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SOLOS E VEGETAÇÃO NOS COMPLEXOS RUPESTRES DE ALTITUDE DA MANTIQUEIRA E DO ESPINHAÇO

SOIL AND VEGETATION ON THE HIGH ALTITUDE ROCKY COMPLEXES OF THE MANTIQUEIRA AND ESPINHAÇO MOUNTAIN

RESUMO

Complexos Rupestres de Altitude compreendem biomas singulares que ocorrem nas cimeiras das principais cadeias montanhosas do Brasil. Diferem-se dos biomas dominantes pelas características dos solos e da biota, apresentando altas taxas de diversidade e endemismos. A vegetação apresenta adaptações às condições adversas do solo e ao fogo. Os solos são rasos, arenosos, oligotróficos e ricos em alumínio trocável. São encontrados horizontes húmicos e até mesmo orgânicos. Grande parte do carbono ocorre na forma de ácidos fúlvicos. Observa-se a iluviacão de matéria orgânica no solo sendo formados horizontes espódicos e rios negros. O material orgânico apresenta forte melanização em função da grande quantidade de fragmentos de carvão encontrados no solo, os quais são um testemunho de incêndios naturais. Solos sobre quartzito diferem dos solos sobre rochas ígneas por serem ainda mais pobres em nutrientes. Os processos de pedogênese observados apontam a degradação natural destes ambientes nas atuais condições climáticas.

Palavras-chaves
solos altimontanos; Campos Rupestres; Campos de Altitude

ABSTRACT

The High Altitude Complex encompasses ecosystems with unique characteristics on the top of the main mountain ranges of Brazil. These ecosystems differ from the surrounding dominating biomes due to soil and animal characteristics showing high diversity and endemic species. Morphological and physiological adaptation of plants to soil constraints and burning provide this ecosystem with a relevant genetic bank still to be investigated. Soil are shallow, sandy, olygotrophic and contain high amounts of exchangeable aluminum. Humic to organic horizons are common in these soils indicating low degree of soil organic matter decomposition. Humic substances are predominantly consisted of fulvic acids. Illuviation of soil organic matter is present particularly on areas over quartzite. Hence spodic horizons are formed and rivers show dark colour. Organic material show strong melanization due to the high amounts of charcoal and its by-products in soils. The presence of charcoal in the soil is an evidence of natural burning commonly observed in high altitudes of mountains. Soils on quartzite (Espinhaço) are different from igneous soils (Mantiqueira) as they show low levels of plant nutrients and carbon. Pedogenetic processes indicate natural degradation of these environments under present climatic conditions. This process is more intensive in areas on quartzite, which are under advanced degradation

