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ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS DEFESAS MECÂNICAS E QUÍMICAS DE Aspidosperma australe MÜELL. ARG. E Aspidosperma cylindrocarpon MÜELL. ARG. (APOCYNACEAE) CONTRA HERBIVORIA

COMPARATIVE ANALYSIS BETWEEN MECHANICAL AND CHEMICAL DEFENSES IN Aspidospema australe MÜELL. ARG. AND Aspidosperma cylindrocarpon MÜELL. ARG. (APOCYNACEAE) AGAINST HERBIVORY)

RESUMO

Aspidosperma australe e Aspidosperma cylindrocarpon são muito utilizadas na arborização do Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais. Contudo, a infestação por insetos galhadores compromete sensivelmente apenas o vigor de mudas recém-plantadas e de espécimes já adultos de A. australe. O estudo anatômico, histoquímico e a análise do perfil cromatográfico das folhas de A. australe e A. cylindrocarpon teve por objetivo avaliar caracteres morfológicos e químicos que possam constituir mecanismos de defesa, afetando a aceitabilidade e/ou a resistência dessas espécies a infestação pelo inseto galhador (Pseudophacopteron sp.). A análise estrutural permitiu caracterizá-las como espécies vegetais anatomicamente distintas, com diferenças relevantes observadas nos sistemas de revestimento e fundamental. As diferenças químicas relacionadas à produção de derivados fenólicos nas duas espécies sugerem estratégias de proteção contra a infestação pelo inseto galhador e por outros possíveis herbívoros em A. cylindrocarpon. Em A. australe, tanto as características anatômicas quanto as químicas denotam maior susceptibilidade ao ataque pelo Pseudophacopteron sp. e por todos os demais componentes da teia alimentar envolvidos nesta galha.

Palavras-chaves
Aspidosperma; anatomia foliar; histoquímica; derivados fenólicos; flavonóides; perfis cromatográficos; herbivoria

ABSTRACT

Aspidosperma australe and Aspidosperma cylindrocarpon are widely used in the arborization of Pampulha Campus of Universidade Federal de Minas Gerais. Gall insects are very common only in young and adult specimens of A. australe. The anatomical and histochemical studies, as well as the chromatografic profiles of the leaves of A. australe and A. cylindrocarpon, meant to analyse the morphological and chemical characteristics that could constitute defense strategies and should affect the acceptability and/or resistance of these species to the attack of a gall inducing insect (Pseudophacopteron sp.). A. australe and A. cylindrocarpon are anatomically distinct species, with relevant characteristics observed on epidermis and mesophyll. Chemical differences in the production of phenolics in both species suggest that A. cylindrocarpon presented defense strategies to the gall insect as well as to some other possible herbivores. On the other hand, A. australe presented morphological and chemical characteristics that could imply in its greater susceptibility to the attack of Pseudophacopteron sp. and to all the other members of the guild involved in its gall food web.

Keywords
Aspidosperma; leaf anatomy; histochemistry; plant phenolics; flavonoids; chromatografic profiles; herbivory

INTRODUÇÃO

Aspidosperma C. Martius & Zucc possui cerca de 80 espécies arbóreas tropicais muito freqüentes na América do Sul (MARBBELEY 1997MABBERLEY, D.J. The plant-book. A portable dictionary of the vascular plants. 2nd ed., Cambridge University Press, Cambridge, 1997. 858p.). Essas plantas despertam interesse econômico, tanto pela produção de madeiras nobres quanto de substâncias de interesse industrial e medicinal (LORENZI 1992LORENZI, H. 1992. Árvores brasileiras. Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. v.. 1, Ed. Plantarum, São Paulo, 1992. 352p., il., 1998). Espécies desse gênero se caracterizam pela produção de metabólitos derivados do chiquimato, especialmente polifenóis (“taninos”) e alcalóides (LORENZI 1998; MARBBELEY 1997MABBERLEY, D.J. The plant-book. A portable dictionary of the vascular plants. 2nd ed., Cambridge University Press, Cambridge, 1997. 858p.).

Os alcalóides indoloterpênicos, típicos do gênero Aspidosperma, são de origem biossintética mista (chiquimato/mevalonato) e possuem geralmente atividade biológica marcante (ROBBERS et al. 1997ROBBERS, J.E., SPEEDIE, M.K. & TYLER, V.E. Farmacognosia e farmacobiotecnologia. Editorial Premier, São Paulo, 1997. 372p., JACÓME 1998).

