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ÍNDICE DE PRESSÃO AGROPECUÁRIA (IPAg) PARA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO, FOCALIZANDO A REGIÃO EM TORNO DO PARQUE ESTADUAL DO DESENGANO

AN INDEX OF AGRICULTURAL PRESSURE (IPAG) FOR THE STATE OF RIO DE JANEI- RO, FOCUSING ON THE SURROUDINGS OF THE DERENGANO NATURAL PARK

RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar uma forma simples de identificar áreas potencialmente críticas para a questão do desmatamento. Assumindo-se que a conversão de terra florestada para usos agropecuários é uma das principais (se não a mais importante) causa do problema, pode-se construir um índice combinando variáveis de estoque e de fluxo referentes à produção agropecuária. Através de procedimentos simples de estatística descritiva, os resultados para os diversos municípios (ou qualquer outra forma de divisão espacial) são comparados, gerando-se o Índice de Pressão Agropecuária. Uma aplicação para o Estado do Rio de Janeiro identifica algumas áreas críticas, em particular os municípios situados ao Sul do Parque Estadual do Desengano, o principal remanescente florestal do Norte Fluminense.

Palavras-chaves:
Desmatamento; agricultura; pecuária; Desengano

ABSTRACT

The objective of this work is to present a simple way of identifying areas that are potentially critical for the deforestation. Assuming that conversion of forest land to agricultural uses is one of (if not the most important) the causes of the problem, it is possible to elaborate an index combining stock and flow variables concerning agricultural production. Using simple statistical procedures, the results for the many counties (or any other form of spatial division) are compared, creating the Agricultural Pressure Index (IPAg). One application for the state of Rio de Janeiro identifies some critical areas, in particular the municipalities located in the south of the Desengano State Park, the most important forest area in the North of the state of Rio de Janeiro.

Key-words:
Deforestation; agriculture; ranching; Desengano

INTRODUÇÃO

Está bastante evidenciada na literatura a importância que atividades agropecuárias têm para o acirramento do problema do desmatamento.1 O objetivo deste trabalho é propor uma metodologia bastante simples que busque identificar áreas críticas onde essa pressão é potencialmente mais forte, gerando assim subsídios para priorizar espacialmente políticas públicas que visem minorar o problema. O índice proposto, o Índice de Pressão Agropecuária (IPAg), sintetiza variáveis agropecuárias dos municípios analisados, provendo informações relevantes associadas às causas iniciais geradoras do processo de conversão de florestas em áreas agrícolas. Este texto apresenta a aplicação do IPAg para o Estado do Rio de Janeiro, com destaque na região em torno do Parque Estadual do Desengano (PED).

METODOLOGIA

O IPAg é uma variação do Índice de Pressão Antrópica (IPAn), elaborado inicialmente por SAWYER (1997)SAWYER, D. Índice de Pressão Antrópica para regiões de Cerrado. Brasília: ISPN. 1997. para identificar áreas de maior pressão sobre vegetações nativas do cerrado. Contudo, o IPAn inclui em sua composição elementos referentes a populações humanas, tornando difícil a interpretação de causalidade em relação ao processo de desmatamento. Restringindo-se às atividades agropecuárias, elimina-se a ambiguidade na definição da causalidade, pois a conversão para uso agropecuário é causa, e o desmatamento consequência.

Assim, o IPAg combina as dimensões fluxo e estoque das variáveis agrícolas e pecuárias. Os estoques poderiam ser representados por valores absolutos. Entretanto numa base de dados municipais, os valores de variáveis tais como rebanho bovino e área plantada são muito influenciados pelo tamanho do município. Um estoque grande em termos absolutos exerce menor pressão sobre o ambiente natural se for muito diluído numa área grande do que em municípios com territórios pequenos. Para garantir maior comparabilidade em termos de pressão direta sobre os ecossistemas, utiliza-se a densidade das variáveis, ou seja, números de bovinos por área cultivada por área do município. O mesmo se dá para as medidas de fluxo. As taxas mais elevadas de crescimento podem ocorrer devido a um estoque inicial muito baixo e o crescimento pode representar pouca pressão. Para isso, utiliza-se também a densidade de crescimento (variação dividida pela área).

