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Segurança e efetividade da enoxaparina versus heparina não-fracionada no tratamento de pacientes submetidos a implante eletivo de stents não-farmacológicos: resultados imediatos e tardios

Safety and efficacy of enoxaparin versus unfractionated heparin in patients undergoing elective percutaneous coronary intervention with bare-metal stent implantation: immediate and long-term clinical outcomes

Resumos

INTRODUÇÃO: A heparina não-fracionada (HNF) é terapia anticoagulante clássica na intervenção percutânea, prevenindo complicações trombóticas agudas. Estudos sugerem que as heparinas de baixo peso molecular podem ser uma alternativa segura e eficaz. OBJETIVOS: Avaliar a segurança e a efetividade da enoxaparina (ENO) versus HNF em pacientes tratados por intervenção percutânea eletiva nas fases hospitalar (FH) e tardia (FT). MÉTODO: No período de outubro a novembro de 2004, incluímos 57 pacientes consecutivos tratados com ENO 0,75 mg/kg (G2) versus grupo controle de 143 pacientes tratados com HNF 100 UI/kg (G1) nos três meses prévios. Todos receberam stents não-farmacológicos e foram pré-tratados com aspirina + ticlopidina. Analisamos as complicações vasculares (CV) e hemorrágicas (CH) e os eventos combinados (EC) morte, infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular encefálico (AVE) e revascularização de urgência (RU) na FH e EC morte, IAM, AVE e nova revascularização na FT. No G2-ENO, mensuramos o fator anti-Xa 10 minutos após bolus EV e no fim da intervenção percutânea. RESULTADOS: A média de idade foi de 59,8 ± 9,8 anos, 30% eram diabéticos, e as características clínicas/angiográficas não diferiram entre os dois grupos. O sucesso da intervenção percutânea ocorreu em 100% e não houve CH maiores ou CV nos dois grupos. Houve aumento de CH menores no G2-ENO (p = 0,15) e CKMB > 3 vezes ocorreu em 2 pacientes, ambos no G2-ENO (p = 0,25). Não ocorreram morte, AVE ou RU nos dois grupos. Os níveis do fator anti-Xa no G2-ENO revelaram boa anticoagulação (AC) nas duas fases: após 10 minutos, a média foi de 1,21 ± 0,23 UI/ml (0,73-1,68 Ul/ml) e no final da intervenção percutânea, foi de 1,04 ± 0,23 UI/ml (0,56-1,61 UI/ml). Na FT, 24% dos pacientes do G1-HNF e 31,5% dos pacientes do G2ENO apresentaram EC (p = 0,12). CONCLUSÕES: A utilização da ENO durante intervenção percutânea eletiva foi tão segura e eficaz quanto a HNF tanto na FH como na FT. Os níveis de AC da ENO aferidos pelo fator anti-Xa foram obtidos rapidamente, mantendo-se estáveis e na faixa adequada durante a intervenção percutânea.

Contenedores; Enoxaparina; Heparina; Anticoagulantes; Fator Xa


BACKGROUND: Unfractionated heparin (UFH) is the classic anticoagulant therapy used during percutaneous intervention (PCI) to prevent acute thrombotic events. Preliminary studies with low molecular weight heparin have demonstrated the safety and efficacy of this alternative regimen during PCI. Our objective was to evaluate in-hospital and long-term safety and efficacy of enoxaparin (ENO) compared to UFH in patients (P) undergoing elective PCI. METHODS: From 10/2004-11/2004, 57 P treated with ENO 0.75 mg/kg IV (G2) were enrolled and compared to a control group of 143 consecutive P treated with UFH 100 IU/kg IV (G1) during the preceding 3 months. All P received a bare-metal stent and were pre-treated with ASA + ticlopidine. We analyzed the in-hospital vascular and bleeding complications as well as in-hospital and long-term composite clinical outcome of death, myocardial infarction (MI), stroke or target-vessel revascularization (TVR). Anti-Xa levels were measured in G2-ENO at the beginning (10 minutes after IV bolus) and at the end of PCI. RESULTS: The mean age was 59.8 ± 9.8 years, 30% were diabetics, and clinical and angiographic characteristics were similar in both groups. Procedure success ocurred in 100% without in-hospital major bleedings nor vascular complications in both groups; a non-significant increase in minor bleedings in G2-ENO (p = 0.15) was observed and CKMB > 3x occurred in 2 P in G2-ENO (p = 0.25); no death, stroke, or urgent TVR was observed. The anti-Xa levels in G2-ENO were within the ideal range: 1.21 ± 0.23 UI/ml (0.73-1.68 UI/ml) 10 minutes after bolus and 1.04 ± 0.23 UI/ml (0.56-1.61 UI/ml) at the end of PCI. At 3-year follow-up 24% of G1-UFH and 31.5% of G2-ENO presented death, MI, stroke or TVR (p = 0.12). CONCLUSIONS: The use of IV ENO in elective PCI was shown to be as safe and effective as UFH both in-hospital and at late follow-up. Anticoagulant levels of ENO were quickly obtained and remained stable throughout the PCI.

