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ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE GUIAS DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIROS E NORTE-AMERICANOS

INTRODUÇÃO

Os países do Primeiro Mundo vêm, há décadas, desenvolvendo e aplicando, com sucesso, guias de educação ambiental para professores do ciclo elementar e secundário, que correspondem aos nossos 1° e 2° graus. Os E. U. A. não são uma exceção; ao contrário, são um dos países que há mais tempo vem desenvolvendo esse trabalho e em todos os seus 50 estados várias práticas vem sendo aplicadas nas escolas, com resultados significativos.

Algumas dessas escolas foram visitadas por uma das autoras deste artigo, e nelas foram constatados o entusiasmo e facilidade com que professores aplicavam os guias de atividades nas aulas.

Esses resultados, entretanto, não são encontrados no Brasil, com raras exceções. Trabalhando há alguns anos com escolas das rede públicas municipais e estaduais dos Municípios do Rio de Janeiro, Itaguaí e Mangaratiba. as autoras têm constatado, quando não o total desinteresse, a extrema dificuldade que o professorado apresenta (sente) na utilização dos disponíveis guias brasileiros de atividades.

Obviamente, surge a indagação do porquê de tal diferença tão marcante.

Não é objetivo deste trabalho discutir as razões psicológicas, sociais ou políticas dessa diferença. Por outro lado, o que se propõe é analisar que características diferenciadoras possuem os guias norte-americanos que os tornam atraentes ao professorado, levando-o a abandonar os métodos tradicionais de ensino por (em favor de) um sistema interdisciplinar e interativo.

MATERIAL E MÉTODOS

Análise de 32 guias de educação ambiental, sendo 12 brasileiros e 20 norte-americanos (Tabelas 1 e 2).

Após um primeiro exame, de caráter geral, elaborou-se um formulário especial (Anexo 1) com o objetivo de metodizar, homogeneizar o exame. Levou-se em conta a presença/ ausência de cada um dos itens nos guias.

Na elaboração do formulário, na definição dos seus itens, esteve obviamente presente a experiência prévia das autoras e o seus critérios de valor quanto às características que deve ter um guia dessa natureza e, ainda, quais dessas diferenças poderiam responder pela diferença de aplicação do guia à rede de ensino.

O formulário é constituído dos seguintes itens:

1) Identificação

Caracteriza o guia.

2) Introdução

Busca qualificar a forma com que se dá o primeiro contato dos autores com os usuários. Dentro desse critério, a introdução (sempre presente, em todos os guias) pode ser de três tipos: a) objetiva, quando os autores não se preocupam em se estender a respeito do tema; b) contextualizada, quando caracterizam a situação problema; e c) justificada, quando explicam a necessidade da elaboração desse material didático.

3) Interdisciplinaridade

Este item visa qualificar até que ponto na feitura do guia houve a preocupação de selecionar atividades que envolvam diversas disciplinas de estudo, e em caso positivo se há a discriminação dessas disciplinas. Esta característica pode não estar presente no guia (inexistente) ou pode estar presente, claramente enunciada (explícita) ou apenas subentendida (implícita).)

4) Sistematização das Atividades

Este item assinala a presença de determinadas características, que as autoras julgam que deva conter um guia de educação ambiental.

5) Índices

Assinala a presença de elementos que facilitam o manuseio do guia por parte do educador.

6) Metodologia

Este item procura qualificar que métodos de ensino são adotados pelo guia. Para essa qualificação, foram considerados os seguintes aspectos: participação, criatividade e aspecto lúdico. Dentro disso, considera-se como metodologia participativa aquela em que o aluno interage com o professor em um processo de troca de idéias e/ou soluções e se considera criativa a metodologia que explora atividades diferentes do cotidiano escolar. O aspecto lúdico aparece na metodologia em que aluno e professor constroem o conhecimento através de atividades recreativas. Finalmente, é entendida como tradicional aquela metodologia que se resume a aulas expositivas, em que o aluno é objeto passivo.

7) Tema

Caracteriza a forma de abordagem, se única (monotemática) ou variada (pluritemática).

8) Adequação

Neste item, são consideradas as condições das escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro.

9) Atividades

Analisa até que ponto o guia força o professor a usá-lo dentro de uma sequência pré-estabelecida, diminuindo a sua própria participação no processo criativo e no planejamento individual.

10) Abrangência

Tem o intuito de verificar qual o tipo de preocupação (expresso no guia) que as duas sociedades, norte-americana e brasileira, têm em relação ao seu ambiente.

Após o exame de guia, e correspondente preenchimento do formulário, as respostas foram quantificadas em percentuais (Figuras 1 a 9).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

1) Introdução

Um alto índice de objetividade (Figura 1) é comum.aos dois grupos de guias (norteamericanos e brasileiros). Isso se credita ao fato de não se tratar de trabalho puramente científico e, portanto, não demandar maiores explicações na apresentação.

