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O HOMEM NA BUSCA DO DESENVOLVIMENTO AUTO-SUSTENTADO

THE MAN SEARCHING FOR A SELF- SUSTAINABLE DEVELOPMENT

RESUMO

O presente trabalho apresenta um análise crítica do relatório “Nosso Futuro Comum”, produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), e toma por base outros estudos sobre o meio ambiente e desenvolvimento. Conclui-se que apesar do relatório apresentar erros constantes nos conceitos utilizados, elabora uma metodologia na busca de soluções para as questões da deterioração ambiental resultante do atual processo de desenvolvimento.

Palavras Chaves :
ONU; Ambiente; Desenvolvimento Sustentado.

ABSTRACT

The objective of this article is evaluate the paper “Our Common Future” written by Environmental and Development World Commission, created by the United Nations (UN), based on environmental and development studies. This point out the erroneous concepts utilized in the paper, and eulogizes the methodology presented in the environment problem solution.

Key Words :
UN; Environment; and Sustainable Development.

INTRODUÇÃO

O processo de desenvolvimento tem propiciado à humanidade passar por diversas etapas, subsequentes e complementares, conduzidas por caminho dialético. Desde a mais remota experiência de uso dos recursos naturais - a exploratória primária dos bens ofertados espontaneamente, até os dias de hoje, com sofisticados processos de industrialização, o homem tem-se superado, de fase em fase, no objetivo de obter sua satisfação e bem-estar, por meio de maior conforto e melhor qualidade de vida.

Em cada etapa, as realizações sempre se basearam no uso das técnicas mais aprimoradas para suas épocas. As perdas, mau uso e desperdícios dos recursos naturais não se mostraram significativas, até que as populações e os espaços ocupados começaram a gerar poluições e graves deteriorações do meio ambiente.

Tanto se agravaram e generalizaram-se os problemas ambientais que a humanidade percebeu o perigo a que se estava expondo, começou a contestar o sistema produtivo implementado, e sentiu a necessidade de organizar-se para elaborar soluções. A criação da ONU - Organização das Nações Unidas, no período pós-segunda guerra mundial, significa manifesta decisão para unificar os povos diante de objetivos comuns, e de se estudar globalmente os efeitos de medidas que atingiam a todos. Observou-se que as destruições não ocorrem apenas devido às guerras, e que a deterioração ambiental pode levar o processo de vida à extinção. Então, a ONU, depois de muitos debates, criou Comissão Especial para estudar profundamente o assunto, a qual apresentou, como relatório final, que se tornou conhecido como Relatório Brundtland, o documento intitulado Nosso Futuro Comum.

O presente trabalho tem por objetivo fazer uma análise crítica sucinta do Relatório Nosso Futuro Comum - produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento -, e de suas vicissitudes. Para tanto, achou-se indicado recorrer a outras obras, que abordam a questão do meio ambiente e do desenvolvimento, para amparar a discussão desse tema.

O Uso dos Recursos Naturais

Toda ação humana emprega algum tipo de recurso natural e, por estar baseada em processo mental inconsciente de desenvolvimento, tem a propriedade de alterar o ambiente, deixando-o desequilibrado. O homem está umbilicalmente imerso no ambiente, porém não se sente parte dele. Esta é a grande dicotomia, que somente agora, no estágio atual da humanidade, tem a possibilidade de começar a ser compreendida.