Aspidosperma australe Müell. Arg. apresenta grande número de galhas foliares induzidas por uma espécie não descrita de Pseudophacopteron (Homoptera - Psyllidae). Esta espécie vegetal, juntamente com Aspidosperma cylindrocarpon Müell. Arg., é muito utilizada na arborização do Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais. Contudo, a infestação pelos insetos galhadores compromete sensivelmente apenas o vigor de mudas recém-plantadas e de espécimes já adultos de A. australe.

As galhas de A. australe são voltadas para a face dorsal da folha e durante o período de crescimento do indutor e maturação da galha se apresentam lenticulares (FERNANDES et al.1988FERNANDES, G.W. , TAMEIRÃO NETO, E. & MARTINS, R. P. Ocorrência e caracterização de galhas entomógenas na vegetação do campus da pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais. Rev. bras Zool. v.5, n.1, p.11-29, 1988.).

No período de senescência, tornam-se cônicas com bordas verde-claras que podem se tornar marrons posteriormente (ISAIAS 1997ISAIAS, R.M.S., CHRISTIANO, J.C.S. & PAIVA, E.A. Biologia e anatomia da galha foliar de Aspidosperma australe (Apocynaceae). Resumos do XLVIII Congresso Nacional de Botânica. p 107, 1997.). São classificadas como “galhas em bolso” (Mani 1964MANI, M.S. Ecology of plant galls. The Hague. Dr. W. Junk. Publishers, 1964. 434p., il.), pois são formadas pelo crescimento do tecido do mesofilo englobando o indutor.

Muitos dos insetos indutores de galhas são altamente específicos para o órgão e para a planta hospedeira, ou seja, eles induzem galhas em apenas uma espécie ou grupo intimamente relacionado de espécies vegetais (MANI 1992MANI, M.S. Introduction to Cecidology. In SHORTHOUSE, J.D. & ROHFRITSCH, O. Biology of Insect-Induced Galls. Oxford University Press. New York, 1992. p. 3-7, il.). Galhadores são um grupo de herbívoros com um modo de nutrição altamente específico, sésseis e com uma relação particularmente próxima com seus hospedeiros. Portanto, essa guilda alimentar constitui-se num modelo promissor para estudos sobre os aspectos químicos da interação entre plantas e seus herbívoros (HARTLEY 1998).

MAY (1979) e PRICE (1980) propuseram que grande parte da variação entre as espécies vegetais e o número de fitófagos que as utilizam deve ser devido à variação das defesas bioquímicas entre as espécies vegetais. Os efeitos destas substâncias químicas nos herbívoros estudados variou da letalidade ao benefício, passando pela neutralidade.

A aceitabilidade da planta hospedeira envolve suas características químicas e/ou físicas, que são interpretadas ou não pelos insetos herbívoros como sinais para oviposição e de alimentação. A conseqüência dessa interação estrutura/química pode variar da alta resistência à alta susceptibilidade de plantas poten-cialmente hospedeiras (ABRAHAMSON et al. 1991ABRAHAMSON, W. G., McCREA, K.D., WHITWELL, A.J. & VERNIERI, L.A. The role of phenolics in goldenrod ball gall resistance and formation. Biochem. Syst. Ecol. v.19, n.8, p.615-622, 1991.).

As substâncias químicas vegetais podem influenciar a estrutura da comunidade e o grau de especialização dos fitófagos (HENDRIX 1980; PRICE 1980). As similaridades na fauna de algumas plantas refletem suas similaridades químicas (BERENBAUM 1981, 1983; ROWELL-RAHIER 1984). Entretanto, restam muitas dúvidas sobre o mecanismo de tradução desses sinais químicos na riqueza das espécies de fitófagos (TAPER & CASE 1987TAPER, M.L. & CASE, T.J. Interactions between oak tannins and parasite community structure: Unexpected benefits of tannins to cynipid gallwasps. Oecologia (Berlin) v.71, p.254-261, 1987.).

Segundo PRICE et al. (1986, 1987) a radiação adaptativa ocorre dos taxa de insetos para os taxa de plantas. Desse modo, os caracteres morfológicos e químicos das plantas determinam a sua aceitabilidade pelos galhadores.

