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Carbono, Nitrogênio, Abundância Natural de Δ13C e Δ15N do Solo sob Sistemas Agroflorestais

Carbon, Nitrogen, and Natural Abundance Of Δ13C and Δ15N of Soils Under Agroforestry Systems

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi avaliar alterações nos teores de C e N e abundância natural de δ13C e δ15N de um Cambissolo Háplico Tb distrófico em uma área com sistema agroflorestal (SAF). Em cada área de estudo foram coletadas amostras de solo, em 8 profundidades de 0,0–1,0 m. O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, em esquema de parcelas subdivididas 2 × 8 (2 áreas florestais e 8 profundidades), com três repetições. Com exceção da camada superficial do solo (0,0-0,10), a área de SAF está preservando os teores de C e aumentando os teores de N (0,2-1,0) em relação à mata nativa. Ambas as áreas avaliadas apresentaram sinais de abundância natural de δ13C referente a plantas do ciclo fotossintético C3, e a área de mata nativa apresentou nas camadas superficiais (0,0-0,20) maiores valores de δ15N, demonstrando maior decomposição da matéria orgânica.

Palavras-chave:
reflorestamento; matéria orgânica do solo; Cambissolo

ABSTRACT

The aim of this study was to evaluate changes in C and N levels and in the natural abundance of δ15N and δ13C of a Inceptisol in an agroforestry system (AFS). Soil samples were collected from eight depth levels from 0.0-1.0 m in each studied area. The experiment was carried out in a completely randomized 2 × 8 (2 forest areas and 8 depths) split-plot design with three replications. Except for the topsoil (0.0-0.10), the area of this AFS has preserved content of C and increased level of N (0.2-1.0) compared to the Forest. Both areas showed signs of natural abundance of δ13C in plants with C3 photosynthetic pathway, and the forest area presented higher values of δ15N in the superficial layers (0.0-0.20), indicating greater decomposition of organic matter.

Keywords:
reforestation; soil organic matter; Inceptisol

1. INTRODUÇÃO

Na Amazônia, os setores da pecuária, agricultura e florestal são os principais responsáveis pelo desmatamento e degradação do solo, seja por criar novas áreas para pecuária e agricultura, seja pelas queimadas e exploração madeireira (Barreto et al., 2006Barreto P, Souza C Jr, Noguerón R, Anderson A, Salomão R. Human Pressure on the Brazilian Amazon Forests. Belém: Imazon; 2006. 84 p.; Pereira, 2012Pereira JÁ No. Estoques de carbono em sistemas agroflorestais de cacaueiro como subsídios a políticas de serviços ambientais [tese]. Belém: Setor de desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, Universidade Federal do Pará; 2012.).

Diante desse cenário, o uso de sistemas agroflorestais (SAFs) torna-se uma alternativa sustentável e adequada às características edafoclimáticas da Amazônia, pois apresenta a possibilidade de auxiliar na redução do desmatamento, uma vez que rompe com o ciclo da agricultura migratória tão comum na região, a qual, em função de períodos de pousio muito curtos para a recuperação dos solos, aumenta a pressão sobre as áreas de floresta primária (Smith et al., 1998Smith N, Dubois J, Current D, Lutz E, Clement C. Experiências agroflorestais na Amazônia brasileira: restrições e oportunidades. Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil. Brasília: Ministério do meio ambiente; 1998; 146 p.; Ayres & Alfaia, 2007Ayres MIC, Alfaia SS. Calagem e adubação potássica na produção do cupuaçuzeiro em sistemas agroflorestais da Amazônia Ocidental. Pesquisa Agropecuária Brasileira 2007; 42(7): 957-963. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-204X2007000700007.
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; Brienza et al., 2009Brienza S Jr, Maneschy RQ, Mourão M Jr, Gazel AB Fo, Yared JAG, Gonçalves D et al. Sistemas agroflorestais na amazônia brasileira: análise de 25 anos de pesquisas. Pesquisa Florestal Brasileira 2009; 60(1): 67-76.). O interesse nos SAFs para a Amazônia está além da utilização desses sistemas para uso da terra, na mudança de seu uso para o combate ao desmatamento e à degradação já existentes (Pereira, 2012Pereira JÁ No. Estoques de carbono em sistemas agroflorestais de cacaueiro como subsídios a políticas de serviços ambientais [tese]. Belém: Setor de desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, Universidade Federal do Pará; 2012.). Os SAFs apresentam uma série de funções, dentre as quais destaca-se o aumento dos estoques de carbono em suas culturas, com a mitigação das emissões de carbono para a atmosfera, concomitante com interações econômicas e ambientais (Pereira, 2012Pereira JÁ No. Estoques de carbono em sistemas agroflorestais de cacaueiro como subsídios a políticas de serviços ambientais [tese]. Belém: Setor de desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido, Universidade Federal do Pará; 2012.).