Os processos de produção e consumo antepõem-se drasticamente aos de assimilação e redução energética natural. O planeta demorou, pelo menos 3 bilhões e meio de anos, para desenvolver mecanismos de assimilar a energia solar, associá-la aos produtos derivados da intemperização e decomposição das rochas, e proceder a redução física e química, a ser o agente dinamizador dos processos de vida. O desenvolvimento de seres vegetais e animais foi o passo seguinte da vida, mantendo-os de forma equilibrada, sinergética e autodependente. Assim como não é possível um mundo constituir apenas vida vegetal, é mais que improvável que produza apenas vida animal. O cerne da ação que rege os processos de vida consiste na Fotossíntese e na Respiração. Basicamente, pode-se, de uma forma simples, mostrar o que todos sabemos sobre a capacidade que os vegetais desenvolveram, para a captação da energia solar, a retirada e consumo de gás carbônico do ar e a deposição daquela energia como carboidratos e em moléculas específicas da massa dos agentes primários da vida, as plantas; e pela emissão de oxigênio ao ar. Conhecemos hoje, com riqueza de detalhes, a tarefa inversa que cabe aos animais, os quais consomem o oxigênio e os carboidratos primários, gerados pelas plantas, e devolvem ao ar o gás carbônico. Este processo de assimilação e redução natural seguia um rumo equilibrado com o sistema de produção e consumo que era existente antes do surgimento do homem. Este, no seu inexorável processo em busca de desenvolvimento, para lhe propiciar maior conforto e segurança, acelera e dinamiza o sistema de produção e consumo, sem questionar a eficiência e a eficácia de seus métodos. Historicamente, o homem corrige os seus hábitos, efetuando alterações progressivas de rumos, monitorado pela constatação de seus erros, inclusive os relativos ao mau uso dos recursos naturais, renováveis ou não.

Crescimento e Desenvolvimento.

O plano espontâneo de desenvolvimento é inerente ao processo de aperfeiçoamento do ser humano. Há no homem, como ocorre com todos os componentes da Natureza, ou Vida, a permanente busca do aprimoramento pessoal e coletivo (da espécie).

Entretanto, o termo “desenvolvimento” tem sido empregado, equivocadamente, para caracterizar uma fase de crescimento, que é apenas parcial, ou unilateral, seja ele econômico, ou agrícola, ou industrial, ou tecnológico. Esta terminologia tem sido constantemente utilizada, especialmente por quem detém o poder, sejam nações ou líderes políticos, geralmente por astúcia, com o fim explícito de tornar aprovados os seus métodos e critérios.

Em verdade, Desenvolvimento engloba o crescimento geral, em todos os níveis, sejam sociais, econômicos, tecnológicos, ambientais, tanto individuais como coletivos. Enquanto ocorre apenas um ou mais tipos de crescimento, dissociados, sem o esperado multi-espectral desenvolvimento, os métodos de uso dos recursos naturais continuarão a gerar problemas ambientais. Estes, devido ao rápido crescimento tecnológico, com ampla disponibilização de bens de consumo, e enorme geração de resíduos, muitos deles irreversíveis, tóxicos ou de difícil degradação, mas sempre poluentes, estão se tornando uma ameaça cada vez mais séria, não apenas para manter nível aceitável de qualidade de vida, mas especialmente para manter a vida sobre a Terra, seus componentes e inter-relações de saudável dependência.

Os questionamentos e propostas de soluções, a respeito dos problemas ambientais, gerados a partir dos métodos empregados pelo homem na sua busca do crescimento e do desenvolvimento, têm ocorrido lenta e gradualmente, e sido enfrentado de modo diferente por técnicos, governos, agências de desenvolvimento, instituições governamentais e não governamentais.

Conforme BARBIERI (1997)BARBIERI, J. C. Desenvolvimento e meio ambiente - As estratégias de mudanças da Agenda 21. Petrópolis, RJ : Vozes, 2.ed., 1997. 156 p., a evolução em busca de soluções para os problemas ambientais, tem seguido por etapas. A primeira baseia-se na constatação da deterioração ambiental, e a sua atribuição à ignorância, negligência, dolo e, especialmente, a indiferença das pessoas e dos agentes produtores e consumidores de bens e serviços. As ações para coibir estas práticas têm sido de pouca valia ou ineficientes, pois serem de origem reativa, corretiva e repressiva, buscando imposição da autoridade pela via de multas e proibições. A segunda etapa corresponde à identificação do problema ambiental como generalizado, porém confinado a limites geográficos dos estados nacionais. O limite político tem sido ainda um entrave para se tratar as questões como globalizadas. No entanto, de forma técnica, são identificadas e estudadas as causas das fontes de deterioração ambiental, por análises de diagnósticos, indicação de passos para soluções, com o estudo prévio de impactos ambientais para aprovar-se a instalação de empreendimentos com potencial de interferir na qualidade do meio ambiente.

