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ANÁLISE DA ATIVIDADE EXTRATIVA DE VIROLA (Virola surinamensis (ROL.) WARB.) NO ESTUÁRIO AMAZÔNICO 1

FOREST EXPLORATION OF VIROLA SURINAMENSIS (ROL.) WARB. IN AMAZON ESTUARY

RESUMO

No estuário amazônico abrangendo Macapá (AP), Ilha de Gurupá (PA) e Ilha de Marajó (regiões de Melgaço e Breves- PA) foram aplicados questionários (n=65), entrevistas e levantamentos de campo para obter dados quantitativos do processo de extração. As áreas de exploração mais antigas (Breves, Ilha de Gurupá e Melgaço) apresentaram queda no volume de extração após 10 anos de atividade extrativa, enquanto houve aumento nas áreas de exploração mais recentes (Anajás). As áreas estudadas de várzea alta apresentaram menor volume comercial/ha (7m3/ha a 56,8 m3/ha) do que as áreas de várzea baixa e igapó (144,3 m3/ha). O número médio de árvores/ha foi maior na várzea baixa e igapó (265 árvores) do que na alta (10 a 17 árvores). A exploração na várzea alta foi extensiva, ocupando grandes áreas e na várzea baixa intensiva. O extrativismo manual pelo regime de convidado foi predominante, com baixo rendimento (10 toras/dia) em relação à exploração mecanizada com a utilização de equipamento motorizado-tartaruga (18 toras/dia). A renda familiar resultante da extração manual foi de US$ 1000/ano, com produção média de 55 m3/homem.

Palavras-chaves
virola; Virola surinamensis; extrativismo; amazônia

ABSTRACT

Exploration of virola (Virola surinamensis (Rol.) Warb. occurs since decade of 60 due to its importance for industry. Studies were developed in the amazon estuary embracing Macapá (AP), Gurupá (PA) and Marajó Islands (areas of Melgaço and Breves - PA). Questionnaires (n=65) were applied to obtain data of costs and productivity, besides interviews. Inventory surveys were used to obtain quantitative data of extraction process. Areas of older process of exploration (Breves, Gurupá and Melgaço) presented decrease in volume of wood extraction after 10 years, while there was increase in the areas of more recent exploration (Anajás). Swamp forest presented lower commercial volume/ha (7m3/ha and 56,8 m3/ha) than areas of flood plain forest (144,3 m3/ha). Number of trees/ha went higher in swamp forest (265 trees/ha) than in flood plain (10-17/ha). The exploration in flood plain was extensive, occupying great areas and in the swamp forest was intensive. Manual exploration was predominant, with low revenue (10 logs/day) in relation to the mechanical exploration (18 logs/day). Familiar income from manual extraction was US$ 1000/year, with production of 55 m3/man.

Key words
virola; Virola surinamensis; extrativism; amazon estuary

INTRODUÇÃO

Virola surinamensis (Rol.) Warb. (Myristicaeae), conhecida como virola ou ucuúba, é uma espécie considerada como tipicamente amazônica e seu habitat é a várzea e os igapós (LEITE & LLERAS, 1993LEITE, A. M. C; LLERAS, E. Áreas prioritárias na Amazônia para a conservação dos recursos genéticos de espécies florestais nativas: fase preliminar. Acta Botanica Brasilica v.7, n.1, 1993, p. 61-94.). No Brasil concentra-se na Bacia Amazônica, atingindo todo o Estado do Amazonas, Pará, parte do Maranhão, Ceará e Goiás, onde predomina em locais alagados, nas margens dos rios, igarapés, furos e paranás, e em áreas que possam ser atingidas pelas cheias (RODRIGUES, 1979RODRIGUES, W.A. Botânica sistemática das Myristicaceas do Brasil. Ciência e Cultura, 1979, p.12-17.; 1989______. A new Venezuelan Virola (Myristicaceae). Ann. Missouri Bot. Gard. v.76, 1989, p.1163-1164.; MAINIERI & CHIMELO, 1989MAINIERI, C. & CHIMELO, J.P. 1989. Fichas de Características das Madeiras Brasileiras. 2ª Edição, São Paulo, IPT. 418p. (Publicação IPT n. 1791).).

É uma espécie que apresenta grande potencial econômico, sendo sua madeira utilizada na fabricação de laminados (SUDAM, 1981SUDAM, MINISTÉRIO DO INTERIOR. Grupamento de espécies tropicais da Amazônia por similaridade de características básicas e por utilização. Belém, Min. do Interior, SUDAM-DRN, 1981, 237p.; PAULINO FILHO, 1985PAULINO FILHO, H. Ecologia química da Família Myristicaceae. São Paulo, USP, v.1, n. 1, 1985, 336p, (Tese de Doutorado)) e de compensados (LORENZI, 1992LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Ed. Plantarum Ltda, Nova Odessa. 1992.). A madeira da virola é leve, com densidade de 0,48 g/cm3, de superifície áspera, de baixa resistência ao apodrecimento (LORENZI, 1992LORENZI, H. Árvores brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Ed. Plantarum Ltda, Nova Odessa. 1992.), com cerne variando de bege-claro até castanho escuro (PIO CORREIA, 1969-1978PIO CORRÊA, M. Dicionários das plantas úteis do Brasil e das exóticas cultivadas. Brasília, IBAMA. 6 volumes. 1969-1978.). Face ao seu grande valor econômico, a espécie vem sendo intensamente explorada nos últimos anos, culminando com a extinção de algumas populações, resultante do extrativismo seletivo.

