1. INTRODUÇÃO
O gênero Eucalyptus expandiu-se rapidamente no cenário brasileiro em virtude do seu elevado potencial produtivo, com madeira de boa aparência e características físicas e mecânicas desejáveis, que o potencializaram como matéria-prima alternativa para o mercado madeireiro (Gonçalez et al., 2006). Em 2014, o Brasil detinha uma área plantada de 5,56 milhões de hectares de eucalipto, gênero florestal mais cultivado no país (IBA, 2015).
Com o alto interesse econômico na madeira desse gênero, encontram-se diversas pesquisas voltadas à caracterização das propriedades físico-mecânicas do material, que se direcionam ao aproveitamento do produto dentro do setor industrial madeireiro. No entanto, muitas vezes não são computadas em ensaios que visam a caracterização da madeira situações diferenciadas resultantes, por exemplo da interface do meio físico com o mecânico.
Em geral, as propriedades mecânicas da madeira aumentam com o decréscimo do teor de umidade (Bodig & Jayne, 1993; Kretschmann, 2008), o que se explica pelo aumento do adensamento e da rigidez das paredes celulares, bem como da porcentagem de material lenhoso, causado pela perda de água e contração da madeira (Echenique & Robles, 1993). No entanto, essa condição não se aplica para os testes de flexão dinâmica, pois não apresenta tendência definida. Estudos realizados por Logsdon & Calil (2002) verificaram que existe uma alta relação entre resistência mecânica e umidade na madeira, que resulta em resistência praticamente constante acima do ponto de saturação das fibras (PSF). Contrariamente, abaixo do PSF, a resistência do material aumenta conforme o teor de umidade diminui.
O conhecimento do ensaio de flexão dinâmica está ligado diretamente à propriedade de resistência a impactos a que a madeira é submetida, sendo importante tanto para fins de segurança como para economicidade (Beltrame et al., 2012). A madeira, quando utilizada para fins estruturais, expõe-se a diferentes condições de umidade relativa, que causam absorção e adsorção de água, as quais interferem diretamente na variação dimensional (Batista & Klitzke, 2010).
Dessa forma, o presente estudo objetivou avaliar a resistência a impactos da madeira de Eucalyptus grandis W. Hill ex. Maiden e Eucalyptus cloeziana F. Muell. quando submetida a diferentes condições de umidade.
2. MATERIAL E MÉTODOS
Para a realização do experimento foram amostradas ao acaso 12 árvores, com 21 anos de idade, sendo 6 de Eucalyptus grandis e 6 de Eucalyptus cloeziana, procedentes de um plantio homogêneo da região central do Rio Grande do Sul (29°43’01”S, 53°43’46”N, 120 metros de altitude). O material foi amostrado conforme a norma da American Society for Testing and Materials D5536-94 (ASTM, 2010), evitando-se indivíduos de bordadura, fuste tortuoso, com presença de bifurcação e diâmetro a altura do peito (1,30 m – DAP) inferior a 25 cm.
Para cada árvore amostrada retirou-se uma primeira tora de 3 m, da qual se confeccionou um pranchão central de aproximadamente 80 mm de espessura, com a medula incluída e anéis de crescimento orientados. A espessura foi reduzida para 60 mm com auxílio de uma plaina desengrossadeira e, posteriormente, foram confeccionados 120 corpos de prova nas dimensões 20 mm × 20 mm × 280 mm (radial, tangencial e longitudinal) para a realização do ensaio de flexão dinâmica em ambas as espécies.
Inicialmente, como padronização, os corpos de prova foram submersos em água por um período de três meses, em seguida foram distribuídos aleatoriamente em três condições de umidade para cada espécie, definindo-se os tratamentos (Tabela 1).
Condição seca: os corpos de prova foram secos em estufa laboratorial com circulação de ar a 103 °C ± 1 °C até atingirem massa constante.
Condição climatizada: os corpos de prova foram mantidos em câmara climatizada com temperatura ambiente de 20 °C ± 2 °C e 65% ± 5% de umidade relativa até atingirem massa constante. Para tal foram feitas medições periódicas da massa dos corpos de prova até o momento em que a variação foi menor que 0,5% entre uma medição e outra, no período de 24.