A presença de componentes florestais arbóreos nos SAFs adicionados a uma grande biodiversidade de espécies propicia a deposição contínua de resíduos vegetais durante o ano e/ou altera a taxa de decomposição da matéria orgânica do solo (MOS), o que facilita a manutenção e/ou aumento da MOS (Oelbermann et al., 2006Oelbermann M, Voroney RP, Thevathasan NV, Gordon AM, Kass DCL, Schlonvoigt AM. Soil carbon dynamics and residue stabilization in a Costa Rican and southern Canadian alley cropping system. Agroforestry Systems 2006; 68(1): 27-36. http://dx.doi.org/10.1007/s10457-005-5963-7.
http://dx.doi.org/10.1007/s10457-005-596...
; Smiley & Kroschel, 2008Smiley GL, Kroschel J. Temporal change in carbon stocks of cocoa-gliricidia agroforests in Central Sulawesi, Indonesia. Agroforestry Systems 2008; 73(1): 219-231. http://dx.doi.org/10.1007/s10457-008-9144-3.
http://dx.doi.org/10.1007/s10457-008-914...
; Iwata et al., 2012Iwata BF, Leite LFC, Araújo ASF, Nunes LAPL, Gehring C, Campos LP. Sistemas agroflorestais e seus efeitos sobre os atributos químicos em Argissolo Vermelho-Amarelo do Cerrado piauiense. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental 2012; 16(7): 730-738. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-43662012000700005.
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; Santiago et al., 2013Santiago WR, Vasconcelos SS, Kato OR, Bispo CJC, Rangel-Vasconcelos LGT, Castellani DC. Nitrogênio mineral e microbiano do solo em sistemas agroflorestais com palma de óleo na Amazônia oriental. Acta Amazonica 2013; 43(4): 395-406. http://dx.doi.org/10.1590/S0044-59672013000400001.
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), afetando diretamente os atributos físicos (Saha et al., 2001Saha JK, Singh AB, Ganeshamurthy AN, Kundu S, Biswas AK. Sulfur accumulation in vertsoil due to continuous gypsum application for six years and it effecton yield and biochemical constituents of soybean (Glicynne maxL. Merrill). Journal of Plant Nutrition and Soil Science 2001; 164(1): 317-320. http://dx.doi.org/10.1002/1522-2624(200106)164:3<317::AID-JPLN317>3.0.CO;2-C.
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), químicos e biológicos do solo (Delabie et al., 2007Delabie JHC, Jahyny B, Nascimento IC, Mariano SF, Lacau S, Campiolo S. Contribution of cocoa plantations to the conservation of native ants (Insecta: Hymenoptera: Formicidae) with a special emphasis on the Atlantic forest fauna of southern Bahia, Brazil. Biodiversity and Conservation 2007; 16(1): 2359-2384. http://dx.doi.org/10.1007/s10531-007-9190-6.
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; Huerta et al., 2007Huerta E, Rodriguez-Olan J, Evia-Castillo I, Montejo-Meneses E, Cruz-Mondragon M, Garcia-Hernandez R et al. Earthworms and soil properties in Tabasco Mexico. European Journal of Soil Biology 2007; 43(1): 190-195. http://dx.doi.org/10.1016/j.ejsobi.2007.08.024.
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; Norgrove et al., 2009Norgrove L, Csuzdi C, Forzi F, Canet M, Gounes J. Shifts in soil faunal community structure in shaded cacao agroforests and consequences for ecosystem function in Central Africa. Tropical Ecology 2009; 50(1): 71-78.).

