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Papel dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa na resolução do segmento ST em pacientes submetidos a angioplastia primária

The role of glycoprotein IIb/IIIa inhibitor on ST segment resolution of patients submitted to primary angioplasty

Resumos

INTRODUÇÃO: A combinação de angioplastia (ATC) e inibidores da glicoproteína IIb/IIIa no tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento ST ainda apresenta resultados conflitantes. OBJETIVO: Determinar se o uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa adjunto à ATC primária está associado a maior resolução do segmento ST (RST) do eletrocardiograma (ECG). MÉTODO: No período compreendido entre 2000 e 2002, 85 pacientes foram submetidos a ATC primária, dos quais 35 utilizaram inibidores da glicoproteína IIb/IIIa de forma adjunta ao procedimento e 50 não receberam o fármaco (grupo controle). Os grupos foram comparados quanto às variáveis clínicas, eletrocardiográficas e angiográficas, demonstrando-se semelhantes. Os desfechos analisados foram RST do ECG precoce (nas primeiras seis horas após a ATC) e tardio (em 12 a 40 horas), eventos clínicos adversos maiores intra-hospitalares (ECAM) e pico enzimático. Considerou-se significativo p < 0,05. RESULTADOS: O grupo que recebeu inibidores da glicoproteína IIb/IIIa apresentou tendência a maior RST no ECG precoce (73% vs. 62%; p = 0,08), diferença não observada quando analisado o ECG tardio (72% vs. 73%; p = ns). A diferença entre a RST no ECG precoce versus tardio no grupo controle foi estatisticamente significante (62% vs. 73%; p = 0,006). Foram preditores de RST completa no ECG (> 70%): ausência de diabetes melito, IAM, tempo de isquemia inferior a seis horas e uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (p = 0,04; OR = 3,1; IC 95% 1 a 10). Não houve diferença quanto a ECAM e pico enzimático entre os grupos. CONCLUSÃO: O uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa adjunto à ATC primária está associado a maior RST no ECG precoce e esse fenômeno pode estar associado à reperfusão miocárdica precoce facilitada por esse potente antiagregante plaquetário endovenoso.

Complexo glicoproteico GPIIb-IIIa de plaquetas; Angioplastia transluminal percutânea coronária; Infarto do miocárdio


INTRODUCTION: Combination of angioplasty PTCA and glycoprotein IIb/IIIa inhibitors (IGpIIb/IIIa) already had conflicting results in treatment of patients (pts) with ST-elevation segment myocardial infarction (STEMI). OBJECTIVE: Determine if IIb/ IIIa as an adjunctive therapy to the primary PTCA is associated with a better ST segment (STSR) resolution in the electrocardiogram (EKG). METHODS: Of 85 patients submitted to a primary PTCA between 2000-2002, 35 used IIb/IIIa as an adjunct therapy and 50 did not use the drug (control group). Baseline characteristics were compared, and clinical, electrocardiographic and angiographic variables were similar between the groups. Outcomes analyzed were STSRs of early (first 6 hours after PTCA) and late EKGs (12 to 40 hours), in-hospital major adverse clinical cardiovascular events (MACE) and serum enzimatic peak. Significance was set at p < 0.05. RESULTS: The IIb/IIIa group showed a trend to a better STSR in early EKGs (73% vs 62%, p = 0.08), not observed when compared late EKGs (72% vs 73%, p = ns). A significant difference was found when the STSR between early vs. late EKGs in the control group (62% vs 73%, p = 0.006), but not in in the IIb/ IIIa group. Diabetes, inferior AMI, onset of symptoms in less then 6 hours and IIb/IIIa were predictors to a complete STSR (p = 0.04; OR = 3.1; IC 95% = 1 to 10). No differences were observed in the presence of in-hospital MACE or enzymatic peak. CONCLUSION: IIb/IIIa as an adjunctive therapy to the primary PTCA in the treatment of STEMI is associated with a better STSR in early EKG, which may indicate that the drug accelerates myocardial reperfusion in these patients.