A síntese das dimensões fluxo e estoque é feita da seguinte maneira: divide-se as dimensões fluxo e estoque em três níveis: baixo, médio e alto, representados pelos valores 0, 1 e 2, respectivamente. O cruzamento entre as duas dimensões gera uma matriz 3X3, com nove células, como se segue:

Somando uma à outra, gera-se uma escala de 0 a 4, que pode ser considerada um índice de pressão que sintetiza estoque e fluxo: a pressão sobre o meio ambiente é maior quando o estoque e o fluxo são elevados, e é menor quando ambos são reduzidos. Situações intermediárias não são passíveis de afirmações categóricas. Pode ser que um município exerça forte pressão sobre o meio natural sem que haja cultivo de lavouras. Um município com excessiva área de pasto pode exercer pressão tão ou mais elevada quanto outro que mescle pasto e lavoura. Este é, portanto o principal problema do IPAg.

O IPAg foi construído para o Estado do Rio de Janeiro a partir de dados dos censos agropecuários do IBGE, distribuídos da seguinte maneira:

Variável Pecuária (0-4), que resulta do cruzamento de:

DEB - densidade do efetivo de bovinos de 96 (0-2)

DCB - densidade do crescimento do rebanho bovino entre 80 e 96 (0-2)

Variável Agricultura (0-4) que resultado crescimento de:

DAP - densidade da área plantada de 96 (0-2)

DCP - densidade do crescimento da área plantada entre 90 e 96 (0-2)

Para cada uma dessas variáveis, a determinação dos valores atribuídos para estoque e fluxo (entre 0 e 2 cada) foi feita de forma comparativa. A partir das distribuições de freqüência das variáveis para todos os municípios do Estado do Rio de Janeiro, distribuiu-se os valores da seguinte maneira:

0 para os municípios que ficaram abaixo da moda.

1 para os municípios da moda

2 para os municípios acima da moda.

Fazendo-se o cruzamento conforme indicado na Tabela 1, obteve-se os valores das variáveis pecuária e agricultura para cada município. Por fim, o Índice de Pressão Agropecuário foi, então, obtido pela média aritmética entre as variáveis agricultura e pecuária.

Os municípios foram reagrupados de acordo com a divisão política em 1980, para que se pudesse obter um índice representativo da evolução histórica de maneira mais abrangente. Como já referido, o IPAg foi construído a partir de dados secundários extraídos dos Censos Agropecuários (1980 e 1996) e das séries de Produção Agrícola Anual (1990), do IBGE. Logo, não se trata de um indicador de impactos ambientais - que deveriam ser observados por meio de levantamento de dados primários - mas que essencialmente indica as pressões potenciais das atividades pecuária e agrícola sobre as áreas remanescentes de florestas.

Quanto à dimensão temporal, o IPAg resume tendências do passado recente e fornece indicações sobre as prováveis tendências do futuro próximo. Nesse sentido, pode ser uma importante ferramenta para identificação de áreas prioritárias no combate ao desmatamento.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os mapas a seguir apresentam os resultados obtidos para os municípios do Estado do Rio de Janeiro. O mapa 1 apresenta o IPAg por município, agregando os resultados da pressão pecuária bovina (mapa 2) e da pressão agrícola (mapa 3).

Mapa 1
Índice de pressão agropecuária, por municípios do Estado do Rio de Janeiro.

Mapa 2
Variável pecuária, por municípios do Estado do Rio de Janeiro.

De modo geral, percebe-se três grandes áreas de pressão no Estado: Região dos Lagos, Sul Paraíba, e um cluster de municípios no centro do Estado, ao Sul da Baixada Campista. É sobre essa última área, onde está localizado o Parque Estadual do Desengano (PED), que esta seção concentra sua atenção.

Tomando o PED como referência, percebe-se pela análise dos mapas duas tendências distintas. Ao norte do Parque nos municípios de São Fidélis, Campos e Quissamã, a pressão agropecuária é das mais baixas no Estado do Rio de Janeiro. Isso está certamente ligado ao declínio das atividades rurais na região, após a crise vivida no setor sucroalcooleiro fluminense. As atividades de pecuária que substituíram a cana não têm demonstrado grande dinamismo, gerando um vazio econômico com importantes repercussões sociais na região. É de se esperar, portanto, que o eventual retorno de atividades agropecuárias nessa região ocupe inicialmente áreas abandonadas pelo cultivo da cana, funcionando como um “colchão” amortecedor dos impactos de desmatamento.

Mapa 3
Variável agrícola, por municípios do Estado do Rio de Janeiro

Tabela 1
Cruzamento entre varáveis estoque e fluxo.