Devido aos benefícios listados anteriormente, alguns trabalhos na literatura apontam que os SAFs mantiveram ou apresentam maiores teores de C e N quando comparados às florestas e/ou vegetações nativas adjacentes, principalmente nas camadas superficiais do solo (Lima et al., 2011Lima SS, Leite LFC, Oliveira FCO, Costa DB. Atributos químicos e estoques de carbono e nitrogênio em argissolo vermelho-amarelo sob sistemas agroflorestais e agricultura de corte e queima no norte do Piauí. Revista Árvore 2011; 35(1): 51-60. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-67622011000100006.
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; Iwata et al., 2012Iwata BF, Leite LFC, Araújo ASF, Nunes LAPL, Gehring C, Campos LP. Sistemas agroflorestais e seus efeitos sobre os atributos químicos em Argissolo Vermelho-Amarelo do Cerrado piauiense. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental 2012; 16(7): 730-738. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-43662012000700005.
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; Matos et al., 2012Matos FO, Castro RMS, Ruivo MLP, Moura QL. Teores de nutrientes do solo sob sistema agroflorestal manejado com e sem queima no estado do Pará. Floresta e Ambiente 2012; 19(3): 257-266. http://dx.doi.org/10.4322/floram.2012.031.
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; Pezarico et al., 2013Pezarico CR, Vitorino ACT, Mercante FM, Daniel O. Indicadores de qualidade do solo em sistemas agroflorestais. Revista de Ciências Agrárias 2013; 56(1): 40-47. http://dx.doi.org/10.4322/rca.2013.004.
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; Santiago et al., 2013Santiago WR, Vasconcelos SS, Kato OR, Bispo CJC, Rangel-Vasconcelos LGT, Castellani DC. Nitrogênio mineral e microbiano do solo em sistemas agroflorestais com palma de óleo na Amazônia oriental. Acta Amazonica 2013; 43(4): 395-406. http://dx.doi.org/10.1590/S0044-59672013000400001.
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). Já outros trabalhos demonstram que a conversão da cobertura vegetal original (floresta amazônica) para os SAFs causou declínio principalmente nos teores de MOS (Collier & Araújo, 2010Collier LS, Araújo GP. Fertilidade do solo sob sistemas de produção de subsistência, agrofloresta e vegetação remanescente em Esperantina – Tocantins. Floresta e Ambiente 2010; 17(1): 12-22. http://dx.doi.org/10.4322/floram.2011.005.
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; Silva et al., 2012Silva CA Jr, Boechat CL, Carvalho LA. Atributos químicos do solo sob conversão de floresta amazônica para diferentes sistemas na região norte do Pará, Brasil. Bioscience Journal 2012; 28(4): 566-572.). Pode-se inferir que tais resultados contraditórios podem ser oriundos da avaliação de SAFs com diferentes espécies vegetais, manejo, tempos de implantação e condições edafoclimáticas, fatores estes que interferem na dinâmica da MOS. Diante disso, evidencia-se a necessidade de estudos em áreas com SAFs de longa duração, para quantificar-se a real interferência deste sistema na dinâmica da MOS.