Key words:
top mountain soil; Paramos; High Altitude Grassland

INTRODUÇÃO

Inicialmente os Complexos Rupestres de Altitude (CRA) não eram considerados como um tipo vegetacional a parte e eram incorporados a outros ecossistemas de forma genérica. Posteriormente, Barreto (1949)BARRETO, H.L. Regiões fitogeográficas de Minas Gerais. Boletim de Geografia, Rio de Janeiro, V. 14, p. 14-28, 1949. ao estudar a vegetação em áreas altimontanas utilizou o termo “Campos Alpinos”, assim como Rizzini (1963)RIZZINI, C.T. Nota prévia sobre a divisão fitogeográfica do Brasil. Separata da Revista Brasileira de Geografia, n.1. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia Estatística. 1963. 64p., que propôs o termo “Campos Altimontanos”. Joly (1970)JOLY, A. B. Conheça a vegetação brasileira. São Paulo: Ed. Univ. de São Paulo e Polígono, 1970. 165p. utiliza o termo introduzido por Magalhães (1966)MAGALHÃES, G. M. Sobre os cerrados de Minas Gerais. Anais da Acad. Brasileira Ciências, Rio de Janeiro, V.38, p. 59 - 70. 1966. “Campos Rupestres”, referindo-se exclusivamente às formações sobre quartzito. Em trabalho posterior, Rizzini (1979)RIZZINI, C. T. Tratado de fitogeografia do Brasil. V.2. São Paulo: Ed. HUCITEC, 1979. 374p. melhor subdividiu estes biomas em “Campos Quartzíticos”, para áreas sobre quartzito como o Espinhaço, e os “Campos Altimontanos”, sobre rochas cristalinas diversas, como os ocorrentes nas Serras do Mar e da Mantiqueira. Da mesma forma, Ferri (1980)FERRI, M. G. Vegetação Brasileira. 1.ed. São Paulo: Ed. USP,. 1980. 157p. dividiu essa formação em “Campos Rupestres” e “Campos de Altitude”, e Eiten (1983)EITEN, G. Classificação da vegetação do Brasil. Brasília: CNPq/Coordenação Editorial, 1983. 305p., em “Campo Rupestre” e “Campo Montano”, para formações sobre quartzito e sobre granito, respectivamente. Veloso (1991)VELOSO, H. P.; RANGEL FILHO, A. L. R.; LIMA, J. C. A. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: IBGE, Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, 1991. 123p. classificou tal formação como “Refúgios Vegetacionais ou Relíquias de Vegetação”, que segundo ele, são toda e qualquer vegetação florísticamente diferente do contexto geral da flora dominante. Por último, Semir (1991)SEMIR, J. Revisão taxonômica de Lychnophora Mart. (Vernoniaceae:Compositae). 1991. 515p. Dissertação (Doutorado em Biologia Vegetal)- UNICAMP, Campinas sugere os termos “Complexos Rupestres de Quartzito” e “Complexos Rupestres de Granito” para a vegetação do Espinhaço e da Mantiqueira, respectivamente, alegando que ambas as formações são rupestres, mas diferem-se quanto a litologia predominante.

O surgimento de novas propostas de classificação acompanhou a evolução do conhecimento sobre estes biomas. À medida que novas áreas foram sendo pesquisadas, notou-se a necessidade da individualização de formações diferentes quanto a aspectos florísticos, e quanto a aspectos do meio físico, como litologia. Termos como “campos”, “montanos”, “de altitude” e “rupestre” tornaram-se pouco apropriados para a diferenciação entre estas formações e outras formações e para a estratificação das formações sobre diferentes litologias. O termo “Complexos Rupestres” sugerido por Semir (1991)SEMIR, J. Revisão taxonômica de Lychnophora Mart. (Vernoniaceae:Compositae). 1991. 515p. Dissertação (Doutorado em Biologia Vegetal)- UNICAMP, Campinas parece mais apropriado, primeiro por utilizar o termo “Complexo” que permite considerar outras tipologias vegetais associadas aos campos propriamente ditos, e segundo por indicar a presença de afloramento de rocha, comuns tanto em áreas de quartzito como sem áreas de rochas ígneas. No presente trabalho utilizar-se-á o termo Complexos Rupestres de Altitude por considerar-se importante separar as áreas altimontanas de outros complexos rupestres como, por exemplo, os que ocorrem em ambiente costeiro, os que ocorrem associados a caatinga e os “inselbergs” constituídos por rocha graníticas. O conceito de refúgio ecológico de Veloso (1991)VELOSO, H. P.; RANGEL FILHO, A. L. R.; LIMA, J. C. A. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. Rio de Janeiro: IBGE, Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais, 1991. 123p. pode extrapolar os aspectos da flora por ser este um ecossistema singular também em relação à fauna, aos solos e a geomorfologia. Distintamente de outras formações como a Floresta Amazônica e o Cerrado, os CRA não apresentam uma área “core” de distribuição, ocorrendo de forma disjunta, separados por vales, planaltos e bacias, levando ao isolamento geográfico de populações, o que resultou em uma flora com um dos maiores índices de endemismo dentre a flora brasileira (Joly, 1970JOLY, A. B. Conheça a vegetação brasileira. São Paulo: Ed. Univ. de São Paulo e Polígono, 1970. 165p.; Giulietti & Pirani, 1988GIULIETTI, A. M & PIRANI, J. R. Patterns of geographic distribution of some plant species from the Espinhaço range, Minas Gerais and Bahia. In:HEYER, W. R. & VANZOLINI, P. E. (Eds) Proceedings of a Workshop of a Neotropical Distribution Patterns. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de Ciências, 1988. p. 39 - 69.).

