO, LEOPOLDO M. As queimadas e o seu Papel Ecológico. Brasil Florestal, nº 44, 1980, 7-23 p.).

Matéria Orgânica

Grande parte do efeito do fogo sobre o solo depende do tipo e da quantidade de matéria orgânica não incorporada que cobre o solo mineral, e do tipo de dano que cada incêndio faz a ela.

O fogo acelera a mineralização da matéria orgânica do solo, fazendo em poucos minutos um trabalho que normalmente duraria meses ou anos. Assim, a perda da matéria orgânica do solo é um dos efeitos mais importantes do fogo, com consequências físicas e químicas diretas e indiretas.

Engel (1992)ENGEL, O Fogo e a vegetação. In: I Encontro sobre Incêndios Florestais - UNESP, Botucatu, 1992, 131 p, pp. 97-105. cita ainda que, em florestas boreais, onde a decomposição da matéria orgânica do solo é muito lenta, a ocorrência do fogo de baixa intensidade é desejável e constitui até uma prática de manejo recomendável.

Ficou comprovado através de experimentação em áreas de pastagem que o teor de matéria orgânica do solo não foi muito afetado após as queimadas. Isto se deve ao fato de que grande parte da matéria orgânica não é consumida pelo fogo por estar abaixo da superfície do solo, sendo proveniente da decomposição de raízes dos vegetais de pastagem, que morrem e são substituídos periodicamente.

Umidade do Solo

É notável a redução da capacidade de absorção de água pelo solo após ocorridos os incêndios florestais. Isto se deve à destruição da fitomassa e também da repetência à água desenvolvida pelo solo, causada por elementos hidrofóbicos voláteis existentes nos materiais combustíveis que formam o piso de floresta. Portanto, se a capacidade de absorção é afetada, o teor de umidade também o será.

Estrutura e Porosidade

A remoção da serrapilheira pelo fogo expõe o solo mineral diretamente ao impacto das gotas de chuva, causando perdas de estrutura nas camadas superficiais.

Erosão

O processo de erosão é geralmente considerado como o efeito mais duradouro e mais sério relacionado ao fogo sobre o solo, e parecem ser os incêndio florestais uma das suas principais causas.

Mudanças Químicas

Acidez

Durante a oxidação de compostos orgânicos na combustão, ocorre uma perda maior de anions do que de cations (como Calcio, Magnésio e Potássio). As cinzas são geralmente ricas em óxidos solúveis de bases, que se transformam em carbonatos capazes de neutralizar a acidez do solo. O aumento do pH é o principal beneficio da queimada em regiões tropicasi.

Nutrientes Minerais do Solo

O costume de atear fogo à cobertura vegetal tem sido, de longa data, uma prática condenada, o que constitui um consenso entre a grande maioria dos autores, não só pela destruição da própria vegetação natural, mas também pelo efeito maléfico que as queimadas podem produzir sobre as propriedades do solo, particularmente aquelas de natureza química.

Uma análise mais completa deste problema necessitaria, entretanto, levar em conta uma série de aspectos, como, por exemplo, o tipo de vegetação que é queimado, o número e a frequência das queimadas, o efeito a curto e a longo prazo etc.

Em ecossistemas de florestas, um dos efeitos da queimada é a transferência de grande quantidade de nutrientes minerais, até então estocados na fitomassa, para a superfície do solo. Assim, a curto prazo, o incêncio de uma floresta provoca uma entrofização do solo, se não em todos os nutrientes, pelo menos em alguns deles. A longo prazo ou com a reincidência de queimadas, a tendência será o solo se empobrecer cada vez mais.

Em ecossistemas de vegetação mais aberta, como as savanas ou os cerrados brasileiros, ou os campos de pastoreio, a ocorrência de uma queimada pode provocar aumento de certos nutrientes no solo como P, Ca, Mg e K e variações pouco significativas de outros.