A terceira etapa compreende a deterioração ambiental como um problema de todo o planeta, e gerado pelo caminho para o desenvolvimento adotado pelos países. É uma nova maneira de se perceber as soluções para os problemas globais, que não se restringem apenas à deterioração do meio físico e biológico, mas que considera também as dimensões sociais, econômicas, políticas e culturais. A metodologia proposta a partir desta etapa é a do desenvolvimento sustentado.

O agravamento dos problemas ambientais é diretamente proporcional ao ritmo de crescimento, por não estarem eles limitados a fronteiras políticas. Fatos como a chuva ácida, conseqüência da emissão de vapores industriais em diversos países, a emissão de nuvens radioativas, a poluição de rios internacionais, a diminuição e aberturas da camada de ozônio, o efeito estufa, a deterioração dos ecossistemas oceânicos, e outros casos também importantes, não foram convenientemente tratados pelos governos. E não podem ser evitados a partir da lógica estabelecida nas duas primeiras etapas.

O Desenvolvimento Sustentado.

A humanidade deveria começar, então, a tomar providências. Era necessário estabelecer novas diretrizes e novos instrumentos de intervenção, com maior amplitude de ação, que determinassem a capacidade de gerenciar todo o planeta. Por isso, a Organização das Nações Unidas (ONU), após a ocorrência e o conhecimento público de diversos desastres ambientais, acatou proposta, de 1969, do governo da Suécia. E, assim, realizou-se em Estocolmo, em 1972, após diversas reuniões preparatórias, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, que firmou as bases para um novo direcionamento de atitudes e relações entre o ambiente e o desenvolvimento. Discutiram-se propostas, desde as que apontavam para o esgotamento dos recursos naturais, renováveis ou não, e a incapacidade científica e tecnológica de se superar esses limites, até à ilimitada capacidade humana para o desenvolvimento tecnológico a permitir a superação de quaisquer tipos de escassez. O confronto entre estas duas posições deu origem à proposta de uma nova forma de desenvolvimento : o Ecodesenvolvimento, que recebeu, posteriormente, o nome de Desenvolvimento Sustentado.

Desenvolvimento Sustentável, ou Sustentado

Observe-se que vem sendo, erroneamente, usada a expressão Desenvolvimento Sustentável. Enfatizamos a incorreção e impropriedade de tal terminologia, visto que, semanticamente assim formulada, sugere apenas haver a possibilidade de atingi-la, e não, de fato, objetivamente, a busca do desenvolvimento auto-sustentado.

Tem-se que atentar para o fato de que, no idioma Português, os termos Sustentável e Sustentado têm significados sensivelmente distintos. O primeiro implica e está limitado apenas a uma possibilidade, mera probabilidade, que pode ocorrer, ou não. Ou que, nem ao menos, quem o diz busca verdadeiramente realizá-lo. O segundo mostra a forma, a técnica, o princípio fundamental de como deve ser obtido o desenvolvimento.

Dizer, então, Desenvolvimento Sustentável soa como aparente inverdade, ou pelo menos como a se reconhecê-lo como utopia. E não se deve usá-lo, portanto. O correto, semanticamente, e ético, é objetivar-se o Desenvolvimento Sustentado.

Caminhos para se atingir o Desenvolvimento Sustentado

Na época da Conferência da ONU, em 1972, as teorias da Geopolítica mostravam haver dois tipos de países, quanto a potencial ou realização do progresso : países desenvolvidos e países subdesenvolvidos ou “em via de desenvolvimento”. Naquela Conferência de Estocolmo ficou manifesta a posição divergente desses países. Os desenvolvidos mostraram-se favoráveis a restrições ao modelo que usavam, e que gerou deterioração ambiental, diminuição da qualidade de vida nas zonas urbanas e rurais, e a escassez de recursos minerais e energéticos; e os países não desenvolvidos, inclusive o Brasil, destacando que “a maior poluição é a pobreza (Indira Ghandi)”, defenderam o desenvolvimento a qualquer custo, sem reconhecer a gravidade do problema.

Segundo FERREIRA e FERREIRA (1995)FERREIRA, L. C. & FERREIRA, L. C. Limites ecossistêmicos : novos dilemas e desafios para o estado e para a sociedade. In : HOGAN, D.J.; VIEIRA P.F. (org.) Dilemas socioambientais e desenvol-vimento sustentável. Campinas, SP : UNICAMP, 2.ed., 1995. p.13-35., o modelo de desenvolvimento predominante na América Latina não é sustentável ecológica, social ou economicamente, em conseqüência dos seus efeitos destrutivos sobre os sistemas naturais e sobre a sociedade.