De uma forma mais simplificada, entende-se extrativismo como o conjunto de atividades ou operações que atuam pela retirada, extração ou arrancamento de um produto, sem sua devida reposição (HOMMA, 1990_____ . A dinâmica do extrativismo vegetal na amazônia: uma interpretação teórica. Belém, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -EMBRAPA, 1990, 38 p., 1993HOMMA, A. K. O. A sustentabilidade do sistema extrativo da Floresta Amazônica. Belém, EMBRAPA/CPATU, 27p.,1993).

O processo extrativo é classificado como de coleta ou de aniquilamento e tem sido associado à coleta de produtos com baixa produtividade e produtividade declinante e que levam à sua extinção ao longo do tempo (HOMMA, 1983_________ . Esgotamento dos recursos finitoso caso do extrativismo vegetal na Amazônia. FBCN v.18, 1983, p. 44-48.).

O histórico da exploração de V. surinamensis passa por diferentes fases do processo extrativo. Inicialmente houve o extrativismo de coleta das sementes de virola (Virola surinamensis (Rol.) Warb.) que atingiu o seu ápice nas décadas 60-70, quando eram utilizadas na indústria de cosmésticos e farmacêuticos (SALAZAR s.d.SALAZAR, J. I. F. O sebo da ucuúba - estudo do mercado e potencial no estado do Pará. Belém, EMBRAPA/CPATU, 9p.).

A grande virada no extrativismo da virola ocorreu em 1954 quando um piloto da força aérea americana detectou a grande concentração de virola na região da Ilha de Marajó e enviou toras para serem testadas pela empresa Georgia Pacific Co., nos Estados Unidos. Os testes realizados demonstraram a excelente qualidade da madeira para a indústria de compensados (ANDERSON et al, 1994ANDERSON, A.B.; MACEDO, D.S & MOUSASTICHOSHVILY, I. Impactos ecológicos e sócio-econômicos da exploração seletiva de virola no estuário amazônico. Washington, WWF, 32p.,1994.). A partir deste fato a espécie passou a ter maior importância para a indústria madeireira, sofrendo o extrativismo de aniquilamento (PIÑA-RODRIGUES, 1998_______. Virola: fatos e conseqüencias do Decreto 1963/96. Brasília, IBAMA/ DIREN/DEREF, 26p, 1998.).

Nos anos 90 houve um somatório de processos extrativos, o de coleta, seguido do de aniquilamento, que estão pressionando intensamente o recurso florestal remanescente. No entanto, a extinção local ou global da espécie vai depender da velocidade e intensidade em que está se dando o processo extrativo.

O objetivo deste trabalho foi descrever e analisar o processo extrativo de Virola surinamensis (Rol.) Warb. em áreas do estuário amazônico visando caracterizar os aspectos sócio-econômicos envolvidos.

MATERIAL E MÉTODOS

Áreas de estudo

Os estudos foram desenvolvidos na “região das Ilhas” que abrange vasta área inserida entre os Estados do Pará e Amapá, na foz do rio Amazonas, até atingir as confluências com os rios Paru e Xingú, entre 48o e 52 o de longitude e 0 o e 4 o de latitude Sul, tendo-se concentrado nas ilhas Marajó e Gurupá.

Na Ilha de Marajó os estudos foram realizados nos municípios de Breves, Portel (rio Piarim), Melgaço (nos rios Preto e Laguna) e Anajás (rios Jurará e Mocoões). Na Ilha Grande de Gurupá, localizada a 1º24’10'’ latitude Sul e 51º38’45'’ de longitude oeste, foram efetuados levantamentos nas regiões dos rios Baquiá Branco e Murupucus.

Nas regiões de Melgaço e Gurupá a extração de virola foi estudada em áreas de várzea baixa e igapó que permanecem inundadas durante todo período de chuvas. Em Anajás e Portel os estudos foram efetuados em área de várzea alta que somente são inundadas durante as cheias dos rios e intensificação das chuvas.

Nas regiões dos rios Preto (município de Breves), Jurará (município de Anajás) e Piarim (município de Portel) foi efetuado o acompanhamento do processo de extração, nos anos de 1991 e 1993, em todas as etapas da atividade desde a busca até o transporte e deposição do material no pátio da fábrica de compensado, situada em Belém (PA).

Quantificação do estoque madeireiro de Virola surinamensis (Rol.) Warb.

Para quantificar o volume médio extraído de virola pelas indústrias de compensado atuantes na região foi efetuado levantamento nas empresas, na AIMEX (Associação dos Exportadores de Madeira do Estado do Pará) e obtidos dados nos registros de exportação madeireira de 1983 a 1993, na CACEX/Banco do Brasil 2, na Secretaria de Fazenda do Estado do Pará e na DIREN (Diretoria de Recursos Naturais) do IBAMA (Brasília).

Para a caracterização do estoque de madeira foram utilizados dados coletados, nos anos de 1991 e 1993 para as áreas de várzea baixa e igapó situadas nos rios Preto e Laguna e nas várzea alta do rio Jurará na região de Anajás. Os dados de várzea alta foram também comparados com os obtidos em 1989 por ANDERSON et al. (1994) na região do rio Mocoões, próximo ao rio Jurará, na região de Anajás (Ilha de Marajó).

Em todas as áreas os inventários florestais foram realizados em parcelas de 100 x 30 m (3000 m2). Foram anotados dados de altura, CAP (circunferência a altura do peito) e calculados o volume por árvore e tora. Foram medidas e avaliadas todas as árvores de virola com CAP superior a 30 cm.