Devem ser separados os CRA sobre rochas ígneas (granito/gnaisses) daqueles sobre rocha quartzítica. Os CRA sobre rochas ígneas encontram-se na Serra da Mantiqueira e na Serra do Mar, dentro do domínio da Mata Atlântica. Na Mantiqueira predominam os granitos e os gnaisses, e rochas de grau metamórfico intermediário, como migmatitos. Ocorrem também algumas áreas de quartzito em menor escala, como no Ibitipoca, onde ocorre associado ao xisto (Dias, 2000DIAS, H.T. Caracterização de pedoambientes no Parque Estadual do Ibitipoca. 2000. 121p. Dissertação (Doutorado em Solos e nutrição de plantas) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG.). No Itatiaia ocorrem sienitos, que são rochas alcalinas, pobres em sílica e ricas em feldspato (RADAMBRASIL, 1983RADAMBRASIL. Levantamento de recursos naturais: Folhas SF23/24 Rio Janeiro/Vitória; Geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação e uso potencial da terra. Rio de Janeiro: RADAMBRASIL, 1983. 780p). A fisionomia mais freqüentemente encontrada é a de platôs relativamente extensos, compostos por mosaicos de arbustos, especialmente espécies da família Asteraceae como Baccharis, Vernonia, vários representantes da tribo Eupatorieae, Melastomataceae como Tibouchina e Leandra, além de espécies da família Myrtaceae e pequenas árvores, como por exemplo, Escallonia (Convolvulaceae), Weinmannia (Cunoniaceae), Rapanea (Myrsinaceae), Symplocos (Styraceae), Maytenus (Celastraceae) e Roupala (Proteaceae), inseridos em uma matriz de touceiras de gramíneas (p. ex. Cortaderia, Calamogrotis e Andropogon) e bambus (Chusquea ssp.), com esparsas ervas e pteridófitas (Safford, 1999SAFFORD, H.D. Brazilian Páramos I: An introduction to the physical environment and vegetation of the campos de altitude. Journal of Biogeography, Amsterdam, V. 26, p. 693 - 712, 1999.). Figuram ainda como elementos da paisagem extensões variáveis de rocha aflorada (Safford & Martinelli, 2000SAFFORD, H. D., & MARTINELLI, G. Southeast Brazil. In: Inselbergs: Biotic diversity of isolated rock outcrops in Tropical and Temperate regions. Berlim: Springer, 2000. p. 339 - 389.). A vegetação sobre os afloramentos é composta por espécies epilíticas, ou seja diretamente assentadas sobre a rocha nua, e espécies de Cyperaceae e Velloziaceae tidas como formadoras de tapetes de monocotiledôneas (Barthlott et. al, 1993BARTHLOTT, W., GRÖGER, A., POREMBSKI, S. Some remarks on the vegetation of tropical inselberg: diversity and ecological differentiation. Biogeographica, London, V. 69, n.3, p. 105-124, 1993.). Essas espécies propiciam o suporte para os próximos passos sucessionais, principalmente por aumentar a heterogeneidade do ambiente em termos de disponibilidade de água e suporte mecânico (Meirelles, 1996MEIRELLES, S. T. Estrutura da comunidade e características funcionais dos componentes da vegetação de um afloramento rochoso em Atibaia - SP. 1996. 270p. Dissertação (Doutorado em Botânica) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). Ocupando secundariamente esses “tapetes” encontram-se várias espécies geófitas e terófitas. As famílias sempre bem representadas são Orchidaceae, Asteraceae, Bromeliaceae, Melastomataceae e Cyperaceae (Caiafa, 2002CAIAFA, A. N. Composição florística e estrutura da vegetação sobre um afloramento rochoso no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro, MG. 2002. 51p. Dissertação (Mestrado em Botânica)- Universidade Federal de Viçosa, Viçosa-MG.).