Em contraste, nas áreas ao sul do PED, existe uma pressão agropecuária forte, que está relacionada aos processos de desmatamento no Centro-Norte Fluminense. Conceição do Macabu apresenta um índice de pressão agropecuária bastante alto, com destaque para a pressão exercida pela pecuária (junto com os municípios limítrofes de Carapebus e Macaé, estão entre os de maior pressão em todo estado). Santa Maria Madalena apresenta índice de pressão moderada, mas a região Norte Serrana apresenta uma grande concentração de municípios de alta pressão (Duas Barras, Cordeiro, Macuco, e, com menor intensidade, Bom Jardim e o limítrofe Trajano de Moraes). É importante destacar que os dados do levantamento de remanescentes de áreas de Mata Atlântica já haviam apontado para o aumento do desmatamento nessa região (um dos mais graves em todo o país), e os dados do Censo confirmam essa tendência de conversão de áreas florestadas para usos agropecuários.2

Em suma, embora o entorno do PED seja uma área ainda sob relativa baixa pressão agropecuária, a proximidade com áreas onde ocorre forte tendência de desmatamento é um indicativo da necessidade de medidas urgentes visando preservar os remanescentes de floresta.

  1. Para resenhas a respeito ver, por exemplo, SOUTHGATE (1990)SOUTHGATE, D. “The causes of land degradation along ‘spontaneously’ expanding agricultural frontiers in the Third World”, Land Economics. v. 66, n.1, p.93-101, 1990., BROWN & PEARCE (1994)BROWN, K. & D. PEARCE (eds.). The causes of tropical deforestation. London: University College London Press.1994., YOUNG (1997)YOUNG, C. E. F. Economic adjustment policies and the environment: a case study of Brazil. London: University College London (Ph.D. Dissertation).1997..

  2. O levantamento de remanescentes de Mata Atlântica foi efetuado por imagens de satélite e levantamento de campo, um trabalho conjunto que envolveu a Fundação SOS Mata Atlântica, o Instituto Sócio Ambiental e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

CONCLUSÕES

Este trabalho buscou apresentar uma forma simples de identificar áreas potencialmente críticas para a questão do desmatamento. Partindo da premissa que a conversão de terra florestada para usos agropecuários é uma das principais (se não a mais importante) causa do problema, pode-se construir um índice combinando variáveis de estado e de fluxo, inspirado em metodologia elaborada por SAWYER (1997)SAWYER, D. Índice de Pressão Antrópica para regiões de Cerrado. Brasília: ISPN. 1997.. Com base nesse método, pode-se concluir que:

  1. Entre as áreas críticas no Estado do Rio de Janeiro, destacam-se os munícipios situados ao Sul do Parque Estadual do Desengano, o mais importante remanescente de floresta do Norte

  2. A área ao Norte do Parque apresenta menor potencial de pressão para conversão de terras, sendo portanto menos crítica para o problema do desmatamento

  3. Os resultados devem ser examinados com a devida cautela. O IPAg é uma medida de pressão potencial, baseado numa hipótese de causalidade, não podendo ser usado como substituto para a medição do desmatamento per se. Caso a causa primária do proceso de desmatamento não esteja ligada à questão da conversão de terras para uso agropecuário, é possível que os resultados sejam bastante discrepantes.

  • 1
    Para resenhas a respeito ver, por exemplo, Southgate (1990)SOUTHGATE, D. “The causes of land degradation along ‘spontaneously’ expanding agricultural frontiers in the Third World”, Land Economics. v. 66, n.1, p.93-101, 1990., Brown e Pearce (1994)BROWN, K. & D. PEARCE (eds.). The causes of tropical deforestation. London: University College London Press.1994., Young (1997)YOUNG, C. E. F. Economic adjustment policies and the environment: a case study of Brazil. London: University College London (Ph.D. Dissertation).1997..
  • 1
    O levantamento de remanescentes de Mata Atlântica foi efetuado por imagens de satélite e levantamento de campo, um trabalho conjunto que envolveu a Fundação SOS Mata Atlântica, o Instituto Sócio Ambiental e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

LITERATURA CITADA

  • BROWN, K. & D. PEARCE (eds.). The causes of tropical deforestation London: University College London Press.1994.
  • SAWYER, D. Índice de Pressão Antrópica para regiões de Cerrado Brasília: ISPN. 1997.
  • SOUTHGATE, D. “The causes of land degradation along ‘spontaneously’ expanding agricultural frontiers in the Third World”, Land Economics. v. 66, n.1, p.93-101, 1990.
  • YOUNG, C. E. F. Economic adjustment policies and the environment: a case study of Brazil London: University College London (Ph.D. Dissertation).1997.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2000
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