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Avaliando a consolidação da gestão participativa na APA Petrópolis/RJ a partir das propostas do conselho de gestão

Analysing the consolidation of participative management in the APA Petrópolis/RJ regarding the proposals of the management council.

Resumo

O conselho de gestão de uma unidade de conservação representa uma das formas de participação da sociedade na gestão de áreas protegidas no Brasil. No entanto, esta participação não deve estar restrita apenas à tomada de ciência das ações de gestão desenvolvidas na unidade pelo atores, mas sim influenciar diretamente nesta, com propostas de ações que contribuam para o processo de gestão. Neste sentido, a avaliação deste processo constitui etapa importante para o aperfeiçoamento da governança em unidades de conservação no país. Este trabalho teve por objetivo compreender a gestão participativa na Área de Proteção Ambiental de Petrópolis (APA Petrópolis) sob a ótica da avaliação quantitativa do processo de implementação das ações propostas e efetivamente incorporadas ao seu processo de gestão em um período de 10 anos (1998-2007). Os resultados demonstraram que pode existir uma lacuna significativa entre o fato de um conselho estar formado, ser reunido regularmente e a sua influência sobre o processo de gestão da unidade de conservação.

Palavras-chaves
participação social; governança; unidade de conservação

Abstract

Management councils of protected areas in Brazil represents a way for social participation in the management of these areas. However, this participation does not have to be restricted only to an information procedure of the actions developed in the area but effectively influence the management with proposals of actions. In this way, the evaluation of this process constitutes an important stage to improve the governance in protected areas. The objective of this work was to understand the participative management process in the Petrópolis Environmental Protection Area (APA Petrópolis) regarding the quantitative evaluation of the actions proposed and effectively incorporated to its management in the last 10 years (1998-2007). The results showed that a significative gap can exist between the council existence and its influence on the management of the protected area.

Key words:
social participation; governance; protected area.

Introdução

Áreas Protegidas são espaços territorialmente demarcados cuja principal função é a conservação e/ou a preservação de recursos naturais e das culturas e dos modos de vida tradicionais a elas associados (Medeiros, 2006MEDEIROS, R. 2006. Evolução das tipologias e categorias de áreas protegidas no Brasil. Revista Ambiente e Sociedade, V.9 (1), p.41-64, 2006.). Em sentido mais estrito, pode-se afirmar que elas são criadas com o objetivo prioritário de garantir a proteção da biodiversidade. Porém, na prática, no mundo moderno, o seu sucesso implica necessariamente no diálogo e negociação com diferentes atores e setores da sociedade interessados na apropriação, seja direta ou indireta, dos recursos encontrados nessas áreas. Neste sentido, um dos grandes desafios à gestão de áreas protegidas em todo o mundo reside precisamente no desenvolvimento de estratégias que incluam os diferentes segmentos da sociedade no processo de governança. Como aponta Dearden & Bennett (2005)DEARDEN, P. & BENNETT, M. Trends in Global Protected Áreas Governance. Environmental Management, V. 36, ( 1 ), p 89-100, 2005., a “governança é agora reconhecida como um aspecto crítico da efetiva conservação”.

O reconhecimento deste imperativo está consolidado na Convenção sobre Diversidade Biológica(CDB) através do seu Programa de Trabalho sobre Áreas Protegidas, aprovado em 2004, que tem como um dos objetivos principais, garantir a participação das comunidades locais e indígenas e outros colaboradores no processo da governança, participação, equitabilidade e distribuição dos benefícios em áreas protegidas (CDB, 2004CDB. Report of the Seventh Meeting of Coference of the Parties to the convention on Biological VII/28 Protected Areas (articles 8a to e). Kuala /Lumpur, Malasia, 2004).

Apesar de ter criado e consolidado sua primeira área protegida na esfera federal há mais de 70 anos, o Brasil apresenta como traço principal de sua política de implementação e gestão dessas áreas, a centralização e a não participação social (Medeiros et al, 2004MEDEIROS, R.; Irving, M.; Garay, I. A proteção da natureza no Brasil: evolução e conflitos de um modelo em construção. Revista de Desenvolvimento Econômico, V. 9, p. 83-92, 2004.; Rylands & Brandon, 2005RYLANDS, A. B. & BRANDON, K. 2005. Brazilian Protected Areas. Conservation Biology, V. 19, ( 3 ), p 612-618, 2005.; Medeiros, 2006MEDEIROS, R. 2006. Evolução das tipologias e categorias de áreas protegidas no Brasil. Revista Ambiente e Sociedade, V.9 (1), p.41-64, 2006.).