A contextualizaçáo é bastante presente nos dois casos. Este é um resultado inesperado para o caso norte-americano, já que neste país a educação ambiental vem sendo desenvolvida há décadas; era de se esperar que não houvesse mais a necessidade de se caracterizar a situação problema. Este resultado pode ser explicado por uma das hipóteses que se seguem.

O fato de os norte-americanos estarem trabalhando há muito tempo com educação ambiental deve ter levado, por acerto e erro, à conclusão da necessidade de maiores explicações quanto aos temas que serão abordados no corpo do trabalho, uma vez que não só professores são usuários deste material, mas também escoteiros, peace Corps, ONGs, etc.

A segunda hipótese tem por base a constatação que uma certa parcela dos guias americanos se fixa em um único tema de caráter regional. Os temas mundiais são alvo de intenso trabalho de mídia e, portanto, de amplo conhecimento da maioria da população. Sendo a abordagem regional, faz-se necessário um maior detalhamento do problema. A totalidade dos guias brasileiros, por sua vez, trabalha com temas mundiais.

Quanto á justificativa, observa-se uma presença mais marcante no caso dos guias brasileiros. Isto se dá pelo fato de a maioria da sociedade norte-americana já estar consciente da necessidade da educação ambiental, de modo que, por via de consequência, os guias não mais necessitam de ampla justificativa.

2) Interdisciplinaridade

A questão da interdisciplinaridade no Brasil já era considerada como necessária pelos educadores há décadas, constando inclusive da Lei 5. 692/71 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação). No entanto, a educação ambiental começou a ser desenvolvida por técnicos que não dominavam a abordagem interdisciplinar, culminando com o fato de não se trabalhar com equipes multidisciplinares, ao contrário do que acontece nos EUA.

Os dados (Figura 2) caracterizam por um índice significativo de 16,7% de inexistência de interdisciplinaridade nos guias brasileiros; nos norte-americanos, apenas 5% se enquadram neste caso.

Esperava-se encontrar índices mais significativos de explicitação da interdisciplinaridade nos guias dos dois países, uma vez que o objetivo principal de qualquer guia de educação ambiental é fazer com que o professor abandone sua metodologia tradicional de ensino em prol de um método mais participativo. Deve-se ter como meta facilitar a compreensão das interrelações existentes entre as diversas áreas do conhecimento. Faz-se necessária a compreensão que nenhuma disciplina é estanque e compartimentalizada, podendo e devendo se ramificar e integrar com as demais. Assim, acreditamos que tanto no caso brasileiro quanto no norte-americano, deveria haver uma totalidade na explicitação da interdisciplinaridade.

3) Sistematização das Atividades

Todos os itens analisados visam facilitar a utilização do guia pelo professor (Figura 3). Excetuando-se os itens "Procedimento" e "Conteúdo", que constituem o próprio corpo de uma atividade, todos os outros itens se mostram com valores muito abaixo do esperado, apesar de os guias norteamericanos apresentarem valores maiores.

Dentro deste universo, chama a atenção o valor de 0% para o item "Faixa Etária" no caso brasileiro, no qual, os livros, na sua maioria, não constituem guias propriamente ditos de educação ambiental; na realidade alguns são livros de conteúdo cientifico, ou informativo, que contém atividades, visando atender à programação curricular formal. Portanto, pressupõe-se a faixa etária, conforme a série escolar para a qual o livro foi idealizado. Há também casos de livros em que não há especificação de faixa etária e nem de série escolar.

4) Índices

De uma forma geral, os percentuais encontrados para os guias norte-americanos (Figura 4) são maiores do que os dos brasileiros. Somente no item "Índice Geral" os valores obtidos são satisfatórios. Nos itens "Índice Temático" e "Índice Alfabético" os dois grupos de guias não atendem satisfatoriamente esta necessidade.

5) Metodologia

Os percentuais constatados para os dois grupos de guias (Figura 5) são similares e estão de acordo com os princípios da educação ambiental estabelecidos em Tbilisi, isto é, que a metodologia deve ser participativa (brasileiros 58,3% e norte-americanos 60%), sendo complementada petos aspectos criatividade (brasileiros 41,7% e norte-americanos 55%) e lúdico (brasileiros 33,3% e norte-americanos 35%).

O aspecto diferenciador entre os dois grupos de guias está na metodologia tradicional. Enquanto os brasileiros dela se utilizam em 50% dos casos, somente 25% dos norte-americanos a utilizam. Isto devese ao fato de a teoria da Escola Nova ter sido criada e desenvolvida nos EUA e ter chegado ao Brasil bem mais tarde. Mesmo assim, aínda há no Brasil muita resistência a sua implantação, por parte dos professores. Os guias norte-americanos que se utilizam desta metodologia estão voltados para o público de 2° grau, que carece do aspecto lúdico, além de possuir grade curricular mais extensa e dispor de menor tempo para a prática de atividades. Já no caso brasileiro, os guias que usam tal metodologia são dirigidos ao 1° grau, deixando de lado a criatividade e o aspecto lúdico.