Stents; Enoxaparin; Heparin; Anticoagulants; Factor Xa


ARTIGO ORIGINAL

Segurança e efetividade da enoxaparina versus heparina não-fracionada no tratamento de pacientes submetidos a implante eletivo de stents não-farmacológicos: resultados imediatos e tardios

Safety and efficacy of enoxaparin versus unfractionated heparin in patients undergoing elective percutaneous coronary intervention with bare-metal stent implantation: immediate and long-term clinical outcomes

Marinella Centemero; Felipe Maia; Amanda G. M. R. Sousa; Fausto Feres; Rodolfo Staico; Luiz Alberto Mattos; Luiz Fernando Tanajura; Áurea J. Chaves; Carlos Eduardo Ferreira; José de Ribamar Costa Junior; André Feldman; Anselmo Mota; Ibraim M. F. Pinto; J. Eduardo Sousa

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Marinella Centemero Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 - Ibirapuera São Paulo, SP - CEP 04012-180 Fone: (11) 5085-4141 - Fax: (11) 5549-7807 E-mail: mpcentemero@yahoo.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A heparina não-fracionada (HNF) é terapia anticoagulante clássica na intervenção percutânea, prevenindo complicações trombóticas agudas. Estudos sugerem que as heparinas de baixo peso molecular podem ser uma alternativa segura e eficaz.

OBJETIVOS: Avaliar a segurança e a efetividade da enoxaparina (ENO) versus HNF em pacientes tratados por intervenção percutânea eletiva nas fases hospitalar (FH) e tardia (FT).

MÉTODO: No período de outubro a novembro de 2004, incluímos 57 pacientes consecutivos tratados com ENO 0,75 mg/kg (G2) versus grupo controle de 143 pacientes tratados com HNF 100 UI/kg (G1) nos três meses prévios. Todos receberam stents não-farmacológicos e foram pré-tratados com aspirina + ticlopidina. Analisamos as complicações vasculares (CV) e hemorrágicas (CH) e os eventos combinados (EC) morte, infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular encefálico (AVE) e revascularização de urgência (RU) na FH e EC morte, IAM, AVE e nova revascularização na FT. No G2-ENO, mensuramos o fator anti-Xa 10 minutos após bolus EV e no fim da intervenção percutânea.

RESULTADOS: A média de idade foi de 59,8 ± 9,8 anos, 30% eram diabéticos, e as características clínicas/angiográficas não diferiram entre os dois grupos. O sucesso da intervenção percutânea ocorreu em 100% e não houve CH maiores ou CV nos dois grupos. Houve aumento de CH menores no G2-ENO (p = 0,15) e CKMB > 3 vezes ocorreu em 2 pacientes, ambos no G2-ENO (p = 0,25). Não ocorreram morte, AVE ou RU nos dois grupos. Os níveis do fator anti-Xa no G2-ENO revelaram boa anticoagulação (AC) nas duas fases: após 10 minutos, a média foi de 1,21 ± 0,23 UI/ml (0,73-1,68 Ul/ml) e no final da intervenção percutânea, foi de 1,04 ± 0,23 UI/ml (0,56-1,61 UI/ml). Na FT, 24% dos pacientes do G1-HNF e 31,5% dos pacientes do G2ENO apresentaram EC (p = 0,12).