O estudo anatômico, histoquímico e a análise do perfil cromatográfico das folhas de A. australe e A. cylindrocarpon teve por objetivo avaliar caracteres morfológicos e químicos que possam constituir mecanismos de defesa, afetando a aceitabilidade e/ou a resistência dessas espécies a infestação pelo Pseudophacopteron sp.

METODOLOGIA

Análise anatômica

Fragmentos de folhas de A. australe e A. cylindrocarpon foram fixados em FAA50 por 48h, desidratados em série butílica (JOHANSEN 1940JOHANSEN, D.A. Plant microtechnique. Mac Graw Book Co., 1940. 523p., il.) e infiltrados em Paraplast® (KRAUS & ARDUIN 1997KRAUS, J. E. & ARDUIN, M.. Manual básico de métodos em morfologia vegetal. Ed. Univ. Fed. Rural do Rio de Janeiro, 1997. 198 p., il.). Cortes transversais, com espessura de 16µm, foram obtidos em micrótomo rotatório (Jung-BIOCUT mod. 2035) e corados pela mistura safraninaazul de astra (1:9 v/v) (BUKATSCH 1972BUKATSCH, F. Bemerkungen zur Doppelfärbung Astrablau-Safranin. Mikrokosmos, v.61, n.8, p.:255, 1972.). As lâminas foram montadas em Entellan®.

Fragmentos epidérmicos foram dissociados em solução de hipoclorito comercial 50% em placa aquecida a 40°C por 24h e submetidos a dupla coloração pela mistura de safranina-azul de astra (1:9 v/v) (BUKATSCH 1972BUKATSCH, F. Bemerkungen zur Doppelfärbung Astrablau-Safranin. Mikrokosmos, v.61, n.8, p.:255, 1972.).

Análise Histoquímica

Polifenóis foram detectados em fragmentos fixados em sulfato ferroso 4% em formalina (Johansen 1940JOHANSEN, D.A. Plant microtechnique. Mac Graw Book Co., 1940. 523p., il.) por 48h, desidratados em série butílica, incluídos em Paraplastâ, cortados transversalmente (12 mm), afixados em lâmina, desparafinados e montados em Entellanâ.

A presença de flavonóides foi testada em cortes transversais, obtidos de material recémcoletado, fixados em cafeína-benzoato de Na 1% dissolvido em água/butanol (1:9 v/v) por 5 min., submetidos a reação com DMACA (p- dimetilaminocinamaldeído) por 2h (FEUCHT et al. 1983FEUCHT, W., SCHIMID, P.P.S. & CHRIST, E. Distribution of flavonols in meristematic and mature tissues of Prunus avium shoots. J. Plant Physiol. v.125, p.1-8, 1983.) e montados em glicerina 50%.

Elaboração do Perfil Cromatográfico

Os extratos etanólicos de A. australe e A. cylindrocarpon foram obtidos de folhas secas a temperatura ambiente (30oC) e moídas. Pesos idênticos de ambos os materiais foram extraídos com hexano e, em seguida, com etanol até a exaustão, em aparelho Soxhlet.

Duas técnicas cromatográficas foram empregadas para a análise fitoquímica do material: (1) cromatografia em camada delgada (CCD) sobre gel de sílica, utilizando-se como eluente a mistura AcOEt-HCOOH-AcOH-H2O (100:11:11:27) e como reveladores NP/PEG sob UV a 365nm e ácido molibídico a 2% em etanol; (2) cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) em cromatógrafo ShimadzuÒ (coluna RP18 250x4mm, Ø 5mm, bomba LC-10AD, detector UV/Vis SPD 10A), utilizando-se como eluente acetonitrila/H2O e velocidade de injeção de 0,5 ml/min. (WAGNER et al. 1984WAGNER, H., BLADT, S. & ZGAINSKI, E.M. Plant Drug Analysis. Springer-Verlag, Berlin, 1984.; Markham 1982). Para elaboração dos perfis cromatográficos foram injetados volumes idênticos de ambos extratos (20 ml) e a detecção das substâncias foi feita a 220, 260 e 340nm (PAIVA 1999PAIVA, S.R. Aspectos da biologia celular e molecular de espécies de Plumbaginaceae. Dissertação de Mestrado. Museu Nacional. UFRJ, Rio de Janeiro, 1999. 120p.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A indução de galhas em A. australe pelo Pseudophacopteron (Psyllidae), denota grande especialização de espécie, de órgão, e até mesmo da face da folha onde a oviposição ocorre e onde a galha se desenvolve. Tal fato é reforçado pela não observação do ataque pelo Pseudophacopteron em uma espécie sintópica do mesmo gênero, A. cylindrocarpon.