Foi somente a partir de meados dos anos 90 que este cenário começou a se modificar, sobretudo com o estabelecimento em 2000, do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). Neste sistema, a garantia de espaços de efetiva participação da sociedade foi legalmente incorporada ao processo de criação e gestão de áreas protegidas no país. A obrigatoriedade estabelecida pelo SNUC de realização de audiência pública para a criação de uma unidade de conservação e a de criação dos conselhos gestores, seja como instância consultiva ou deliberativa, foram elementos fundamentais para garantir espaços de participação social e exercício da governança, permitindo à sociedade organizada inferir diretamente na política de conservação nacional.

Contudo, a criação de um espaço desta natureza, num cenário cuja tradição política era a de incentivo a não-participação, não resulta de imediato em resultados práticos. Os espaços de governança para efetivamente funcionarem necessitam, como discute Irving et al (2006)IRVING, M. A.; COZZOLINO, F.; FRAGELLI, C. & SANCHO, A. Construção de Governança democrática: Interpretando a gestão dos Parques Nacionais no Brasil. In: Irving, M. A. (Org). Áreas protegidas e Inclusão Social: Construindo novos significados. Rio de Janeiro: Fundação Bio -Rio: Núcleo de Produção Editorial Aquarius, 2006, 225p., que se haja clareza e percepção por parte dos agentes envolvidos na gestão em relação às competências dos conselhos gestores e das diferentes esferas relacionadas para que estes trabalhem de forma realista, evitando desgastes e frustrações futuras. Somente desta forma, todas as iniciativas e ações debatidas e propostas nos conselhos efetivamente terão reflexo prático nos resultados da gestão da unidade de conservação.

Em níveis globais, poucas iniciativas no sentido de avaliar o status e as tendências na governança de áreas protegidas foram realizadas (Dearden & Bennett, 2005DEARDEN, P. & BENNETT, M. Trends in Global Protected Áreas Governance. Environmental Management, V. 36, ( 1 ), p 89-100, 2005.). Apesar das diversas experiências na implementação de conselhos gestores em diversas unidades de conservação brasileiras, sobretudo a partir do final dos anos 90, tampouco essetipo de avaliaçãotambém foi desenvolvida. A análise da avaliação dessas iniciativas constituem etapa fundamental à compreensão do processo de governança no Brasil, permitindo aprendizados “lato sensu” que possam aperfeiçoar as instâncias de participação, favorecendo o próprio processo de conservação “ in situ” da biodiversidade.

A partir da análise de um dos conselhos gestores mais antigos do Brasil, o objetivo deste trabalho foi buscar compreender a gestão participativa na Área de Proteção Ambiental de Petrópolis (APA Petrópolis) sob a ótica da avaliação quantitativa das ações propostas e efetivamente incorporadas ao seu processo de gestão.

Materiais e Método

Área de Estudo

A Área de Proteção Ambiental de Petrópolis foi criada pelo decreto 87.651/1982BRASIL, Decreto 87.561 de 13 de setembro de 1982. Dispõe sobre medidas de recuperação e proteção ambiental da Bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, e dá outras providencias. Disponivel em https://legislacao.planalto.gov.br/LEGISLA/legislacao.nsf/fraWeb?OpenFrameSet&Frame=frmWeb2&Src=%2FLEGISLA%2Flegislacao.nsf%2FpagInicio%3FOpenPage%26AutoFramed.
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no âmbito de um conjunto de ações que visavam estabelecer medidas de recuperação e proteção ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (BRASIL, 1982BRASIL, Decreto 87.561 de 13 de setembro de 1982. Dispõe sobre medidas de recuperação e proteção ambiental da Bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, e dá outras providencias. Disponivel em https://legislacao.planalto.gov.br/LEGISLA/legislacao.nsf/fraWeb?OpenFrameSet&Frame=frmWeb2&Src=%2FLEGISLA%2Flegislacao.nsf%2FpagInicio%3FOpenPage%26AutoFramed.
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). Foi a primeira unidade de conservação desta categoria a ser instituída em nível federal no Brasil e a necessidade de proteção de outras áreas adjacentes à Bacia do Rio Paraíba do Sul fez com que, em 1992, esta unidade atingisse sua área atual de 595,5 Km2 e localização em quatro municípios fluminenses: Petrópolis, Duque de Caxias, Magé e Guapimirim (Figura 1).