CONCLUSÕES: A utilização da ENO durante intervenção percutânea eletiva foi tão segura e eficaz quanto a HNF tanto na FH como na FT. Os níveis de AC da ENO aferidos pelo fator anti-Xa foram obtidos rapidamente, mantendo-se estáveis e na faixa adequada durante a intervenção percutânea.

Descritores: Contenedores. Enoxaparina. Heparina. Anticoagulantes. Fator Xa/antagonistas & inibidores.

SUMMARY

BACKGROUND: Unfractionated heparin (UFH) is the classic anticoagulant therapy used during percutaneous intervention (PCI) to prevent acute thrombotic events. Preliminary studies with low molecular weight heparin have demonstrated the safety and efficacy of this alternative regimen during PCI. Our objective was to evaluate in-hospital and long-term safety and efficacy of enoxaparin (ENO) compared to UFH in patients (P) undergoing elective PCI.

METHODS: From 10/2004-11/2004, 57 P treated with ENO 0.75 mg/kg IV (G2) were enrolled and compared to a control group of 143 consecutive P treated with UFH 100 IU/kg IV (G1) during the preceding 3 months. All P received a bare-metal stent and were pre-treated with ASA + ticlopidine. We analyzed the in-hospital vascular and bleeding complications as well as in-hospital and long-term composite clinical outcome of death, myocardial infarction (MI), stroke or target-vessel revascularization (TVR). Anti-Xa levels were measured in G2-ENO at the beginning (10 minutes after IV bolus) and at the end of PCI.

RESULTS: The mean age was 59.8 ± 9.8 years, 30% were diabetics, and clinical and angiographic characteristics were similar in both groups. Procedure success ocurred in 100% without in-hospital major bleedings nor vascular complications in both groups; a non-significant increase in minor bleedings in G2-ENO (p = 0.15) was observed and CKMB > 3x occurred in 2 P in G2-ENO (p = 0.25); no death, stroke, or urgent TVR was observed. The anti-Xa levels in G2-ENO were within the ideal range: 1.21 ± 0.23 UI/ml (0.73-1.68 UI/ml) 10 minutes after bolus and 1.04 ± 0.23 UI/ml (0.56-1.61 UI/ml) at the end of PCI. At 3-year follow-up 24% of G1-UFH and 31.5% of G2-ENO presented death, MI, stroke or TVR (p = 0.12).

CONCLUSIONS: The use of IV ENO in elective PCI was shown to be as safe and effective as UFH both in-hospital and at late follow-up. Anticoagulant levels of ENO were quickly obtained and remained stable throughout the PCI.

Descriptors: Stents. Enoxaparin. Heparin. Anticoagulants. Factor Xa/antagonists & inhibitors.

A terapia anticoagulante administrada durante a realização de procedimentos de revascularização percutânea tem por finalidade prevenir a ocorrência de complicações tromboembólicas agudas e, conseqüentemente, reduzir os eventos isquêmicos periprocedimento1. A heparina não-fracionada (HNF) é o tratamento antitrombótico clássico utilizado desde os primórdios da aplicação das técnicas percutâneas para o tratamento da doença arterial coronária, tanto em situações eletivas como de urgência2. Além da eficácia demonstrada em inúmeros estudos, os níveis de anticoagulação podem ser facilmente mensurados na sala de hemodinâmica por meio de técnicas laboratoriais simples, como o tempo de coagulação ativado (TCA), que permite o ajuste da dose durante o procedimento, se necessário3-5. Vale mencionar também que o custo da HNF é baixo, o que contribui positivamente para a relação custo-efetividade, questão muito valorizada na medicina contemporânea.

Mais recentemente, novos fármacos, como as heparinas de baixo peso molecular (HBPM) e os inibidores diretos da trombina, têm ocupado espaço progressivamente maior durante a realização de procedimentos percutâneos, pelo fato de possuírem atividade antitrombótica mais intensa, estável e previsível6-9. Paralelamente, essas drogas também demonstram taxas de complicações hemorrágicas semelhantes ou mesmo inferiores àquelas obtidas com a HNF.

Atualmente, a enoxaparina tem sido testada em vários estudos que avaliam pacientes submetidos a intervenções coronárias percutâneas eletivas ou não, com resultados similares ou superiores àqueles obtidos com a HNF10-12. Dentro desse contexto, o objetivo de nossa pesquisa foi avaliar a segurança e a efetividade da enoxaparina relativamente à HNF em pacientes estáveis submetidos a tratamento percutâneo eletivo em nosso serviço.