Platelet glycoprotein GPIIb-IIIa complex; Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary; Myocardial infarction


ARTIGO ORIGINAL

Papel dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa na resolução do segmento ST em pacientes submetidos a angioplastia primária

The role of glycoprotein IIb/IIIa inhibitor on ST segment resolution of patients submitted to primary angioplasty

Caetano Sartori; André Manica; Rogério Sarmento-Leite; Gilberto Heineck; Guilherme Almeida; Alexandre Quadros; Carlos A. M. Gottschall

Laboratório de Hemodinâmica do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, Fundação Universitária de Cardiologia - Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Rogério Sarmento-Leite Unidade de Pesquisa do IC/FUC Av. Princesa Isabel, 370 - Santana Porto Alegre, RS - CEP 90620-001 Tel./Fax: (51) 3219-2802 - ramal 22/23 E-mail: editoracao-pc@cardiologia.org.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A combinação de angioplastia (ATC) e inibidores da glicoproteína IIb/IIIa no tratamento do infarto agudo do miocárdio (IAM) com supradesnivelamento do segmento ST ainda apresenta resultados conflitantes.

OBJETIVO: Determinar se o uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa adjunto à ATC primária está associado a maior resolução do segmento ST (RST) do eletrocardiograma (ECG).

MÉTODO: No período compreendido entre 2000 e 2002, 85 pacientes foram submetidos a ATC primária, dos quais 35 utilizaram inibidores da glicoproteína IIb/IIIa de forma adjunta ao procedimento e 50 não receberam o fármaco (grupo controle). Os grupos foram comparados quanto às variáveis clínicas, eletrocardiográficas e angiográficas, demonstrando-se semelhantes. Os desfechos analisados foram RST do ECG precoce (nas primeiras seis horas após a ATC) e tardio (em 12 a 40 horas), eventos clínicos adversos maiores intra-hospitalares (ECAM) e pico enzimático. Considerou-se significativo p < 0,05.

RESULTADOS: O grupo que recebeu inibidores da glicoproteína IIb/IIIa apresentou tendência a maior RST no ECG precoce (73% vs. 62%; p = 0,08), diferença não observada quando analisado o ECG tardio (72% vs. 73%; p = ns). A diferença entre a RST no ECG precoce versus tardio no grupo controle foi estatisticamente significante (62% vs. 73%; p = 0,006). Foram preditores de RST completa no ECG (> 70%): ausência de diabetes melito, IAM, tempo de isquemia inferior a seis horas e uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (p = 0,04; OR = 3,1; IC 95% 1 a 10). Não houve diferença quanto a ECAM e pico enzimático entre os grupos.

CONCLUSÃO: O uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa adjunto à ATC primária está associado a maior RST no ECG precoce e esse fenômeno pode estar associado à reperfusão miocárdica precoce facilitada por esse potente antiagregante plaquetário endovenoso.

Descritores: Complexo glicoproteico GPIIb-IIIa de plaquetas/antagonistas & inibidores. Angioplastia transluminal percutânea coronária. Infarto do miocárdio.

SUMMARY

INTRODUCTION: Combination of angioplasty PTCA and glycoprotein IIb/IIIa inhibitors (IGpIIb/IIIa) already had conflicting results in treatment of patients (pts) with ST-elevation segment myocardial infarction (STEMI).

OBJECTIVE: Determine if IIb/ IIIa as an adjunctive therapy to the primary PTCA is associated with a better ST segment (STSR) resolution in the electrocardiogram (EKG).

METHODS: Of 85 patients submitted to a primary PTCA between 2000-2002, 35 used IIb/IIIa as an adjunct therapy and 50 did not use the drug (control group). Baseline characteristics were compared, and clinical, electrocardiographic and angiographic variables were similar between the groups. Outcomes analyzed were STSRs of early (first 6 hours after PTCA) and late EKGs (12 to 40 hours), in-hospital major adverse clinical cardiovascular events (MACE) and serum enzimatic peak. Significance was set at p < 0.05.

RESULTS: The IIb/IIIa group showed a trend to a better STSR in early EKGs (73% vs 62%, p = 0.08), not observed when compared late EKGs (72% vs 73%, p = ns). A significant difference was found when the STSR between early vs. late EKGs in the control group (62% vs 73%, p = 0.006), but not in in the IIb/ IIIa group. Diabetes, inferior AMI, onset of symptoms in less then 6 hours and IIb/IIIa were predictors to a complete STSR (p = 0.04; OR = 3.1; IC 95% = 1 to 10). No differences were observed in the presence of in-hospital MACE or enzymatic peak.

CONCLUSION: IIb/IIIa as an adjunctive therapy to the primary PTCA in the treatment of STEMI is associated with a better STSR in early EKG, which may indicate that the drug accelerates myocardial reperfusion in these patients.