Outro fator muito importante a ser avaliado nos SAFs é que atualmente existem poucos resultados na literatura relacionados à abundância natural do δ13C e δ15N. Durante o processo de decomposição de resíduos vegetais, observa-se que praticamente não ocorre mudança do sinal de δ13C entre o material de origem e a matéria orgânica do solo (MOS) (Melillo et al., 1989Melillo JM, Aber JD, Linkins AE, Ricca A, Fry B, Nadelhoffer KJ. Carbon and Nitrogen dynamics along the decay continuum: Plant litter to soil organic matter. Plant and Soil 1989; 115(1): 189-198. http://dx.doi.org/10.1007/BF02202587.
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). Assim, com base na análise da variação na abundância de δ13C, é possível identificar a origem da MOS (Alves et al., 2008Alves BJR, Oliveira OC, Boddey RM, Urquiaga S. Abundância natural do 13C. In: Santos GA, Silva LS, Canellas LP, Camargo FAO. Fundamentos da matéria orgânica do solo: ecossistemas tropicais e subtropicais. 2. ed. Porto Alegre: Metrópole; 2008. 654 p.; Guareschi et al., 2012Guareschi RF, Pereira MG, Perin A. Deposição de resíduos vegetais, matéria orgânica leve, estoques de carbono e nitrogênio e fósforo remanescente sob diferentes sistemas de manejo no cerrado goiano. Revista Brasileira de Ciência do Solo 2012; 36(3): 909-920. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-06832012000300021.
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). Dessa forma, as determinações isotópicas da abundância natural de δ13C da MOS vêm sendo utilizadas como um bom indicador do tipo de vegetação existente e das modificações a que uma área foi submetida no passado (Salimon et al., 2007Salimon CI, Wadt PGS, Melo AWF. Dinâmica do C na conversão de floresta para pastagens em Argissolos da formação geológica Solimões, no sudoeste da Amazônia. Revista de Biologia e Ciências da Terra 2007; 7(1): 29-38.; Piccolo et al., 2008Piccolo GA, Andriulo AE, Mary B. Changes in soil organic matter under different land management in Misiones province (Argentina). Scientia Agrícola 2008; 65(3): 290-297. http://dx.doi.org/10.1590/S0103-90162008000300009.
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; Coutinho et al., 2010Coutinho RP, Urquiaga S, Boddey RM, Alves BJR, Torres AQA, Jantalia CP. Estoque de carbono e nitrogênio e emissão de N2O em diferentes usos do solo na Mata Atlântica. Pesquisa Agropecuária Brasileira 2010; 45(2): 195-203. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-204X2010000200011.
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; Loss et al., 2011Loss A, Pereira MG, Giácomo SG, Perin A, Anjos LHC. Agregação, carbono e nitrogênio em agregados do solo sob plantio direto com integração lavoura-pecuária. Pesquisa Agropecuária Brasileira 2011; 46(10): 1269-1276. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-204X2011001000022.
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; Loss et al., 2014Loss A, Pereira MG, Perin A, Anjos LHC. Abundância natural de δ13C e δ15N em sistemas de manejo conservacionista no cerrado. Bioscience Journal 2014; 30(3): 604-615.).

No que diz respeito ao δ15N, observa-se que, quando ocorrem reações de mineralização, nitrificação, denitrificação e volatilização associadas às assimilações de N pelas plantas, têm-se maior decomposição do isótopo mais leve de N (14N), deixando a matéria orgânica restante enriquecida em átomos de 15N (Bustamante et al., 2004Bustamante MMC, Martinelli LA, Silva DA, Camargo PB, Klink CA, Domingues TF et al. 15N natural abundance in woody plants and soils of central Brazil savannas (cerrado). Ecological Applications 2004; 14(1): 200-213. http://dx.doi.org/10.1890/01-6013.
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). Dessa forma, segundo Mendonça et al. (2010)Mendonça LAR, Frischkorn H, Santiago MMF, Camargo PB, Lima JOG, Mendes J Fo. Identificação de mudanças florestais por 13C e 15N dos solos da Chapada do Araripe/Ceará. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental 2010; 14(1): 314-319. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-43662010000300012.
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, menores valores de δ15N estão associados à maior quantidade de MOS, enquanto em áreas onde se tem menores valores de carbono orgânico, encontraram-se os maiores valores de δ15N, o que é um indício da decomposição da matéria orgânica.

Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi avaliar alterações nos teores de C e N e abundância natural de δ13C e δ15N de um Cambissolo Háplico Tb distrófico de uma Floresta Tropical Subperenifólia (Mata) e uma área com sistema agroflorestal (SAF) de 20 anos de implantação, no município de Porto Velho (RO).

2. MATERIAL E MÉTODOS

A área de estudo, denominada Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (RECA), está localizada no distrito de Nova Califórnia, no extremo oeste do município de Porto Velho, no km 160 da rodovia BR 364, que liga as capitais Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC). A microrregião é conhecida como Ponta do Abunã. O clima da região é do tipo Am pela classificação de Köppen, que corresponde a tropical monçônico, com média da temperatura do ar durante o mês mais frio superior a 18 °C (megatérmico) e período seco bem definido no inverno, quando ocorre moderado déficit hídrico, com índices pluviométricos inferiores a 50 mm por mês. A média anual da precipitação varia entre 2.200 e 2.300 mm por ano.

Neste estudo foram selecionadas duas áreas que integram o RECA, um SAF e uma área de mata nativa adjacente. O SAF é composto das espécies vegetais, Cupuaçu (Theobroma grandiflorum), Pupunha (Bactris gasipaes) e Castanheira (Bertholletia excelsa), tendo eventualmente outras espécies (que nesse caso foram classificadas como essências florestais). Tais áreas foram implantadas com espaçamento de 7 × 4 m, entre os anos de 1989 e 1992. A outra área analisada foi classificada como Floresta Tropical Subperenifólia (Mata) (Martins & Cavararo, 2012Martins L, Cavararo R. Manual técnico da vegetação brasileira: sistema fitogeográfico, inventário das formações florestais e campestres, técnicas e manejo de coleções botânicas, procedimentos para mapeamentos. Rio de Janeiro: IBGE; 2012.). Esta área foi utilizada neste estudo como controle e parâmetro de comparação do estádio original da paisagem local. Ambas unidades de paisagem estão sob solos classificados como Cambissolo Háplico Tb distrófico (EMBRAPA, 2006Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. Sistema brasileiro de classificação de solos. 2. ed. Rio de Janeiro: EMBRAPA; 2006.).

Em cada área de estudo foi demarcada uma gleba representativa de 0,04 ha (20 × 20 m), e em cada uma delas foram abertas três trincheiras de aproximadamente 1 × 1 m de superfície e 1 m de profundidade em posição aleatória. Em cada uma das trincheiras, nas diferentes áreas, foi realizada a coleta de amostras indeformadas, com auxílio de um anel volumétrico (EMBRAPA, 1997Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. Manual de métodos de análise de solos. Rio de Janeiro: EMBRAPA; 1997; 212 p.), nas profundidades de 0,0–0,10; 0,10-0,20; 0,20-0,30; 0,30-0,40; 0,40-0,50; 0,50-0,60; 0,60-0,80 e 0,80-1,0 m. Após a coleta, as amostras foram secas ao ar, destorroadas e passadas por peneira de 2 mm de malha, obtendo-se a terra fina seca ao ar (TFSA), na qual foi realizada a maioria das análises, inclusive a caracterização química e análise granulométrica (EMBRAPA, 1997Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA. Manual de métodos de análise de solos. Rio de Janeiro: EMBRAPA; 1997; 212 p.) (Tabela 1). O delineamento experimental utilizado foi o inteiramente casualizado, em esquema de parcelas subdivididas 2 × 8 (2 áreas florestais e 8 profundidades), com três repetições.

Tabela 1
Atributos químicos e análise granulométrica nas diferentes camadas do perfil de um Cambissolo Háplico das áreas de mata nativa e SAF.
Table 1
Attributes chemical and particle size analysis in the different layers of the profile of a Inceptisol areas of forest and SAF.