MÉTODO

Neste estudo de coorte prospectivo, aberto e unicêntrico, avaliamos 200 pacientes portadores de doença arterial coronária e submetidos a procedimentos percutâneos eletivos no período compreendido entre agosto e novembro de 2004.

Foram incluídos 57 pacientes tratados com enoxaparina administrada por via endovenosa na dose de 0,75 mg/kg, imediatamente antes da intervenção (outubro/novembro de 2004), os quais foram comparados a 143 pacientes consecutivos tratados com HNF na dose de 100 IU/kg por via endovenosa no período imediatamente precedente (grupo controle, agosto/setembro de 2004).

Pacientes

Foram considerados elegíveis para o estudo pacientes com idade acima de 18 anos submetidos a intervenção percutânea eletiva com implante de stents não-farmacológicos por meio de acesso femoral. Todos os pacientes assinaram o termo de consentimento aprovado pelo comitê de ética em pesquisa de nossa instituição.

Foram excluídos os portadores de síndrome coronária aguda (SCA) com supradesnivelamento do segmento ST, SCA sem supradesnivelamento do segmento ST com alterações dinâmicas no eletrocardiograma e/ou elevação dos níveis de troponina, aqueles com risco aumentado de sangramento (doença renal crônica grave, idosos > 80 anos, discrasias sanguíneas), pacientes submetidos a tratamento antitrombótico por via endovenosa previamente à intervenção em decorrência da presença de trombos ou características de instabilidade na lesão, e aqueles com conhecida hipersensibilidade às drogas usadas no estudo.

Farmacoterapia e procedimento percutâneo

Todos os pacientes foram pré-tratados com aspirina na dose de 200 mg/dia associada a ticlopidina 500 mg/dia pelo menos três dias antes do procedimento.

Após a alta, a aspirina foi mantida indefinidamente e a ticlopidina foi mantida por 30 dias.

Imediatamente antes da intervenção, realizada por via femoral em todos os casos, os pacientes receberam HNF (Grupo 1, 143 pacientes) ou enoxaparina (Grupo 2, 57 pacientes) nas doses mencionadas.

O tratamento percutâneo foi realizado de acordo com a técnica padrão, procedendo-se à liberação do stent e realizando-se a pós-dilatação do mesmo quando necessário, de modo a se obter lesão residual < 30%, com fluxo coronário TIMI 3 e ausência de trombos e dissecções no final do procedimento. Nos pacientes tratados com enoxaparina, foram colhidas amostras para mensuração do fator anti-Xa (método cromogênico utilizando o dispositivo CA-1500, Siemens) em dois períodos: 10 minutos após o bolus da droga e no final do procedimento.

Manejo pós-intervenção

Todos os pacientes foram encaminhados à enfermaria de angioplastia do nosso serviço, sendo submetidos à realização de eletrocardiograma imediatamente após a intervenção. Além da aspirina e da ticlopidina nas doses já mencionadas, foram também administrados, salvo contra-indicações específicas, betabloqueadores, estatinas e inibidores da enzima de conversão.

Os marcadores de lesão miocárdica (CK total e CKMB) foram mensurados na manhã do dia seguinte ao implante do stent, o que em geral correspondeu a um período de 12 a 18 horas pós-intervenção.

Os introdutores arteriais, predominantemente de tamanho 6 French, foram retirados 2 a 4 horas pósprocedimento, realizando-se compressão manual por 20 a 30 minutos. Os pacientes foram orientados a permanecer em repouso absoluto por 4 a 6 horas após o término da compressão e aplicação do curativo oclusivo.

Definições

Morte cardíaca: foram consideradas como de origem cardíaca todas as mortes, exceto aquelas comprovadamente de outra origem, de preferência documentadas por autopsia.

Infarto do miocárdio: 1. periprocedimento: elevação da CKMB > 3 vezes o limite superior da normalidade ou aparecimento de novas ondas Q em 2 ou mais derivações não presentes no eletrocardiograma prévio; 2. após a alta hospitalar: presença de angina com duração > 20 minutos associada a alterações dinâmicas do segmento ST e elevação dos marcadores de lesão miocárdica > 2 vezes o limite superior da normalidade ou aparecimento de novas ondas Q em 2 ou mais derivações não presentes anteriormente.

