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AS FUNÇÕES DE ESTADO NA ÁREA FLORESTAL

FUNCTIONS OF STATE IN THE FOREST AREA

RESUMO

O quadro institucional brasileiro - notadamente o Código Florestal, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e a Constituição Federal - assegura que as florestas são bens de interesse comum a todos os habitantes do país. Nesse contexto, este trabalho discorre sobre as funções típicas de Estado na área florestal, com vistas a garantir os benefícios coletivos provenientes dos recursos florestais. Exemplos são apresentados para cada função, quando disponíveis.

Palavras-chaves:
Código florestal; meio ambiente; vegetação

ABSTRACT

The Brazilian institucional framework - especially the Forest Code, the Law of the Environment and the Federal Constitution - assures that the forests are good of common interest to all the inhabitants of the country. In this context, this work discourses on the typical functions of State in the forest area, with sights to guarantee the collective benefits proceeding from the forest features. Examples are presented for each function, when available.

Key-words:
Forests code; environment; vegetation

O Código Florestal Brasileiro (Lei 4.771, de 15/ 09/1965) estabelece no seu artigo primeiro que “as florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País...”. Vinte e quatro anos mais tarde, a Lei 7.804 (de 18/07/ 1989) incluiria na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (6.938, de 31/08/1981) as florestas no conceito amplo de recursos ambientais. Essa relevância social coletiva das florestas seria posteriormente fixada na Constituição Brasileira de 1988, que estabeleceu no seu artigo 225 um Capítulo sobre o Meio Ambiente, propugnando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Diante desse quadro institucional, quais seriam então as funções típicas de Estado* na área Florestal? Um exame mais detido da questão revela que são seis essas funções, que devem estar consolidadas numa política florestal, que se fundamenta em instrumentos legais, econômicos e administrativos.

A primeira função típica de Estado na área florestal é realizar o macro planejamento da proteção e utilização dos recursos florestais. Embora o direito de propriedade seja livre no Brasil, sendo a floresta bem de interesse coletivo, cabe ao Estado zelar pelo conjunto das áreas florestais. O zoneamento econômico-ecológico e os inventários regionais são ferramentas importantes na realização dessa função estatal. Dois estados da federação realizaram recentemente os seus inventários estaduais: Rio Grande do Sul, na região Sul e São Paulo, na região Sudeste. Dois outros estados, da Amazônia, já têm os seus zoneamentos concluídos: Rondônia e Acre. O zoneamento de Rondônia foi transformado em lei, que vem causando alguma polêmica jurídica por colidir, em parte, com o Código Florestal brasileiro, que está em processo de revisão. O Estado do Acre optou por não transformar seu zoneamento em lei; deixou-o como instrumento indicativo para os planos, projetos e ações de Governo e para orientação dos empreendedores privados. Ademais, o Estado vem trabalhando numa versão mais refinada do seu zoneamento.

A segunda função típica de Estado na área florestal é administrar as áreas florestais públicas. Essas áreas, definidas na Lei do Sistema de Unidades de Conservação (Lei SNUC - 9.985 de 18/ 07/2000) dividem-se em dois grupos: unidades de proteção integral e unidades de uso sustentável - que podem ser federal, estadual ou municipal. Anteriormente à Lei do SNUC as unidades de proteção integral eram conhecidas como unidades de uso indireto, e as de desenvolvimento sustentável, como de uso direto.

A terceira função é prestar assistência técnica à clientela florestal, ou seja, aos proprietários de terras florestais ou àqueles que com ela ou nela trabalham - caso de posseiros, meeiros, ribeirinhos e extrativistas. Essa assistência tanto pode ser técnica quanto financeira, através de mecanismos que facilitem acesso ao crédito, processamento, armazenagem e escoamento da produção. Alguns exemplos podem ser extraídos do Acre, onde a Fundação de Tecnologia do Estado do Acre (FUNTAC) presta assistência técnica aos madeireiros na elaboração dos seus planos de manejo; através de um Fundo de Aval o Governo do Estado apóia pessoas físicas, associações, cooperativas e produtores em geral a viabilizar o acesso ao crédito junto aos agentes financeiros privados.

Promover o fomento da atividade florestal é quarta função típica de Estado. Fomentar, em sentindo amplo, significa desenvolver. Cabe, pois, ao Estado criar condições e facilitar os meios para que a atividade florestal seja empreendida, envolvendo desde a formação de florestas homogêneas, recuperação de áreas degradadas, recomposição de matas ciliares ao manejo de múltiplos produtos da floresta.

A quinta função é realizar a pesquisa florestal. Como a atividade florestal é de médio e longo prazo, os proprietários privados de terras florestais pouco se interessam por investir em pesquisa. O Estado deve, portanto, realizá-la, valendo-se das universidades e das outras instituições de pesquisas federais e estaduais e até mesmo das organizações não governamentais. Na área Federal, as universidades, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e o Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA) são as principais instituições responsáveis pela pesquisa florestal no país.

A sexta e última função de Estado na área florestal é monitorar, controlar e fiscalizar a cobertura florestal dos proprietários privados. Trata-se do exercício do poder de polícia do Estado, da observância do cumprimento da lei, das normas e regulamentos vigentes. Ao mesmo tempo em que se revela como a função mais antipatizada pelos usuários e detentores das florestas, é também a mais cobrada pelo conjunto da sociedade, organizações não governamentais, ministério público e pela mídia em geral.

Escudado em instrumentos legais inequivocamente relevantes, o Governo Federal criou programas de vulto, que lhe possibilitou cumprir, embora com algumas distorções, essas funções típicas de Estado. Esses instrumentos, todos editados na segunda metade dos anos de 1960, eram o Código Florestal (Lei 4771/65), a Lei de Incentivos Fiscais para Reflorestamento (Lei 5106/66) e o Decreto-Lei (289/67), que criou o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF).