Descriptors: Platelet glycoprotein GPIIb-IIIa complex/ antagonists & inhibitors. Angioplasty, transluminal, percutaneous coronary. Myocardial infarction.

A história natural e o prognóstico do infarto agudo do miocárdio (IAM) demonstraram significativa melhora com o desenvolvimento das terapias de reperfusão miocárdica, em especial a intervenção coronariana percutânea (ATC primária), que apresenta resultados superiores quando comparada à terapia trombolítica1,2. O objetivo primordial do tratamento do IAM está focado na recuperação do fluxo coronariano pleno (TIMI 3), determinando menor área de necrose1,2, maior recuperação da função ventricular e, conseqüentemente, menor mortalidade3-5.

Entretanto, uma parcela de pacientes, mesmo apresentando normalização do fluxo coronariano epicárdico, não demonstra o restabelecimento da perfusão da microcirculação6. Essa disfunção microvascular é atribuída, possivelmente, a mecanismos inflamatórios relacionados à injúria de reperfusão7 e à embolização distal por microagregados plaquetários8.

O significado clínico dessa ausência de fluxo tecidual foi avaliado em diversos estudos utilizando-se marcadores como: angiografia coronariana9-12, resolução do segmento ST no eletrocardiograma (ECG)13,14, ecocardiografia de contraste miocárdico6,14, cintilografia de perfusão miocárdica15, ressonância magnética16 e Doppler intracoronário17. Esses trabalhos demonstraram que pacientes com alteração da microcirculação após reperfusão miocárdica apresentam pior evolução clínica quando comparados a pacientes com reperfusão normal10-12,17.

O uso adjunto de agentes antiplaquetários e de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa mostrou-se eficaz nas intervenções eletivas18,19 e estão recomendados em uma série de cenários clínicos; entretanto, ainda existem resultados conflitantes quando essa associação é utilizada no tratamento do IAM13,17,20-22.

O objetivo do presente estudo é avaliar a resolução do supradesnivelamento do segmento ST no ECG de pacientes submetidos a ATC primária no tratamento do IAM, associada ou não ao uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa.

MÉTODO

População

Estudo de coorte histórica controlada, realizado entre novembro de 2000 e abril de 2002, avaliando pacientes submetidos a ATC primária. Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: IAM com menos de 12 horas de evolução, sucesso angiográfico do procedimento, ausência de choque cardiogênico, ausência de IAM prévio e ausência de tratamento percutâneo da artéria tratada nos últimos 30 dias. Foram selecionados 85 pacientes cujos ECGs eram analisáveis, os quais foram divididos em dois grupos: um grupo que fez uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa de forma adjunta à intervenção percutânea (Grupo 1) e outro que não utilizou o fármaco (Grupo 2).

Definições eletrocardiográficas e angiográficas

Foram considerados não analisáveis ECGs com bloqueio de ramo esquerdo, ritmo de marca-passo e ausência de supradesnivelamento do ST > 1 mm em duas derivações contíguas. Os ECGs analisados foram: anterior ao procedimento (inicial), após seis horas (precoce) e entre 12 e 40 horas (tardio) do procedimento. O método de avaliação da resolução do segmento ST foi realizado conforme previamente descrito por Schröder et al.23,24. Todos os ECGs foram analisados por um único observador. O desvio do segmento ST foi medido 20 ms depois do ponto J e a soma dos desvios, computada no ECG inicial e após o procedimento (precoce e tardio). Para IAM anterior foram consideradas as derivações V1-V6, D1 e aVL e para IAM inferior, D2, D3, aVF, V5 e V6. Depressões do segmento ST maiores que 1 mm, nessas mesmas derivações, também fizeram parte da análise. A resolução do segmento ST foi considerada completa quando se obtivessem valores > 70%; parcial, com valores entre 30% e 70%; e sem resolução, quando < 30%. Os dados angiográficos foram analisados de forma quantitativa por dois observadores independentes e caso houvesse discordância entre eles, por um terceiro observador. Sucesso no procedimento foi considerado como obtenção de TIMI 3 com estenose residual < 50% sem o uso de stent ou < 20% com o uso de stent.