Os CRA sobre quartzito ocorrem ao longo do Espinhaço, na Chapada dos Veadeiros, na Chapada dos Guimarães, no norte de Roraima e em outras ocorrências isoladas de quartzito como Serra da Canastra e Ibitipoca. Os CRA sobre quartzito estão normalmente associados ao Cerrado, como o caso da Serra do Cipó, mas também podem ocorrer associados à Caatinga como na Chapada Diamantina (BA) ou até mesmo com a Floresta Estacional Semidecidual, como no Ibitipoca .A vegetação dos CRA sobre quartzitos consiste basicamente em dois grandes grupos segundo Pereira (1994)PEREIRA, M. C. A. Estrutura das comunidades vegetais de afloramentos rochosos dos campos rupestres do Parque Nacional da Serra do Cipó, MG. 1994. 163p. Dissertação (Mestrado em Ecologia)- Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.: Os campos, onde são observados espécies herbáceas crescendo sobre solo areno pedregoso, com elevado número de indivíduos pertencentes a família Poaceae, Cyperaceae e Eriocaulaceae, além das Xyridaceae e algumas Velloziaceae. Ocupam extensas áreas da Serra do Cipó, Chapada Diamantina e na Serra da Canastra, onde muitas vezes rodeiam os afloramentos rochosos quartzíticos; Os afloramentos rochosos, onde predominam os arbustos e subarbustos das famílias Velloziacae, Asteraceae, Melastomataceae e algumas espécies de Poaceae, herbáceas com cerca de um metro de altura. Estes arbustos fixam suas raízes em fendas da rocha ou aglomeram-se em pequenas depressões dentro do próprio afloramento, onde pode haver maior deposição de areia, resultante da decomposição das rochas, e matéria orgânica.

Neste trabalho objetivou-se a caracterização dos solos sob as mais freqüentes sinúsias da vegetação encontradas nos CRA em diferentes unidades de conservação na Mantiqueira e no Espinhaço, procurando identificar as relações entre o meio físico e a distribuição das diferentes sinúsias.

MATERIAL E MÉTODOS

Definição fisionômica das sinúsias e amostragem dos solos

Foram visitadas 9 unidades de conservação entre parques nacionais e estaduais, áreas de proteção ambiental e reservas particulares ao longo da Serra da Mantiqueira e da Serra do Espinhaço (Tabela 1). Nestas áreas, foram coletadas 72 amostras de horizontes superficiais de forma a abranger as principais sinúsias e solos observados (Tabela 2). Os solos foram classificados até o terceiro nível categórico (EMBRAPA, 1999EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificação de Solos. 1.ed. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 1999. 412p.). Os horizontes coletados foram classificados em horizontes A húmico, A moderado e horizontes orgânicos.

Tabela 1
Unidades de conservação, município da sede, serra, altitude e bioma dominante da região nas quais foram obtidas as amostras de solo.
Table 1
Natural conservation areas, city, mountain range, altitude and regional dominating biomes where the soil sample was obtained.

Rizzini (1979)RIZZINI, C. T. Tratado de fitogeografia do Brasil. V.2. São Paulo: Ed. HUCITEC, 1979. 374p. citou que todas as plantas morfologicamente semelhantes podem ser reunidas em grupos estruturais denominados sinúsias. Essas congregam-se no que se chama de formação que é um conceito fisionômico, sinônimo de tipo de vegetação, equivalente a bioma, por exemplo, um cerrado é uma formação, a qual podemos fragmentar em sinúsias. As sinúsias observadas nos CRA foram aqui resumidamente denominadas: formações rupestres, campos e matas.

As formações rupestres estão associadas aos afloramentos. As plantas se desenvolvem diretamente sobre a rocha ou em microsítios onde há condições de fixação de raízes e por vezes delgadas camadas de solo. Nos CRA sobre rochas ígneas ocorrem geoformas mais arredondadas e homogêneas, enquanto que sobre rochas quartzíticas ocorrem inúmeros sítios microclimáticos, representados pelas fendas e pontões, além de vales e depressões onde há uma grande deposição de areia resultante da decomposição das rochas e acúmulo de matéria orgânica.

Os campos representam a sinúsia constituída por plantas herbáceas de aspecto graminóide (Poaceae, Cyperaceae, Xyridaceae, entre outras famílias) dispostas em densas touceiras, além de esparsos subarbustos e demais ervas não graminóides. Nos CRA sobre rochas ígneas, especialmente na Serra do Brigadeiro, essa sinúsia forma mosaicos com a que compreende os afloramentos rochosos.