6) Tema

Os guias norte-americanos são elaborados por equipes multidisciplinares, formadas por técnicos e experts, que trabalham em pesquisa e extensão universitárias, e portanto podem esmiuçar detalhes de cada tema abordado, dando origem a guias monotemáticos (Figura 6).

No Brasil, onde cada guia é elaborado por um ou poucos autores e não por equipes multidisciplinares a abordagem específica é mais difícil e, portanto, faz-se opção por guias pluritemáticos.

7) Adequação

Esperava-se que para todos os subitens deste item os guias brasileiros apresentassem percentagens iguais a 100% ou próximas dela. No entanto, não foi o que se verificou (Figura 7).

O ponto mais comum entre os dois grupos de guias é a "Adequação dos Procedimentos". Mesmo assim, chama a atenção o fato de 33,3%, ou seja, um terço dos guias nacionais, não apresentarem procedimentos compatíveis com nossa escola pública. Entretanto, volta-se a constatar a disparidade entre os dados no tocante aos objetivos propostos para os guias. Enquanto 100% dos livros norte-americanos se adequam aos objetivos, somente 58,3% dos brasileiros atendem a este requisito.

Quanto ao conteúdo proposto, um quarto dos guias brasileiros limita-se a propor atividades, não fornecendo ao professor informações básicas e suficientes para a fundamentação da atividade. Obrigam assim ao deslocamento para uma biblioteca, que nem sempre existe nas escolas públicas. O percentual de 10% de inexistência, no caso norte-americano, não se torna tão problemático devido à realidade da estrutura escolar daquele país.

Os valores para "Adequação à Realidade Brasileira" e "ao Público Alvo", no caso norte-americano, destacam-se pelos altos índices apresentados. Isto se deve provavelmente ao fato de a grande maioria ser monotemática, com aprofundamento de conteúdo e ter abrangência mundial.

8) Atividades

Cerca de 30% dos guias norte-americanos têm atividades sequenciais (Figura 8), porque fazem parte de um projeto integrado e são essencialmente monotemáticos (Figura 6), o que favorece uma seqüência mais adequada ao desenvolvimento das atividades. Apesar disto, a aplicação de atividades isoladas também é possível. Nos guias brasileiros 100% das atividades não são seqüenciais, estando de acordo com o dado de que 91,7% se encaixam na categoria pluritemática, havendo total independência entre as atividades.

9) Abrangência

O fato mais interessante revelado pela análise, neste item, é o surgimento de uma tendência á regionalização dos guias norte-americanos: um quarto deles (Figura 9) se fixam a problemas mais próximos da população. A visão multidisciplinar dos autores manifesta-se plenamente nesses casos, aproximando os indivíduos-alvo da realidade ambiental que os cerca. Parece-nos que esta seja uma nova tendência que está surgindo. A abrangência mundial da unanimidade dos guias brasileiros explicase pela dificuldade de se obterem informações sobre problemas ambientais locais e/ou regionais brasileiros. Muitas vezes, esse material se encontra disperso em publicações técnicas nacionais e estrangeiras de difícil acesso aos autores.

CONCLUSÃO

A análise de cada item veio ratificar que a diferença primordial entre os dois grupos de guias está na autoria multidisciplinar dos guias norte-americanos em contraposição aos guias brasileiros.

Tal fato resultou na plena expressão da interdisciplinaridade, na concretização do construtivismo, na preocupação com o apoio e acompanhamento do professor no desenvolvimento das atividades, na maior ênfase da expressão da cidadania, através da regionalização, aprofundamento e contextualização das atividades à realidade cotidiana do público alvo, criando um repensar do papel do individuo sobre seu ambiente mais próximo.

Com os dados obtidos na avaliação dos guias, pode-se chegar mais próximo aõ modelo ideal de urna guia de atividades em educação ambiental.

Nele, a introdução deveria ser objetiva, contextualizada e justificada. A interdisciplinaridade seria explícita. As atividades deveriam conten objetivo, tempo, material, introdução, procedimentos, conteúdo, avaliação, variações ou alternativas, faixa etária, aprofundamento do conteúdo, bibliografia, glossário, fontes de recursos e ilustrações. O guia deve apresentar índices geral, temático e alfabético. A metodologia deve ser participativa, criativa e o aspecto lúdico deve ser contemplado. O guia deve ser monotemático, adequado á realidade brasileira, ao público alvo, ao conteúdo proposto e ter procedimentos adequados, além de ter abrangência regional. A seqüência das atividades depende dos objetivos iniciais.

Nosso objetivo maior nesta pesquisa foi contribuir com os profissionais de educação, principalmente aqueles interessados em elaborar materiais didáticos com vistas à educação ambiental.

TABELA 1
Guias norteamericanos examinados.
TABELA 2
Guias brasileiros examinados.

Figura 1
Introdução.

Figura 2
Interdisciplinaridade.

Figura 3
Sistematização das atividades.

Figura 4
Índices.

Figura 5
Metodologia.

Figura 6
Tema.

Figura 7
Adequação.

Figura 8
Atividades.

Figura 9
Abrangência.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    1996
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