Protocolo do procedimento

Todos os pacientes submetidos a ATC primária receberam 200 mg de ácido acetilsalicílico e tienopiridínicos em doses plenas, imediatamente antes do procedimento, e que foram mantidos no caso de implante de stents. Aqueles indivíduos nos quais se optou pela utilização de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa receberam 70 UI/kg de heparina em bolo e heparina adicional para manter um tempo de coagulação ativado (TCA) > 200 segundos. O abciximab (ReoPro®) foi administrado com dose inicial de 0,25 mg/kg, seguida por infusão de 0,125 µg/minuto. Pacientes que utilizaram tirofiban (Agrastat®) receberam bolo inicial de 10 mcg/kg, seguido de infusão de 0,15 mcg/kg/min por 36 horas. Os pacientes que não fizeram uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa receberam 10.000 UI de heparina previamente ao procedimento.

Seguimento clínico

Foram avaliados os seguintes eventos cardiovasculares maiores durante o período hospitalar: morte, reinfarto não-fatal, nova revascularização de urgência e sangramento. No caso de o paciente apresentar mais de um evento clínico na mesma internação, somente o mais grave foi avaliado no estudo. Foram realizadas coletas de amostras sanguíneas para dosagem de CK e CKMB durante a hospitalização. Indivíduos submetidos a cardioversão elétrica foram excluídos desta análise.

Análise estatística

Para a análise estatística utilizou-se o programa SPSS para Windows versão 9.0. Variáveis quantitativas foram apresentadas em médias ± desvio padrão (DP) e qualitativas, em porcentagens. Para análises univariadas foram utilizados testes não-paramétricos. Comparações entre os dois grupos foram realizadas usando o teste Mann-Whitney U para variáveis quantitativas e o teste exato de Fisher para variáveis qualitativas. Para o teste de regressão logística considerou-se a resolução completa do ECG (> 70%), sendo incluídas no teste as variáveis que atingiram p < 0,1 na análise univariada.

RESULTADOS

Dos 85 pacientes selecionados para o estudo, 35 utilizaram inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (sendo 3 tirofiban e 32 abciximab), constituindo o Grupo 1, e 50 não utilizaram o fármaco, sendo alocados no Grupo 2. As características clínicas iniciais dos pacientes não diferiram significativamente entre os grupos e são demonstradas na Tabela 1.

As características angiográficas, demonstradas na Tabela 2, foram semelhantes entre os dois grupos, porém nota-se maior tendência ao uso de stents (80% vs. 64%; p = 0,11) no grupo que utilizou inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (Grupo 1).

Quanto à análise eletrocardiográfica, não se observou diferença nas características eletrocardiográficas iniciais entre os grupos. Quando analisada a resolução do segmento ST no ECG precoce, observa-se maior resolução absoluta no grupo que utilizou inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (73,2% vs. 64,3%; p = 0,08), assim como maior número de pacientes com resolução completa nesse grupo (68% vs. 50%; p = 0,08) (Tabela 3).

Quando analisados os 79 pacientes que possuíam ECG precoce e tardio avaliáveis, observa-se que a diferença existente na resolução do segmento ST no ECG precoce a favor do Grupo 1, apesar de não significativa (70,7% vs. 64,7%; p = 0,29), não se reproduz ao se analisar os ECGs tardios de ambos os grupos (72,2% vs. 73%; p = 0,87). Isso ocorreu porque houve maior resolução do segmento ST no ECG tardio do grupo que não recebeu inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (73% vs. 64,7%; p = 0,006) (Tabela 4).

Em relação aos eventos clínicos maiores e sangramentos, evidenciou-se, no grupo que utilizou inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, menor taxa de eventos e maior número de sangramentos menores, embora esses achados não tenham alcançado significância estatística. Não foram evidenciados sangramentos maiores em ambos os grupos. O pico enzimático de CPK e CKMB foi menor, embora não significativo, no grupo que utilizou inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (Tabela 5).

No teste de regressão logística para determinação dos fatores preditores independentes da resolução do segmento ST, foram identificados quatro fatores: uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, ausência de diabetes melito, tempo de isquemia < 6 horas e IAM inferior, sendo o uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa preditor independente de resolução completa do segmento ST (p = 0,048; razão de chance = 3,2; intervalo de confiança de 95% = 1-10) (Tabela 6).

DISCUSSÃO

Ensaios clínicos randomizados demonstram o benefício da administração dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa durante ATC primária, principalmente quando analisados sobrevida, reinfarto e revascularização do vaso-alvo nos primeiros 30 dias. Entretanto, quando avaliados os resultados a longo prazo, não se observa benefício no uso do fármaco após seis meses de acompanhamento. Outra limitação desses achados diz respeito à não inclusão de pacientes de alto risco, que apresentem instabilidade hemodinâmica, choque cardiogênico e indivíduos idosos, o que limita a validade externa e a ampla utilização do fármaco20,21,25,26.