A sinúsia denominada mata está associada aos CRA que ocorrem em regiões mais úmidas, sendo então comuns somente na Mantiqueira. Esta sinúsia é composta de vegetação arbustivo arbórea de no máximo oito metros de altura, se enquadrando então na categoria “thicket” ou “scrub” proposta por Rizzini (1979)RIZZINI, C. T. Tratado de fitogeografia do Brasil. V.2. São Paulo: Ed. HUCITEC, 1979. 374p., com grande ocorrência de epífitos (p. ex gêneros de Orchidaceae e Bromeliaceae) e sob a qual ocorre uma vegetação herbácea, recobrindo a serrapilheira. Ocupam normalmente o topo da paisagem, mas também podem ocorrer manchas em meio ao campo.

Caracterização dos solos

Foram determinadas a densidade do solo, as cores em terra úmida, e a análise granulométrica (EMBRAPA, 1997EMBRAPA. Manual de métodos de análises de solo. 2.ed. Rio de Janeiro: Embrapa Solos, 1997. 212p.). O pH em água foi medido utilizando-se as proporções 1:2,5 (v/v) de solo:solução. O carbono orgânico total (COT) foi determinado pelo método de Yeomans & Bremner (1988)YEOMANS, J.C.; BREMNER, J.M. A rapid and precise method for routine determination of organic carbon in soil. Commun. Soil Sci. Plant Anal., New York: The Hague, V.19, n.13, p.1467-1476, 1988.. Os teores de Ca2+, Mg2+, Al3+, Fe3+ e Mn2+ extraídos por solução de KCl 1 mol L-1, foram determinados por espectrometria de absorção atômica. O ferro em minerais de baixa cristalinidade foi extraído por oxalato (Fe oxal) e o ferro na forma cristalina foi extraído pelo método do Ditionito-Citrato-Bicarbonato (Fe DCB), conforme McKeague & Day (1966)McKEAGUE, J. A.; DAY, J. H. Dithionite and oxalateextractable Fe and Al as aid in differentiating various classes of soils. Can. Journal Soil Sci., Toronto, V.46, p.13-22, 1966., utilizando-se 0,5 g de terra fina, e os teores determinados por espectrometria de absorção atômica.

O teor de cada fração húmica foi determinado segundo a técnica de fracionamento quantitativo de substâncias húmicas modificado por Benites et al. (2000)BENITES, V. M., KER, J. C.; MENDONÇA, E. S. Fracionamento quantitativo de substâncias húmicas como auxiliar na identificação de diferentes solos da região Sul do Brasil - VI RCC. p.184-192, In Curcio, G. (Ed.) Guia de excursão de estudos de solos nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Colombo: Embrapa Florestas, 2000.. Na extração dos ácidos húmicos e fúlvicos, foi empregada solução de NaOH 0,1 mol L-1. A determinação quantitativa de carbono nos extratos das frações ácidos fúlvicos, ácidos húmicos e humina foi feita segundo método de Yeomans & Bremner (1988)YEOMANS, J.C.; BREMNER, J.M. A rapid and precise method for routine determination of organic carbon in soil. Commun. Soil Sci. Plant Anal., New York: The Hague, V.19, n.13, p.1467-1476, 1988.. Obtiveram-se os valores absolutos de cada fração, em grama de carbono por kilograma de solo, e o percentual de cada uma em relação à soma. Foram calculadas as relações entre as frações ácidos húmicos e ácidos fúlvicos (FAH:FAF) e a relação entre as frações solúveis no extrato alcalino (FAF + FAH) e o resíduo (humina), obtendo-se o índice (EA:H).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Em virtude das elevadas altitudes e do relevo movimentado, estas áreas apresentam um alto índice de erosão, e afloramentos rochosos podem ser constantemente observados. Onde existe solo, este é bastante delgado, por vezes formado apenas por uma camada orgânica sobre a rocha (Tabela 2). Mesmo com sua pouca espessura, os solos nas áreas altimontanas exercem um importante fator de controle da vegetação (Benites et al., 2001BENITES, V.M, SCHAEFER, C.E.R.G., MENDONÇA, E.S.; e MARTIN NETO, L. Caracterização da matéria orgânica e micromorfologia de solos sob Campos de Altitude no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Rev. Brasileira Ciência Solo, Viçosa, V.25, p. 661-674, 2001.). Enquanto nas formações rupestres a cobertura vegetal é esparsa e de baixo porte, a medida que o solum se torna mais espesso, gramíneas e outras plantas herbáceas passam a ocupar a paisagem. Na Mantiqueira, fragmentos de matas ocorrem sobre solos mais espessos (cerca de 1 m ou mais de profundidade) e um pouco menos arenosos, ocorrendo Cambissolos Húmicos e Hísticos (Tabela 2), e até mesmo Latossolo Vermelho- Amarelo húmico (Simas, 2002SIMAS, F.N. Geoambientes e pedogênese na Serra Verde, Mantiqueira mineira:atributos físicos, químicos, mineralógicos e micromorfológicos. 2002. 72p. Dissertação (Mestrado em Solos e Nutrição de Plantas) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa), cuja mineralogia é predominantemente gibbsítica, e que parecem ser relíquias de um manto de intemperismo mais profundo que cobriu estas áreas no passado.

