Enriquecimento de capoeira com espécies arbóreas na região da mata atlântica

Enrichment of regenerating forest using tree species on atlantic forest region

Resumo

Numa área de capoeira em regeneração em Paraty-RJ, foram introduzidas quatro espécies arbóreas fixadoras de N₂ (Acacia holosericea, Mimosa caesalpiniifolia, Anadenanthera macrocarpa e Enterolobium contortisiliquum) e duas não fixadoras (Schinus terebinthifolius e Eucalyptus grandis). As espécies fixadoras foram inoculadas com rizóbio e fungos micorrízicos arbusculares (FMAs) enquanto que as não fixadoras apenas com FMAs. Além disso, metade das mudas foi inoculada com bactérias solubilizadoras de fosfato. As bactérias solubilizadoras não beneficiaram o crescimento e nutrição das plantas após o transplante para o campo. M. caesalpiniifolia e E. contortisiliquum apresentaram melhor performance sendo mais recomendadas para enriquecimento de capoeiras em regeneração.

Palavras-chaves:
espécies pioneiras; fixação biológica de nitrogênio; solubilização de P

Abstract

In a regenerating forest in Paraty-RJ, four N₂-fixing tree species (Acacia holosericea, Mimosa caesalpiniifolia, Anadenanthera macrocarpa and Enterolobium contortisiliquum) and two Non-N₂- fixing (Schinus terebinthifolius and Eucalyptus grandis) were transplanted. N₂-fixing tree species were inoculated with rhizobia and arbuscular mycorrhizal fungi (AMF) while Non-N₂-fixing tree species only with AMF. Otherwise, half of the plants were inoculated with P-solubilizing bacteria. P-solubilizing bacteria did not increase the growth and plant nutrition after field transplantation. M. caesalpiniifolia and E. contortisiliquum showed better performance being the most recommended species for enrichment of regenerating forest.

Key words
pioneer species; biological nitrogen fixation; P-solubilization

Introdução

Embora a utilização de diversas modalidades de sistemas agroflorestais não seja uma prática recente, os estudos a respeito do seu funcionamento e aplicação o são, de modo que o conhecimento sobre estes sistemas ainda é restrito. Existem inúmeras possibilidades de utilização de diferentes espécies florestais e arranjos, cada um resultando em um conjunto diferente de interações entre seus componentes. Segundo Garcia & Andrade (2000), essas interações são fortemente influenciadas pelas condições ambientais do local.

Plantas cultivadas podem ser associadas a árvores ou simplesmente associam-se árvores de interesse comercial em meio a outras de pouco valor num processo chamado de enriquecimento de capoeira. Segundo Pena-Claros et al. (2002), a técnica de enriquecimento é comumente empregada para o aumento da densidade de espécies arbóreas de interesse em florestas secundárias. Esta técnica leva à aceleração da cobertura arbórea, maximizando a transferência de nutrientes dos horizontes mais profundos para a superfície do solo através da liteira (Nyadzi et al., 2003; Baggie et al., 2004).

A incorporação de material orgânico ao solo é a principal premissa para o estabelecimento de agroflorestas sustentáveis, principalmente nos trópicos onde predominam solos altamente intemperizados, com elevada saturação de alumínio, acidez e capacidade de fixação de fósforo (Franco et al., 1995). A presença de espécies arbóreas nestes sistemas incrementa a quantidade de nutrientes nos horizontes superficiais beneficiando, consequentemente, outras espécies de interesse que tenham sistema radicular mais superficial. Além disso, a presença destas espécies arbóreas reduz as perdas de nutrientes pela lixiviação e erosão (Nair et al., 1999).

Espécies leguminosas arbóreas, capazes de formar simbiose com organismos diazotróficos fixadores de N₂-atmosférico e com fungos micorrízicos arbusculares (FMAs), funcionam como colonizadoras primárias, incorporando ao solo C e N pela deposição de matéria orgânica, favorecendo o retorno da vida ao solo e intensificando a ciclagem de nutrientes (Franco et al., 1995). De acordo com Patreze & Cordeiro (2004), as simbioses com micorrizas e com rizóbio em espécies arbóreas podem melhorar seu desenvolvimento na fase de viveiro maximizando as possibilidades de sucesso após o transplante para o campo. As leguminosas arbóreas podem ainda dar retorno econômico pela produção de lenha, madeira, forragem, pólen, mel entre outros produtos (Franco et al., 1995).

O fósforo é um dos nutrientes mais limitantes ao desenvolvimento das plantas devido às formas pouco solúveis geralmente encontradas no solo. De acordo com Silva Filho & Vidor (2000) a aplicação de inoculante de solubilizadores de fosfato ou o manejo de suas populações no solo constituem alternativas para a melhoria do suprimento de fósforo para as plantas. Neste contexto, a inoculação de bactérias solubilizadoras de fosfato (BSF) nas mudas de espécies arbóreas pode favorecer seu crescimento e estabelecimento em campo acelerando os benefícios da incorporação de matéria orgânica e ciclagem de nutrientes às agroflorestas.