Os teores de C e N foram quantificados por meio de combustão seca por analisador CHNS (Elementar analysensysteme GmbH, Hanau, Alemanha). A abundância natural do 13C e 15N foi determinada com o auxílio do espectrômetro de massa Finnigan Delta Plus, no Laboratório de Ecologia Isotópica do CENA-USP, em Piracicaba-SP. Os resultados de 13C, oriundos de 3 repetições, foram expressos na forma de delta δ13C (%o), em relação ao padrão internacional PDB (Belemnitella Americana da formação Pee Dee). Já os resultados de 15N foram expressos na forma de delta δ15N (%o), em relação ao padrão δ15N do ar (0,3663%).

Os resultados obtidos foram submetidos à análise de normalidade da distribuição dos erros (teste de Lilliefors) e homogeneidade das variâncias dos erros (teste de Cochran). Atendendo às pressuposições de normalidade e homogeneidade, os valores médios foram comparados por meio do teste t de Bonferroni a 5% de probabilidade (P<0,05), utilizando o programa estatístico ASSISTAT.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na camada mais superficial (0,0-0,10 m), a área de mata nativa apresentou maior teor de C em comparação à área de SAF (Figura 1). Os maiores teores de C são decorrentes do maior e constante aporte de resíduos vegetais na superfície do solo durante o ano. Esse aporte constante pode ter favorecido o aumento dos teores de C e em formas mais estáveis. Resultados semelhantes foram encontrados por Silva et al. (2012)Silva CA Jr, Boechat CL, Carvalho LA. Atributos químicos do solo sob conversão de floresta amazônica para diferentes sistemas na região norte do Pará, Brasil. Bioscience Journal 2012; 28(4): 566-572. e Pezarico et al. (2013)Pezarico CR, Vitorino ACT, Mercante FM, Daniel O. Indicadores de qualidade do solo em sistemas agroflorestais. Revista de Ciências Agrárias 2013; 56(1): 40-47. http://dx.doi.org/10.4322/rca.2013.004.
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, que ao avaliarem áreas de SAF, também constataram redução no teor de C na camada superficial do solo quando comparada à vegetação referência (mata nativa). É interessante verificar que nas demais profundidades avaliadas (0,10-1,0 m) o SAF manteve valores de C semelhantes ao da mata nativa (Figura 1), ou seja, isso significa que o aporte de resíduos orgânicos via sistema radicular de diferentes espécies vegetais cultivadas no SAF está preservando o C do solo destas áreas.

Figura 1
Teores de carbono (C) em diferentes camadas do perfil de um Cambissolo Háplico nas áreas de mata nativa e SAF. Médias seguidas pela mesma letra não diferem estatisticamente pelo teste t de Student a 5%. Letras maiúsculas referem-se à comparação das áreas numa mesma camada e minúsculas comparam médias de camadas de um mesmo tratamento.
Figure 1
Levels of carbon (C) in different layers of a Inceptisol profile in the areas of forest and SAF. Means followed by the same letter do not differ statistically by Student's t test at 5%. Capital letters refer to the comparison of the areas in the same layer and lower layers comparing averages of the same treatment.

Verifica-se também que, independente da área avaliada, está ocorrendo uma redução no teor de C em profundidade (Figura 1). A redução do teor de C em profundidade é comum, visto que ocorre um menor aporte de resíduos orgânicos nas camadas mais profundas em comparação às camadas superiores. Vários trabalhos na literatura, ao avaliarem áreas de SAF e florestas nativas, também constataram este comportamento (Iwata et al., 2012Iwata BF, Leite LFC, Araújo ASF, Nunes LAPL, Gehring C, Campos LP. Sistemas agroflorestais e seus efeitos sobre os atributos químicos em Argissolo Vermelho-Amarelo do Cerrado piauiense. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental 2012; 16(7): 730-738. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-43662012000700005.
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; Silva et al., 2012Silva CA Jr, Boechat CL, Carvalho LA. Atributos químicos do solo sob conversão de floresta amazônica para diferentes sistemas na região norte do Pará, Brasil. Bioscience Journal 2012; 28(4): 566-572.; Pezarico et al., 2013Pezarico CR, Vitorino ACT, Mercante FM, Daniel O. Indicadores de qualidade do solo em sistemas agroflorestais. Revista de Ciências Agrárias 2013; 56(1): 40-47. http://dx.doi.org/10.4322/rca.2013.004.
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).