Identificação dos atores envolvidos no processo extrativo

Em cada área de estudo foram realizadas entrevistas com lideranças locais, representantes de empresas (compensado e serraria), proprietários, comerciantes, compradores de madeira e tiradores de madeira (trabalhadores rurais atuando diretamente na extração de madeira). Isto permitiu a identificação dos atores envolvidos no processo de extração e seu papel na atividade.

A seleção dentro de cada segmento foi oportunistica, entrevistando-se parte do universo amostral considerado representativo adotando-se a mesma metodologia utilizada por MOUSASTICOSHVILY JR. (1992) em estudos na mesma região.

Durante as entrevistas, que perfizeram um total de 45 no primeiro ano, e 20 no segundo, foram efetuadas perguntas que tinham por objetivo traçar o perfil da atividade extrativa na região. As entrevistas incluíam questões sobre área de atuação dos atores e das comunidades, atividade exercida, tempo ocupado por ano, participação familiar, renda média, renda auferida por produto, atividades exercidas, produtividade estimada.

Cerca de 50% das entrevistas foram gravadas e posteriormente compiladas. Para se fazer a avaliação final das informações prestadas, os dados foram cruzados, ou seja, as informações prestadas pelos compradores de madeira foram comparadas com as fornecidas pelos demais atores do processo extrativo (tiradores e empresas). Em caso de dúvidas ou informações discrepantes voltava-se aos atores realizando-se novas entrevistas.

Metodologia empregada para a análise e descrição do processo extrativo

Para a descrição e análise da atividade extrativa foram efetuados levantamentos de campo realizados durante os meses de janeiro a março e julho-agosto dos anos de 1991, 1993 e 1994. Para tanto foram acompanhadas as atividades de extração em cada área de estudo, permitindo a caracterização das diversas atividades do processo extrativo.

Em cada local foram identificadas as áreas de exploração e acompanhado todo processo exploratório ao longo das trilhas cujo comprimento variou de 1,5 a 4 km. Nas trilhas de exploração foram anotados dados sobre as condições de execução (segurança, tempo, eficiência, velocidade de arraste, número de pessoas, toras retiradas, equipamentos utilizados) e de rendimento de cada etapa da extração e por atividade.

O volume extraído foi quantificado para cada ponto de extração (trilha de extração) no fim do processo extrativo. O volume foi estimado multiplicando-se a área basal pela altura de cada tora.

As avaliações dos danos causados à vegetação foram estimadas em trilhas de 5 m de largura, ao longo de cada caminho ou estiva de retirada de madeira. As observações sobre danos foram efetuadas em dois anos consecutivos (1993 e 1994).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados levantados através de questionários e pesquisa de campo, permitiram constatar que a região da Ilha de Gurupá e a região de Breves (Melgaço e Portel) foram mais exploradas no período de 1983 a 1986. A partir de 1987, devido ao decréscimo de produtividade, com o esgotamento das áreas de extração, as empresas entrevistadas (n= 4) relataram que buscaram novas frentes de corte, concentrando-se na região de Anajás e mantendo-se em atividade extrativa em Macapá (Figura 1). Na década de 80 foram retirados de Marajó até 50.000 m3 de madeira de virola, tendo este volume se reduzido a 10.000 m3 em 1993 (PIÑA-RODRIGUES, 1998_______. Virola: fatos e conseqüencias do Decreto 1963/96. Brasília, IBAMA/ DIREN/DEREF, 26p, 1998.).

Estes dados refletem a prática de migração das empresas para outras regiões quando os estoques madeireiros de virola apresentaram sinais de esgotamento. A conseqüência observada pela análise das entrevistas realizadas (n=65) foi a alteração no sistema produtivo local, afetando em especial as famílias dos ribeirinhos (n= 51; 100% dos entrevistados) que atuavam na atividade extrativa madeireira. Segundo MOUSASTICOSHVILY JR. (1992), a atividade extrativista de madeira contribui de forma significativa na economia regional, sendo a principal fonte de renda para os habitantes locais, podendo representar até 56% da renda anual.

Figura 1
Volume médio de madeira (m3) de Virola surinamensis (Rol.) Warb. extraído pelas indústrias de compensado, na região dos municípios de Breves, Macapá e Anajás, nos anos de 1983 a 1993. (Dados obtidos dos questionários e levantamentos de campo).

O estoque madeireiro de virola nas áreas de estudo

O estoque de madeira de virola variou com a região onde esta ocorreu e das práticas de exploração a que foram submetidas. Na Tabela 1 é apresentado o resultado de inventários florestais realizados durante a fase de exploração, nos diversos tipos de várzea.

A virola apresentou maior densidade nas áreas estudadas de várzea baixa e igapó onde permaneceu maior período sob inundação. No entanto observam-se diferenças no volume de madeira disponível para a atividade extrativa em relação às áreas de várzea alta (PIÑA- RODRIGUES, 1999PINÃ-RODRIGUES, F.C.M. Ecologia reprodutiva e conservação de Virola surinamensis (Rol.) Warb. no estuário amazônico. Campinas, UNICAMP, 1999. 345p. (Tese de Doutorado).).