Não obstante os conflitos de posicionamento, e a complexidade econômica, tecnológica e social que envolvem as questões ambientais, a Conferência de Estocolmo possibilitou a realização de negociação entre países submetidos à mesma problemática, e constitui o marco fundamental da humanidade, pelo qual se compreende superadas as duas primeiras etapas, e se evolui para a terceira, que definiu os caminhos para o Desenvolvimento Sustentado.

A expressão Desenvolvimento Sustentado, assim como Desenvolvimento Autosustentado, é utilizada tradicionalmente na área da Engenharia Florestal, de forma apropriada, para considerar um sistema de gerenciamento de florestas racionalmente manejadas, cujo propósito é o objetivo conservacionista, na acepção deste termo, isto é, o uso racional, equilibrado e permanente dos recursos florestais. Aquela expressão foi aplicada com objetivos mais amplos pela WWF - World Wide Fund for Nature, no documento denominado World Conservation Strategy, em 1980, por solicitação do PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Aquele documento orientava para a definição de uma estratégia mundial para a conservação da natureza e da Vida, pela proposição dos seguintes objetivos comuns : (1) manter os processos ecológicos essenciais e os sistemas naturais vitais necessários à sobrevivência e ao desenvolvimento do Ser Humano; (2) preservar a diversidade biológica e genética; e (3) assegurar o uso racional e sustentado das espécies e dos ecossistemas que constituem a base da vida no planeta.

O surgimento de Nosso Futuro Comum

Em 1983, por decisão da assembléia Geral da ONU, foi criada a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), presidida por Gro Harlem Brundtland. Conhecida como Comissão Brundtland, traçou os seguintes objetivos : (1) propor estratégias ambientais de longo prazo, para obter um desenvolvimento sustentável por volta do ano 2000 e daí em diante; (2) recomendar procedimentos para que o cuidado com o meio ambiente seja efetuado por meio da maior cooperação entre os países em desenvolvimento e entre os países em estágios diferentes de desenvolvimento econômico e social, e leve à consecução de objetivos comuns e interligados que considerem as inter-relações de pessoas, recursos, meio ambiente e desenvolvimento; (3) considerar meios e procedimentos pelos quais a comunidade internacional possa cuidar mais eficientemente das questões de cunho ambiental; e (4) ajudar a definir noções comuns relativas a questões ambientais de longo prazo e os esforços necessários para tratar com êxito os problemas da proteção e da melhoria do meio ambiente.

A Comissão Brundtland concluiu seus trabalhos em 1987, e expressou as bases para o Desenvolvimento Sustentado por meio do seu relatório final, denominado Nosso Futuro Comum. De acordo com o relatório, Desenvolvimento Sustentado é definido como aquele que atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades (p.46). Pelo relatório, ainda, o Desenvolvimento Sustentado é, em essência, um processo de transformação, no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação de desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas (p. 49).

Segundo BARBIERI (1997)BARBIERI, J. C. Desenvolvimento e meio ambiente - As estratégias de mudanças da Agenda 21. Petrópolis, RJ : Vozes, 2.ed., 1997. 156 p., os principais objetivos de políticas derivados dos conceitos de Desenvolvimento Sustentado recomendados pela Comissão Brundtland são os seguintes : retomar o crescimento econômico, tecnológico, social e ambiental, como condição fundamental para erradicar a pobreza; reorientar a qualidade do crescimento, para torná-lo justo, eqüitativo e menos intensivo nas necessidades de energia e de matériasprimas; atender às necessidades humanas essenciais, pela suficiente oferta e boa qualidade de emprego, alimentação, água, energia e saneamento; manter nível populacional controlado e sustentável; conservar e melhorar a base de recursos; reorientar as decisões e objetivos na área de ciência e tecnologia, e saber administrar os riscos; e incluir o meio ambiente e a economia no processo decisório. Além desses objetivos, a Comissão enfatiza haver a necessidade imediata de se modificar a forma como são hoje estabelecidas as relações econômicas internacionais, para reduzir os desequilíbrios e fortíssimo nível de dependência entre os países. A idéia fundamental é a de se atingir uma economia mundial sustentada. Para que se consiga este objetivo, não podem ocorrer as desigualdades e nível de dependência entre os países, que hoje se constatam.