Nova revascularização: todo procedimento de revascularização percutâneo ou cirúrgico realizado e sua causa determinante (presença de angina e/ou pro-vas funcionais com evidência de isquemia).

Classificação dos eventos hemorrágicos de acordo com o critério TIMI13

Sangramento maior: presença de sangramento intracraniano ou tamponamento cardíaco; redução dos níveis de hemoglobina > 5 g/dl ou > 15% nos níveis do hematócrito; necessidade de cirurgia vascular para o controle de sangramentos e transfusão sanguínea.

Sangramento menor: queda dos níveis de hemoglobina entre 3 g/dl e 5 g/dl ou do hematócrito entre 9% e 15% associada a sangramento relacionado à via de acesso ou identificação de hematúria, hematêmese, hematoma retroperitoneal e hemoptise; redução dos níveis de hemoglobina > 4 g/dl e < 5 g/dl sem identificação do sítio de sangramento.

Análise estatística

Variáveis contínuas foram expressas como média e desvio padrão e comparadas pelo teste t de Student; o teste exato de Fischer foi utilizado para variáveis categóricas e as curvas de sobrevivência livre de eventos foram estimadas pelo método de Kaplan-Meier, sendo as diferenças identificadas pelo teste log-rank.

OBJETIVOS

Primário: 1. ocorrência de sangramentos maiores e menores ou complicações vasculares com necessidade de correção cirúrgica intra-hospitalar e 2. eventos cardiovasculares maiores (morte, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular encefálico e revascularização de urgência) na fase hospitalar.

Secundário: ocorrência de eventos cardiovasculares maiores (morte, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular encefálico), além da necessidade de realização de novos procedimentos de revascularização no acompanhamento clínico de três anos.

RESULTADOS

As características clínicas e angiográficas dos 200 pacientes estão apresentadas na Tabela 1, não se observando diferenças significativas entre os dois grupos.

Sucesso do procedimento foi obtido em todos os 200 pacientes incluídos neste estudo.

Durante a fase hospitalar, não se verificaram eventos cardíacos maiores. A ocorrência de complicações hemorrágicas/vasculares e a elevação dos marcadores de lesão miocárdica foram baixas e semelhantes nos dois grupos (Tabela 2).

A mensuração do fator anti-Xa em dois momentos distintos (10 minutos após o bolus de enoxaparina e no final do procedimento percutâneo) revela que os níveis ideais de anticoagulação foram obtidos rapidamente após uma única dose endovenosa do fármaco e mantiveram-se de forma estável e adequada durante toda a intervenção. Após 10 minutos, a média dos níveis do fator anti-Xa foi de 1,21 ± 0,23 UI/ml (variando de 0,73 a 1,68 Ul/ml) e no final do procedimento foi de 1,04 ± 0,23 UI/ml (variando de 0,56 a 1,61 UI/ml). Esses resultados estão demonstrados na Figura 1.


No seguimento clínico de três anos, 35 (24%) pacientes no grupo da HNF apresentaram eventos cardíacos maiores, incluindo novos procedimentos de revascularização. Nos pacientes que receberam enoxaparina, esses mesmos eventos ocorreram em 18 (31,5%) pacientes, sem diferença significativa na comparação dos dois grupos (p = 0,30).

Também não observamos diferenças na ocorrência individual de cada um dos eventos maiores nos dois grupos (Tabela 3).

As curvas de sobrevivência livre de eventos cardíacos maiores, incluindo a realização de nova revascularização, não demonstraram diferenças significativas em ambos os grupos (Figura 2).


DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo demonstram que a realização de intervenção percutânea eletiva com a utilização da enoxaparina em pacientes pré-tratados com aspirina e ticlopidina é tão segura e eficaz quanto a HNF na fase hospitalar, associando-se a baixo risco de sangramentos e eventos isquêmicos. Os níveis ideais de anticoagulação (geralmente entre 0,5 UI/ml e 1,5 UI/ml) aferidos pela mensuração do fator anti-Xa foram obtidos rapidamente 10 minutos após uma única administração endovenosa da enoxaparina e mantiveramse na faixa adequada até o término do procedimento. No seguimento clínico de três anos, também não verificamos diferenças significativas entre os grupos tratados pela HBPM e pela HNF no que se refere à ocorrência de eventos cardíacos maiores e necessidade adicional de novos procedimentos de revascularização.