A diferença entre a várzea alta e a baixa está relacionada com a cota topográfica do terreno. A várzea alta é uma faixa de terra de nível mais elevado, inundável no inverno, mas que seca completamente durante os meses menos chuvosos (OLIVEIRA JR, 1991OLIVEIRA JUNIOR, P. H. B. Ribeirinhos e roceiros: gênese, subordinação e resistência camponesa em Gurupá-PA. São Paulo, Universidade de São Paulo. 340 p, 1991. (Dissertação de Mestrado).). A várzea baixa permanece durante quase todo o ano inundada, estando situada em torno da cota de 30 cm a.n.m. Durante todo o inverno sua inundação é provocada pelas cheias dos rios e pelas chuvas, e no verão sofre diariamente o efeito da preamar (FANZERES & ANDERSON, 1989FANZERES,A. & ANDERSON, A.B. Efeito dos fatores edáficos no estabelecimento de Virola surinamensis (Rol.) Warb. em um ecossistema de várzea, no estuário amazônico. Washington, WWF-USA, 1989, 13p.). Abrange áreas maiores do que a várzea alta, podendo atingir larguras de até quilômetros das margens dos rios (TEIXEIRA & CARDOSO, 1991TEIXEIRA, M. F. N. & CARDOSO, A. Várzeas da Amazônia: caracterização e uso na produção agrícola. Belém, FCAP, Serviço de Documentação e Informação. 1991. 47p.). Os igapós correspondem às áreas de cotas inferiores à várzea baixa, que permanecem constantemente inundadas e pantanosas. A água nestes locais é escura, pela decomposição da matéria orgânica, e seus solos são ácidos, de consistência aquosa (OLIVEIRA JR, 1991OLIVEIRA JUNIOR, P. H. B. Ribeirinhos e roceiros: gênese, subordinação e resistência camponesa em Gurupá-PA. São Paulo, Universidade de São Paulo. 340 p, 1991. (Dissertação de Mestrado).). A composição vegetal das áreas de várzea está relacionada ao gradiente topográfico da área e à duração dos eventos de alagamento e movimento das marés (FANZERES & ANDERSON, 1989FANZERES,A. & ANDERSON, A.B. Efeito dos fatores edáficos no estabelecimento de Virola surinamensis (Rol.) Warb. em um ecossistema de várzea, no estuário amazônico. Washington, WWF-USA, 1989, 13p.).

Várzea alta- A várzea alta apresentou potencial diferenciado nas duas áreas amostradas, sendo constatado o maior estoque disponível na área do rio Jurará (Tabela 1). Dados levantados por PIÑA-RODRIGUES (1998)_______. Virola: fatos e conseqüencias do Decreto 1963/96. Brasília, IBAMA/ DIREN/DEREF, 26p, 1998. indicaram que o maior potencial madeireiro atual das áreas naturais de várzea alta de virola concentra-se na região do rio Amazonas, no Estado do Amazonas. Nestas áreas existem cerca de 15 a 25 árvores/ha, com volume estimado por tora de 0,70 m3 e densidade de árvores por hectare maior do que as observadas na várzea alta do estuário.

Apesar das áreas estudadas apresentarem poucas árvores, com média de 10 árvores/ha (rio Mocoões) e 17 árvores/ha (rio Jurará), o volume comercial/tora foi grande (0,94 m3 e 1,33 m3), com maior aproveitamento de toras/ ha. No entanto, a exploração nas áreas de várzea alta apresentou baixo potencial de rendimento de produção (7 m3/ha e 56,8 m3/ ha), quando comparados as áreas de várzea baixa e igapó. Isto representa a presença de poucas árvores mas de grandes volumes, o que leva à exploração extensiva3, requerendo uma grande área.

A exploração das árvores de grande diâmetro (DAP > 0,50 m) representou a retirada de 25% a 58% do volume local de madeira/ha. Em termos de volume comercial foi explorado de 70 a 100% do volume disponível. Tal prática representa forte redução na população remanescente de virola. Além disso, para cada dez árvores exploradas, sete das remanescentes foram danificadas.

Tabela 1
Caracterização das áreas de várzea alta nos rios Mocões e Jurará, na região de Anajás (Ilha de Marajó-PA) e áreas de várzea baixa e igapó no rio Preto (Melgaço) no estuário amazónico. (Dados baseados em Piña-Rodrigues, 1994 e 1999).

Várzea baixa e igapó- A exploração nestes locais foi intensiva com a retirada de muitas árvores de médio volume3. Existe uma alta concentração de árvores de virola, mas de pequeno volume individual. Na várzea baixa e igapó a virola concentrou-se em maior número de árvores, com 265 plantas/ha; mas apresentou volume comercial menor (0,43 m3/ tora comercial), com danos a população remanescente próximo ao obtido na várzea alta.

Na região do rio Preto o histórico de exploração é mais antigo e o estoque remanescente é pequeno, tendo restado árvores finas (DAP < 0,40 cm), com exploração de mais de 80% do estoque madeireiro (PIÑA-RODRIGUES 1999PINÃ-RODRIGUES, F.C.M. Ecologia reprodutiva e conservação de Virola surinamensis (Rol.) Warb. no estuário amazônico. Campinas, UNICAMP, 1999. 345p. (Tese de Doutorado).).

No rio Preto (várzea baixa e igapó) a exploração pode ser definida como intensiva, e no rio Jurará (várzea alta) seria intermediária, podendo ser classificada como semi-intensiva e extensiva na região do rio Mocoões, com a retirada de muitas árvores de grande volume.

Considerando as intensidades de exploração observadas em cada local e o número de árvores/ha, para o esgotamento de todo potencial madeireiro4 seriam necessários 0,6 dias/ha para o rio Mocoões, 0,9 dias/ha para o Jurará e 1,4 dias/ha para o rio Preto. Estes dados exprimem a velocidade com que se processa o esgotamento localizado das reservas de virola no estuário.