A análise estrutural de A. australe e A. cylindrocarpon permite caracterizá-las como espécies vegetais anatomicamente distintas, com características diferenciais relevantes observadas nos sistemas de revestimento e fundamental.

A lâmina foliar de A. australe apresenta tendência a organização bifacial, é hipostomática e esparsamente pilosa (Fig. 1a). A. cylindrocarpon apresenta lâmina foliar tipicamente dorsiventral, sendo também hipostomática e esparsamente pilosa (Fig. 1b).

A. australe apresenta epiderme unisseriada em ambas as faces, revestida por cutícula espessa, com cerca de metade da espessura do estrato epidérmico (Fig. 1a; 1c). Na face abaxial, a cutícula acompanha a papilosidade das paredes periclinais externas das células epidérmicas, o que leva a formação de papilas conspícuas. Estômatos estão localizados no nível inferior das papilas, tendo as células anexas papilas semelhantes as demais células epidérmicas. A câmara subestomática apresenta dimensões reduzidas (Fig. 1c). Em vista frontal, a epiderme foliar de A. australe mostra paredes anticlinais retilíneas e ausência de estriações na face adaxial (Fig. 1e). A face abaxial destaca-se pela formação das papilas, ausentes apenas nas células-guarda, o que lhe confere um aspecto fortemente estriado (Fig. 1g).

A epiderme de A. cylindrocarpon é unisseriada em ambas as faces, e apresenta-se revestida por cutícula lisa cuja espessura corresponde a cerca de metade daquela do estrato epidérmico na face adaxial e ¼ na face abaxial (Fig. 1b). Os estômatos apresentam as célulasguarda levemente projetadas acima das demais células epidérmicas, pelo arqueamento das células anexas. A câmara subestomática apresenta dimensões reduzidas (Fig. 1d). Em vista frontal, apresenta células poligonais, com paredes anticlinais retilíneas em ambas as faces (Fig. 1f; 1h).

A presença de papilas bem desenvolvidas é uma característica única à A. australe Estas papilas parecem aumentar a superfície de aderência para a fixação do ovo até a saída do primeiro estágio ninfal do indutor, o qual efetivamente dará início a indução da galha. Em contrapartida, a ausência de ornamentações na cutícula de A. cylindrocarpon parece constituir-se numa barreira física para a fixação dos ovos do indutor, pela redução de sua capacidade de fixação. Tal suposição é reforçada pelo fato de que oviposições observadas na face adaxial da folha de A. australe, cujas paredes periclinais das células epidérmicas, a semelhança de A. cylindrocarpon, apresentam-se retilíneas, não resultam no desenvolvimento de galhas. Segundo DEVERALL (1977)DEVERALL, B.J. Defense mechanisms of plants. Cambridge monographs in experimental biology. n 19. Cambridge Univ. Press. 109p., 1977., a natureza física da superfície cuticular ou as emanações químicas de sítios particulares podem influenciar a localização dos pontos de entrada dos parasitas, sendo que as falhas no parasitismo podem ocorrer durante a penetração da cutícula ou das paredes das células epidérmicas. Observações semelhantes em interações inseto-planta indicam que a superfície foliar têm amplo papel no reconhecimento e estabelecimento dos sítios de oviposição (ARAÚJO 1997ARAUJO, M.C.P. Aspectos ecológicos e evolutivos da interação entre animais e plantas. In: ARAÚJO, M.C.P., COELHO, G.C. & MEDEIROS l. Interações ecológicas e biodiversidade. Ed. UNIJUÍ, Ijuí, 1997. p.11-48.).

Em A. australe, o parênquima paliçádico é constituído por uma única camada de células cerca de quatro vezes mais altas do que largas, faz limite interno com o parênquima lacunoso, o qual é composto por oito a nove camadas de células com maiores dimensões no sentido paradérmico, guardando espaços intercelulares reduzidos. Na face adaxial, as células do parênquima clorofiliano tendem a uma disposição em paliçada com células duas vezes mais altas do que largas (Fig. 1a).