Atualmente, a despeito dos grandes avanços tecnológicos obtidos na realização da intervenção percutânea associados à utilização de uma farmacoterapia adjunta poderosa e eficaz, ainda restam dúvidas a respeito do melhor regime de anticoagulação durante o procedimento. Este tem por finalidade prevenir a ocorrência de eventos isquêmicos agudos periprocedimento e ao mesmo tempo não elevar as taxas de sangramentos na fase hospitalar, fatos comprovadamente associados a pior evolução clínica aguda e a longo prazo6.

A utilização da HNF durante os procedimentos de revascularização percutânea é recomendada pelas diretrizes americana14 e européia5 de Cardiologia, sendo aconselhável que se faça a monitorização dos níveis de anticoagulação durante a intervenção por meio de testes como o TCA. Apesar do uso consagrado e de seu baixo custo, é necessário lembrar que a HNF possui algumas limitações. Como há grande variabilidade de resposta biológica à HNF, é notória a dificuldade de se manter níveis de anticoagulação estáveis, daí a necessidade de monitorização freqüente por meio de testes como o TCA ou tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa). Nesse sentido, as HBPM, dentre elas a enoxaparina, podem ser uma alternativa bastante atraente, pois possuem meia-vida mais prolongada, melhor biodisponibilidade, menor potencial de induzir ativação plaquetária e ação preferencial sobre o fator Xa. Dessa forma, induzem um estado de anticoagulação mais estável e previsível, sendo possível prescindir da necessidade de controle freqüente dos níveis de anticoagulação15,16. No entanto, as HBPM têm como óbvia desvantagem o custo elevado, fato que limita sua aplicação mais freqüente em procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Tal desvantagem poderia ser superada se apresentasse eficácia clínica e segurança muito superiores às da HNF, fato ainda não comprovado.

Como pudemos verificar em nossa pesquisa, o tratamento percutâneo eletivo de pacientes de moderada complexidade clínica e angiográfica, rotineiramente realizado em nosso serviço, pode ser executado com segurança com a utilização da enoxaparina.

Vale ressaltar que, nesta experiência inicial, as taxas de sangramentos e complicações vasculares foram muito baixas no grupo da HNF e também naquele que empregou a HBPM, ainda que não tenham sido utilizados dispositivos especiais de compressão femoral. Atribuímos tais resultados à atenção especial que deve ser dada à via de acesso, independentemente do tipo de anticoagulante usado durante o procedimento: técnica de punção cuidadosa, introdutores de baixo perfil (em geral, 6 French), repouso absoluto antes e após a retirada do introdutor, compressão manual efetiva por no mínimo 20 minutos, além da vigilância da equipe médica e de enfermagem durante a hospitalização do paciente.

Em relação às complicações agudas isquêmicas periprocedimento, não verificamos eventos cardíacos maiores nos dois grupos, assim como a elevação dos marcadores de lesão miocárdica > 3 vezes o valor normal pós-implante de stents foi excepcionalmente baixa. Esses resultados relacionam-se provavelmente a vários fatores, tais como: 1. utilização adequada da farmacoterapia adjunta pré-intervenção, com especial atenção aos antiplaquetários (aspirina e ticlopidina em doses plenas pelo menos três dias antes da intervenção para a obtenção de níveis seguros de inibição da atividade plaquetária); 2. caráter eletivo da revascularização percutânea; e 3. exclusão de lesões complexas, particularmente com presença de trombos. Além dessas características, é bastante interessante observar que a anticoagulação obtida com a enoxaparina durante o procedimento por meio da dosagem do fator anti-Xa revelou excelentes resultados. A mensuração desse fator (que idealmente deve girar entre 0,5 UI/ml e 1,5 UI/ml) realizada de forma sistemática nos pacientes tratados com HBPM, durante a intervenção, demonstra que após 10 minutos da aplicação do bolus único do fármaco a atividade anticoagulante foi obtida de forma rápida e em níveis adequados (média de 1,21 ± 0,23 UI/ml) em todos os pacientes. Além disso, verificamos que no final do procedimento os níveis do fator anti-Xa também se encontravam dentro dos parâmetros desejáveis (média de 1,04 ± 0,23 UI/ml) em 100% dos pacientes, garantindo anticoagulação intensa, estável e previsível durante toda a intervenção. Na Figura 1, podemos observar que a totalidade dos pacientes que receberam enoxaparina apresentava o fator anti-Xa acima de 0,5 UI/ml, tanto no início como no final da intervenção percutânea.