Para completar o panorama, nas entrevistas e levantamentos de campo verificou-se que nenhuma empresa ou extrator conduz planos de manejo direcionados à reposição florestal de virola. Apenas uma empresa (n=4) realizou plantio de enriquecimento, mas a mortalidade no campo foi de 100%5 .

Baseado nas características de cada área pode-se propor que os impactos causados nestas áreas sejam diferenciados e que, portanto, deve-se definir diferentes ações de controle e proteção, além de alguns parâmetros técnicos para avaliação do impacto de exploração. UHL et al (1991)UHL, C., VERÍSSIMO, A., MATTOS, M.M., BRANDINO, Z., VIEIRA, I.M.G. Social, economic, and ecological consequences of selective logging in na Amazon frontier: the case of Tailândia. Forest Ecology and Management, v. 46, n.1991, 1991, p.243-273. sugeriram um índice de impacto baseado no volume de madeira extraído em relação ao m2 de estrada de exploração construída.

Análise e descrição do processo extrativo e seus atores

A prática do extrativismo madeireiro ocorre nos meses de cheia, quando o nível das águas facilita o transporte das toras até os locais de comercialização. As cheias ocorrem no inverno, na estação das chuvas, no período de novembro a março. O verão na região ocorre de abril a outubro, período de menor intensidade de chuvas.

No verão, a atividade principal desenvolvida foi a extração do palmito de açaí (Euterpe oleraceae Mart.). A extração do palmito de açaí se estende até dezembro e participam tanto homens quanto mulheres. No inverno, a subida das águas dificulta o cultivo da terra e a extração de madeira se intensifica e torna-se a principal atividade rentável. Esse período foi quando as famílias obtiveram a maior parte do capital que utilizaram para sobreviver ao longo de todo ano.

Na derrubada e retirada de madeira, atuam apenas os homens e meninos de idade entre 15 a 18 anos. Raramente as mulheres participam e quando o fazem, apenas colaboram com a confecção das refeições. Na estação seca, de junho a início de novembro, trabalham praticamente todos os membros da família, em condições físicas de trabalhar, independente da idade. Os homens dedicam-se ao cultivo da mandioca e, mais ocasionalmente, de outras culturas como milho ou feijão. A retirada de madeira pode continuar, mas em intensidade bem reduzida e apenas em áreas próximas a igarapés e cursos d’água que não secam durante o verão.

Os sistemas de exploração constatados na região foram a extração manual, realizada tanto em várzea alta quanto baixa, e a mecanizada, constatada apenas em área de várzea alta.

A. A EXTRAÇÃO MANUAL- A escassez tem aumentado as distâncias de obtenção de madeira. Esgotados os locais mais próximos, ao longo dos cursos d’água, os tiradores de madeira6 têm que buscá-las em pontos mais distantes, em áreas de várzea alta, o que requer a contrução de “regos”.

A medida que as chuvas vão se aproximando, em novembro, inicia-se a prática de abertura de “regos”, canais abertos manualmente na floresta, que ligam os igarapés aos locais onde ainda há madeira disponível (“os centros”).

Na maioria dos casos, a extração efetua-se em pontos distantes cerca de 4 km dos cursos d’água, onde o nível d’água sobe apenas por ocasião das chuvas intensas, mas não atinge altura suficiente para o arraste das toras. Para facilitar sua retirada, são escavados os “regos” ou canais, com aproximadamente 1,0 m de largura e 1,0 a 1,5 m de profundidade e construídos diques (“tapagem”) que elevam o nível da água. Na estação das chuvas, a cheia dos rios penetra nos regos escavados facilitando a retirada da madeira por flutuação.

O corte da madeira é feito pelo sistema denominado de “convidado”. Os homens reúnem-se em grupos de 10 a 12, e um deles é o que “convida” ou “morador”, responsável pela alimentação dos demais que são os “convidados”. Usualmente, trabalham no mesmo ponto de retirada por período variável, de 1 a 5 dias, dependendo do volume de madeira e da disponibilidade de recursos (alimentos) do morador. O volume médio de madeira retirado foi de 10 toras/dia (n=40). Na etapa seguinte, a situação se inverte e o que convida torna-se convidado de outro membro do grupo e assim suscessivamente, até que todos tenham trabalhado uns para os outros. Não há qualquer remuneração em dinheiro entre eles e todo serviço é pago com trabalho.

A retirada de madeira envolve várias operações, todas manuais: (a) a abertura das trilhas com cerca de 600 m de comprimento e 3 a 4 m de largura, adentrando à floresta, e por onde as árvores serão arrastadas; (b) a construção da “estiva”, uma espécie de trilho feito de madeira que facilita o deslizamento das toras do ponto de corte até o rego; (c) a derruba manual da árvore com machado; (d) corte das árvores em toras de 4,0 a 6,0 m de comprimento; (e) arraste das toras até o rego por distâncias de 600 m a 1 km; (f) o empuxo manual ao longo do rego até o ponto de encontro das toras no igarapé e, finalmente, (g) o preparo das jangadas de toras para serem rebocadas pelo comprador de madeira. Cada convidado pode chegar a obter de 200 a 500 toras/ano, dependendo se está numa região com maior ou menor volume de madeira. O dados de rendimento da operação são apresentados na Tabela 2.