Condição saturada: os corpos de prova foram mantidos submersos em água até a realização dos ensaios de flexão dinâmica.
Corpos de prova de todos os tratamentos foram pesados em balança analítica com precisão de 0,01 g e mensurados com o uso de paquímetro digital com precisão de 0,01 mm para a determinação do volume (método estereométrico) e da massa específica aparente, conforme a norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 7190 (ABNT, 1997).
Para a realização da propriedade de resistência máxima ao impacto foi utilizado o pêndulo de Charpy com capacidade de 100 Joules. Como padronização, os corpos de prova foram impactados no sentido radial, em que cada corpo de prova foi alocado no vão da máquina, igual a 24,0 cm, sendo atingido na região central por um pêndulo que situa-se a 1 metro de altura. Dessa forma, obteve-se o trabalho absorvido (W), em joules, constatado na leitura da escala graduada.
Com os resultados de W foi possível calcular a resistência ao impacto à flexão (fbw), por meio da normativa da Associação Brasileira de Normas Técnicas – NBR 7190 (ABNT, 1997), através da Equação 1.
em que: fbw = razão entre a energia necessária à fratura do corpo de prova e a área da seção transversal (KJ.m-2); W = energia necessária para fratura do corpo de prova (J); b e h = dimensões nas seções transversal e radial (mm).
Após a realização do ensaio de flexão dinâmica retiraram-se amostras laterais de 50 mm de comprimento de todos os corpos de prova. Em seguida, foram pesadas e colocadas em estufa a 103 °C ± 1 °C até atingirem massa constante. De posse desses valores, calculou-se o teor de umidade exato dos corpos de prova para as três condições testadas, por meio da Equação 2.
em que: TU = teor de umidade de base seca (%); M = massa do corpo de prova na condição de umidade (g); M0 = massa seca a 0% de umidade (g).
A análise estatística procedeu-se com delineamento inteiramente casualizado, com duas espécies (E. grandis e E. cloeziana), três condições de umidade (seca, climatizada e saturada) e 20 repetições (corpos de prova). Os dados foram interpretados por meio de análise de variância (ANOVA) fatorial. Primeiramente foram verificadas a normalidade e homogeneidade de variância dos dados, pressupostos antes de qualquer teste paramétrico. Na ANOVA fatorial foram realizadas comparações de médias para os fatores espécie e condições de umidade, pelo teste F em 5% de probabilidade de erro. A partir dos resultados, se constatada interação entre os fatores, realizou-se uma ANOVA simples com desmembramento em 5% de probabilidade de erro e, em caso de rejeição da hipótese nula, foi realizado teste de médias LSD de Fisher, em 5% de probabilidade de erro.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para os corpos de prova testados nas três condições de umidade (seca, climatizada, saturada) verificou-se que para as duas espécies os teores de umidade apresentaram diferença significativa (Tabela 2). Destaca-se que, na condição saturada, o teor de umidade da madeira de E. grandis foi 88% superior ao de E. cloeziana, fato já esperado devido à menor massa específica da primeira espécie e, consequentemente, maior permeabilidade.
Tabela 2 Teor de umidade para a madeira de E. grandis e de E. cloeziana em diferentes condições de equilíbrio.
Table 2 Moisture content of E. grandis and E. cloeziana woods at different equilibrium conditions.
Condição de equilíbrio | E. grandis | E. cloeziana | F |
---|---|---|---|
Seca | 3,04 Aa | 3,68 Ba | 38,7** |
-0,24 | -0,37 | ||
Climatizada | 13,62 Ab | 14,91 Bb | 292,5** |
-0,18 | -0,28 | ||
Saturada | 151,81 Ac | 80,38 Bc | 300,7** |
-17,77 | -4,69 | ||
F* | 1240,9** | 4630,44** |
F = valor de F calculado na linha (entre espécies);
F* = valor de F calculado na coluna (na espécie); médias seguidas da mesma letra não diferem estatisticamente entre si, minúscula na coluna e maiúscula na linha, em 5% de probabilidade de erro (Fisher Test, p > 0,05);
**= significativo em 1% de probabilidade de erro; valores entre parênteses indicam erro padrão.
Por meio da análise fatorial, verificou-se que a interação entre os fatores (espécie x TU) foi estatisticamente significativa (p < 0,05) para todas as propriedades avaliadas, isto é, os fatores agem de modo dependente sobre as propriedades analisadas. Já os fatores espécie e teor de umidade, com exceção do TU, para a fbw, foram estatisticamente significativos (p < 0,05) para todas as propriedades analisadas no estudo (Tabela 3).