Figura 1
Localização da APA Petrópolis. (Fonte: IBAMA)
Figure 1
Petropolis EPA localization. (Source: IBAMA)

O conselho de gestão da APA Petrópolis é um dos mais antigos do Brasil e seu processo de instituição iniciou-se em meados de 1997 sendo, portanto, anterior mesmo à obrigatoriedade estabelecida pelo SNUC em 2000. A convergência de três cenários favoráveis contribuiu para a sua criação: a) a iniciativa da gestão da própria unidade de empreender um processo de governança na área baseada em experiências desenvolvidas em outros países; b) o ambiente favorável no Instituto do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis e; c) a mobilização de atores com atuação na região que desenvolviam projetos ambientais em prol da APA.

Coleta e análise dos dados

Os dados utilizados para a análise das ações propostas e implementadas na gestão da APA Petrópolis foram obtidos no período de 1998 a 2007, ou seja, uma série histórica de dez anos. O acesso e coleta dos dados foram feitos a partir de consulta direta a toda documentação, impressa e eletrônica, relacionada às atividades do conselho da APA no período estudado. Estes documentos eram compostos basicamente das atas de reuniões do conselho e suas respectivas listas de presença, relatórios anuais de atividades da APA e cópias de projetos e relatórios específicos desenvolvidos na APA.

A sistematização das informações obtidas na consulta aos documentos seguiu os seguintes procedimentos: - identificação, quantificação e classificação de todas as propostas apresentadas durante as reuniões do conselho e registradas em atas; foi analisada em cada uma das atas e relatórios a implementação e acompanhamento de ações propostas pelo conselho. Uma proposta foi contabilizada como ação, quando sua implementação era efetivamente evidenciada em ata ou relatório de projeto. Uma vez coletados e sistematizados os dados brutos, os mesmos foram tabulados e os totais de propostas e ações por ano foram obtidos, assim como a taxa de variação ano a ano das ações implementadas.

Para uma melhor avaliação do nível de integração das propostas do conselho ao processo de gestão da unidade, foi desenvolvido e está sendo testado no âmbito deste trabalho o “Quociente de Governança (QG)”, calculado partir da equação:

Quadro 1
Escala para interpretação do Quociente de Governança (QG) de uma unidade de conservação
Chart 1
Scale for Governance Quotient (GQ) interpretation of a protected area
Q G = n p n a

onde: na é o nº de ações implementadas np é o nº de propostas

A aplicação deste índice retorna um valor que varia de 0 a 1 e relaciona o número de ações efetivamente implementadas pela gestão da unidade de conservação e que foram resultantes de propostas apresentadas nas reuniões do conselho de gestão. Desta forma ele é um indicador preciso do nível de influência do conselho na determinação do conjunto de ações de gestão da unidade. Para sua interpretação, foi elaborada uma escala apresentada no Quadro 1.

Ainda procurando compreender os fatores que podem influenciar ou determinar o número de ações implementadas pela gestão foi calculada a correlação de Pearson (r-Pearson), conforme apresentada por Zar (1996)ZAR, J.H. Biostatistical analyis. New Jersey: Prentice Hall, 1996, 662p., para verificar se este número sofre alguma influência do número de reuniões realizadas pelo conselho ou do número de propostas aprovadas pelo mesmo. Todas as tabelas e cálculos estatísticos foram realizados com auxílio do programa Statistical Package for Social Sciences for Windows v13.0.

Foram também realizadas Entrevistas com membros do conselho de gestão, para melhor compreensão de sua dinâmica de funcionamento, análise mais detalhada do processo de discussão de propostas e sua efetiva implementação no âmbito da gestão participativa da APA Petrópolis. Estas entrevistas, de caráter semi-estruturado, foram realizadas a partir de um roteiro pré-estabelecido, com questões que pudessem nortear o entendimento deste processo. As entrevistas registradas digitalmente e transcritas encontram-se depositadas no acervo do projeto no Laboratório de Gestão Ambiental e foram analisadas pelo método da análise do conteúdo conforme descrito por Bardin (2004)BARDIN, L. Análise de Conteúdo. 3ª ed. Lisboa: Edições 70, 2004, 223p..