A atividade de retirada de madeira de uma área demanda, em média, 5 dias, abrangendo desde a limpeza da entrada do igarapé onde será feita a exploração até o arraste das toras até a jangada. Toda madeira produzida foi vendida ao “patrão” ou “fornecedor”. Este pode ser o proprietário das terras onde os tiradores de madeira estão trabalhando, ou o dono do empório local (“estiva”) que abastece toda comunidade com suprimentos e alimentos. Em muitos casos, o proprietário das terras era o dono também do armazém que abastece as comunidades e possuia estruturas paralelas de envase de palmito e revenda para outras minifábricas rudimentares.

Ao longo do ano, os tiradores de madeira (n=51; 100% dos entrevistados) se abasteciam com suprimentos e pagavam na estação das chuvas com a madeira retirada. Formava-se um ciclo vicioso em que era necessária a obtenção contínua de madeira para pagar o alimento que consumiam.

A madeira cortada e torada, arrumada sob a forma de jangadas, era vendida pelos “fornecedores” aos “compradores de madeira”, representantes das empresas que utilizam-na como matéria prima, em geral serrarias e indústrias de compensado. Era feita uma avaliação local da qualidade e do volume de madeira obtidos e estimado o preço. De uma maneira geral, quando o patrão era fornecedor regular das empresas, recebia antecipadamente o pagamento pela madeira a ser retirada na próxima estação. O capital recebido era utilizado na compra de suprimentos para as estivas e de combustível necessário para o funcionamento de máquinas e equipamentos das mini-fábricas de palmito e pequenas serrarias, geração de energia elétrica e pagamento da mão-de-obra (tiradoresempregados). Constituia-se, assim, também um elo de dívidas fornecedor-empresa.

B. EXTRAÇÃO MECANIZADA- As dificuldades de se obter madeiras em pontos próximos aos cursos d’água levou ao desenvolvimento de técnicas que possibilitassem a retirada em locais mais distantes, de difícil acesso. Estas áreas, antes anti-econômicas, se tornaram rentáveis em função da escassez de madeira, em outras áreas mais acessíveis

Pelo fato de terem que percorrer longas distâncias para a retirada da madeira, tornava-se inviável a exploração manual. Para resolver este problema, na região de Anajás, a exploração vinha sendo realizada com o auxílio de um equipamento, a “tartaruga”. O equipamento foi adaptado pelas empresas e trata-se de uma pequena balsa de ferro com 2,0 m de comprimento à qual foi acoplado um motor de 48 HP para acionamento do sistema de guincho e cabos de aço. Devido à forma do casco, este equipamento era capaz de deslizar sobre o solo florestal úmido ou alagado pelas chuvas, deslocando-se de um ponto à outro, puxando a si próprio com o auxílio dos cabos de aços atrelados às árvores. O mesmo sistema era utilizado para arrastar as toras de madeira derrubadas que foram presas com cabos de aço e, a seguir, guinchadas até próximo à tartaruga.

As operações deste sistema foram distintas da manual: a derrubada, o corte e toramento foram manuais, mas o arraste era feito com o equipamento. A distância máxima de arraste em cada ponto de parada da tartaruga foi de 15 m, podendo em um único dia percorrer até 600 m de distância, retirando 15 a 20 toras/ dia, com apenas 3 homens operando (Tabela 3).

Na exploração mecanizada, ou seja, com a utilização da “tartaruga”, não era necessária a construção das estivas e o arraste das toras foi feito diretamente sobre o solo. As trilhas de abertura na mata foram também mais estreitas, com 3 a 4 m de largura.

O tempo total desde a abertura e limpeza do igarapé e o arraste das toras até a jangada foi de 2-3 dias, sendo que o arraste por terra foi o processo mais rápido e eficiente.

Aspectos sócio-econômicos da atividade extrativista

A extração de virola ocupou, em média, apenas 4 meses, podendo chegar a representar 70% da renda anual familiar (US $1,000/ano) (n=40; 78% dos entrevistados). Os gastos com alimentação, compradas do dono da terra ou do intermediário-comprador de madeira, podia atingir 80 a 90% de toda a renda obtida da venda da madeira ao fornecedor. Cada família chegou a extrair em média, 60 m3/ano (n=40).

A produtividade dos ribeirinhos, com extração sob regime de convidado foi menor do que a constatada por BARROS & UHL (1997)BARROS , A.C. & UHL, C. Padrões, problemas e potencial de extração madeireira ao longo do rio Amazonas e seu estuário. Série Amazonas, v. 4, 1997, 42p.. para os empregados diretos e indiretos de empresas e serrarias. No entanto, apesar disso, a renda anual, apurada no período 1990-1991, foi maior. Os que trabalham para serrarias receberam US$ 707.4 (US$ 0.37/m3) (BARROS & UHL op cit.), enquanto cada convidado recebeu em média US$ 1,000 (US$ 0.60/m3) (PIÑA- RODRIGUES & FERREIRA, 1994PIÑA-RODRIGUES, F.C.M. & FERREIRA, C.M. Caracterização do extrativismo madeireiro em áreas de várzea do estuário amazônico. REBRAF- Informativo Agroflorestal. v. 6, n. 2, 1994, p.1-5.). Na região de Anajás (Ilha de Marajó-PA), a extração de madeira (29% de virola), segundo Mousasticoshvilly Jr, (1992)MOUSASTICOSHVILLY JR, I . Comercialização e industrialização de Virola surinamensis no estuário amazônico. UFPr, Curitiba, 1992. (Tese de mestrado)., representou 56% da renda anual dos ribeirinhos no período de 1988 a 1990.