A resolução do segmento ST do ECG é um método não-invasivo, de baixo custo, facilmente realizável e reprodutível, que vem sendo utilizado como marcador de reperfusão miocárdica, pois apresenta boa correlação com outros marcadores, como blush miocárdico e ecocardiografia de contraste23, para pacientes submetidos tanto a trombólise como a ATC primária27. Além disso, sua identificação é importante, pois o supradesnivelamento persistente de segmento ST está associado a piores resultados na evolução clínica e recuperação da função ventricular dos pacientes24. Estudos com pequenas séries de pacientes demonstraram benefício quanto à reperfusão da microcirculação quando administrados inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, utilizando parâmetros eletrocardiográficos e outros métodos de avaliação perfusional28-31. O principal achado de nosso estudo foi uma tendência a maior resolução do segmento ST em pacientes que utilizaram inibidores da glicoproteína IIb/IIIa associados a ATC, quando avaliado o ECG precoce (nas primeiras 12 horas após ATC). Observou-se, também, razão de chances de 3,22 na análise multivariada em relação ao uso dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa e resolução do segmento ST, sendo seu uso uma variável independente para esse desfecho. Esses achados são semelhantes aos resultados encontrados por Uyarel et al.31, que demonstraram maior resolução do segmento ST nos pacientes que receberam o fármaco e melhora da fração de ejeção desses indivíduos. Comparativamente aos nossos resultados, ambos os trabalhos demonstraram que o uso de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa é um fator independente para melhora da reperfusão miocárdica.

Quando analisada a porcentagem de resolução do segmento ST no ECG tardio em relação ao precoce, observa-se que no grupo controle ocorreu diferença significativa (73% vs. 64%; p = 0,006), fato esse que não se repetiu no grupo que usou inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (72% vs. 70%; p = ns). Esse achado sugere a possibilidade de a administração de inibidores da glicoproteína IIb/IIIa acelerar a reperfusão da microcirculação, fazendo com que ocorra resolução mais precoce do supradesnivelamento do segmento ST nos pacientes tratados com o fármaco. Apesar de não significativo, temos que ressaltar, ainda, que na nossa casuística observou-se menor pico enzimático nos pacientes que utilizaram inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, o que pode corroborar a hipótese de reperfusão acelerada no grupo tratado.

Quanto às limitações do estudo, cabe lembrar que se trata de um trabalho não-randomizado, retros

Sartori C, et al. Papel dos Inibidores da Glicoproteína IIb/IIIa na Resolução do Segmento ST em Pacientes Submetidos a Angioplastia Primária. Rev Bras Cardiol Invas. 2008;16(1):17-23.

pectivo e com pequeno número de casos avaliados. Estudos prospectivos e com maior número de pacientes podem amplificar nossos achados iniciais. O impacto clínico desse achado pode ser importante, uma vez que quanto mais precoce a resolução do segmento ST mais rápido será o restabelecimento do fluxo à artéria epicárdica, com perfusão distal adequada da microcirculação, determinando assim menor repercussão clínica e melhor prognóstico dos pacientes. Vale ainda ressaltar que, em aproximadamente 10% dos pacientes incluídos no grupo tratado com inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, foi utilizado o tirofiban na dose usual; estudos recentes sugerem que doses mais altas dessa medicação administradas em bolo podem determinar melhores resultados quando comparadas ao regime clássico32,33. Esse achado também poderia contribuir para melhor resultado nos pacientes tratados com inibidores da glicoproteína IIb/IIIa, subestimando os achados deste grupo no estudo atual.

CONCLUSÃO

A utilização dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa de forma adjunta à ATC parece favorecer a perfusão da microcirculação por meio da resolução precoce do segmento ST no ECG e a obtenção de menor pico enzimático. Estudos maiores serão necessários para confirmar esses achados e para definir o real papel do uso dos inibidores da glicoproteína IIb/IIIa nesse cenário.

Recebido em: 23/10/2007

Aceito em: 15/2/2008

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  • Correspondência:

    Rogério Sarmento-Leite
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      15 Fev 2008
    • Recebido
      23 Out 2007
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