Durante cerca de 20 anos, a partir da edição do Código Florestal, essas funções foram executadas pelo Estado, na esfera federal, com maior ou menor grau de prioridade atribuído a cada uma delas. A execução dessas funções típicas de Estado fluiu de acordo com a eficácia na aplicação dos instrumentos disponíveis, de um lado, e do status legal do regime político vigente, da dinâmica do processo econômico nacional e das pressões dos grupos econômicos e políticos predominante no setor, de outro.

Na segunda metade da década de 1980, mudanças no status político e na conjuntura econômica do país - associadas a pressões nacionais e internacionais face ao exacerbado desmatamento em curso na Amazônia - forçaram revisões na postura do Estado no tocante ao cumprimento das suas funções na área florestal. O balanço das políticas públicas empreendidas na região, com a concessão de fartos incentivos fiscais, revelava, no geral, relação benefício/custo pouco alentadora, com impactos ambientais comprovadamente negativos.

De outro lado, o modelo de concessão de incentivos fiscais para o reflorestamento e desmatamento esgotara-se. Explicitavam-se, de diferentes formas, mudanças de postura da sociedade no tocante às exigências de bens e serviços florestais. As mídias nacional e internacional passaram a evidenciar sistematicamente as queimadas em grande escala que se registravam na Amazônia no final da década de 1980. De um lado, os movimentos sociais dos povos da floresta fortaleceram-se, numa lógica reativa natural às pressões dos fazendeiros sobre as terras em que se encontravam instalados. De outro, valiam-se dos espaços abertos pela mídia e do apoio dos movimentos ambientalistas que foram rapidamente surgindo, pretensamente em defesa das florestas da Amazônia e dos direitos daqueles povos.

A realidade econômica induziu nos últimos anos a uma postura conciliatória das correntes antagônicas: ambientalista e desenvolvimentista. Em parte porque o conceito de desenvolvimento assumido na década de 1990 distancia-se grandemente daquele praticado nos anos 1970 e 1980, e ferreamente perseguido pelo Estado, com a implementação dos Planos Nacionais de Desenvolvimento. O novo conceito, o do desenvolvimento sustentável, procura conciliar crescimento econômico, distribuição dos benefícios desse crescimento e manutenção do equilíbrio ambiental. Embora essa conciliação não seja, na prática, um objetivo fácil de ser atingido, deve ser perseguida nas políticas públicas e nos programas de Governo. Na área florestal, a implementação de Programas que envolvam distintos segmentos sociais, práticas ao mesmo tempo inovadoras e realistas, e regimes de propriedade diferenciados abreviarão o tempo para o atingimento da sustentabilidade da produção e do manejo dos recursos florestais, em particular, e do desenvolvimento sustentável, no geral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As funções típicas de Estado na área florestal aqui apresentadas foram, até a Constituição de 1988, exercidas pela esfera federal de Governo, pois os Estados, à exceção de Minas Gerais e São Paulo, não dispunham de estruturas administrativas específicas para executá-las. E até então, não dispunham também de leis estaduais próprias, pois a competência legislativa em matéria florestal era exclusividade da União. Depois da promulgação da nova Constituição, onze estados editaram suas leis florestais: Minas Gerais (1991), Rio Grande do Sul (1992), Bahia (1994), Paraíba (1994), Pernambuco (1995), Rio Grande do Norte (1995), Ceará (1995), Goiás (1995), Paraná (1995), Alagoas (1996) e Santa Catarina (1997). Mas mesmo esse estado que já contam com leis florestais, a maioria deles ainda não se estruturou adequadamente para cumprir suas funções típicas de Estado na área florestal.

Até o final da primeira metade da década de 1980 grandes programas governamentais permitiram à área federal dar ênfase ao fomento florestal, através do Programa de Reflorestamento, instituído pela Lei dos Incentivos Fiscais em 1965; ao macroplanejamento de proteção e uso dos recursos florestais, com os programas de Inventário Florestal Nacional, primeiro para as florestas plantadas, iniciado em 1987, depois para as florestas nativas, iniciado em 1981, e todos concluídos até 1984; e à pesquisa florestal, através do Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento Florestal - PRODEPEF, que conjugou esforços das instituições de pesquisa e das empresas privadas, com o apoio da Food and Agricultural Organization (FAO) e financiamento do programa de reflorestamento.

Ênfase foi colocada também na criação de unidades de conservação, sobretudo na Amazônia (cerca de 25 milhões de hectares decretados até o final da década de 1980), mas a administração dessas unidades têm sido, até o presente, precária. A área de assistência técnica florestal nunca foi priorizada pela área federal. O órgão federal afim, a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMBRATER), foi extinto em 1990, mas a sua prioridade sempre foi extensão rural.

No final da década de 1980, extintos todos os programas florestais relevantes (reflorestamento, pesquisa e inventário nacional), a ênfase do Governo Federal foi colocada no monitoramento, controle e fiscalização do uso dos recursos florestais, sobretudo na Amazônia.

Somente a partir de abril de 2000 o Brasil voltou a ter novamente um programa na área florestal, com o lançamento do Programa Nacional de Florestas. As expectativas são de que, com esse programa, a área federal, os estados e os municípios possam, agora, voltar a exercer, de forma cooperativa, o conjunto das funções típicas de Estado na área florestal, discutido nesse trabalho.

A referência a Estado aqui é feita no sentido jurídico amplo do direito administrativo, ou seja: Território, Povo e Governo soberano, independente da esfera, se federal, estadual ou municipal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Dec 2001
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