Tabela 2
Rendimento operacional médio da atividade de retirada manual de madeira de Virola surinamensis (Rol.) Warb. em áreas de várzea alta nas regiões de Anajás e Breves (Ilha de Marajó-PA) nos anos de 1993 e 1994.
Tabela 3
Rendimento operacional médio da atividade de retirada mecanizada de madeira de Virola surinamensis (Rol.) Warb. em áreas de várzea alta na região de Anajás e Breves (Ilha de Marajó-PA) nos anos de 1993 e 1994.

No período de extração o volume produzido foi variável com a região e o período, em função do nível de subida das águas. Para os que atuavam em regime de convidado, a produção média foi 55 m3/homem (Piña-Rodrigues, 1996a_________. Panorama da situação atual e do potencial de manejo de Virola surinamensis no estuário amazônico. Brasília, IBAMA/DIREN, Macapá, 1996a.), inferior a dos autônomos ou empregados das serrarias- 265 m3/ano/homem (BARROS & UHL, 1997BARROS , A.C. & UHL, C. Padrões, problemas e potencial de extração madeireira ao longo do rio Amazonas e seu estuário. Série Amazonas, v. 4, 1997, 42p..).

As toras de virola para laminação têm padrões de qualidade mais rigorosos (DAP > 40 cm e comprimento de 4 a 6 m). Por isso, atingiram preços maiores, de US$ 20 -30/m3, dependendo da qualidade, e foram revendidas pelos intermediários a preços 25 a 50% mais caros do que os pagos aos ribeirinhos (tiradores de madeira).

A extração de madeira de várzea para a serraria consome toras de diâmetro variável, muitas vezes inferior a 40 cm. As serrarias, de 1990 a 1991, utilizaram cerca de 50 espécies, sendo que virola e andiroba (Carapa guianensis Aubl.) predominavam. As toras eram compradas por US$ 9/m3, acrescidas de um custo de transporte de US$ 1,08/m3. O pagamento pelas árvores extraídas representava 29% do custo total da madeira para serrarias, com consumo médio de 10.200 m3/ano (BARROS & UHL, 1997BARROS , A.C. & UHL, C. Padrões, problemas e potencial de extração madeireira ao longo do rio Amazonas e seu estuário. Série Amazonas, v. 4, 1997, 42p..).

Ao final da década de 80, com a falta de toras de virola para o abastecimento das indústrias de compensado (DAP>40 cm), as serrarias intensificaram sua atuação utilizando toras de DAP inferior a 30 cm. As árvores de virola, de diâmetro inferior a 30 cm (madeira fina), passaram a ser utilizadas para a fabricação de “quadradinhos”, sendo vendidas a US$ 1/ árvore (PIÑA-RODRIGUES, 1998_______. Virola: fatos e conseqüencias do Decreto 1963/96. Brasília, IBAMA/ DIREN/DEREF, 26p, 1998.) ou US$ 0.50/m3.

Apenas uma empresa florestal, produtora de compensado, emprega 1.733 famílias através da atividade extrativa7 . Considerando a média de 4 pessoas/família, 6.932 pessoas dependem diretamente da empresa. Através de empregos indiretos, este número totaliza cerca de 12.000 pessoas, sendo que cada família pode receber US $ 550/ano.

Em um ciclo de 25 anos, as áreas de várzea alta do Amazonas podem produzir o volume estimado de 150.000 m3/ano (PIÑA- RODRIGUES, 1996b______. Silviculture and management possibilities of an amazonian potential specie: Virola surinamensis (Rol.) Warb. JOFCA, Japan Oversea Forest Consultation Agency, Japan, 27p.1996b.), podendo gerar US$ 1.145.833 de renda familiar para 2.083 famílias ou cerca de 8.333 pessoas/ano (PIÑA- RODRIGUES, 1998_______. Virola: fatos e conseqüencias do Decreto 1963/96. Brasília, IBAMA/ DIREN/DEREF, 26p, 1998.). Somente no Amazonas existem 65 cidades com menos de 10.000 habitantes. Em termos comparativos, a renda familiar gerada pela atividade madeireira daria para sustentar a população de aproximadamente 30 destas cidades, ao longo de um ciclo de 25 anos de uso sustentado.

Em 1990-1991 as indústrias madeireiras do estuário e baixo Amazonas geraram 25.400 empregos, sendo 50% atuando no processamento e o restante na atividade extrativa. Cerca de 82% delas utilizavam madeira de várzea (BARROS & UHL, 1997BARROS , A.C. & UHL, C. Padrões, problemas e potencial de extração madeireira ao longo do rio Amazonas e seu estuário. Série Amazonas, v. 4, 1997, 42p..), tendo a virola uma participação relativa estimada de 60% do volume produzido (PIÑA- RODRIGUES, 1998_______. Virola: fatos e conseqüencias do Decreto 1963/96. Brasília, IBAMA/ DIREN/DEREF, 26p, 1998.). Com esses parâmetros pode-se estimar que a extração de virola, apenas nessa região, estaria gerando 12.496 empregos diretos.

Isto indica o potencial econômico da atividade madeireira, desde que práticas adequadas sejam conduzidas para manter a produtividade da floresta. Na região do estuário, abrangendo as áreas de Anajás e Melgaço, embora a atividade madeireira seja um dos componentes do sistema de produção, ela foi a mais importante em termos sócio-econômicos (PIÑA-RODRIGUES & CARVALHO, 1999PINÃ-RODRIGUES, F. C. M. & CARVALHO, L. M. Indicadores financeiros para caracterizar a atividade extrativa madeireira na região do estuário amazônico: o caso do Camutá do Pucuruí (Gurupá, PA). Belém, FASE-Projeto Gurupá, 1999, 35p.).