Nos cerrados brasileiros, Cavalcanti (1978), citado por Coutinho (1980)COUTINHO, LEOPOLDO M. As queimadas e o seu Papel Ecológico. Brasil Florestal, nº 44, 1980, 7-23 p., mostrou haver um pronunciado aumento na concentração de certos nutrientes minerais na camada mais superficial do solo, logo após a ocorrência de uma queimada. Cerca de 4 meses após, os níveis retornaram aos valores anteriores àquele evento. A profundidades maiores que 5 cm o nível dos nutrientes minerais praticamente não apresentou alterações significativas, mesmo até 120 dias depois de realizada a queima. É razoável supor-se que parte dos nutrientes tenha sido eficientemente reabsorvido pelas raizes das plantas do extrato herbáceo e subarbustivo, as quais são frequentemente bastante superficiais. Embora, saiba-se que grande parte das cinzas conduzidas para fora do ecossistema podem ser através do escoamento superficial das águas pluviais.

Outro resultado obtido pelo mesmo autor é sobre o efeito das queimadas na toxidez provocada pelo ion alumínio, nas camadas superficiais do solo sob o cerrado. Enquanto o teor de íons de diversos elementos minerais se eleva após a queimada, o de aluminio cai a zero, fazendo, assim desaparecer a toxidez devida anteriormente ao seu elevado nível. Esta situação perdura por algum tempo, até que, finalmente, retorna às condições anteriores à queimada. Assim, até alguns meses após uma queimada, o solo superficial do cerrado deixa de apresentar sua característica aluminotóxica.

Um aspecto extremamente importante, que deve ser considerado, é a grande exportação de nutrientes que o ecossistema incendiado sofre através da fumaça emanada das chamas.

O nitrogênio e o enxofre são elementos que se volatilizam com relativa facilidade numa queimada. Com temperaturas superiores a 600°C, até mesmo o fósforo pode ser perdido dessa forma. Outros elementos são exportados com a fumaça, na forma de pequenas partículas sólidas.

Uma outra via de exportação de nutrientes é através do transporte de cinzas pelo vento. Em zonas bem abertas e descampadas, onde o vento não encontra obstáculos, a exportação de nutrientes por esta via poderá ser, talvez, significativa.

Devemos considerar também, como uma importante via de exportação, o escoamento superficial das cinzas feito através das águas pluviais.

Mudanças Biológicas

Microorganismos do Solo

A alcalinização do ambiente melhora as condições para a atividade de microorganismos assimiladores de nitrogênio, tais como Clostridium, Azotobacter e Granulobacter, os quais, apenas nos priifieiros 8 a 10 cm da superficie, são capazes de assimilar de 15 a 30 Kg de nitrogênio por hectare.

Ahlgren & Ahlgren (1965) citados por Coutinho (1980)COUTINHO, LEOPOLDO M. As queimadas e o seu Papel Ecológico. Brasil Florestal, nº 44, 1980, 7-23 p. observaram durante três anos os efeitos, após a queimada, de uma floresta de pinheiros. Constataram que .o. número e a atividade de microorganismos aumenta a níveis muito maiores a partir das primeiras chuvas caídas após a queima, decrescendo nos anos seguintes. Até no terceiro ano, ainda, notaram mais atividade na área queimada, em comparação com áreas controles. Atribuem este efeito ao enriquecimento do solo petos nutrientes das cinzas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • ARIAS, PJ. Prós e Contras da Queima dos Pastos. Revista Brasileira de Fertilizantes e Inseticidas e Rãções, 121 p, 1963, pp 47-55.
  • COUTINHO, LEOPOLDO M. As queimadas e o seu Papel Ecológico. Brasil Florestal, nº 44, 1980, 7-23 p.
  • ENGEL, O Fogo e a vegetação. In: I Encontro sobre Incêndios Florestais - UNESP, Botucatu, 1992, 131 p, pp. 97-105.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 1994
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