Em A. cylindrocarpon, o parênquima paliçádico é constituído por duas a três camadas de células. O estrato adjacente a epiderme adaxial apresenta células cerca de três vezes mais altas do que largas, enquanto que os estratos mais internos são duas vezes mais altos do que largos. O parênquima lacunoso é constituído por sete a oito camadas de células com maiores dimensões no sentido paradérmico, guardando espaços intercelulares relativamente reduzidos. O estrato de células adjacente a epiderme abaxial tem células isodiamétricas e mais compactamente dispostas. Esclereídes são observados em meio as células do parênquima clorofiliano (Fig. 1b).

Enquanto o sistema fundamental da folha de A. australe apresenta-se constituído exclusivamente por células parenquimáticas, em A. cylindrocarpon observam-se esclereídes em meio ao parênquima. A maior compacidade tecidual aliada a diferenciação de esclereídes em A. cylindrocarpon podem representar barreiras físicas à diferenciação da galha. As células parenquimáticas, com condições de retomar sua capacidade meristemática constituem-se em um habitat favorável para o desenvolvimento de microcomunidades (Mani 1992MANI, M.S. Introduction to Cecidology. In SHORTHOUSE, J.D. & ROHFRITSCH, O. Biology of Insect-Induced Galls. Oxford University Press. New York, 1992. p. 3-7, il.). Em A. cylindrocarpon, uma vez que parte das células do mesofilo estão determinadas para diferenciarem-se em esclereídes, alterações do curso de diferenciação seriam mais complexas.

Os processos de diferenciação celular envolvidos na defesa contra herbivoria incluem não somente mudanças morfológicas, tais como espessamento cuticular ou de parede, mas também mudanças químicas que ocorrem nas células em maturação e envolvem o metabolismo secundário das plantas (Herms & Mattson 1992). Este metabolismo constituise na barreira entre plantas e insetos mais intensivamente estudada (HODKINSON & HUGHES 1987). A premissa básica de HERMS & MATTSON (1992) é de que a alocação de recursos pelas plantas para defesas químicas e estruturais reduz o crescimento pela divergência de recursos para produção de área foliar e outras estruturas vegetativas.

Os polifenóis foram detectados, em A. australe, como conteúdo castanho claro em quantidade relativamente pequena nas células epidérmicas da face abaxial (Fig. 2a), principalmente sobre a nervura mediana. A reação para flavonóides foi negativa em todos os tecidos foliares nesta espécie (Fig. 2c).

Em A. cylindrocarpon, os polifenóis foram detectados como conteúdo enegrecido nos vacúolos das células parenquimáticas adjacentes as epidermes em ambas as faces (Fig. 2b), destacadamente sobre a nervura mediana e na camada mais externa do parênquima paliçádico. Flavonóides foram detectados, pela coloração azul escura observada, em quantidade relativamente pequena nos vacúolos das células isodiamétricas do parênquima lacunoso adjacentes a epiderme na face abaxial e, em maior concentração, nas células do parênquima paliçádico adjacentes a epiderme na face adaxial (Fig. 2d; 2e).

O resultado da análise cromatográfica por CCD sugere uma produção quantitativamente baixa de derivados flavonoídicos no extrato etanólico bruto de folhas de A. australe. A revelação das placas cromatográficas resultou em manchas pouco intensas, indicando a baixa concentração das substâncias detectadas.

A análise cromatográfica do extrato etanólico de A. australe por CLAE resultou num perfil pouco diversificado (Fig. 3-5). A maioria das substâncias foram detectadas nos cromatogramas obtidos a 220nm (Fig. 3) e a 260nm. Entretanto os sinais aparecem com intensidade relativamente baixa, indicando teores reduzidos das substâncias detectadas na amostra analisada, o que é claramente observado no cromatograma obtido a 340nm (Fig. 5).

Já em A. cylindrocarpon, o resultado da análise cromatográfica por CCD sugere uma produção quantitativamente alta de derivados flavonoídicos no extrato etanólico bruto das folhas. A revelação das placas cromatográficas resultou em manchas muito intensas, indicando a alta concentração das substâncias detectadas.

A análise cromatográfica do extrato etanólico de A. cylindrocarpon por CLAE resultou num perfil diversificado, o que pode ser visto em todos cromatogramas (Fig. 3-5). Grande número dos sinais detectados aparecem com intensidade alta, indicando teores elevados das substâncias detectadas na amostra analisada.

O resultado das análises histoquímicas e cromatográficas de A. australe sugere sua menor produção de substâncias fenólicas. A histoquímica revela que tais substâncias estão presentes em pequenas quantidades apenas na epiderme da face adaxial, na região da nervura mediana, região da folha que apresenta baixo nível de ataque pelo Pseudophacoteron.