O dados apresentados apontam para a importância sócio-econômica da atividade extrativa madeireira de virola para a sobrevivência das comunidades locais do estuário amazônico. No entanto esses dados trazem consigo um panorama preocupante: as regiões de histórico mais antigo de exploração apresentaram sintomas de esgotamento em menos de 10 anos (Figura 1). A escassez da madeira tem causado agravamento da crise social na região e intensa migração dos habitantes para locais que ainda apresentam madeira.

A conseqüência, com a manutenção da intensidade atual de exploração poderá ser o esgotamento também das regiões sob exploração, como Macapá e Anajás. Considerando esses fatos, o caminho para a proteção da virola passa pelo controle do volume explorado e do diâmetro das toras extraídas.

Recentemente as Instruções Normativas no 4 e 5 de 28 de dezembro de 1998 abriram uma nova perspectiva para o uso sustentado de Virola surinamensis. Estas possibilitaram que as comunidades, através de suas associações, possam apresentar Planos de Manejo Florestal Comunitário. Na prática o que se pretendeu foi valorizar o trabalho ribeirinho e permitir que este controle o uso do recurso de sua propriedade, limitado a uma área de no máximo 500 ha.

Conforme foi apontado por estudos realizados por PIÑA-RODRIGUES (1998)_______. Virola: fatos e conseqüencias do Decreto 1963/96. Brasília, IBAMA/ DIREN/DEREF, 26p, 1998., a proibição do corte de virola afetou mais as comunidades ribeirinhas do que as empresas, uma vez que estas migraram de região e passaram a explorar novas espécies mais sensíveis como a sumaúma (Ceiba pentandra). MACEDO & ANDERSON (1993)MACEDO, D. S. & ANDERSON, A.B. Early seasonal changes associated with logging in an amazon floodplain forest. Biotropica, v.25, n.2, 1993, p.151-163. consideram que a virola é uma espécie de excelente potencial para o manejo; portanto o seu esgotamento localizado decorre de práticas inadequadas de sobreexploração, acima da capacidade de reprodução e recuperação da espécie.

Considerando estes fatos, para se efetuar a proposição de práticas adequadas de manejo deve-se procurar aliar os conhecimentos adqüiridos neste trabalho, sobre sua exploração e seus aspectos sociais, à estudos sobre a ecologia reprodutiva de Virola surinamensis (Rol.) Warb.

CONCLUSÃO

A manutenção da intensidade atual de exploração da espécie poderá levar ao esgotamento de seus estoques naturais, na região do estuário amazônico.

A atividade madeireira foi constatada como migratória, sendo abandonadas gradativamente as áreas mais exploradas buscando-se regiões menos exploradas;

No período estudado a atividade extrativa madeireira de virola (Virola surinamensis) foi uma importante fonte de renda para a comunidade ribeirinha do estuário amazônico, representando até 70% da renda anual familiar;

O sistema de exploração manual, no regime de convidado, proporciona maior renda em comparação à obtida por trabalhadores autônomos e empregados das indústrias madeireiras;

A exploração manual tem menor rendimento do que a mecanizada, o que pode representar um menor impacto às populações naturais de virola;

O controle da exploração de Virola surinamensis poderá ser feito a partir da utilização de critérios como o diâmetro das toras e o volume explorado por região, nas áreas do estuário amazônico de Anajás, Breves e Gurupá (Pará).

AGRADECIMENTOS

Às comunidades dos rios Jurará, Mocoões, Laguna e Preto que muito me ajudaram na coleta dos dados de campo; A Gilberto de Castro, meu companheiro nas atividades de campo. Aos revisores anônimos deste manuscrito; A empresa EIDAI do Brasil Madeiras S.A. pelo apoio logístico; A Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) pelo apoio durante o curso de pósgraduação em Ecologia.

NOTAS

  • 1
    Trabalho financiado por WWF-USA (World Wildlife Fund-Grant 9569). Parte do Projeto “Conservação de Recursos Genéticos de Virola surinamensis no estuário amazônico” e do plano de tese de doutorado desenvolvido na pós-graduação em Ecologia (UNICAMP).
  • 2
    Carteira de exportação do Banco do Brasil.
  • 3
    O conceito de exploração extensiva e intensiva é definido por Anderson et al. (1994)ANDERSON, A.B.; MACEDO, D.S & MOUSASTICHOSHVILY, I. Impactos ecológicos e sócio-econômicos da exploração seletiva de virola no estuário amazônico. Washington, WWF, 32p.,1994..
  • 4
    Considerando 20 dias de trabalho/mês.
  • 5
    Observações de campo efetuadas nos anos de 1993 e 1994.
  • 6
    Homens que atuam no corte e retirada da madeira.
  • 7
    Dados cedidos pela Rain Forest Action Network, 1993.

LITERATURA CITADA

  • ANDERSON, A.B.; MACEDO, D.S & MOUSASTICHOSHVILY, I. Impactos ecológicos e sócio-econômicos da exploração seletiva de virola no estuário amazônico Washington, WWF, 32p.,1994.
  • BARROS , A.C. & UHL, C. Padrões, problemas e potencial de extração madeireira ao longo do rio Amazonas e seu estuário. Série Amazonas, v. 4, 1997, 42p..
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2000
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