Até os 0,2 m de profundidade do solo não se constataram diferenças no teor de N entre as áreas avaliadas; no entanto, nas profundidades de 0,2-1,0 m a área de SAF apresentou maiores teores de N em comparação à área de mata nativa (Figura 2). Tais resultados reforçam a o padrão observado para o C, ou seja, demonstram que o SAF pode estar adicionando em profundidade resíduos orgânicos de diferentes qualidades (relação C/N) via sistema radicular, que está aumentando o teor de N e conservando o teor de C em relação à mata, enquanto na área de mata nativa tem-se uma MOS mais estável, com menor liberação de N em profundidade. Padrão similar foi observado por Iwata et al. (2012)Iwata BF, Leite LFC, Araújo ASF, Nunes LAPL, Gehring C, Campos LP. Sistemas agroflorestais e seus efeitos sobre os atributos químicos em Argissolo Vermelho-Amarelo do Cerrado piauiense. Revista Brasileira de Engenharia Agrícola e Ambiental 2012; 16(7): 730-738. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-43662012000700005.
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, que também constataram em profundidade (0,2-0,4 m) um maior teor de N de áreas de SAF em comparação a uma área de floresta nativa. Assim como ocorre com C, o N independente da área avaliada, os teores de N também reduziram-se em profundidade (Figura 2).

Figura 2
Teores de nitrogênio (N) em diferentes camadas do perfil de um Cambissolo Háplico nas áreas de mata nativa e SAF. Médias seguidas pela mesma letra não diferem estatisticamente pelo teste t de Student a 5%. Letras maiúsculas referem-se à comparação das áreas numa mesma camada e minúsculas comparam médias de camadas de um mesmo tratamento.
Figure 2
Levels of nitrogen (N) in different layers of a Inceptisol profile in the areas of forest and SAF. Means followed by the same letter do not differ statistically by Student's t test at 5%. Capital letters refer to the comparison of the areas in the same layer and lower layers comparing averages of the same treatment.

Quanto aos resultados da abundância natural de δ13C (‰), verifica-se que ambas as áreas avaliadas apresentaram, independentemente da profundidade, a contribuição de C de espécies do ciclo fotossintético C3 (Figura 3). Tal resultado é coerente, visto que ambas as áreas apresentam espécies arbóreas do ciclo C3, as quais discriminam mais intensamente o 13C e apresentam variações na abundância isotópica de 13C de -20 a -34 δ (Urquiaga et al., 2006Urquiaga S, Alves BJR, Campos DV, Boddey RM. Aplicação de técnicas de 13C em estudos de seqüestro de C em solos agrícolas. In: Alves BJR, Urquiaga S, Aita C, Boddey RM, Jantalia CP, Camargo FAO, editores. Manejo de sistemas agrícolas: impactos no seqüestro de C e nas emissões de gases de efeito estufa. Porto Alegre: Genesis; 2006. p. 13-33.). Os resultados da abundância natural de δ13C (‰) são similares aos encontrados por Nardoto (2005)Nardoto GB. Abundância natural de 15N na Amazônia e Cerrado: implicações para a ciclagem de nitrogênio [tese]. Piracicaba: Setor Ecologia de Agroecossistemas, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo; 2005., nos quais os valores para os solos sob a floresta amazônica variaram entre -28,4 e -26,0‰, com um progressivo enriquecimento ao longo do perfil. Este enriquecimento ao longo do perfil, também observado neste estudo, ocorre porque quanto mais profundo o solo, mais velho e processado pelos microorganismos é o C. Destaca-se também um pequeno aumento da abundância natural de δ13C da área de SAF para a mata nativa na camada de 0,0-0,20 m (Figura 3), que pode ser oriundo da introdução de diferentes espécies vegetais da área de SAF em relação à mata nativa e/ou devido ao efeito de algum fracionamento durante a decomposição da matéria orgânica.