Tabela 1
Número de ações propostas pelo conselho gestor e implementadas na APA Petrópolis
Table 1
Number of actions proposed by management council and implemented in Petrópolis EPA

Resultados e Discussão

Um total de 71 reuniões do conselho de gestão da APA Petrópolis foram realizadas no período de 1998 a 2007, com 323 propostas apresentadas e aprovadas em ata de reunião, equivalendo a uma média de aproximadamente 32 propostas por ano (Tabela 1).

À exceção de 2007, em todos os anos analisados foram apresentadas propostas pelo conselho e, pelo menos, uma parcela delas se tornaram ações efetivadas pela gestão da APA. Em termos absolutos, os anos de 2005 e 2002 foram respectivamente, aqueles que apresentaram o maior número de propostas e ações implementadas. Por outro lado, os anos de 2007, 1998 e 2006 foram os que apresentaram os menores número de reuniões realizadas e propostas apresentadas. Este padrão pode ser explicado pelo fato de 1998 ter sido o ano de formação do conselho e as reuniões terem sido realizadas com menor freqüência pelo próprio processo de consolidação. Os anos de 2006 e, principalmente o de 2007, foram afetados pela troca de chefia na APA Petrópolis no mês de novembro de 2006. Esta troca desencadeou um processo de total desmobilização das atividades do conselho, refletindo-se na ausência de reuniões em 2007, mesmo considerando que a unidade tenha recebido uma nova chefia no início deste mesmo ano.

A análise geral do número de propostas apresentadas em todos os anos, revelou que são aprovadas em média quatro propostas por reunião. Contudo, a variância encontrada para este conjunto de dados foi alta (s2= 2,8). Este resultado foi especialmente influenciado pelos dados de 2007, onde nenhuma reunião foi realizada e, por conseqüência, nenhuma proposta foi apresentada, gerando uma amplitude maior na variância. Analisando os dados somente para o período de 1997 a 2006, ou seja, excluindo os dados mais discrepantes (ano 2007), obteve-se uma variância muito mais baixa (s2 =0,8) indicando uma tendência de regularidade maior no número de propostas por ano, independente do número de reuniões realizadas. Esta análise é especialmente importante, pois demonstra que em situações de continuidade das atividades do conselho, o processo de reuniões pode conduzir a um número consistente e regular de propostas que poderão contribuir para o processo de gestão da área.