Os conceitos e as recomendações da Comissão Brundtland foram aprovados pela entidades da ONU (PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, UNIDO - Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial, e diversas outras, governamentais ou não-governamentais, do mundo todo). Durante a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada no Rio de Janeiro, em 1992, que foi denominada Cúpula da Terra (Earth Summit, Cumbre de la Tierra), foram consagradas as linhas-mestras do relatório Nosso Futuro Comum, as quais foram incorporadas à Agenda 21, aprovada naquele evento.

Conforme VIOLA & LEIS (1995)VIOLA, E.J. & LEIS,H.R. A evolução das políticas ambientais no Brasil, 1971-1991: do bissetorialismo preservacionista para o multissetorialismo orientado para o desenvolvimento sustentável. In : HOGAN, D.J.; VIEIRA P.F. (org.) Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável. Campinas, SP : UNICAMP, 2.ed., 1995. p, devido à favorável acolhida ao Relatório Brundtland, o conceito de Desenvolvimento Sustentado obteve reconhecimento que a expressão Ecodesenvolvimento nunca tivera. Porém, pela atração simultânea de acadêmicos, ambientalistas, economistas, planificadores em desenvolvimento, agências internacionais, organizações não-governamentais, políticos, e o público em geral, houve uma criação e disseminação de várias terminologias. E toda a literatura surgida em torno do conceito de Desenvolvimento Sustentado sugerem que o amplo espectro de seus significados fortalece-o politicamente, em detrimento, às vezes, de seus conteúdos científicos.

Diversas nações adotaram já os princípios e recomendações propostos pela Comissão Brundtland. O Plano Verde Canadense, elaborado para o período 1990-95, com intensa participação da sociedade civil, que é muito culta, compreende Desenvolvimento Sustentado como o seu planejamento de vida. Explicitamente, o objetivo do Canadá é o de assegurar um meio ambiente saudável e seguro para a atual e futuras gerações, e uma economia sólida e próspera (p. 2). No Brasil, a Constituição Federal de 1988 determina que todos têm direito o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum ao povo, essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as presentes e futuras gerações (Art. 225).

O relatório Nosso Futuro Comum encerra uma tônica otimista quanto ao ser humano e o seu trato com a natureza. Tudo, apesar da deterioração ambiental imposta pelo homem ao Planeta, que chega às raias de um processo auto-destrutivo.

Do ponto de vista analítico, pode-se afirmar que a poluição ambiental do Planeta é a expressão da sua “neurose”, e processo auto-destrutivo de cada um dos homens que o habitam. Pois todos nós colaboramos, mais ou menos intensamente, para a deterioração ambiental. A saúde perfeita do planeta será atingida, quando cada um dos homens for suficientemente esclarecido e livre de condicionamentos e hábitos não-saudáveis.

O otimismo da Comissão Brundtland estrutura-se na compreensão de que a humanidade pode atingir o nível de Desenvolvimento Sustentado, tendo em vista que os limites do Planeta não são absolutos, mas sim condicionados pelo estágio da tecnologia, das organizações sociais e da capacidade da Biosfera, de absorver os efeitos das atividades humanas, sendo que os dois primeiros podem ser aprimorados constantemente (p. 9).

A proposição da Comissão Brundtland não é compartilhada universalmente, e muita desconfiança existe, quanto à possibilidades e condições para se alcançar este nível avançado de desenvolvimento. Para alguns, a expressão Desenvolvimento Sustentado consiste, por si, em uma contradição. Isto é, para os que não compreendem a possibilidade da evolução humana, ou a consideram muito difícil ou lenta, a busca do desenvolvimento só é possível nos padrões tecnológicos atualmente em uso.