Tabela 3 Análise de variância fatorial das propriedades físico-mecânicas da madeira das espécies E. grandis e E. cloeziana em diferentes condições de umidade.
Table 3 Factorial analysis of variance of both physical and mechanical properties of E. grandis and E. cloeziana species at different moisture conditions.
Fonte | SQ | GL | QM | F | |
---|---|---|---|---|---|
ρap | Espécie | 1,77 | 1 | 1,767 | 984,41** |
TU | 6,82 | 2 | 3,414 | 1906,74** | |
Espécie x TU | 0,179 | 2 | 0,0895 | 50** | |
Resíduos | 0,396 | 123 | 0,0032 | ||
W | Espécie | 7781 | 1 | 7781 | 193,61** |
TU | 641,9 | 2 | 321 | 7,99** | |
Espécie x TU | 783,69 | 2 | 391,8 | 9,75** | |
Resíduos | 4862,9 | 121 | 40,19 | ||
fbw | Espécie | 44015,5 | 1 | 44015,5 | 172,6** |
TU | 1070,5 | 2 | 535,28 | 2,1ns | |
Espécie x TU | 2364,2 | 2 | 1182,1 | 4,63* | |
Resíduos | 28881,2 | 113 | 255,1 |
ρap = massa específica aparente (g.cm-3); TU = teor de umidade (%); W = trabalho absorvido (J); fbw = resistência a impacto (KJ.m-2); SQ = soma de quadrados; GL = graus de liberdade; QM = quadrado médio; F = valor de F calculado na linha;
ns= não significativo;
*= significativo em 5% de probabilidade de erro;
**= significativo em 1% de probabilidade de erro.
A massa específica aparente (ρap) apresentou diferença estatisticamente significativa entre as espécies, mostrando-se 64%, 52% e 21% superior para o E. cloeziana quando comparadas com as de E. grandis nas condições seca, climatizada e saturada, respectivamente (Tabela 4). Os resultados encontrados na literatura referentes à massa específica básica ficam entre 0,57 g a 0,59 g.cm-3 para E. grandis e 0,60 g a 0,69 g.cm-3 para E. cloeziana (Ciniglio, 1998; Pereira et al., 2000; Gonçalez et al., 2006; Cademartori et al., 2014).
Tabela 4 Valores médios e teste de médias para as propriedades físico-mecânicas da madeira sob influência dos fatores espécie e condição de umidade.
Table 4 Mean values and mean test for both physical and mechanical properties of wood under the influence of the species and moisture condition factors.
Propriedade | Espécie | Seca | Climatizada | Saturada | F |
---|---|---|---|---|---|
ρap (g.cm-3) |
E. grandis | 0,49 Aa | 0,51 Aa | 1,07 Ba | 1011,53** |
-0,043 | -0,043 | -0,051 | |||
E. cloeziana | 0,80 Bb | 0,77 Ab | 1,29 Cb | 860,74** | |
-0,049 | -0,039 | -0,028 | |||
F* | 481,54** | 441,33** | 117,52** | - | |
W (J) |
E. grandis | 16,07 a | 15,45 a | 15,54 a | 0,05ns |
-8,11 | -5,85 | -5,71 | |||
E. cloeziana | 25,16 Ab | 32,32 Bb | 36,74 Cb | 21,25** | |
-4,64 | -7,98 | -5,06 | |||
F* | 20,69** | 60,84** | 162,4** | - | |
fbw (KJ.m-2) |
E. grandis | 43,10 a | 37,90 a | 40,90 a | 0,44ns |
-21,64 | -15,08 | -13,45 | |||
E. cloeziana | 69,6 Ab | 82,9 Bb | 86,6 Bb | 7,45** | |
-12,99 | -20,5 | -12,21 | |||
F* | 24,11** | 57,91** | 152,9** | - |
ρap = massa específica aparente; W = trabalho absorvido; fbw = resistência a impacto; F = valor de F calculado na linha (espécie dentro da condição de umidade);
F* = valor de F calculado na coluna (condição de umidade dentro da espécie); médias seguidas da mesma letra não diferem estatisticamente entre si, minúscula na coluna e maiúscula na linha, em 5% de probabilidade de erro (Fisher Test, p > 0,05);
ns= não significativo;