Todos estes solos têm em comum a pobreza de nutrientes, matizes amarelados, textura arenosa, elevados teores de alumínio trocável e a cor escura nos horizontes superficiais, causada pelo acúmulo de matéria orgânica (Tabelas 2 e 3). O oligotrofismo dos solos está relacionado às elevadas perdas que o sistema sofre por lixiviação, uma vez observados o relevo movimentado e a pouca espessura do solum, associado à pobreza do material de origem, especialmente nas áreas de quartzito. Grande parte destes solos está submetida ao processo de ferrólise. Este fato pode ser evidenciado pelos teores de Fe extraído pelo KCl que em muitos casos supera os teores de Ca+2 e Mg2+somados (Tabela 3). O alumínio (Al3+) é o íon predominante no complexo de troca (Tabela 3), provavelmente em equilíbrio com formas complexadas por compostos orgânicos e com formas de minerais de baixa cristalinidade.

Os solos desenvolvidos sobre rochas ígneas apresenta teores de silte e argila ligeiramente superiores aos solos desenvolvidos sobre quartzito. Parte destas frações é composta por óxidos de Fe, conforme observado pelos teores de FeDCB e Feox (Tabela 3). Os solos associados às formações rupestres são constituídos por material orgânico, apresentando baixa densidade, como reflexo da presença de matéria orgânica leve oriunda de resíduos vegetais pouco transformados.

Tabela 2
Sinúsia, litologia e classificação dos solos estudados nos Complexos Rupestres de Altitude.
Table 2
Vegetation type, lithology and classification of the studied soils in High Altitude Rocky Complexes.
Tabela 3
Valores médios da análise textural, densidade do solo e características químicas de solos sob diferentes litologias e sinúsias em CRA
Table 3
Mean values of textural analysis, soil density and chemical characteristics of soils over contrasting lithology and vegetation type in High Altitude Rocky complexes .

Nestes solos são encontrados elevados teores de Al3+ e teores de Ca2+ e Mg2+ maiores que os encontrados em solos sob outras sinúsias, resultantes do acúmulo local por controle estrutural. Nos solos sob mata em áreas de rochas ígneas encontram-se os maiores valores de Al3+, provavelmente devido a complexação deste elemento por compostos orgânicos liberados na rizosfera, dada a grande quantidade de raízes finas encontradas nestes ambientes. Os solos sob campos, especialmente sobre quartzito, apresentam-se mais pobres em carbono e nutrientes, indicando um processo de degradação por lixiviação. Devido às suas características, os solos sob campos em áreas de rochas ígneas parecem ser uma feição degradada dos solo sob mata, demonstrando o papel desta última nos processos de ciclagem e manutenção da qualidade do solo, e sugerindo uma maior cobertura florestal destas áreas no passado. Esta idéia pode ser suportada pela grande quantidade de carvão encontrada na massa do solo sob vegetação herbácea atual, e às características da matéria orgânica do solo (Benites, 2001BENITES, V. M. Caracterização de solos e de substâncias húmicas em áreas de vegetação rupestre de altitude. 2001. 71p. Dissertação (Doutorado em Solos e Nutrição de Plantas). Universidade Federal de Viçosa, Viçosa - MG).