Entretanto, o homem tem evoluído nas suas proposições de uso dos recursos naturais, na constante busca do desenvolvimento sustentado, para diminuir cada vez mais, até um nível mínimo possível, a deterioração ambiental. Nesse caminho, procurou-se inicialmente o sistema “Final do Processo” (end-of-pipe technology), o qual busca corrigir os prejuízos ambientais causados por um processo produtivo, remediando os seus efeitos, porém sem eliminar as causas, as suas fontes. Seu alcance é limitado, pois sugere a transferência da poluição de um ambiente para outro. Por exemplo, um processo industrial gera resíduos sólidos, que, em geral eram lançados ás águas de um rio. Devido a exigências legais, esses resíduos passam a ser depositados em aterros especiais. Essa pseudo-solução é geralmente introduzida para atender aos padrões de emissão de poluentes, ou de qualidade ambiental estabelecidos por regulamentação governamental. Esse tipo de solução tecnológica tem resultado aparente, e muito pouco contribui para a sustentabilidade dos recursos naturais, renováveis ou não.

De modo oposto, os processos tecnológicos de “Produção Mais Limpa” (cleaner production) propõem mudanças nos produtos e para os seus sistemas de produção, de forma a diminuir ou até eliminar qualquer tipo de rejeito, antes que ele possa ser criado. Será gerada assim uma nova política de consumo. Os produtos serão projetados em função da maior facilidade para a sua fabricação, o seu uso e a disposição final após encerrada a sua vida útil. Essa linha de ação prevê integração para o uso racional de matéria-prima e energia, a substituição de recursos não renováveis por renováveis, eliminar substâncias tóxicas, reduzir os desperdícios, e eliminar a poluição resultante dos processos produtivos e do uso desses produtos. Esta é uma estratégia tecnológica de caráter permanente. Prevê generalizar-se a Redução da quantidade de insumos, e conseqüente diminuição de resíduos, a Reutilização, e Reciclagem de materiais (Política dos 3 R). Fundamentado nestes princípios, foi elaborado o Programa ZERI - Zero Emission Research Initiative, o mais moderno princípio de Desenvolvimento Sustentado, que prevê índice Zero de poluição no processo produção-consumo-reciclagem, no qual já se encontram envolvidos alguns grupos empresariais, especialmente dos EUA.

CONCLUSÃO

A providência inicial da Humanidade, na busca de soluções para as questões da deterioração ambiental, gerou o marco constituído pelo relatório Nosso Futuro Comum. Ele mostra que o ser humano está atento. Embora produza constantemente erros, tem sabido elaborar metodologias para solucioná-los. A tomada de consciência para o estabelecimento do Desenvolvimento Sustentado foi tomada por meio do relatório da Comissão Brundtland. Muito tem-se ainda a percorrer. Mas o início do caminho já está traçado. Não estamos em uma nau sem rumo.

Cabe, agora, ao homem saber utilizar com propriedade a Inteligência, para que este desenvolvimento atinja a todos os povos, num tempo o mais curto quanto possível. De acordo com ênfase daquele relatório, ‘Cada nação terá de avaliar as implicações concretas de suas políticas. Mas apesar dessa diferença, o desenvolvimento sustentado deve ser encarado como um objetivo de todo o mundo’.

LITERATURA CITADA

  • BARBIERI, J. C. Desenvolvimento e meio ambiente - As estratégias de mudanças da Agenda 21. Petrópolis, RJ : Vozes, 2.ed., 1997. 156 p.
  • COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO. Nosso futuro comum Rio de Janeiro, Ed. Fundação Getúlio Vargas. 1991. 430 p.
  • FERREIRA, L. C. & FERREIRA, L. C. Limites ecossistêmicos : novos dilemas e desafios para o estado e para a sociedade. In : HOGAN, D.J.; VIEIRA P.F. (org.) Dilemas socioambientais e desenvol-vimento sustentável. Campinas, SP : UNICAMP, 2.ed., 1995. p.13-35.
  • LUTZENBERGER, J. G. In : Guia Corpo a Corpo. São Paulo. Ed. Símbolo. 1986. p. 16-28.
  • REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição. Brasília, DF : Senado Federal, Centro gráfico. 1988. 292 p.
  • VIOLA, E.J. & LEIS,H.R. A evolução das políticas ambientais no Brasil, 1971-1991: do bissetorialismo preservacionista para o multissetorialismo orientado para o desenvolvimento sustentável. In : HOGAN, D.J.; VIEIRA P.F. (org.) Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável. Campinas, SP : UNICAMP, 2.ed., 1995. p

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2000
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