Neste sentido, o presente trabalho objetivou avaliar o estabelecimento e o crescimento de espécies arbóreas fixadoras e não fixadoras de N_2, inoculadas ou não com bactérias solubilizadoras de fosfato, no enriquecimento de uma capoeira em regeneração na região da Mata Atlântica.

Material e Métodos

Este trabalho foi desenvolvido numa área de capoeira em regeneração, situada no entorno de unidade de comperatura de 23,3 e 22,8 ºC em abril e novembro, respectivamente. Esta área situa-se a 23º 9’ 39,9" de latitude Sul, 23º 44’ 18,4" de longitude Oeste, a 342 m de altitude, em relevo muito inclinado, sendo um agroecossistema de bananal antigo dominado por uma capoeira, que apresenta menor diversidade vegetal em relação à mata nativa. O solo desta área, no momento da implantação das espécies arbóreas, apresentava as seguintes características físico-químicas: pH = 5,0; P = 9,5 mg dm^-3; K = 198 mg dm^-3; Ca = 3,8 cmol_c dm^-3; Mg = 1,6 cmol_c dm^-3; Al = 0,1 cmol_c dm³; C = 1,9 g Kg^-1 e textura média.

Um experimento foi instalado utilizando-se mudas de quatro espécies fixadoras de N₂: Acacia holosericea (holoserícea), Mimosa caesalpiniifolia (sabiá), Anadenanthera macrocarpa (angico) e Enterolobium contortisiliquum (timbaúva) e duas não fixadoras de N₂: Schinus terebinthifolius (aroeira) e Eucalyptus grandis (eucalipto). O delineamento utilizado foi em parcelas subdivididas, em arranjo fatorial 6x2 (seis espécies arbóreas inoculadas ou não com BSF) com quatro blocos. A parcela foi composta pelos tratamentos de inoculação de BSF e a subparcela pelas espécies arbóreas. Cada unidade experimental foi composta por nove mudas de cada espécie arbórea, plantadas em três linhas formando um quadrado.

Na fase de viveiro, cada muda foi inoculada com 3,0g de inóculo de FMAs contendo 21 e 5 esporos g^-1 de Gigaspora margarita e Glomus clarum, respectivamente, além de hifas desses fungos e raízes de Brachiaria decumbens micorrizadas. As leguminosas foram inoculadas com 1 mL de meio líquido 79, contendo 4,2 x 10⁷ Unidades Formadoras de Colônia (UFC), sendo utilizadas as estirpes BR 3407 e BR 3446 para sabiá, BR 4407 e BR 6205 para timbaúva, BR 9001 e BR 9004 para angico, BR 5608 e BR 4406 para holoserícea. Estas estirpes foram crescidas separadamente e misturadas no momento da inoculação. Além disso, metade das mudas foi inoculada com uma mistura de três isolados de BSF, denominados BSF 6, BSF 7 e BSF 14 obtidos do rizoplano mais rizosfera de sabiá cultivado em solo coletado na área onde as espécies arbóreas foram implantadas. Para esta inoculação, adicionou-se 1 mL por cova do meio líquido GL (Sylvester- Bradley et al., 1982), contendo 1,1 x 10⁸ UFC, por ocasião do transplante.

Foi implantado um total de 432 mudas utilizandose um espaçamento 2x2m entre elas. Cada cova recebeu 100g de fosfato de Araxá (14 g kg^-1 de P) e 10g de FTE (“fritted trace elements”) para garantir a nutrição das plantas e estimular as simbioses. Aos 60 e 110 dias após o plantio (DAP) em campo avaliou-se a taxa de mortalidade das mudas. Aos 6, 12 e 18 meses após a implantação das mudas no campo, foram feitas avaliações de crescimento (altura e diâmetro de caule) e teor de N (Kjeltec auto analizer^â) e P (Tedesco et al., 1995) das folhas coletadas na região mediana da copa das plantas.

Os dados foram submetidos à análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey (5%) utilizando o programa estatístico Sisvar (Ferreira, 1999).

Resultados e Discussão

Na área de capoeira em regeneração, a taxa média de mortalidade foi 0 e 16% aos 60 e 110 DAP, respectivamente. As perdas se deram principalmente pelo excessivo sombreamento e pelo agressivo crescimento da vegetação nativa. Por exemplo, a acácia epólico praticamente desapareceu aos 18 meses de sua implantação, não sendo mais tomadas as medidas de altura e diâmetro de caule (Figura 1A e B). Por ser uma espécie pioneira, é bastante exigente em luminosidade. As demais pioneiras suportaram bem o sombreamento, particularmente sabiá, mostrando desenvolvimento superior ao angico que é uma espécie do grupo das secundárias e exige sombra nas fases iniciais de desenvolvimento. Após a acácia epólico, o maior número de perdas de mudas se deu para eucalipto e aroeira, respectivamente.