A maior parte da matéria orgânica encontrada nos solos sob CRA ocorre na forma humificada, sendo os ácidos húmicos, a fração húmica predominante (Tabela 4). Os teores de ácidos fúlvicos são superiores aos encontrados em outros solos tropicais (Volkoff & Cerri, 1980VOLKOFF, B.; CERRI, C.C. Comparação de húmus de um Solonchak, uma Rendzina e um Litólico da região semi-árida do Rio Grande do Norte. R. Brasileira Ciência Solo, Campinas, V.4, p.49-56, 1980.; Oliveira , 1999OLIVEIRA, C. V. Atributos químicos, mineralógicos e micromorfológicos, gênese e uso de solos do projeto Jaíba, Norte de Minas Gerais. 1999. 161p. Dissertação (Doutorado em Solos e Nutrição de Plantas) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa.; Benites et al., 2001BENITES, V.M, SCHAEFER, C.E.R.G., MENDONÇA, E.S.; e MARTIN NETO, L. Caracterização da matéria orgânica e micromorfologia de solos sob Campos de Altitude no Parque Estadual da Serra do Brigadeiro. Rev. Brasileira Ciência Solo, Viçosa, V.25, p. 661-674, 2001.), indicando uma grande mobilidade da matéria orgânica nestes sistemas. A relação entre as frações húmicas extraídas pela solução alcalina e a humina (relação EA/H) indica o predomínio de compostos orgânicos de menor peso molecular (Tabela 4).

Tabela 4
Valores médios das variáveis obtidas pelo fracionamento de substâncias húmicas dos solos sob diferentes litologias e sinúsias em CRA.
Table 4
Mean values of humic fractionation data in soils over contrasting lithology and vegetation type in High Altitude Rocky complexes.

Os teores de ácidos fúlvicos encontrados nos solos sobre rochas ígneas foram superiores aos encontrados nos solos sobre rocha quartzítica (Tabela 4). Estes compostos apresentam maior concentração de grupos funcionais que as demais frações húmicas, o que lhes confere maior polaridade e conseqüentemente maior solubilidade (Stevenson, 1996STEVENSON, F.J. Humus chemistry: genesis, composition and reactions. 2.ed. New York: Wiley, 1996. 496p.). Durante o período chuvoso, quando se observa excesso hídrico, complexos organo-metálicos são iluviados do solo e carregados pelas águas formando os rios de águas pretas, principalmente nas áreas de solos derivados de rochas quartzíticas, comuns no Espinhaço, ocorrendo por vezes formação de Espodossolos (Tabela 2). Na Mantiqueira, onde ocorrem solos menos arenosos, derivados de rochas ígneas, embora ocorra a formação de matéria orgânica solúvel pela decomposição de resíduos vegetais, grande parte deste material é retido pela matriz argilosa abaixo, permanecendo protegido no solo.

CONCLUSÕES

As principais diferenças encontradas entre os solos de CRA estão relacionadas às diferentes litologias, sendo que os solos desenvolvidos sobre quartzito são em média mais pobre em carbono e nutrientes, mostrando feições de maior degradação que indicam uma maior fragilidade destes biomas.

Os solos sob vegetação de campo apresentam características pedológicas e da matéria orgânica que indicam feições degradadas, sugerindo a existência de cobertura vegetal de maior porte nestas áreas no passado.

A constatação da perda de matéria orgânica iluvial dos ambientes sobre quartzito associada à baixa produção primária nestes ambientes, imposta por parte devido baixa fertilidade do solo, sugere que este ambiente está sendo naturalmente degradado nas atuais condições climáticas e portanto em processo de extinção natural.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao IBAMA e ao IEF-MG pela concessão de licenças para amostragem nas áreas de proteção estudadas. Agradecemos também à FAPEMIG pelo apoio financeiro à realização deste trabalho.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2003
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