**= significativo em 1% de probabilidade de erro; valores entre parênteses indicam desvio padrão.
A massa específica aparente na condição saturada para o E. grandis diferiu estatisticamente das demais condições, apresentando a maior ρap. Já para a madeira de E. cloeziana todas as condições de umidade apresentaram diferença significativa entre si, sendo que também na condição saturada a ρap apresentou-se superior. Esse resultado foi similar ao encontrado por Beltrame et al. (2010) que, estudando madeira da espécie Luehea divaricata, obtiveram aumento de 93% na ρap entre a condição saturada e a climatizada (20 °C e 65% de UR). O aumento significativo da ρap na madeira saturada está diretamente relacionado ao crescente aumento de sua massa quando submersa em água. Entretanto a madeira não apresenta o mesmo crescimento volumétrico, que é constante acima do ponto de saturação das fibras (PSF), o que resulta na maior ρap.
O trabalho absorvido (W) pelos corpos de prova demonstrou que o E. cloeziana apresentou maior capacidade de absorver e dissipar as cargas de choque comparativamente ao E. grandis. Em relação às condições de umidade, verificou-se que para a madeira de E. cloeziana o aumento no teor de umidade proporcionou um acréscimo significativo no trabalho absorvido, demonstrando que a madeira dessa espécie tornou-se mais elástica com o acréscimo de umidade, absorvendo e dissipando melhor as cargas a ela impostas, resultados que seguem a mesma tendência encontrada por outros pesquisadores (Beltrame et al., 2010, 2012). Já para a madeira de E. grandis as condições de umidade não afetaram os valores do trabalho absorvido.
A partir do trabalho absorvido foi possível verificar que ambas as espécies são classificadas como pouco resistentes a choques e quebradiças (Carvalho, 1996). Nesse sentido, a madeira de E. cloeziana e E. grandis não são consideradas aptas para usos que envolvem elevadas cargas de choque. Esse resultado difere do encontrado por Stangerlin et al. (2009) que, estudando as espécies Eucalyptus saligna e Eucalyptus botrioides, obtiveram valor de W de 4,1 kgm (40,2 J) para ambas as espécies, classificadas como resistente a choques.
Com relação à resistência a impactos, observou-se que E. cloeziana apresentou resultados melhores em comparação com E. grandis. Entre as diferentes condições de umidade não houve diferença significativa (p < 0,05) para a madeira de E. grandis, corroborando resultados apresentados para o W. Esse resultado é similar ao encontrado por Kretschmann (2008) que, estudando a resistência a impactos para de madeira de folhosas saturadas e na condição climatizada (20 °C e 65% de UR), não encontrou diferença significativa. Já a madeira de E. cloeziana, a fbw, nas condições saturada e climatizada, foi 24,4% e 19,1% superior comparativamente à condição seca. Esses resultados corroboram os obtidos por Beltrame et al. (2010), nos quais a madeira de Luehea divaricata na condição saturada também apresentou-se mais resistente a impactos quando comparada à madeira na condição climatizada (20 °C e 65% de UR).
Aanalisando-se os valores do presente estudo, verifica-se que a madeira de E. cloeziana e E. grandis podem serem consideradas como quebradiças e pouco resistentes a choques em todas das condições de umidade, devendo-se evitar a sua utilização em cabos de ferramentas, carrocerias de caminhões e peças em que a madeira é submetida a esforços similares de impacto.
4. CONCLUSÃO
A madeira de E. cloeziana foi mais resistente a impactos na condição saturada em comparação com as condições climatizada e seca. Já o E. grandis não apresentou diferença significativa na resistência a impactos nas condições de umidade submetidas.
Entre as espécies estudadas, o E. cloeziana apresentou maior capacidade de absorver energia e dissipá-la por meio de deformações. Entretanto, as espécies estudadas foram classificadas como pouco resistentes a impactos, não devendo ser utilizadas em locais sujeitos a cargas de choque.