Figura 1
Altura (A) e diâmetro de caule (B) de mudas de espécies arbóreas, em diferentes épocas, após o transplante para uma capoeira em regeneração em Paraty (Médias seguidas de mesma letra, dentro de cada época de avaliação, não diferem entre si por Tukey 5%)
Figure 1.
Height (A) and diameter of stem (B) of tree species, in different evaluation periods, after transplantation to regenerating forest in Paraty (Mean followed by same letters, inside each evaluation period, do not differ (Tukey, p0.05)

Não foi verificado efeito da inoculação com as BSF e tampouco da interação BSF e espécies arbóreas avaliando-se altura, diâmetro de caule e os teores de N e P nas folhas. Foi verificado apenas efeito das espécies arbóreas onde sabiá apresentou maior altura que as demais espécies (Figura 1A). Timbaúva, aroeira e eucalipto foram as espécies que apresentaram altura similar nas três épocas de avaliação (Figura 1A). Quanto ao diâmetro de caule, sabiá e timbaúva não diferiram entre si, superando as demais espécies na primeira e segunda época de avaliação. Na terceira época de avaliação, angico igualou-se a estas duas espécies (Figura 1B).

Um dos grandes desafios em programas de inoculação de microrganismos solubilizadores é garantir seu efetivo estabelecimento no solo tendo em vista a competição com a microbiota nativa. A maioria dos trabalhos que relatam resultados positivos à nutrição e crescimento de plantas com a inoculação de BSF, em condições de campo, têm sido desenvolvidos com plantas de rápido crescimento como feijão (Tomar, 1998), trigo (Mukherjee & Rai, 2000), arroz (Sharma & Prasad, 2003), sorgo (Patidar & Mali, 2004), cevada (Sahin et al., 2004) e grão-de-bico (Pramanik & Singh, 2003; Singh et al., 2004). Poucos são os trabalhos, como os de Founoune et al. (2002a e b), que demonstram benefícios da inoculação destas bactérias em espécies arbóreas, ainda mais sob condições de campo. Desta forma, o fato de não ter sido verificado o efeito da inoculação das BSF nestas espécies possivelmente foi pela baixa capacidade de estabelecimento destas bactérias na rizosfera das espécies arbóreas. Aliado a isto, nenhuma das espécies arbóreas, com exceção do eucalipto, sofreu algum tipo de melhoramento genético. Isto pode dificultar a ocorrência do efeito da inoculação destas bactérias devido à alta variabilidade de crescimento destas espécies.

Os teores de N nas folhas, aos 11 e 18 meses após o transplante, foram maiores nas leguminosas (angico, sabiá e timbaúva) que em eucalipto e aroeira (Figura 2A).

Este é um comportamento comum das plantas da família das leguminosas, particularmente daquelas que estabelecem associações simbióticas com bactérias fixadoras de N₂ atmosférico (Franco et al., 1995). Quanto aos teores de P, em ambas as épocas de amostragem, verificou-se que as plantas de eucalipto e aroeira foram propensas a apresentar maiores teores de P, enquanto que timbaúva e angico os menores (Figura 2B). Embora isto não seja uma regra, o menor teor foliar de P nas leguminosas pode ser devido à maior exigência energética das plantas desta família estar localizada no sistema radicular, devido às simbioses com microrganismos. Estudos sobre alocação de nutrientes nas diferentes partes de espécies arbóreas são interessantes e necessários para esclarecer estas variações fisiológicas. Ademais, devido a escassez de trabalhos relacionados à inoculação de BSF em espécies arbóreas, justificam-se mais estudos para detectar as melhores combinações entre estes organismos e estas espécies vegetais visando maximizar sua nutrição, desenvolvimento e, consequentemente, seu estabelecimento em campo.

Figura 2
Teores de nitrogênio (A) e fósforo (B) em folhas de mudas de espécies arbóreas, em diferentes épocas após o transplante para uma capoeira em regeneração em Paraty (Médias seguidas de mesma letra, dentro de cada época de avaliação, não diferem entre si por Tukey 5%).
Figure 2.
N (A) and P content (B) in leafs of tree species, in different evaluation periods, after transplantation to regenerating forest in Paraty (Mean followed by same letters, inside each evaluation period, do not differ (Tukey, p£0.05)

Conclusões

1. As bactérias solubilizadoras de fosfato não beneficiaram o crescimento e nutrição das plantas após o transplante para o campo.

2. Holoserícea não se estabelecem em áreas sombreadas não se prestando para o enriquecimento de capoeira em regeneração.

3. Sabiá e timbaúva são as espécies que apresentaram melhor performance sendo mais recomendadas para enriquecimento de capoeiras em regeneração.

Agradecimentos

Ao PRODETAB pelo financiamento deste projeto e à Embrapa Agrobiologia pela infra-estrutura utilizada.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  15 Jan 2024
• Data do Fascículo
  Jan-Nov 2005

Histórico

• Recebido
  08 Mar 2005