Esses resultados são compatíveis com várias pesquisas que compararam a utilização da enoxaparina à HNF em pacientes submetidos a revascularização percutânea eletiva17,18. Por exemplo, no estudo Safety and Efficacy of Enoxaparin in Percutaneous Coronary Intervention Patients (STEEPLE)12,19, que usou duas doses diferentes de enoxaparina versus HNF, a taxa de sangramentos foi menor no grupo que usou 0,5 mg/kg. Nos pacientes tratados com a dose de 0,75 mg/kg de enoxaparina, o sangramento foi semelhante ao da HNF, porém os níveis de anticoagulação foram mais constantes e previsíveis (fator anti-Xa entre 0,5 UI/ml e 1,8 UI/ml foi obtido em 92% dos casos). Entretanto, esse estudo não revelou relação significativa entre os valores do fator anti-Xa e a ocorrência de eventos isquêmicos periprocedimento. Poucas pesquisas apresentam poder estatístico suficiente para avaliar essa importante questão12,19. Em 2004, Montalescot et al.17, analisando 803 pacientes portadores de angina instável e SCA sem supradesnivelamento do segmento ST submetidos a intervenção percutânea eletiva, demonstraram que a mortalidade aos 30 dias estava significativamente associada a níveis subótimos de anticoagulação (anti-Xa < 0,5 UI/ml), elevando-se em cerca de três vezes quando comparada aos pacientes que apresentavam valores adequados (entre 0,5 UI/ml e 1,2 UI/ml). É importante observar que a faixa terapêutica ideal dos níveis de anticoagulação utilizando enoxaparina durante a realização de intervenção percutânea ainda não está totalmente estabelecida e é baseada nos resultados de estudos envolvendo pacientes com SCA tratados com essa droga20-22.

Em relação aos resultados tardios, nosso estudo revela taxas de eventos cardiovasculares maiores semelhantes nos dois grupos e compatíveis com a evolução clínica de uma população de moderado risco monitorada e tratada de modo a controlar os fatores de risco associados à progressão da doença arterial coronária.

Limitações do estudo

Trata-se de uma experiência inicial, não randomizada, que envolveu um número pequeno de pacientes que utilizaram a enoxaparina. Sendo assim, não houve poder estatístico suficiente para detectar eventuais diferenças na ocorrência de eventos isquêmicos nos dois grupos. Idealmente, deveríamos realizar um estudo clínico, randomizado, com tamanho de amostra adequado para detectar eventuais diferenças nos desfechos clínicos entre os dois tipos de heparina utilizados. Também seria desejável que nos pacientes tratados com HNF houvesse o controle sistemático do TCA durante a realização da intervenção percutânea.

CONCLUSÃO

Concluindo, podemos dizer que os resultados deste estudo revelam que em pacientes submetidos a revascularização percutânea eletiva, pré-tratados com terapia antiplaquetária dupla (aspirina + ticlopidina), a utilização endovenosa da enoxaparina 0,75 mg/kg em dose única, no início do procedimento, apresentou boa relação risco/benefício, demonstrada por baixas taxas de sangramento, eficiência clínica similar à da HNF na fase hospitalar e níveis mais previsíveis e estáveis de anticoagulação durante todo o procedimento. Vale ressaltar que a equivalência dos desfechos clínicos hospitalares observada nos dois grupos dessa pesquisa pode estar relacionada ao número insuficiente de pacientes, devendo, portanto, ser testada em estudos randomizados de grande porte.

Recebido em: 11/2/2008

Aceito em: 9/5/2008

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  • Correspondência:

    Marinella Centemero
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      09 Maio 2008
    • Recebido
      11 Fev 2008
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