A. cylindrocarpon, por sua vez, apresenta maior produção de substâncias fenólicas. O que é indicado tanto pelo resultado das análises histoquímicas quanto cromatográficas. Chama atenção o resultado positivo dessa espécie na análise histoquímica para flavonóides, substâncias que podem comprometer a alimentação do Pseudophacopteron e conseqüentemente o desenvolvimento dos tecidos vegetais ao seu redor. Esse fato, aliado as características anatômicas discutidas anteriormente podem explicar a ausência de galhas nessa espécie vegetal.

Substâncias fenólicas são tidas como ótimas protetoras contra herbivoria (MANI 1964MANI, M.S. Ecology of plant galls. The Hague. Dr. W. Junk. Publishers, 1964. 434p., il.; BRONNER 1969BRONNER, R. Localisations histochimiques des produits aminés solubles et des aminopeptidases dans les tissus nourriciers des galles de Cécidomyides. C.R. Hebd. Séanc. Acad. Sci.,Paris 268, sér. D, 810-812. 1969. In: BRONNER, R.. Contribution a l’etude histochimique des tissus nourriciers des zoocecidies. Marcellia, v. 40, p.1-134, 1977; ABRAHAMSON et al. 1991ABRAHAMSON, W. G., McCREA, K.D., WHITWELL, A.J. & VERNIERI, L.A. The role of phenolics in goldenrod ball gall resistance and formation. Biochem. Syst. Ecol. v.19, n.8, p.615-622, 1991.). A baixa presença de fenóis e sua localização restrita a epiderme adaxial em A. australe, permite inferir que não se constituam em barreiras a introdução do aparelho bucal do Pseudophacopteron, estímulo inicial à indução da galha. Em contrapartida, a maior concentração e a localização de substâncias fenólicas no mesofilo de A. cylindrocarpon pode se constituir em uma barreira ao ataque por insetos herbívoros.

Segundo RUBIN & ARTSIKHOVSKAYA (1964)RUBIN, B.A. & ARTSIKHOVSKAYA, E.V. Biochemistry of pathological darkening of plant tissues. Ann. Rev. Phytopathology, v.2, p.157-178, 1964., existe uma grande diversidade no papel dos derivados fenólicos em plantas. Eles funcionam como doadores ou receptores de hidrogênio nas reações de oxi-redução, desempenhando um papel fundamental na lignificação. Alguns fenóis são ótimos inibidores do crescimento, enquanto outros agem como estimuladores. Mesmo pequenas mudanças no metabolismo dos fenóis podem romper drasticamente muitos processos essenciais para o crescimento e o desenvolvimento vegetal. Substâncias fenólicas estão envolvidas na determinação do status de desenvolvimeno de tecidos vegetais através da sua reatividade com proteínas e enzimas envolvidas na produção de hormônios (HARTLEY 1999HARTLEY, S.E. Are gall insects large rhizobia ? Oikos , v.84, n.2, p.333-342, 1999.). É possível que essa reatividade dos fenóis tenha forte relação com o processo de formação da galha. Além disso, derivados fenólicos desempenham um papel importante como substâncias de defesa contra a herbivoria, como, por exemplo, os taninos hidrolisáveis e as proantocianidinas que são substâncias inibidoras de alimentação para espécies de insetos (HARBORNE 1994). Em Populus sp. já foi observada uma correlação negativa entre o teor de fenóis e o ataque por afídeos indutores de galhas foliares (ZUCKER 1982ZUCKER, W.V. How aphids choose leaves: the role of phenolics in host selection by a galling aphid. Ecology , v.63, p.972-981, 1982.). Espécies do gênero Aspidosperma, por exemplo, A. quebracho-blanco, constituem fontes de taninos (LORENZI 1997LORENZI, H. Árvores brasileiras. Manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. v.2, Ed. Plantarum, São Paulo , 1997. 352p., il.). Além das substâncias fenólicas detectadas pelo sulfato ferroso, os flavonóides, nas células das folhas de A. cylindrocarpon, devem também contribuir com o fato desta espécie não apresentar sinais de ataque tanto pelo Pseudophacopteron quanto por outros herbívoros.