Figura 3
Abundância natural de δ13C (‰) em diferentes camadas do perfil de um Cambissolo Háplico nas áreas de mata nativa e SAF. Médias seguidas pela mesma letra não diferem estatisticamente pelo teste t de Student a 5%. Letras maiúsculas referem-se à comparação das áreas numa mesma camada e minúsculas comparam médias de camadas de um mesmo tratamento.
Figure 3
Abundance of natural δ13C (‰) in different layers of a Inceptisol profile in the areas of forest and SAF. Means followed by the same letter do not differ statistically by Student's t test at 5%. Capital letters refer to the comparison of the areas in the same layer and lower layers comparing averages of the same treatment.

Até a camada de 0,0-0,20 m, a área de mata nativa apresentou maiores valores de δ15N em comparação à área de SAF, enquanto nas demais profundidades ambas as áreas apresentaram valores semelhantes entre si (Figura 4).

Figura 4
Abundância natural de δ15N (‰) em diferentes camadas do perfil de um Cambissolo Háplico nas áreas de mata nativa e SAF. Médias seguidas pela mesma letra não diferem estatisticamente pelo teste t de Student a 5%. Letras maiúsculas referem-se à comparação das áreas numa mesma camada e minúsculas comparam médias de camadas de um mesmo tratamento.
Figure 4
Natural abundance of δ15N (‰) in different layers of a Inceptisol profile in the areas of forest and SAF. Means followed by the same letter do not differ statistically by Student's t test at 5%. Capital letters refer to the comparison of the areas in the same layer and lower layers comparing averages of the same treatment.

Os resultados indicam que na área de Mata está ocorrendo maior decomposição da MOS em comparação à área de SAF, que pode estar sendo desencadeado por maior oferta de C (Figura 1) e atividade microbiana da área de Mata. Tais resultados também explicam o maior estoque de N (EstN) da área de mata nativa (2,75 Mg ha-1 – 0,0-0,10 m e 2,35 Mg ha-1 – 0,10-0,20 m) em relação ao SAF (2,33 Mg ha-1 – 0,0-0,10 m e 1,56 Mg ha-1 – 0,10-0,20 m) nessas profundidades. De maneira similar, Pezarico et al. (2013)Pezarico CR, Vitorino ACT, Mercante FM, Daniel O. Indicadores de qualidade do solo em sistemas agroflorestais. Revista de Ciências Agrárias 2013; 56(1): 40-47. http://dx.doi.org/10.4322/rca.2013.004.
http://dx.doi.org/10.4322/rca.2013.004...
afirmam que solos sob condições naturais resultam em maior presença serapilheira e de raízes, ocasionando aumento de compostos com carbono e promovendo a diversidade de espécies e favorecendo o desenvolvimento microbiano.

4. CONCLUSÕES

Com exceção à camada superficial do solo (0,0-0,10), a área de SAF está preservando os teores de C e aumentando os teores de N (0,2-1,0) em comparação à área de Mata.

Ambas as áreas avaliadas apresentaram sinais de abundância natural de δ13C referente a plantas do ciclo fotossintético C3, e a área de mata nativa apresentou nas camadas superficiais (0,0-0,20) maiores valores de δ15N, demonstrando maior decomposição da MOS.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao CPGA-CS, à EMBRAPA Acre, à CAPES e ao CNPq.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2014
  • Aceito
    01 Out 2016
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