Da mesma forma, ao se calcular a taxa de variação no número de ações implementadas por ano, apresentadas na Tabela 1, constatou-se que estas são sensíveis ao número de reuniões e propostas, ou seja, o aumento ou redução nestes números se traduziu em incremento ou decréscimo desta taxa em nove dos dez anos analisados (a exceção foi o ano de 1999). Em tese, em um sistema em que a gestão participativa está consolidada e o conselho funcionando regular e plenamente, como observado nos resultados anteriormente apresentados, espera-se que tanto o número de reuniões quanto a quantidade de propostas geradas apresentem forte correlação com o número de ações implementadas. Os resultados obtidos para a correlação de Pearson entre essas três variáveis (número de reuniões, número de propostas e número de ações implementadas) nos dez anos analisados indicaram haver uma forte correlação positiva entre o número de reuniões e o número de propostas (r=0,911; p<0,01). Também foi observada, porém com menor intensidade, correlação positiva entre o número de reuniões e o número de ações implementadas (r=0,702; p<0,05) e o número de propostas e o número de ações implementadas (r=0,691; p<0,05). Especialmente nesses dois últimos casos a existência de correlação foi influenciada pelos dados de 2007, já que a ausência de reuniões implica necessariamente numa correlação total com o número de propostas e ações, que obrigatoriamente serão zero, enquanto o contrário não é verdadeiro. Desta forma, uma nova análise de correlação excluindo os dados de 2007 foi realizada buscando eliminar este efeito e analisando efetivamente a correlação entre essas variáveis em um cenário de conselho em pleno funcionamento. Neste caso, os resultados confirmaram a existência de correlação positiva significativa entre o número de reuniões e o número de propostas (r=0,789; p<0,05). Contudo, demonstrou-se não haver correlação significativa entre o número de reuniões e o número de ações implementadas e entre o número de propostas e o número de ações implementadas. Este resultado para a APA Petrópolis confirma a idéia de que o funcionamento do conselho conduz necessariamente a um processo de geração de propostas que podem subsidiar a gestão da unidade e a quantidade de propostas apresentadas é sensível ao número de reuniões realizadas. No entanto, a transformação dessas propostas em ações concretas não está diretamente correlacionada às reuniões e às propostas, porque não dependem diretamente da atuação do conselho, mas sim da atuação da chefia da unidade de conservação. No Brasil, como discute Medeiros et al (2007)MEDEIROS, R.; ANDRADE, J.T.; VIANA, D.P.C.; BATEMAN, R. Governance in Urban Protected Areas in Rio de Janeiro, Brazil. Landschaftsentwicklung und Umweltforschung, V. 20, p. 577-580, 2007. a mobilização e o funcionamento dos conselhos é ainda muito dependente da ação dos gestores de unidades de conservação que, mesmo havendo a existência de um regimento, centralizam as decisões de convocação e funcionamento do conselho, assim como a implementação das ações. Para Dearden & Bennett (2005)DEARDEN, P. & BENNETT, M. Trends in Global Protected Áreas Governance. Environmental Management, V. 36, ( 1 ), p 89-100, 2005., este problema pode estar relacionado à questão do envolvimento direto dos atores no processo de gestão já que, em pesquisa realizada em 41 países, ficou demonstrada a existência de diferenças no nível de participação entre os países, com relação ao seu nível de desenvolvimento: os voluntários são mais envolvidos na gestão e nas tomadas de decisão em países com altos índices de desenvolvimento humano do que em países com índices médios de desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

Tabela 2
Quociente de Governança na APA Petrópolis
Table 2
Governance Quotient in the Petrópolis EPA

O cálculo do Quociente de Governança (QG) é uma ferramenta de fácil aplicação que se destina a medir a cada ciclo (semestral, anual, bienal, etc) o nível de integração das propostas do conselho no processo de gestão. Para a APA Petrópolis os resultados estão apresentados na Tabela 2.

Em termos gerais, houve uma variação muito grande do QG nos anos estudados o que pode indicar uma baixa capacidade da gestão da APA em manter regular o nível de implementação das propostas aprovadas pelo conselho. Um conjunto muito grande de fatores foi identificado durante as entrevistas como podendo interferir diretamente na capacidade da APA poder implementar determinada proposta. Entre eles destacam-se a falta de recursos financeiros, de pessoal, a viabilidade prática de determinadas proposta, assim como o próprio interesse da chefia em sua implementação. Além disso, como discute Andrade (2007)ANDRADE, J. T. Gestão Participativa de Unidades de Conservação no Brasil - Interpretando a APA Petrópolis. 2007. 119f. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais e Florestais) - Instituto de Florestas, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica., algumas propostas podem não estar classificadas como prioritárias no plano de ação da unidade e, por isso, acabam não sendo implementadas.

Um mecanismo de verificação e análise mais detalhado sobre os fatores que conduziram a não implementação de propostas é necessariamente uma etapa metodológica posterior à aplicação do QG, a ser desenvolvida no âmbito desta pesquisa, com o intuito de determinar as suas causas e propor medidas corretivas. Contudo, a variação encontrada neste índice, só deve chamar a atenção do conselho e dos responsáveis pela gestão da unidade com relação à importância de se discutir com mais critério e atenção as propostas apresentadas, privilegiando a aprovação somente daquelas que possam ter viabilidade, exeqüibilidade e prioridade mínima garantida dentro do planejamento da unidade.