Figura 1
(A, C, D, E, G) Aspidosperma australe e (B, D, F, H) A. cylindrocarpon. (A- B) Lâminas foliares em corte transversal evidenciando organização dos tecidos, superfície foliar na face adoxial e papilosa na face abaxial em A. australe (A), e superfície foliar lisa em ambas as faces em A. cylindrocarpon (B). (C-D) Detalhes das faces abaxiais das lâminas foliares em corte transversal. (E-F) Epidermes das faces adaxiais em vista frontal. (G-H) Detalhes das epidermes das faces abaxiais em vista frontal. (barras = 50 mm)

Figura 2
Testes histoquímicos. (A, C) Aspidosperma australe e (B, D, E) A. cylindrorpon. (A-B) Reação para polifenois. (A) Evidenciada apenas nas células epidérmicas da face adaxial. (B) Evidenciada nas células do mesofilo. (C - E) Reação para flavonóides. (C) Reação negativa. (D) Reação positiva nas células do mesofilo, destacadamente no parênquema paliçádico. (E) Detalhe da reação positiva no vacúolo das células do parênquima paliçádico. (barras = 50 mm).

Figura 3
Perfil cromatográfico dos extratos etanólicos de folhas de A. australe (A) e A. cylindrocarpon (B) obtidos por CLAE (detecção a 220nm).

Figura 4
Perfil cromatográfico dos extratos etanólicos de folhas de A. australe (A) e A. cylindrocarpon (B) obtidos por CLAE (detecção a 260nm).

Figura 5
Perfil cromatográfico dos extratos etanólicos de folhas de A. australe (A) e A. cylindrocarpon (B) obtidos por CLAE (detecção a 340nm).

A análise por CCD das duas espécies reforça o pressuposto da maior produção de flavonóides para A. cylindrocarpon. O perfil cromatográfico por CLAE também revela grandes diferenças químicas entre as espécies estudadas. Para A australe, a maioria dos sinais detectáveis a 220nm, por exemplo, encontra-se numa faixa de tempos de retenção entre 20 e 35 minutos (Fig. 3). Por outro lado, no perfil cromatográfico de A. cylindrocarpon obtido a 220nm os sinais detectáveis concentram-se na faixa de tempos de retenção entre 10 e 20 minutos. Observações semelhantes, que indicam diferenças quantitativas e qualitativas entre as espécies, podem ser feitas nos cromatogramas obtidos a 260 e 340nm (Figs 4-5).

Perfis cromatográficos obtidos por CLAE podem ser empregados na análise da diversidade química de espécies vegetais ou seus órgãos, tendo também importância no monitoramento da produção de substâncias bioativas (PAIVA 1999PAIVA, S.R. Aspectos da biologia celular e molecular de espécies de Plumbaginaceae. Dissertação de Mestrado. Museu Nacional. UFRJ, Rio de Janeiro, 1999. 120p.). Dessa maneira, essa técnica possui potencialidades como ferramenta na monitoração de fenômenos químico-ecológicos como, por exemplo, a herbivoria. Os resultados obtidos no presente trabalho permitem supor a relação entre as diferenças químicas observadas e a susceptibilidade de A. australe ao Pseudophacopteron.

CONCLUSÕES

As diferenças estruturais e químicas relacionadas à produção de derivados fenólicos, nas duas espécies estudadas, sugerem um mecanismo de interação entre as estratégias de proteção contra a infestação pelo inseto galhador e por outros herbívoros em A. cylindrocarpon. Caso o parasita deposite seus ovos sobre a lâmina foliar dessa espécie vegetal, os ovos se fixem, e o primeiro estágio ninfal consiga ultrapassar as barreiras mecânicas observadas, o mesmo provavelmente não encontrará, no mesofilo, um ambiente químico favorável ao seu desenvolvimento. Em A. australe tanto as características anatômicas quanto as químicas denotam maior susceptibilidade ao ataque pelo Pseudophacopteron sp. e por todos os demais componentes da teia alimentar envolvida nesta galha.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de expressar nossos agradecimentos ao Departamento de Química da UFMG nas pessoas do Prof. Délio Raslan pela sessão da aparelhagem e da Técnica Angela Cristina Assumpção pela realização das análises químicas.

LITERATURA CITADA

  • ABRAHAMSON, W. G., McCREA, K.D., WHITWELL, A.J. & VERNIERI, L.A. The role of phenolics in goldenrod ball gall resistance and formation. Biochem. Syst. Ecol. v.19, n.8, p.615-622, 1991.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2000
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