A classificação do índice para todos os anos, segundo a sua escala de classificação, é ilustrada na Figura 2. Para os dez anos analisados, sete (70%) foram considerados influentes (faixas A e B), ou seja, o processo de governança da APA Petrópolis está ocorrendo em grande escala a partir da concretização de propostas oriundas de seu conselho de gestão. Em apenas três anos os resultados foram classificados como pouco influentes (1999 e 2000 - faixa C) ou não influentes (2007 - faixa D). Este resultado indica que na maior parte dos anos analisados, no mínimo um terço das propostas oriundas do conselho foi incorporada à gestão da APA, com especial destaque de 2006. Fica evidenciado, portanto, a necessidade de consolidar a existência e o funcionamento dos conselhos não como instâncias vinculadas politicamente ou dependentes do processo de gestão direta feito pelo órgão ambiental, mas sim como discute Mussi (2007)MUSSI, Sultane M. 2007. O Processo de Gestão Participativa e Educação Ambiental em conselhos de Unidades de Conservação: O caso do Parque Nacional da Serra dos Órgãos - Teresópolis - Rio de Janeiro. Dissertação, 2007. Programa EICOS - Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social. UFRRJ, Rio de Janeiro, 2007., como espaço público reunindo uma diversidade de atores e interesses, estabelecendo uma nova relação governo/ sociedade. A consolidação da gestão participativa deve ser feita, portanto, com o intuito de tornar os conselhos uma instância democrática, apropriada e legitimada.

Figura 2
Evolução e classificação do quociente de governança na APA Petrópolis Fugure 2. Evolution and classification of governance quotient in Petrópolis EPA

Finalmente, é desejável, porém de difícil consecução, que este índice atinja seu valor máximo (1,0) ou dele esteja sempre muito próximo. Contudo, são considerados altamente satisfatórios, processos de gestão que se mantenham dentro da faixa A e B. Para tal, antes de mais nada, é preciso que o processo de formação e funcionamento dos conselhos seja uma etapa muito bem planejada. Considerando as dificuldades para o ano de 2003, onde o índice atingiu 0,75. O pior desempenho observado no ano de 2007 foi decorrente, como já discutido, do processo de desmobilização do conselho frente à transição de chefia iniciada no final históricas de participação social no contexto nacional é então necessário refletir, como aponta Limont et al (2007)LIMONT, M.; MUCCINATO, M.; CARDOSO, W.E.; FARACO, L.F.D.; PORTES, M.C.G.O.; PADILHA, R.G. Participação comunitária na gestão de Unidades de Conservação: a valorização de um processo na criação do conselho consultivo do Parque Nacional de Saint- Hillare/Lange. Áreas protegidas e inclusão social: tendências e perspectivas, V. 3,( 1 ), p 311-313, 2007., sobre a importância de valorizar os processos que antecedem a criação dos conselhos e investir em pesquisas orientadas para a criação ou adaptação das ferramentas metodológicas disponíveis às necessidades de cada região e perfil de cada grupo.

Conclusões

Apesar da importância dada nos últimos 20 anos à questão da governança em áreas protegidas, a avaliação do processo de gestão participativa em unidades de conservação no Brasil é ainda pouco desenvolvida, necessitando de uma adequada abordagem metodológica. Esta etapa é fundamental para que os benefícios decorrentes dessa instância de participação e controle social possam efetivamente contribuir para a gestão dos recursos naturais no Brasil. A análise da experiência desenvolvida na APA Petrópolis nos últimos dez anos, a partir dos métodos propostos neste trabalho, demonstrou que pode existir uma lacuna entre o fato de um conselho estar formado e reunido regularmente e a sua influência sobre o processo de gestão da unidade de conservação. Além do efeito imediato de aportar um conjunto importante de resultados para subsidiar o aperfeiçoamento contínuo da gestão participativa na APA Petrópolis, a replicação desta metodologia na avaliação de outras experiências no Brasil, e até mesmo o seu aprimoramento, certamente contribuirá para uma melhor compreensão e consolidação da governança de áreas protegidas no país.

Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer ao IBAMA e a APA Petrópolis; ao Luiz Deister e Luiz Felipe F. R. Pimentel pelo auxílio e por disponibilizar o material para a realização da coleta de dados; a Sra. Yara Valverde e ao Sr. Sérgio Abla pelas informações disponibilizadas; ao Programa de Pós- Graduação em Ciências Ambientais e Florestais da UFRRJ e à CAPES e FAPERJ pela concessão das bolsas de estudo do primeiro e segundo autores respectivamente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Dec 2007

Histórico

  • Recebido
    15 Jan 2008
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